quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

A verdade sobre os eventos de Kronstadt (1921) – Stepan Petrichenko

Imagem da repressão aos marinheiros de Kronstadt.


Nessa publicação vamos dar início à incorporação de áudios de leitura do material disponibilizado através da incorporação das faixas respectivas pelo soundcloud.

Decidimos começar por um texto fundamental sobre a “Revolta de Kronstadt” de 1921, escrito por um marinheiro que figurava entre as lideranças do movimento. Estamos próximos do centenário desses acontecimentos, então gostaríamos de manter nossa memória histórica bem “afinada”.

Gostaríamos de divulgar aqui também o excelente trabalho do blog “Geografia – isso não serve para fazer nada” que consistiu na publicação integral do trabalho seminal do historiador Paul Avrich sobre a revolta dos marinheiros. Trata-se do livro “Kronstadt, 1921”. A tradução desse material foi obra de Jean Fecaloma. Está dividido em 5 partes:

– Introdução & A crise do comunismo de guerra: link.

– Petrogrado e Kronstadt: link.

– Kronstadt e os emigrados russos: link.

– O primeiro assalto a Kronstadt: link.

– O programa de Kronstadt: link.

Informações biográficas sobre Petrichenko (autor do texto que ora publicamos) se encontram disponíveis no terceiro dos links acima.

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O “Pravda o kronshtadtskikh sobytiiakh” (A verdade sobre os eventos de Kronstadt) é um texto de Petrichenko sobre a “Revolta de Kronstadt”, publicado originalmente em 1921. Essa versão foi publicada como parte do livro The Kronstadt Rebellion (Berlin, Der Sindikalist, 1922). No Brasil, foi publicado como Kronstadt (Ateneu Diogo Giménez, 2011). Tradução: Ateneu Diego Giménez / COB-AIT Piracicaba/SP.

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Ao levar a cabo a Revolução de Outubro de 1917, os trabalhadores da Rússia e da Ucrânia esperavam obter sua emancipação completa. Depositaram todas as suas esperanças no partido bolchevique, porque parecia responder aos seus interesses.

O que é que este partido, dirigido por Lenin, Trotsky, Zinoviev e outros, lhes retribuiu nos três anos e meio que detém o poder? O caminho bolchevique não conduziu à emancipação dos trabalhadores, mas a uma escravidão ainda maior do proletariado. Em lugar da monarquia policial, os trabalhadores conhecem agora o temor permanente de cair nas mãos da Tcheka, que supera bastante a crueldade da polícia do regime czarista. Agora são conscientes dos fuzilamentos e das humilhantes vexações dos carcereiros tchekistas. Se o trabalhador se atreve a expressar a dolorosa e pesada verdade, é então associado aos contrarrevolucionários, aos agentes da Entente etc., recebendo como recompensa uma descarga de fuzil ou a prisão, ou seja, a morte por inanição.

Os bolcheviques aprisionaram os operários às oficinas, com a ajuda dos sindicatos corruptos, fazendo com que o trabalho deixasse de ser criativo e estimulante para converter-se, como antes, em uma nova e insuportável escravidão.

Os bolcheviques responderam aos protestos dos camponeses, que se manifestavam com revoltas espontâneas, e dos operários, obrigados a recorrerem à greve para melhorar suas condições de vida, com fuzilamentos em massa, incontáveis encarceramentos e internações em campos de concentração.

Como vivem os camponeses e o que obtiveram do novo regime? Conseguiram a escravidão dos trabalhos forçados, sem distinção de idade, sexo ou situação familiar, a pilhagem completa das colheitas, do gado e das aves de curral, levadas a cabo por inumeráveis requisições e confiscos e pelo controle de todos os deslocamentos, mediante incalculáveis destacamentos de inspeção.

Foi generalizado o reinado da arbitrariedade. Se um camponês tem três de seus filhos no Exército Vermelho e um deles volta ao seu povoado por contra própria para conhecer a situação; então, sem ter em conta que os outros dois filhos permanecem no serviço, o sítio familiar fica liberado, por efeito da deserção de um de seus membros, à pilhagem total.

Não obstante, o exército e as forças armadas de nada sabiam sobre a verdadeira situação do país. As informações que chegavam eram muito confusas e imprecisas; era difícil fazer uma ideia exata baseando-se nos rumores ou no correio familiar “censurado”

Durante todo este tempo, os bolcheviques enganaram sua gente, esboçando quadros idílicos em seus periódicos. Se eram lançadas queixas contra os abusos, as autoridades centrais respondiam dizendo que seriam tomadas as medidas oportunas, mas tudo ficava no papel. Pelo contrário, quando o comissário local se inteirava que tinha sido tramitada uma queixa contra ele, se ocupava de perseguir os querelantes por todos os meios ao seu alcance, tornando as suas vidas impossíveis.

Ninguém estava em condições de conhecer a situação e os meios de vida de sua família: não concediam nenhuma permissão por causa da tensão militar e a censura impedia que passassem as cartas que expunham a amarga verdade. Somente os periódicos e a literatura bolchevique tinham curso livre, e, segundo eles, tudo ia bem por todas as partes.

Por tudo isso, as tripulações se encontravam na incerteza: alguns confiavam na propaganda oficial, mas outros não. Teve lugar uma desmoralização parcial do exército e foram concedidas breves permissões, limitadas a dez por cento dos efetivos. Aqueles que tiveram a sorte de aceder a elas estavam perfeitamente a par da situação real do país ao regressarem, ao ter tido ocasião de tomar consciência da imbecilidade, da arbitrariedade e da violência repressiva da comissariocracia. Estes explicaram aos seus camaradas a repressão e as injustiças que reinavam no país. Deste modo, a amarga verdade começou a ser conhecida nas unidades de Petrogrado e Kronstadt.

Os ucranianos, por sua vez, se negavam a regressar ao terminar sua permissão. Alguns deles contaram que os pais maldiziam os seus filhos por terem defendido essa cambada de bandidos e canalhas que tinha levado a Rússia à ruína geral, a uma situação de violência espantosa e a uma opressão e uma arbitrariedade desconhecidas até então. Assim chegamos ao conhecimento da verdade e nos pusemos a discuti-la coletivamente, apesar da proibição a reuniões ou concentrações, ditada pelos comissários e comunistas. As assembleias passaram a ter cada vez maior participação, chegando sempre à desaprovação unânime e indignada do regime bolchevique.

Petrogrado e Kronstadt sofreram nesse período, como anteriormente, uma grave crise de abastecimento. Todos se indignaram contra a “ordem bolchevique”, graças à qual os operários se encontravam esfomeados, com frio e aprisionados às suas fábricas, nas quais deviam esgotar as suas últimas forças.

A paciência chegou ao limite: nos dias 25 a 28 de fevereiro, greves irromperam em Petrogrado. O poder respondeu com prisões em massa e disparos de fuzil contra os operários.

