quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Sínteses de Spinoza: Contribuições para uma teoria da socialidade a partir da afetividade

Para Spinoza, desejar é se esforçar (conatus) por perseverar em seu ser. A essência atual de um modo de existência singular nada mais é do que seu desejo e também é sua causa eficiente. O desejo é uma potência intransitiva (isto é, sem objeto) que varia de acordo com os encontros (occursus) no mundo. Todos os corpos singulares estão em constante afecção (affectio) uns com os outros em decorrência dos encontros entre eles. Todos os corpos são determinados a agir a partir da determinação de seus processos desejantes pelas afecções que se realizam nos encontros.

Na medida em que se afeccionam, eles variam sua força de existir (vis existendi), portanto alteram sua potência de agir (potentia agendi) para mais ou para menos. Podemos considerar que a força de existir é a capacidade de ser afetado e a potência de agir é a capacidade de afetar outros corpos. A contínua variação pela qual passa um modo de existência singular é chamada de afeto (affectus). Para fins didáticos, diremos (DELEUZE, 1997, pp. 156-157) que a modificação de um corpo no espaço pelo encontro é a afecção (efeito de causas exteriores) e a modificação do mesmo no tempo de sua duração existencial é o afeto (efeito da alteração da conatus e suas implicações na vis existendi e potentia agendi).

A passagem de uma perfeição (ou seja: realidade) maior para uma menor é o que Spinoza chama de tristeza e o contrário (de uma menor a uma maior) é a alegria. Não existe a alegria e a tristeza em si mesmas, pois cada experiência é singular e irredutível, possuindo em comum apenas a oscilação afetiva descrita (o “mais” e o “menos” que advém de cada encontro). Neste caso, o desejo se realiza ao ser constrangido em seu esforço de perseveração (tristeza) ou se realiza pelo favorecimento desse mesmo esforço (alegria). De todo modo e em ambos os casos o desejo se realiza, ora constrangido, ora favorecido. Neste sentido, não há objeto dado nem finalidade objetiva pressuposta no desejo, portanto não existe nem falta de objeto e nem “busca por prazer” como meta.

Podemos considerar o “prazer” como análogo ao que Spinoza chama de “alegria”, portanto veremos que este é produzido pelo desejo, ou seja, é a natureza do desejo que explica o prazer e não o contrário. Se a alegria é o favorecimento do esforço de perseveração de um ser, deve haver algo de comum entre os corpos que se encontram e que faz com que haja composição (sendo o contrário a decomposição). Um corpo é sempre uma complexidade de relações constituintes, portanto, quando um corpo encontra com algo que se compõem com ele, ocorre favorecimento dessas relações no conatus que as integra. A decomposição efetua o contrário, obstruindo a perseveração dessas relações parcial ou totalmente (o segundo caso implica na destruição desse modo de existência).

A contínua repetição e memorização das afecções na forma de imagens que a mente imagina produz o que Spinoza chamou de compleição (ingenium) imaginativa e disposicional, uma forma de habitus. Essas acomodações se tornam mecanismos que condicionam a ação dos corpos. Elas são formadas a partir da mimese afetiva e da emulação do desejo em conjunto que surge quando vários corpos desejantes formam uma coletividade que partilha certas características. Spinoza não ignora, neste sentido, o processo de formação social das pessoas singulares. Além disso, vemos aqui a unificação do sociológico e do psicológico numa mesma teoria dos afetos.



Referências:



BRAGA, Luiz Carlos Montans. A política e os afetos: a concepção espinosana. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 2010-2042, jul. 2017. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179-89662017000302010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 25 dez. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/2179-8966/2017/24762.

DELEUZE, Gilles. Spinoza e as três “Éticas”. In: _____. Crítica e Clínica. São Paulo: Ed. 34, 1997.

LORDON, Frédéric. A sociedade dos afetos: por um estruturalismo das paixões. Tradução de Rodolfo Eduardo Scachetti e Vanina Carrara Sigrist. Campinas: Papirus, 2015.

LUZ, Diogo da. Spinoza e as Ciências Sociais: A Proposta de Frédéric Lordon. Intuitio, Vol.10 – Nº.1, Porto Alegre, jul. 2017, pp. 135-149.

SPINOZA, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário