Comunidade Yanomami se manifestando contra o garimpo na Terra Indígena Yanomami. Foto de Victor Moriyama/ISA. Extraída de: link. |
A campanha “Cadê os Yanomami?” começou a partir da constatação, no dia 27 de abril de 2022, da ausência dos indígenas da comunidade de Aracaçá da Terra Indígena Yanomami situada em Roraima [1]. Dessa comunidade havia surgido denúncias de estupro e morte de uma menina de 12 anos por garimpeiros que atuam na região. Uma equipe do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye´kwana (Condisi-YY) liderada por Júnior Hekurari Yanomami foi ao local e encontraram uma casa incendiada e os indígenas não estavam mais presentes. Assim surgiu a campanha “Cadê os Yanomami?” que se tornou um dos “trending topics” do Twitter no dia 03 de maio [2].
No dia 05 de maio, Hekurari relata em depoimento para a Polícia Federal que os antigos moradores de Aracaçá haviam se mudado do local e estão sendo tanto coagidos com ameaças, quanto subordinados com ouro da parte dos garimpeiros para não mencionarem mais o caso [3]. A mudança de local e a incineração de casas indica uma prática ritual de luto para o povo Yanomami [4], algo que sinaliza, ainda que implicitamente, que de fato ocorreu uma comoção coletiva na comunidade relativamente ao assassinato denunciado e não um “mal-entendido” [5] como estão pressupondo os investigadores do inquérito (ainda não concluído até o momento).
Embora os detalhes desse evento ainda estão por se revelar, sua repercussão está sendo fundamental para chamar a atenção para as invasões e violações que o garimpo e a mineração estão ocasionando nas Terras Indígenas da região.
Nossa tarefa como anarco-comunistas e revolucionários é proporcionar uma explicação que demonstre o quanto essa situação não é um “caso isolado” e sim uma consequência da histórica espoliação capitalista dos territórios dos povos originários. Além disso, é nosso compromisso militante desenvolver um posicionamento diante disso e adotar práticas de mobilização em solidariedade aos Yanomani e demais comunidades indígenas que estão sendo continuamente agredidas pela economia capitalista. No entanto, não o fazemos do ponto de vista do “movimento indígena” que não nos compete, mas sim da perspectiva revolucionária da classe proletária que coloca o problema noutros termos e exige uma solução necessariamente radical e definitiva.
1. O capitalismo e os povos indígenas
Já discutimos em outras publicações a questão da gênese e desenvolvimento do capitalismo e a relação desse modo de produção com as formações sociais pré-capitalistas. Nessa seção vamos fazer uma reavaliação dessa questão.
Segundo Marx (1996b, p. 341, negrito nosso): “O ponto de partida do desenvolvimento que produziu tanto o trabalhador assalariado quanto o capitalista foi a servidão do trabalhador. A continuação consistiu numa mudança de forma dessa sujeição, na transformação da exploração feudal em capitalista”. Essa transição do modo de produção feudal para o capitalista ocorre no século XVI: “Ainda que os primórdios da produção capitalista já se nos apresentam esporadicamente em algumas cidades mediterrâneas, nos séculos XIV e XV, a era capitalista só data do século XVI” (idem).
O século XVI foi perpassado por um conjunto de fatores interdependentes que formam um sistema mundial, integrado economicamente pelo comércio. Nesse período histórico ocorre uma série de formas de pilhagem colonial que formam a base da acumulação de capital mercantil. Os alvos dessas espoliações foram precisamente os povos nativos dos territórios em que o colonialismo se desenvolveu (ou seja: os diferentes povos que chamamos atualmente de indígenas). A incorporação dessas espoliações no orçamento dos Estados Absolutistas e o efeito multiplicador disso na geopolítica do período mercantilista (financiamento de expedições de guerra, monopólios comerciais, etc.) desenvolve um sistema de disputas global.
Os países mais avançados nesse sistema seriam aqueles que mais foram além no desenvolvimento do absolutismo até o ponto em que a forte centralização política (estatismo) se torna condição de transição da forma feudal de exploração para a capitalista. Este foi o caso da Inglaterra, que se tornará o núcleo desse sistema mundial.