As fábricas foram colocadas sob a vigilância dos tchekistas e dos kursanti disseram aos operários que voltassem ao trabalho, mas eles se negaram. Nossa tripulação soube com indignação o que acontecia em Petrogrado no curso das reuniões espontâneas, as quais estavam, não obstante, formalmente proibidas pelos comissários; então exigimos a estes o envio de uma comissão, composta por gente sem partido, a Petrogrado, com o objetivo de se informar a respeito do que acontecia na realidade, porque os bolcheviques tratavam de nos fazer crer que agentes e espiões da Entente tinham tentado organizar greves em Petrogrado, mas que tudo havia voltado à normalidade e as fábricas funcionavam de novo sem problemas.

Em Petrogrado, os operários eram ameaçados com a intervenção de Kronstadt, a Vermelha, a qual os obrigaria a voltar ao talho se persistissem em sua atitude grevista. Por isso soubemos que, de modo geral, os bolcheviques tinham transformado Kronstadt em um espantalho em toda a Rússia para apoiar sua política; a indignação das tripulações ao ter notícia destes fatos foi enorme, porque este papel não podia de modo algum ser de Kronstadt.

No dia 27 de fevereiro, foram celebradas duas reuniões espontâneas, primeiro entre as tripulações dos encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol e, mais tarde, entre os componentes da 1ª e da 2ª brigada de destruidores, durante as quais todo mundo exigiu aos comissários de modo imperativo a eleição de uma comissão de delegados sem partido para visitar as fábricas e os acantonamentos da guarnição de Petrogrado. Não podendo fazer de outro modo, Kuzmin, o comissário do Poubalt, que acabava de chegar em Petrogrado em companhia de outros notáveis bolcheviques, se viu forçado a autorizá-la. Foi eleita uma delegação de 32 membros.

O comissário da frota do Báltico ordenou que estes delegados se apresentassem perante todos os Sovietes da região e perante os comitês de fábrica. Assim fizeram ao chegarem a Petrogrado, onde lhes foi declarado que a cidade estava em estado de sítio e que, por consequência, as reuniões e os encontros estavam formalmente proibidos. Os delegados insistiram em querer se reunir com os operários nas fábricas. Então os bolcheviques utilizaram um subterfúgio: organizaram por conta própria reuniões nas quais apresentaram falsos delegados de Kronstadt, apesar deles serem membros do partido, pretendendo dessa forma semear a confusão; não obstante, os delegados de Kronstadt puderam facilmente fazer esta manobra grosseira fracassar.

Nas assembleias de fábrica nas quais os bolcheviques apresentaram delegados falsos, declararam que Kronstadt não permitiria que os distúrbios em Petrogrado continuassem; mas os delegados autênticos conseguiram desmascará-los em boa parte dos casos. Por fim, as assembleias foram autorizadas, frente à insistência dos delegados, mas com a presença dos membros da Tcheka, dos Sovietes locais, dos comitês de fábrica e de funcionários dos sindicatos estatais para intimidar os operários. Estes temiam falar com os delegados, fazendo-lhes compreender que não lhes era possível fazê-lo em presença de todos esses esbirros; de fato, aquele que ousava protestar ou denunciar a situação se encontrava na noite seguinte na prisão de Gorokhovaya, onde cerca de mil camaradas seus já se encontravam há alguns dias.

Nestas condições, os delegados exigiram que os membros da Tcheka e outros sicários abandonassem as reuniões. Estes últimos recusaram, declarando que as conversas só podiam ser realizadas em sua presença.

Em uma reunião, os delegados pediram aos operários que expressassem o que tinham a dizer, prometendo-lhes defendê-los para afugentar seus temores, mas somente alguns puderam responder por meio de suas lágrimas, o que demonstrava fidedignamente até que ponto se sentiam abatidos e impotentes.

Os delegados de Kronstadt propuseram aos operários e soldados que enviassem delegados a Kronstadt. Em 28 de fevereiro, os delegados voltaram a Kronstadt, acompanhados por outros de Petrogrado, expondo seu informe nos cascos; como consequência, o Petropavlovsk e o Sevastopol adotaram uma resolução que exigia, principalmente, a eleição de novos Sovietes locais mediante voto secreto.

A resolução foi aprovada por unanimidade, sem ter em conta as manobras de diversão e obstrução de Kuzmin e outros notáveis bolcheviques de Petrogrado que assistiam às assembleias. Kuzmin e seus colegas chegaram a tal extremo de cinismo em suas intervenções e manobras que os marinheiros, indignados, tiveram que lhes interromper em mais de uma ocasião. Nesta reunião, foi decidido convocar uma Assembleia Geral de toda a população de Kronstadt para o dia seguinte, 1º de março, na Praça da Âncora.

Kalinin, o Hierarca de Todas as Rússias, compareceu a esta assembleia geral da guarnição e da população de Kronstadt. Pronunciou um discurso, esforçando-se em fazer a reunião fracassar. Quando se deu conta de que isso não era possível, se recusou a falar na Praça e exigiu que a reunião fosse transferida para o posto de manobras da marinha, mas os participantes se negaram e insistiram em que a reunião continuasse na Praça da Âncora.

Diversos oradores intervieram nessa assembleia. A resolução proposta pelos encouraçados foi adotada por unanimidade, com os únicos votos contra de Kalinin, Kuzmin e Vassiliev, este último Presidente do Soviete de Kronstadt. Ao constatar semelhante unanimidade da assembleia, Kalinin e Kuzmin declararam que “se Kronstadt diz branco, nós dizemos preto” e que “Kronstadt não representa por si só toda a Rússia e portanto não será levada em consideração”.

Essas palavras agitaram ainda mais os participantes; então, alguém lhes perguntou por que os bolcheviques tinham afirmado até esse momento que Kronstadt era o centro da revolução e o seu mais fiel bastião e por que tinha sempre apoiado Kronstadt. Não houve resposta.

A reunião decidiu proceder à eleição de um novo Soviete no dia seguinte, através dos representantes de cada uma das companhias, dos grupos profissionais e de fábrica, à razão de dez delegados por unidade.

Os membros do partido comunista estiveram reunidos toda a noite de 1º a 2 de março, decidindo morrer antes de entregar o poder; durante o resto da noite se dedicaram a armar quem acreditavam ser mais confiáveis: os clubes dos Sovietes e outras instituições. Kalinin saiu de Kronstadt nessa mesma noite sem que ninguém o impedisse.

Em 2 de março, às onze da manhã, os delegados designados foram ao encouraçado Petropavlovsk. Todos eram independentes. Havia cerca de 250 pessoas, sendo insuficiente o espaço do casco, por isso foi proposto aos delegados transferir a reunião para a casa de cultura e às duas da tarde foi aberta a sessão.

Foi designada a presidência e quando se chegou à discussão da situação atual, Kuzmin e Vassiliev pediram a palavra para intervir a respeito. A assembleia assim concordou e ambos se puseram a repetir as mesmas ameaças que haviam lançado na Praça da Âncora, tendo o maior cuidado de evitar responder as perguntas diretas que lhes eram dirigidas. A assembleia pediu então sua prisão imediata e seu desarme, o que foi executado pela presidência.

Pouco depois, começaram a chegar mensagens e telegramas de caráter provocador. A intenção manifesta dos bolcheviques era sabotar a reunião. Assim, por exemplo, chegaram informações nas quais se afirmava que a escola do partido e os comissários estavam se armando fortemente e se aprontavam para cercar o edifício onde ocorria a assembleia de delegados; ou ainda, que dois mil cavaleiros de Boudienny se acercavam às portas da cidadela. A assembleia se indignou ao ter conhecimento destes rumores e alguns começaram a ficar nervosos, mas o presidente da sessão conseguiu restabelecer a calma e os debates continuaram.

Todo mundo sabia que os bolcheviques tinham se armado durante a noite e que um ataque era possível. Os debates se estendiam, mas finalmente se propôs não perder tempo, visto que os bolcheviques atuavam, e nomear rapidamente um Comitê Revolucionário. Cinco membros foram eleitos para este Comitê: Petritchenko, presidente, Yakovenko, Tukin, Arkhipov e o professor Oreshin.

Ao final da reunião, às cinco da tarde, o Comitê Revolucionário (CR) se instalou no encouraçado Petropavlovsk, onde foi formado um estado-maior militar.

Os destacamentos militares vieram para se colocarem à disposição do Comitê Revolucionário. Em uma hora foram reunidos oitocentos homens, recebendo a ordem de ocupar todos os pontos estratégicos da fortaleza: a central telefônica, os locais da Tcheka, o arsenal, os depósitos de abastecimento, as padarias, as estações elétricas, as cisternas de água, os estados-maiores, a defesa antiaérea, a artilharia etc.

Às nove da noite, a cidade estava totalmente controlada, sem disparar um tiro nem derramar uma gota de sangue. Nenhum dos edifícios armados pelos bolcheviques opôs resistência, porque os militantes de base do partido se negaram a disparar contra seus camaradas. A partir desse momento, não sobraram mais que cinquenta dirigentes e duzentos estudantes da escola do partido, tentando por todos os meios ao seu alcance recuperar o poder que lhes escapava.

O Comitê Revolucionário (o Revkom) decidiu que fossem ocupados os fortes, depois de terem ocupado a cidade, sendo igualmente tomados sem fazer um único disparo, já que o grupo de bolcheviques não tinha tido maior êxito que o que tiveram com os marinheiros. Quando a guarnição dos fortes quis proceder à prisão dos bolcheviques, estes se refugiaram na costa do golfo e conseguiram se apoderar do forte Krasnaya Gorka (a colina vermelha), por ser um grupo suficientemente numeroso para surpreender a guarnição de um único forte, ainda vacilante nesses momentos. Uma vez com o posto em seu poder, procederam à prisão e à execução daqueles que achavam suspeitos.

Assim foi como a cidade e os fortes de Kronstadt passaram para as mãos do Comitê Revolucionário.

Nesse mesmo dia, até a meia noite, o Comitê Revolucionário pediu que um destacamento de cinquenta marinheiros e seis delegados fosse até Oranienbaum, na outra ribeira do golfo. O destacamento percorreu cinco verstas, até que foi recebido com um nutrido fogo de metralhadoras, ao chegar a uma versta e meia da costa. Os seis delegados seguiram sozinhos, mas os kursanti nem sequer se deram ao trabalho de discutir com eles, pegando três, enquanto os outros escaparam e alcançaram o destacamento.

Os marinheiros tentaram pôr os pés na ribeira de Oranienbaum em outro lugar, mas tampouco tiveram êxito e ao amanhecer se viram obrigados a voltar a Kronstadt.

Nesse exato momento chegaram três delegados da divisão aérea de Oranienbaum, que comunicaram a intenção da divisão de unir-se a Kronstadt. Quando voltaram, foram imediatamente aprisionados e fuzilados. Em seguida, quarenta e quatro camaradas seus foram igualmente executados.

Em Kronstadt tudo estava tranquilo. Só foram presos os bolcheviques que tinham abusado da confiança do Comitê Revolucionário.

No entardecer de 2 de março, o Comitê Revolucionário convocou os responsáveis do estado-maior da fortaleza, assim como os especialistas militares, explicando-lhes a situação e propondo-lhes que participassem da preparação e do reforço da defesa de Kronstadt, o que aceitaram. É necessário afirmar, a esse respeito, que Kozlovsky não veio à reunião do Comitê Revolucionário nesta ocasião, mas à que uma parte deste celebrou no dia seguinte às três da tarde e que tão só foi responsável pela artilharia e não por toda a defesa da fortaleza, como os bolcheviques fizeram crer.

Em 3 de março, circularam por toda a cidade rumores que afirmavam que os bolcheviques aprisionados tinham sido torturados e fuzilados, sofrendo todo tipo de violência. Membros do grupo dirigente do Partido Comunista se apresentaram ao Comitê Revolucionário para que lhes fosse permitido visitar o edifício onde haviam sido encerrados os comunistas aprisionados. Dois membros do Revkom se uniram a eles para dirigirem-se em direção ao local. Tendo sido convencidos das boas condições em que os comunistas aprisionados se encontravam e informados de sua situação, os membros do coletivo comunista redigiram um chamado à população da ilha em que eram desmentidos os rumores provocadores e afirmavam que os comunistas aprisionados se encontravam em boas condições, todos sãos e salvos, e que nenhuma violência tinha sido exercida contra eles. Este chamado foi assinado por membros muito conhecidos do Partido: os operários Ylyin, Kabanov e Pervushin.

O Comitê Revolucionário emitiu um primeiro chamado dirigido à guarnição da cidade. Nele, pedia-se que os operários não abandonassem o trabalho e se apresentassem nas oficinas; aos marinheiros e soldados vermelhos, pedia-se que permanecessem em seus postos nos cascos e nos fortes; e a todos os estabelecimentos públicos pedia-se que continuassem com sua atividade habitual.

Em seguida, o Comitê Revolucionário fez um chamado a todas as organizações de trabalhadores da Rússia, insistindo que procedessem à convocação de novas eleições, mais representativas, nas fábricas, nos sindicatos e nos sovietes. O Comitê Revolucionário fez também um chamado à ordem, à tranquilidade, à firmeza e um novo e honesto trabalho socialista, em prol de todos os trabalhadores.

Sob a presidência do Revkom, foi celebrada uma primeira reunião para tratar os problemas militares, no curso da qual foi elaborado um plano de autodefesa. Ao anoitecer, todos os destacamentos foram armados e ocuparam os seus postos na cidade e nos fortes. Soube-se que às quatro da tarde um grupo inimigo havia se aproximado de Totleben; alguns marinheiros saíram do forte e regressaram sem que houvesse enfrentamento armado. Além disso, nos chegou a informação de que o trem blindado Tchernomoretz acabara de chegar com uma companhia de kursanti.