Os ingleses se inseriam nesse processo de comércio global através da Companhia Britânica das Índias Orientais. Uma característica muito peculiar da unificação absolutista da Inglaterra era a regulação quase total de toda a vida social pelo Estado, suprimindo qualquer corporação de ofício ou senhor feudal que estivessem separados da administração estatal. Ainda nessa época a terra continuava sendo símbolo de riqueza e poder, e a classe dominante inglesa se caracterizava por ser uma aristocracia incorporada pela centralização política (perdendo a capacidade de ter uma força militar independente) e portadora de amplos domínios territoriais (vastas extensões de terras em grandes propriedades sem precedentes na história europeia).
Essas condições obrigaram a classe dominante inglesa a disputarem a supremacia entre eles não mais como “senhores da guerra” (warlords), mas apenas como “senhores da terra” (landlords). Os grandes proprietários passaram a arrendar suas terras para subsistir dos rendimentos do arrendamento, pois não era mais possível explorar trabalhadores rurais por meios extra-econômicos (forma da servidão feudal). Os arrendatários passam a competir por essas terras e desenvolveram uma forma de disputa que vai unificar eles em um mercado de produtos agrícolas de preço competitivo. Assim surge o imperativo da produtividade da terra e um mercado especificamente capitalista. Os chamados “melhoramentos” foram a primeira forma de exploração de sobretrabalho na relação entre o arrendatário capitalista e o trabalhador assalariado rural (transformação da forma de exploração feudal na forma especificamente capitalista).
Não obstante, a base de todo esse processo também foi a espoliação de terras. O roubo de terras dos camponeses, como os enclosures (cercamentos), privava o povo do campo dos meios de reprodução material e os obrigava a se tornarem, ou trabalhadores rurais assalariados, ou irem ao êxodo rural para os centros urbanos.
Nesse sentido, dois processos de espoliação são contemporâneos e mutuamente dependentes: a espoliação colonial dos territórios dos povos não europeus e a espoliação da classe camponesa na Europa. Ambos envolvem a privação dos espoliados de suas terras. O roubo que transforma o indígena em colonizado também transforma o camponês em assalariado. Não são processos isolados e independentes entre si, mas sim um e mesmo processo de formação do capitalismo que unifica historicamente colonizados e assalariados como a base da dominação que dá origem ao Capital. Nesse sentido, desde o princípio a luta anticolonial e a luta contra o salário formava uma unidade que só poderia sair vitoriosa sobre os dominantes enquanto luta unificada.
É nesse sentido que não pensamos o “movimento indígena” como uma luta “separada” da luta proletária contra o salário, até porque mesmo o processo da proletarização não faz sentido sem sua contraparte na dominação colonial. Os povos indígenas serão alvos do mesmo processo de proletarização na medida em que o capitalismo se desenvolve, pois continuarão sendo espoliados de suas terras para mercantilizar tudo que seus territórios tiverem de atrativo para o Capital e esse processo transforma progressivamente os indígenas em apenas mais um contingente de força de trabalho, ou seja: em proletários.
Isso também se verifica nas populações de reprodução social mais situada em processos ambientais particulares, como ribeirinhos e camponeses remanescentes. De todo o modo, na medida em que o capitalismo se reproduz de forma ampliada pelo mundo, só restam duas alternativas no interior do sistema: perecer ou se proletarizar (algo que já foi apresentado por nós em uma sistematização do conceito de etnocídio de Pierre Clastres, veja-se: link).
Não obstante, as formas comunais de produção que forem capaz de resistir, como era o caso da Obshchina (comuna) na Rússia, serão também o ponto de partida para uma transformação comunista nas relações de produção, embora esse processo não possa se realizar sem uma direção revolucionária da classe proletária unificada.
2. A ilusão jurídica:
O Estado brasileiro, desde sua formação, tinha uma política explicitamente assimiladora e integracionista dos povos indígenas à sociedade nacional, algo que só mudou de forma aparente com a Constituição de 1988, onde se convencionou o direito à autodeterminação cultural desses povos (pelo menos juridicamente falando).
Não obstante, embora se busque pela afirmação dos próprios modos de vida desses povos, as condições de realização desses modos de vida se encontram limitadas pelos mesmos organismos que supostamente deveriam reconhecê-los, isto é, pelos Estados e também pelo agrupamento internacional desses Estados (como as “Nações Unidas”).