Durante toda a jornada, foram chegando reforços bolcheviques a Oranienbaum, Sestroretsk e Lissy Noss, constituídos principalmente de kursanti de Orloff, Nijnegorod e Moscou. E também destacamentos de elite bolcheviques, da Tcheka e dos funcionários dos Sovietes locais, assim como dois trens blindados. Durante a noite, grupos de exploradores se aproximaram do forte nº 1, para retroceder em seguida, depois de encontrarem-se com nossos destacamentos.

Assim teve começo a insurreição de Kronstadt. Como esta foi apresentada pelos bolcheviques? A partir de 3 de março, na rádio de Moscou havia sido anunciado que um complô de Guardas Brancos e um amotinamento do casco Petropavlovsk, sob a direção do ex-general Kozlovsky, acabava de se instalar em Kronstadt; este complô havia sido tramado por agentes e espiões da Entente. A rádio difundia a confiança em que esta rebelião dos Socialistas Revolucionários e de um general fosse muito em breve liquidada.

A seguir, podia ser lido na “Gazeta Vermelha” e em Pravda que os principais atores da insurreição haviam distribuído a hierarquia entre si, que eram burgueses e filhos de papas, possuidores de numerosas propriedades. Os periódicos insistiam em seu passado criminoso e assim sucessivamente. Deste modo os bolcheviques apresentaram a revolta de Kronstadt.

4 de março


Neste dia, o Comitê Revolucionário se deslocou do encouraçado Petropavlovsk à Casa do Povo, onde permaneceu até o último momento. Foi recebido um telegrama do Soviete de Petrogrado, propondo o envio de uma delegação a Kronstadt.

O Comitê Revolucionário enviou uma mensagem por rádio dizendo que a delegação seria muito bem recebida, mas que seria desejável que a mesma fosse eleita por representantes do povo, ou seja, por trabalhadores, marinheiros e soldados vermelhos e que fosse incluído nesta delegação um total de 15 % de comunistas. O Soviete de Petrogrado não respondeu à proposta.

O Revkom tinha muito cuidado em tentar evitar todo derramamento de sangue inútil. Em Kronstadt tudo estava tranquilo. Todos os serviços funcionavam e o trabalho não era detido em absoluto.

Durante os três primeiros dias não foi disparado nem um único tiro. As ruas estavam animadas e as crianças brincavam agradavelmente. Às quatro da tarde, os delegados de todos os estabelecimentos, empresas, sindicatos e unidades militares se reuniram no clube da guarnição. Ao abrir a sessão, o presidente informou a assembleia sobre a situação militar e o abastecimento. Também foi tratado o problema do combustível. Foi proposto aos operários que se armassem e ocupassem os postos de guarda da cidade, a fim de liberar a guarnição, que podia então ocupar posições nos postos mais avançados.

Os operários aprovaram a proposta por unanimidade. A reunião se desenvolveu em meio a um grande entusiasmo e todos se separaram com a consigna de “vencer ou morrer”. No curso da mesma, o Revkom foi completado, por proposta do Presidente, com a inclusão de dez novos membros. Durante a noite, um grupo inimigo de exploradores tentou se aproximar dos fortes.

5 de março


Pela manhã, um avião sobrevoou Kronstadt lançando panfletos: “eles conseguiram”, onde os bolcheviques tentavam demonstrar que tínhamos sido enganados por generais czaristas, acrescentando que Kronstadt tinha sido completamente cercada e que portanto seríamos reduzidos por fome, já que na cidade não havia reservas suficientes de comida, e convocavam a rendição e o desarme e prisão dos dirigentes criminosos. Aqueles que se rendessem seriam perdoados por seu erro. O Revkom ordenou que não metralhassem o avião. Os panfletos foram amplamente difundidos entre a guarnição e a população. Uma emissão de rádio do mesmo estilo foi captada pelo Petropavlovsk, sendo igualmente difundida. Indignada pela ignomínia dos bolcheviques, a guarnição quis responder por meio de um fogo de artilharia sobre Oranienbaum. O Revkom teve necessidade de pedir constantemente que se acalmasse e recuperasse o domínio dos nervos, até que foram tomadas algumas disposições.

O Revkom enviou uma mensagem por rádio: “A todos! A todos! A todos!”, na qual assinalava que estava certo da justiça de sua causa, que Kronstadt celebrava o poder dos Sovietes livremente eleitos em detrimento dos partidos e que somente tais Sovietes seriam capazes de expressar a vontade dos trabalhadores e não dos bolcheviques. Fazia um chamado para que entrassem imediatamente em contato com Kronstadt e que enviassem delegados, os quais lançariam luz sobre o movimento de Kronstadt etc. Assim transcorreu a jornada do dia cinco.

6 de março


Pela manhã, nos chegou a notícia: em Petrogrado, eram feitas prisões em massa das famílias dos habitantes de Kronstadt. O CR enviou através do rádio um protesto contra o encarceramento dos familiares e exigiu sua liberação, acrescentando que, entre nós, os comunistas dispunham de completa liberdade, que seus parentes tinham sido deixados completamente à margem de tudo e que este procedimento era, sob qualquer ponto de vista, covarde e vergonhoso.

Ao meio dia, o Petropavlovsk recebeu a mensagem de rádio que transmitia o ultimato de Trotsky, ordenando a rendição imediata de Kronstadt e dos cascos amotinados à República Soviética, que entregassem as armas e obrigassem os obstinados a fazê-lo, pondo-os nas mãos das autoridades soviéticas: Trotsky acrescentava ainda que tinha ordenado a preparação do esmagamento militar dos amotinados. O prazo para a recepção da delegação de Petrogrado em Kronstadt tinha sido fixado às seis da tarde deste dia.

Às três, um avião sobrevoou de novo Kronstadt e lançou a ordem de Trotsky já impressa. Uma emissão da rádio de Moscou foi também captada: ela dizia que agentes franceses tinham se infiltrado em Kronstadt e que corrompiam com ouro os seus habitantes, junto com outras mensagens do mesmo gênero.

Tudo isto foi amplamente difundido entre a população e a guarnição de Kronstadt, provocando uma indignação crescente contra a infâmia dos bolcheviques. Nos foi informado que as forças inimigas chegavam cada vez em maior número ao redor de Kronstadt. Trotsky e Dibenko, assim como outros conhecidos dirigentes chegaram a Oranienbaum. Foi interceptada a ordem de começar uma ofensiva contra Kronstadt.

O Revkom se reuniu com o estado-maior da defesa e comunicou a todos os insurgentes a ordem de se manterem em alerta para repelir o inimigo. Na cidade, todos estavam certos de que o primeiro disparo não tardaria em ser produzido. Pela noite, foram descobertos grupos inimigos de reconhecimento.

7 de março


Um belo e ensolarado dia. Em Kronstadt, reinava uma grande animação devido ao bom tempo. As crianças estiveram brincando na rua o dia inteiro. Ninguém teria podido imaginar que Kronstadt estava assediada e que em qualquer momento podia cair um obus que não perdoaria a ninguém. Os serviços públicos e as oficinas continuaram sua atividade com toda normalidade. Um dos fortes nos informou que uma reduzida unidade de kursanti tinha se aproximado de nossos postos avançados, trocando propaganda e retirando-se.

Ao longo da jornada, até o entardecer, duzentos delegados foram enviados de Kronstadt em todas as direções, com documentos e periódicos. Deles, só retornaram dez.

Às 18h45min, o inimigo abriu um fogo nutrido sobre a cidade e os fortes a partir de Sestroresk e Lissy Noss. Os fortes responderam ao convite, silenciando o inimigo. Ao ver isto, o forte de Krasnaya Gorka abriu fogo, recebendo uma adequada resposta do Sevastopol, e logo houve troca de artilharia de todas as partes, de forma intermitente, prolongando-se até o cair da noite.

Os obuses caíram sobre o porto da cidade e nas proximidades dos fortes sem causar nenhum dano; dois soldados vermelhos foram feridos nos fortes e transportados ao hospital. A população e a guarnição aceitaram o tiroteio com tranquilidade e reagiram assim: “por fim, a sorte foi lançada, começou o grande combate”, “toda a responsabilidade recairá, perante o mundo inteiro, sobre aqueles que começaram primeiro”, “nós não queríamos derramar sangue, mas se Trotsky nos obriga a fazê-lo, então defenderemos nossa justa causa”.

O som dos canhões continuou a ser escutado durante toda a tarde, mas a população manifestou mais curiosidade que espanto. Apesar da proibição do Revkom, as pessoas foram à costa e ao posto para ver o fogo inimigo. Muitos proferiram maldições contra os bolcheviques, verdugos da Revolução.

Os comunistas que se encontravam em Kronstadt dispunham de completa liberdade e igualmente se indignaram contra um ato de tal natureza, unindo-se à luta contra seu próprio partido.

É preciso assinalar que muitos deles demonstraram grande heroísmo e abnegação no combate.

Deste modo, foi disparado o primeiro tiro de canhão... Afundado até a cintura no sangue dos trabalhadores, o sanguinário marechal Trotsky foi o primeiro a abrir fogo contra Kronstadt, sublevada contra o domínio bolchevique, para restaurar o autêntico poder dos Sovietes.

Sem um único disparo, sem um único derramamento de sangue, nós, soldados vermelhos, marinheiros e operários de Kronstadt, tínhamos abatido o domínio dos comunistas, respeitando inclusive suas vidas. Sob a ameaça das armas, queriam de novo nos aprisionar ao seu poder. Tentando evitar qualquer derramamento de sangue, tínhamos pedido que fossem enviados a Kronstadt delegados do Proletariado de Petrogrado que não pertencessem a nenhum partido, com o fim de que constatassem que Kronstadt lutava pelo poder dos Sovietes livremente eleitos. Mas os bolcheviques ocultaram tudo isso dos operários de Petrogrado e tinham aberto fogo; a resposta habitual de um governo, supostamente operário e camponês, às exigências das massas trabalhadoras.

Nossa posição era a seguinte: que todo o mundo trabalhador saiba que nós, defensores do poder dos Sovietes dos trabalhadores, nos unimos para salvaguardar as conquistas da revolução. Venceremos ou pereceremos sob as ruínas de Kronstadt, combatendo pela justa causa do povo trabalhador. Os trabalhadores do mundo inteiro nos julgarão, mas o sangue dos inocentes recairá sobre a cabeça dos bolcheviquesverdugos embriagados de poder. Viva o Poder dos Sovietes!

Com fogo de artilharia terminou, portanto, a jornada de 7 de março. O tiroteio da cidade e dos fortes mostrava claramente que seria produzido um ataque na manhã do dia seguinte; nos preparamos para isso.

8 de março


Às 4h30min da manhã, o inimigo desencadeou uma ofensiva contra o forte Totleben, e a parte leste de Kotlin, em direção às portas de Kronstadt. Uma grande parte dos assaltantes foi aniquilada, o resto fugiu. Foram feitos prisioneiros cerca de 200 homens.

Alguns kursanti se esconderam nos diques – e em breve foram desalojados. Os prisioneiros foram levados em grupo ao picadeiro. Ao mesmo tempo foi lançado um assalto contra os fortes do sul; o inimigo foi repelido e foi feito um grande número de prisioneiros. Do mesmo modo se levou a cabo várias tentativas de ofensiva em outros pontos, mas sem êxito. As ofensivas custaram ao inimigo grandes perdas em mortes, feridos e afogados – houve oitocentos prisioneiros.

Depois de tal desastre, o inimigo enviou uma grande cadeia de Oranienbaum . Quando estiveram sob o fogo da artilharia de Kronstadt, levantaram uma bandeira branca, e começaram a se mover em direção a Kronstadt.

Dois membros do Comitê Revolucionário saíram ao seu encontro, Vershinin e Kupolov; tão logo quanto estiveram à vista da cadeia, soltaram suas armas e se dirigiram temerariamente ao seu encontro. Mas sem ter tempo de dizer alguma palavra, os cercaram e prenderam Vershinin; Kupolov conseguiu escapar.

Utilizando este meio covarde e vil foi como os bolcheviques capturaram um dos melhores membros do Comitê Revolucionário: combatente exemplar, orador veemente e entregue inteiramente à causa da revolução e da humanidade.

Pudemos constatar que se as cadeias inimigas, subindo ao assalto, não suportavam nosso fogo, e tentavam retroceder, disparos de artilharia e de metralhadora vindos da orla vedavam sua retirada para obrigar-lhes a atacar de novo. Tampouco podiam voltar já que por trás deles marchava uma cadeia de comunistas selecionados que disparavam por suas costas.

Os prisioneiros nos explicaram que se nos regimentos surgiam dúvidas ou hesitações e rejeitavam a subida ao assalto, então fuzilavam um de cada cinco. Foi o que aconteceu nos regimentos de Orchanski, Nevelski e Minsk. Os assaltantes eram sobretudo kursanti, tropas de elite de comunistas seguros, tchekistas, permanentes da burocracia dos Sovietes, destacamentos de pedágio e outras tropas selecionadas cuja fidelidade estava a toda prova.

O 561º regimento de Kronstadt figurava no número dos atacantes; quinhentos homens foram feitos prisioneiros.

Até o meio dia, cessaram todas as tentativas de assalto do inimigo. Durante todo o dia, aviões sobrevoaram, mas suas bombas não causaram nenhum dano na cidade, caindo em sua maior parte fora de Kronstadt, já que as baterias antiaéreas não permitiam que voassem por cima da cidade.

Uma única bomba caiu sobre a cidade às 6 da tarde, e como resultado destroçou a cornija de uma casa, danificou uma fachada, rompeu os cristais de várias casas, e por sorte não feriu mais que muito levemente uma criança de treze anos.