Nesse caso, existe uma armadilha jurídica e tutelar disfarçada de “direito dos povos indígenas” que serve para subordinar politicamente esses povos ao Estado como “demarcador de terras” (e toda a ideologia indigenista colabora nisso).
Se por um lado se reconhece a autodeterminação indígena legalmente, por outro os indígenas estão sempre sob ataque e sob dependência econômica. Isso só pode significar que esse reconhecimento jurídico é uma forma ideológica de controlar e impedir a real libertação desses povos (que só poderia vir com a destruição dos Estados capitalistas). As frentes de expansão agrícola, mineradora, garimpeira e pecuária vão continuar violando os modos de existência que não são baseados nos “valores do mercado” enquanto houver capitalismo.
Dizer que tais processos de violação dos territórios indígenas “não possuem amparo jurídico” é desconhecer a natureza da Lei:
A proteção da exploração – direta, pelas leis sobre a propriedade, e indireta, pela manutenção do Estado –, eis, portanto, a essência e a matéria de nossos Códigos modernos e a preocupação de nossas dispendiosas máquinas de legislação. (…) A lei, que se apresentou no início como um conjunto de costumes úteis à preservação da sociedade, nada mais é que um instrumento para a manutenção da exploração e do domínio dos ricos ociosos sobre a massa trabalhadora (KROPOTKIN, 2005, pp. 177-178, negritos nossos).
Portanto, os militantes revolucionários precisam denunciar e criticar toda a ideologia legalista e indigenista que busca assimilar a luta pela terra (contra as espoliações) nos marcos legais da institucionalidade burguesa. A verdadeira autodeterminação é aquela que impomos autonomamente sem necessidade tutelar do Estado burguês e, mais precisamente: contra todos os Estados, pela ação direta.
3. O boom das commodities e as espoliações:
O que criticamos na seção anterior como ilusão jurídica consiste na ignorância das disputas reais que perpassam os conflitos sociais. Se as leis não são senão instrumentos, isso se deve ao fato de que elas apenas indicam a situação histórica em que se encontram e se estabilizam as disputas. Tanto que a desregulamentação da legislação e dos órgãos de fiscalização do governo para problemas socioambientais não ocorrem por meras decisões governamentais, mas fundamentalmente pelos interesses econômicos reais dos grupos que são representados nos governos (ou seja: uma decisão do governo é apenas a ponta do iceberg).
Nos últimos vinte anos [6], grande parte do desmatamento ocorrido em florestas tropicais está atrelado ao aumento significativo da demanda do mercado internacional por commodities (produtos primários), como produtos agrícolas, minerais, pecuários, etc. Em outras palavras: o disparo dos preços no mercado internacional é a base real do interesse econômico dos empreendimentos extrativos e agrícolas, associados com as condições socioeconômicas do modo de produção capitalista. As mudanças governamentais são passivas diante disso e não podem fazer outra coisa senão gerir esse processo. Por isso é um absurdo considerar que a Amazônia e os povos indígenas estão sob ataque em função de um governo particular da burguesia (seja esse governo do PT, do PSDB ou mesmo o governo Bolsonaro), pois os governos apenas sancionam os fatos consumados do capitalismo.
O estado de Roraima, onde se encontra a comunidade Yanomami de Aracaçá, é um dos focos do chamado “ciclo do ouro” que tem provocado o garimpo ilegal, a mineração intensiva, em suma, uma série de atividades extrativistas que contribuem com a devastação socioambiental da floresta tropical sob os auspícios do Capital.
Vale salientar que o norte do Brasil é historicamente marcado pelo interesse econômico no garimpo durante todo o século XX (e isso vai se prolongar no século XXI a partir da alta no preço do ouro). Costuma-se dividir em três períodos o desenvolvimento do garimpo em Roraima, conforme a figura abaixo que extraímos de um estudo interessante sobre o assunto [7]:
O processo de espoliação de territórios indígenas nessa região está associado com essas atividades extrativistas (enquanto que noutros lugares, como no Mato Grosso, são os agricultores de soja que buscam espoliar os indígenas para lucrar com o boom das commodities). No gráfico abaixo é possível ter uma noção da motivação extrativista diante da escalada do preço do ouro entre 2002 e 2020 [8]:
Preço do ouro por onça em dólar (Goldprice, 2021). |
Vê-se como não podemos ignorar o fato de que os conflitos socioambientais da região envolvem necessariamente as condições estruturais do modo de produção capitalista e se manifestam fundamentalmente no antagonismo entre os interesses econômicos dos espoliadores e a resistência e luta contra a espoliação das terras indígenas.