Durante todo o dia houve fogo de artilharia. Nossa artilharia provocou um incêndio e a destruição da via férrea sobre a ribeira de Oranienbaum. Kronstadt e os fortes não sofreram danos sérios.

Alguns fugitivos nos indicaram que naquele dia o inimigo tinha concentrado 15.000 homens sobre a ribeira sul e 8.000 ao norte, com 20 baterias e 4 trens blindados, um dos quais foi posto fora de combate por nossa artilharia.

O inimigo recebia reforços incessantemente.

Em todos os serviços públicos, sindicatos e unidades militares de Kronstadt, foram designada troikas revolucionárias, entre as quais não havia nenhum comunista. Estas troikas eram encarregadas de aplicar sobre o lugar as disposições tomadas pelo Revkom.

O trabalho não cessou nos serviços públicos, só fecharam as escolas e os cursos para adultos. Os alunos das classes terminais eram voluntários, assim como os adultos, nas milícias da cidade.

No Comitê Revolucionário, se trabalhava dia e noite. Visto a falta de botas de couro entre os defensores de Kronstadt, o Revkom ordenou recolher as dos bolcheviques detidos, dando-lhes em troca laptis; isto proporcionou 280 pares de botas que foram distribuídos entre a guarnição.

Pela mesma razão, o Revkom se dirigiu à população a fim de que aqueles que possuíssem vários pares lhes dessem aos defensores; isto proporcionou cerca de outros 400 pares de botas. Estas botas eram trocadas por sapatos de feltro dos marinheiros, dos quais não podiam servir-se na cidade.

Procedeu-se também à divisão do abastecimento para o período de 8 a 14 de março, segundo as normas seguintes: a guarnição terrestre e marítima recebeu, em lugar da ração de pão anterior, pão e café, meia libra de maçãs desidratadas, meio pote de conserva de carne e um quarto de libra de carne por dia. A população civil de categoria A recebeu meia libra de pão, meio pote de conserva, meia libra de carne; a de categoria B: uma libra de centeio, meio pote de conserva de carne, um quarto de libra de carne, e, durante algum tempo, meia libra de açúcar e meia de manteiga salgada. Às crianças de série A: a cada dia farinha, cevada, ou meia libra de biscoitos, meio pote de conserva de carne, e, durante algum tempo, como complemento, um pote de leite em conserva, meia libra de açúcar e um quarto de libra de manteiga. Para as de série B e C, diariamente, a mesma ração, salvo meia libra de carne no lugar do pote de leite. Eis aqui então em que condições Kronstadt tinha que viver; e tudo isto sem um murmúrio nem da população nem da guarnição. Cada um declarava firmemente: “Sabemos em nome de quê suportamos estas privações”. Assim terminou o dia 8 de março.

9 e 10 de março


O inimigo abriu fogo de artilharia, ora intermitente, ora contínuo e intenso, sobre a cidade e os fortes.

As tentativas de assalto, levadas a cabo no sul e no norte, foram repelidas com grandes perdas do inimigo. Nossa artilharia respondia sem cessar. Tivemos, nesses dois dias, 14 mortos e 46 feridos.

O Revkom enviou uma mensagem por rádio a todos os proletários de todos os países, na qual eram destruídas as mentirosas calúnias dos bolcheviques, se declarava a todo o mundo que nenhum General Branco nos dirigia, e que estávamos organizados por nós mesmos; que não tínhamos nos vendido à Finlândia, e que não mantínhamos nenhum contato com ninguém para uma eventual ajuda militar, que Kronstadt tinha derrubado o jugo dos bolcheviques e tinha decidido lutar até o fim.

Com certeza, se a luta se prolongasse por muito tempo, nos veríamos obrigados a pedir ajuda exterior para o abastecimento, ao menos para nossos feridos. Na cidade reinava a calma. Quanto mais a luta se prolongava, mais estreitamente se uniam a população e a guarnição. Cada um pretendia ajudar a causa comum com todos os seus meios. Constantemente, os aviões sobrevoavam, mas sem causar danos sérios.

11, 12 e 13 de março


O inimigo submeteu a cidade e os fortes, durante estes três dias, a um fogo de artilharia às vezes intenso, às vezes intermitente. Algumas tentativas inimigas de continuar o assalto tiveram lugar no norte e no sul da ilha. Os aviões sobrevoaram Kronstadt sem parar e lançaram bombas. A todos estes ataques terrestres e aéreos e ao fogo da artilharia inimiga, a guarnição de Kronstadt respondeu com a artilharia da fortaleza e a dos cascos, com as baterias aéreas, as metralhadoras e os fuzis.

Com exceção da destruição de várias casas, não houve danos materiais consideráveis. As bombas mataram e feriram várias pessoas. O Revkom enviou uma mensagem por rádio, em 12 de março, a todo o mundo, convocando a protestar contra os assassinos da população pacífica da cidade, contra a destruição de casas e pedindo que fosse manifestado apoio moral aos insurretos.

14 de março


Cedo, na manhã de 14 de março, o inimigo tentou, por duas vezes, realizar o assalto, mas foi repelido por nosso fogo.

Às 13 horas, começou um dilúvio de artilharia, ao qual nossos canhões responderam. Isto durou até as 7 da tarde, depois houve calma. Os aviões não apareceram. Na cidade, tudo estava tranquilo. A população havia se habituado de tal modo aos tiros de canhão que todo mundo se movia livremente pela cidade como se fosse um dia de festa. As crianças brincavam de guerra de bola de neve na rua do Soviete e na avenida Lenin. As pessoas limpavam a neve e o gelo das calçadas.

O Revkom se dirigiu por rádio aos periodistas de todos os países lhes propondo que viessem a Kronstadt para se convencerem de por que lutavam. Procedeu-se a uma segunda divisão do abastecimento, já que o primeiro tinha terminado em 14 de março.

Esta divisão foi feita assim: um pão grande aos militares marinheiros e operários, de 15 a 21 de março inclusos, meia libra de pão ou um quarto de biscoito, uma quarta parte de um pote de conserva e três oitavos de libra de carne por dia. Às crianças de série A: uma libra de leite em conserva, duas libras de farinha, uma de carne de frango, e três ovos. Tudo isto até 1º de abril. Às crianças de série B: meia libra de cevada por dia, um quarto de frango, um quarto de libra de carne por dia, e um quarto de libra de queijo; tudo isto até 1º de abril. Às crianças da série C: meia libra de cevada, meia de carne por dia e uma vez uma libra e meia de ovas de peixe. Além disso, um quarto de libra de manteiga, como suplemento, para todas as crianças, assim como meia libra de açúcar. Assim foram repartidas as últimas reservas de abastecimento.