Em 2013, Davi Kopenawa, uma liderança indígena Yanomani, já havia nos alertado sobre o perigo do garimpo e sobre a possibilidade de um novo Massacre de Haximu (uma chacina de indígenas Yanomami realizada por garimpeiros em 1993). Kopenawa havia dito que: “Os índios estão revoltados. Se a Funai não tomar providência de retirar esses garimpeiros da comunidade, vai acontecer igual ao Massacre de Haximu, uma grande matança do meu povo. O clima entre os indígenas e os garimpeiros é tenso” [9]. No entanto, a Funai continua sendo apenas mais um órgão do governo que não é capaz de fazer nada para barrar o avanço do garimpo. De certa forma, a fala dele também nos mostra como a ideologia tutelar ainda impõe a dependência institucional ao Estado brasileiro.
De todo o modo, Kopenawa não se engana quando identifica a origem dessas espoliações com o que ele chama de “paixão pelas mercadorias”: “Se os brancos pudessem, como nós, escutar outras palavras que não as da mercadoria, saberiam ser generosos e seriam menos hostis conosco. Também não teriam tanta gana de comer nossa floresta. Trocamos bens entre nós generosamente para estender a nossa amizade. Se não fosse assim, seríamos como os brancos, que maltratam uns aos outros sem parar por causa de suas mercadorias” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, pp. 413-414). O que ele descreve nesse trecho não é senão o fetichismo das mercadorias que, segundo Marx, são as: “relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas” (MARX, 1996a, p. 199), ou seja: a coisificação da relação entre as pessoas e a personificação das relações entre as mercadorias.
E a “grande matança” dos Yanomami da qual Kopenawa nos fala já é uma realidade. Se tornou pior ainda com a pandemia [10], dado que o coronavírus pode ser utilizado indiretamente para contaminar e fazer morrer indígenas. Ao mesmo tempo, existe todo um processo de assujeitamento dos jovens Yanomamis para transformá-los em meros trabalhadores assalariados do garimpo. Em outras palavras: proletarizar ou perecer, como havíamos dito.
4. A esquerda e a direita do Capital se unem contra os proletários indígenas:
O eixo dinâmico da economia brasileira, principalmente nos últimos anos, foi orientado segundo as exportações (favorecendo os interesses dos exportadores). Dos anos 80 em diante, temos uma situação que tendeu a desindustrializar progressivamente o país e a reprimarizar sua economia.
- Observação: Isso não significa que defendemos qualquer desenvolvimentismo do país, assim como não defendemos a destruição socioambiental provocada por uma economia primarizada. O que defendemos é a destruição do modo de produção capitalista que cria essas tendências degradantes da vida no planeta.
Os governos petistas só gozaram de certa estabilidade política na medida em que aproveitavam a estabilidade econômica do boom das commodities no hiperciclo que vai de 2000 até 2014 (embora o ouro não tenha baixado seu preço no mercado internacional, como vimos).
Não obstante o petismo ter cumprido seu papel de conciliação de classes (e de levar a cabo a construção da hidroelétrica de Belo Monte por cima e contra os povos indígenas), o petismo se via afetado politicamente pelos protestos de 2013 e pela recessão econômica de 2014. Os países importadores foram afetados progressivamente pelo impacto da crise de 2008, prejudicando a exportação brasileira (isso ocasionou a recessão econômica no Brasil em 2014, quando a “marolinha” mostrava seu impacto). Essa condição política e econômica instável foi suficiente para a classe dominante se decidir pelo impeachment de 2016.
Os governos que se seguiram (Temer e Bolsonaro) apenas continuam de onde o petismo parou: aprovando todo tipo de desregulação que contribui com a exploração absoluta da classe trabalhadora e favorecendo os interesses dos exportadores, sobretudo contra qualquer comunidade (principalmente indígenas) que ficarem no caminho do extrativismo e do agronegócio.
Os protestos bolsonaristas do sete de setembro do ano passado não passavam de uma articulação do agronegócio em favor do governo, justamente porque este não apenas perdoou as dívidas desse setor como também mantém a moeda brasileira desvalorizada (que permite exportar barato, garantindo “vantagens competitivas” no mercado internacional).
Os alvos principais desse bloco histórico da classe dominante são, portanto: os povos indígenas, ambientalistas e comunidades como quilombolas, ribeirinhos e outras que ficam no caminho das fronteiras agrícolas, pecuárias, de mineração e garimpo.
Assim, os protestos do sete de setembro tinham como pauta implícita, não um golpe (embora sejam desejosos de uma ruptura institucional), mas simplesmente numa pressão para aprovar o Marco Temporal e outras medidas anti-indígena e contrárias às regulamentações socioambientais.
- Observação: o Marco Temporal é uma tese jurídica que defende uma alteração na política de demarcação de terras indígenas no Brasil. Segundo essa tese, só poderia reivindicar direito sobre uma terra o povo indígena que já estivesse ocupando-a no momento da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. O Projeto de Lei 490 (PL 490) regularia esse Marco Temporal, pois altera a Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio.
Por sua vez, a social-democracia (cuja direção está encabeçada atualmente pelo PT e centra-se na candidatura de Lula) tem cumprido o seu invariável papel de desarmar e desarticular as forças proletárias, enquadrando seus movimentos em questões jurídicas e criminalizando os desvios.
Nisso consistiu o “Fora Bolsonaro” ano passado, cujos principais eventos foram: a reunião com a PM de SP, e a preocupação dos organizadores do “Fora Bolsonaro” em criminalizar black blocs, a organização de atos estacionários, ceder aos bolsonaristas o domínio da rua, a hostilização com o movimento indígena (quando o MTST ostracizou a luta contra a aprovação do Marco Temporal durante um protesto de 19 de junho), dentre outras coisas que relatamos em nosso texto: As vicissitudes da luta de classes brasileira.
Não nos surpreende que tanto a direita reacionária quanto a esquerda do Capital (social-democracia) tenham unido forças para barrar a luta indígena contra o Marco Temporal, afinal ambos os lados dessa moeda sabem que precisam dos rendimentos das commodities para se autofinanciarem como bons representantes da classe dominante que são.
Tudo que a social-democracia fez foi canalizar um potencial de revolta para impedir que houvesse realmente uma revolta, usando a insatisfação a favor de sua campanha eleitoral antecipada (Lula) e desmobilizando qualquer luta efetiva que não se conformasse a esses objetivos.
Portanto, é absolutamente sem fundamento toda e qualquer ideologia do “voto crítico” ou qualquer espécie de justificação do eleitoralismo. Todo o processo de lutas contemporâneas aponta para o reacionarismo inerente da social-democracia como antessala da extrema direita.
5. Protestos que ocorreram sob a bandeira “Cadê os Yanomami?”:
No dia 09 de maio ocorreram protestos em São Paulo e Porto Alegre (não sabemos ainda se tiveram protestos em outros lugares) cujas estimativas indicam no máximo uma média de 200 pessoas [11].
Isso demonstra que a social-democracia não está disposta a mobilizar uma força sequer de suas organizações e aparelhamentos (como sindicatos) em prol da luta contra a espoliação de terras. Na verdade, isso é algo que já era de se esperar, mas esse evento serve de confirmação para nossa avaliação e atesta a conivência da social-democracia com a violação dos territórios indígenas.
A esquerda do Capital convenientemente está toda ela mobilizada e centralizada nas eleições, qualquer ação independente será boicotada.
No entanto, existe algo de muito positivo nesses protestos, mesmo que não tenham sido massivos. Eles atestam a possibilidade de agir coletivamente de forma direta e independentemente das organizações sociais-democratas que controlam e assimilam a classe proletária, a partir de nossos próprios meios e com nossos próprios objetivos.
Nesse sentido, o compromisso dos militantes revolucionários é contribuir o máximo possível para que mais ações como essa se realizem e sejam dirigidas conforme os objetivos do programa revolucionário de construção do comunismo libertário sob os escombros do capitalismo.
Notas:
[1] – Para um resumo do caso, veja: PAIVA, Vitor. ‘Cadê os yanomami’: como está investigação sobre comunidade incendiada após morte de menina. Hypeness. Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2022/05/cade-os-yanomami-como-esta-investigacao-sobre-comunidade-incendiada-apos-morte-de-menina/>. Acesso em: 9 maio 2022.