15 de março


Exploradores inimigos tentaram se aproximar, em certos lugares, de nossos postos de guarda, mas foram dispensados por nosso fogo e fizemos prisioneiros. Das 14 às 17 horas houve um débil fogo de artilharia. Depois das 18h30min, os aviões sobrevoaram três vezes despejando bombas; foram repelidos por nossas baterias antiaéreas. A cidade estava em calma, o estado de ânimo era excelente. Às 20h teve lugar o transporte dos mortos do hospital à catedral marítima, assim como os preparativos dos funerais do dia seguinte, na Praça da Âncora. Na rua Pesotchnaia, durante o transporte dos mortos, um avião inimigo laçou uma bomba, que por sorte não explodiu.

16 de março


O inimigo tentou levar o assalto a pontos distintos mas foi repelido por nosso fogo de artilharia. Os aviões começaram seus ataques de manhã, sem causar grandes danos à cidade. Às 9 da manhã, a partir de Lissy Noss, de Sestroretsk, de Oranienbaum, e de Krasnaya Gorka, começaram os tiros de canhão da cidade e dos fortes. Nossa artilharia respondeu e em certos lugares fez a artilharia inimiga se calar.

Ao meio dia, a hora marcada para os funerais das vítimas da Terceira Revolução, sem prestar atenção nos bombardeios da cidade, a população e as unidades militares que não estavam em serviço chegaram à Praça da Âncora pelo lado da catedral marítima. Depois da cerimônia, os vinte e um féretros, envoltos em tecidos vermelhos, foram transportados à fossa comum fraternal preparada na Praça. Os marinheiros faziam filas de honra até a tumba. Toda a população de Kronstadt e o CR assistiram aos funerais. Os féretros foram introduzidos na tumba fraternal e cobertos de terra. As unidades armadas os saudaram. Em seguida, foram pronunciados discursos na tribuna, nos quais os oradores punham em destaque os acontecimentos em curso e sublinhavam a ferocidade sanguinária dos dirigentes bolcheviques.

No intervalo dos discursos, uma orquestra tocou melodias revolucionárias. Durante todo o tempo que os funerais e os discursos duraram, o inimigo submeteu a cidade a um bombardeio intenso; os obuses caíam muito proximamente. Um marinheiro foi ferido por um estouro. De todas as formas, a multidão conservou um sangre frio notável até o final e não se separou mais que uma vez depois de acabarem os discursos dos oradores.

Até a tarde, o bombardeio da cidade foi intensificado. Do Krasnaya Gorka, um obus de 12 polegadas caiu sobre a ponte do encouraçado Sevastopol; 14 marinheiros morreram e 36 foram feridos. Ao cair da noite, o bombardeio de todas as partes da cidade e dos fortes foi ainda mais intenso. Nossa artilharia respondeu e esta troca durou até as 3 da manhã, depois cessou.

Na cidade, houve casas destruídas e incêndios que foram rapidamente controlados; um obus caiu sobre o edifício do Revkom, ferindo dois marinheiros e deixando um soldado vermelho com concussão. Também houve feridos nas casas destruídas. A população ajudou ativamente a retirar os escombros, a evacuar os feridos para o hospital e a retirar os corpos, assim como a apagar os incêndios; tudo isto sob o fogo mortífero dos canhões inimigos. Esta ajuda aliviou em uma grande maneira a guarnição da fortaleza e da cidade, que não podia se ocupar de tudo de uma vez.

17 de março


Às 4h30min da manhã, o inimigo lançou uma ofensiva geral enviando numerosas levas de assaltantes em mortalhas brancas sobre um grande espaço para apoderarem-se de Kronstadt pelos lados sul, oeste e leste. As levas de atacantes foram recebidas pelo fogo de nossas baterias e de nossas metralhadoras.

Os assaltantes caíam como feixes de searas ceifadas, mas os que escapavam continuavam avançando, dispersando-se em todos os sentidos. O inimigo conseguiu refugiar-se próximo ao quartel de instrução, graças a uma grande evasiva e às mortalhas brancas que os soldados carregavam, sem que fosse percebido. Encontrando-se, assim, no flanco da sexta bateria disposta próxima às portas de Petrogrado, sobre o depósito de carvão, o inimigo apoderou-se com um rápido ataque, passando pela fábrica de gás. Os assaltantes forçaram as portas de Petrogrado sofrendo grandes perdas; todavia, conseguiram apossar-se do quartel de instrução.

O quartel do norte foi deixado para trás; 60 marinheiros tinham se refugiado ali, somente 4 puderam sair. Tendo ocupado o hospital, o quartel de instrução e a central telefônica, os bolcheviques exigiram que os empregados, sob ameaça de morte, transmitissem tudo o que lhes era comunicado.

Esta ação introduziu uma certa confusão na defesa Kronstadt. O inimigo liberou os 174 bolcheviques, detidos na prisão, e apossou-se da sala de armas, do depósito de alimentos, da escola de máquinas e de todo o bairro até o polígono de tiro. Grupos de inimigos isolados puderam chegar inclusive até o estado-maior militar e a catedral marítima. Instalaram duas metralhadoras na casa do antigo Moltchanoff, mediante as quais controlavam toda a rua.

Simultaneamente, uma grande ofensiva teve lugar sobre o porto militar sobre o reservatório italiano, sobre a Bolsa, e sobre as portas da cidadela, do lado do forte Piotr. Igualmente, os fortes do sul e as baterias 4, 6 e 7 foram intensamente atacadas. A cidade estava um inferno. Os canhões trovejavam por todas as partes. As metralhadoras crepitavam e os fuzis disparavam. As balas silvavam por todas as partes. Tinha sido criada uma terrível confusão. Por todas as partes, tinham lugar lutas enfurecidas. Era difícil o reconhecimento já que os comunistas tinham deixado suas mortalhas brancas ao se dispersarem pela cidade. Além disso, evidentemente, deve-se dizer também que os bolcheviques que não foram detidos antes desempenharam um papel nada menosprezável, disparando nos insurretos pelas costas, o que propagou o pânico e a confusão entre a guarnição. Em um momento, o inimigo pôde apossar-se das portas da cidadela, e avançou rapidamente em direção à via férrea a fim de tomar as portas de Kronstadt, mas o impedimos. As perdas inimigas ali foram enormes. O combate era particularmente sangrento pelos dois lados. Fora da guarnição, operários, mulheres e até adolescentes combatiam. Às 14h, conseguimos desalojar o inimigo deste bairro.

Fizemos mais de 1.200 prisioneiros. O resto do inimigo recuou até os fortes do sul. Então começamos a limpar a parte sul da cidade: o depósito de alimentos, a sala de armas, e uma parte da rua Pesotchnaia foram liberados; ainda fizemos 2.200 prisioneiros na praça próxima à catedral.

Pela manhã, a sexta bateria norte foi tomada pelo inimigo, depois a quinta, que tinha apenas uma metralhadora. A quarta tinha sido abandonada sob a pressão inimiga.

Os comunistas lançaram um assalto sobre a parte oriental de Kotlin, mas foram repelidos e se refugiaram nas baterias 4, 5 e 6.