[2] – Sobre isso, veja-se: AGÊNCIA CENARIUM. “CADÊ OS YANOMAMI?”: pergunta que está no ‘trending topics’ do Twitter continua sem resposta. TV Cultura. Disponível em: <https://cultura.uol.com.br/cenarium/2022/05/03/192753_cade-os-yanomami-pergunta-que-esta-no-trending-topics-do-twitter-continua-sem-resposta.html>. Acesso em: 9 maio 2022.
[3] – Veja-se: Alvo de garimpeiros, comunidade Yanomami é encontrada em Roraima. Disponível em: <https://climainfo.org.br/2022/05/08/alvo-de-garimpeiros-comunidade-yanomami-e-encontrada-em-roraima/>. Acesso em: 9 maio 2022.
[4] – Lideranças indígenas haviam relatado que, conforme Costume e Tradições, “após a morte de um ente querido, a comunidade em que [este] residia é queimada, e todos evacuam para outro local”. Veja-se: “Cadê os Yanomami”: O que se sabe sobre o paradeiro de indígenas de comunidade incendiada. Disponível em: <https://climainfo.org.br/2022/05/06/cade-os-yanomami-o-que-se-sabe-sobre-o-paradeiro-de-indigenas-de-comunidade-incendiada/>. Acesso em: 9 maio 2022.
[5] – O suposto “mal-entendido” pode ser verificado no site de notícias da Globo que, como podemos notar, também tem intenção de abafar o caso: Investigação da PF sobre denúncia de estupro e homicídio de menina Yanomami aponta para mal-entendido. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/05/06/investigacao-da-pf-sobre-denuncia-de-estupro-e-homicidio-de-menina-yanomami-aponta-para-mal-entendido.ghtml>. Acesso em: 9 maio 2022.
[6] – Para informações sobre a questão do boom das commodities e seus impactos no estado do Amapá, recomendamos esse artigo: FERNANDES, Rhuan Muniz Sartore; DHENIN, Miguel Patrice Philippe. Análise da atividade neoextrativista da mineração de ouro no estado do Amapá (2000-2020). Confins, n. 54, 2022. Disponível em: <http://journals.openedition.org/confins/44899>. Acesso em: 10 maio 2022.
[7] – O estudo que mencionamos é este: SANTOS, Eder Rodrigues; MATTIONI, José Victor Dornelles; FALCÃO, Márcia Teixeira. A extração mineral e conflitos: ensaio geo-histórico do garimpo ilegal nas terras indígenas no Extremo Norte Brasileiro. Geographia Opportuno Tempore, v. 7, n. 1, p. 104–119, 2021. Disponível em: <https://www.uel.br/revistas/uel//index.php/Geographia/article/view/44854>. Acesso em: 10 maio 2022.
[8] – Referência: Goldprice. Preço do ouro por onça no mercado internacional, na cotação do dia 20 de janeiro de 2021. Disponível em: <https://goldprice.org/pt/spot-gold.html>. Acesso em: 10 maio 2022.
[9] – RR, Vanessa Lima. Do G1. Vinte anos após Massacre de Haximu, índios temem novo conflito. Roraima. Disponível em: <http://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2013/03/vinte-anos-apos-massacre-de-haximu-indios-temem-novo-conflito.html>. Acesso em: 10 maio 2022.
[10] – Veja esse estudo sobre essa questão: MUNIZ SARTORE FERNANDES, R. A EPIDEMIA DO GARIMPO ILEGAL E O AVANÇO DA COVID-19 NA TERRA INDÍGENA YANOMAMI. Ensaios de Geografia, v. 7, n. 14, p. 214-226, 31 ago. 2021.
[11] – Veja-se: Manifestantes protestam contra garimpo em terras indígenas na Avenida Paulista. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/05/09/manifestantes-protestam-contra-garimpo-em-terras-indigenas-na-avenida-paulista.ghtml>. Acesso em: 11 maio 2022.
Referências:
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Vol 1. Tomo I. São Paulo: Nova Cultural, 1996a.
__________. O Capital: crítica da economia política. Vol 1. Tomo II. São Paulo: Nova Cultural, 1996b.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Davi. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Tradução de Beatriz Perrose-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
KROPOTKIN, Peter. Palavras de um revoltado. São Paulo: Imaginário; Ícone, 2005.