Próximo às portas de Petrogrado, o combate continuava com nossa vantagem, mesmo que chegassem reforços ao inimigo sem cessar. Às 5 da tarde, tendo recebido reforços, o inimigo lançou um novo assalto contra as portas da cidadela, apossando-se dela, e se dispôs próximo do laboratório, mas nossas reservas sobreviveram e os repelimos de novo. Os comunistas conseguiram apoderarem-se dos fortes do sul 1 e 2. Neste momento, foram apercebidos reforços inimigos pelo lado de Oranienbaum; as reservas foram enviadas ao seu encontro até a parte oeste de Kotlin. Sem cessar, chegavam reforços sobre a ribeira norte dos fortes 6 e 7; notou-se um importante movimento de tropas na região de Oranienbaum e de colunas de cavalaria pelo lado de Petrogrado. A cidade, os fortes e o povo eram bombardeados pela artilharia sul e norte, assim como pelos trens blindados. Krasnaya Gorka atirava unicamente sobre o porto.

Nossa artilharia – do Petropavlovsk, do Sevastopol e dos fortes – disparava exclusivamente sobre a ofensiva inimiga, fazendo com que o gelo rachasse, e afogava os assaltantes. Apesar disso, as cadeias inimigas se disseminavam cada vez mais e acediam como formigas sobre o gelo.

Às 6 da tarde, restavam em nossa posse os seguintes fortes: Constantine, Riev, Totleben, Maritimen e Krasnoarmeetz; porém, alguns destes fortes estavam dispostos de maneira que não podiam se defender além do lado do mar, e não todo de todo o seu redor.

Havia também os fortes Chanets e Milyutin, sem importância militar; além dos encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol. Às 6 da tarde, chegaram petições do forte Topleten: “Enviem-nos 200 homens e 5 metralhadoras, já que só nos resta um canhão”; do forte Riev: “Pedimos um reforço de 100 homens com duas metralhadoras já que as peças dos canhões estão começando a funcionar mal”; do forte Constantine: “Pedimos um reforço de 150 homens com metralhadoras, de outra forma não poderemos conter a pressão inimiga e teremos que evacuar o forte”.

Pedíamos reforços por todas as partes para compensar as perdas: comandantes, artilheiros, metralhadoras; o Sevastopol nos disse que não restavam mais de três obuses de doze e que não tinham nada para disparar. Além disso, muitas peças de artilharia estavam defeituosas, os compressores rotos, os suportes partidos, alguns canhões apresentavam fendas, e nestas condições não podiam ser carregados.

Algo parecido nos chegava do Petropavlovsk. A ancoragem dos cascos constituía um grande inconveniente, já que estavam bordo contra bordo, e só podiam disparar de um único lado. Além disso, era impossível separá-los já que não restava carvão no Sevastopol, e ele utilizava a energia elétrica do Petropavlovsk; no fim, não havia um quebra-gelo para liberar a passagem dos cascos.

Os combates se prolongavam em torno das portas de Petrogrado. Os operários levavam a cabo uma luta desesperada, aliviando muito a guarnição; as mulheres participavam dos combates recolhendo os cartuchos dos mortos para dar àqueles que combatiam, já que as munições começavam a faltar, os operários tinham os assaltantes sob o fogo das metralhadoras do alto dos tetos e dos celeiros.

Dois esquadrões de cavalaria que tinham adentrado Kronstadt foram imediatamente varridos por seus habitantes. Do alto da cidade, se via como chegavam os reforços inimigos que se agrupavam em torno dos fortes, cercando a cidade.

A guarnição da cidade era pouco numerosa, composta do 560º regimento e de grupos de marinheiros, com um total de 350 fuzis. Muitos marinheiros estavam, por assim dizer, descalços, e não podiam participar do combate. Nos faltavam especialistas e enquadramento. Uma escassa ração, um serviço ininterrupto durante 15 dias, um combate de 10 dias, em particular no último dia, desde as 4h30min da manhã até a tarde, o combate de rua, tudo isto rompeu definitivamente as forças da guarnição. A diminuição da guarnição como consequência dos ataques; a ausência de reservas e de esperança de abastecimento e ajuda militar exterior; tudo nos fazia entender que não podíamos repelir outro ataque, que seria continuado com outros assaltos.

O presidente do Revkom, tendo analisado a situação com o responsável da defesa, decidiu retirar-se, ao cair da noite, para os fortes de Krasnoarmeetz, Riev e Totleben, de onde tentaríamos resistir. Foram convocadas urgentemente todas as troikas revolucionárias e se colocaram de acordo para colocarem-se em ordem de batalha, ao cair da noite, nos fortes designados; recomendou-se que não se propagasse o pânico já que neste caso todas as unidades e a guarnição podiam perecer inutilmente. Foram enviados emissários ali onde tinha sido cortada a comunicação. Foi comunicado ao comando da cidade que esta tinha que ser abandonada e com ela todos os operários que desejassem, já que estavam sob sua responsabilidade.

O estado-maior da defesa se dividiu em dois grupos, um que deveria ir ao forte Krasnoarmeetz e tomar suas próprias disposições, e outro que deveria ficar em seu lugar para transmitir todas as disposições ao forte Krasnoarmeetz. Desta maneira, às 8h10min da tarde, eu abandonava Kronstadt com o responsável pela defesa e nossos colaboradores para ir ao forte anteriormente citado.

Pela estrada, os grupos marchavam em direção aos fortes, mas 2 km antes de chegar, vimos um grande movimento de grandes massas de homens nas imediações do forte.

Choviam os obuses fazendo numerosas vítimas. O forte se calou bruscamente. Ao chegar ao forte, vimos que a estação elétrica estava destruída, os fios telefônicos cortados e 6 pesados canhões inutilizados; os canhões de maior calibre não giravam e estavam orientados em direção ao mar. Eram por volta de 9h30 da tarde. A estrada que ia do forte a Kronstadt estava cortada e só restava uma saída: ir em direção à fronteira finlandesa.

Foi assim como o primeiro grupo do estado-maior, aquele em que me encontrava, abandonou Kronstadt. O segundo grupo saiu de Kronstadt às 10h30 da tarde e chegou também à Finlândia; 4 membros do Revkom não puderam se juntar a nós. Sua sorte me é desconhecida. Segundo disseram os últimos prisioneiros que fizemos, o inimigo dispunha, além de uma numerosa artilharia, de 4 trens blindados e de 8 canhões em cima de tratores, e que haviam sido concentrados na região de Oranienbaum cerca de 50 mil fuzis, e 30 mil em Sestroretsk e Lissy Noss, além de um número indeterminado de cavalaria. As tropas eram compostas principalmente de kursanti, de membros do Partido Comunista, de tchekistas, de destacamento de pedágio, de permanentes dos Sovietes locais, de mongóis, de bachkirs e de outras tropas asiáticas. Do mais profundo da Rússia tinham sido levados regimentos inteiros, mas não eram enviados todos de uma vez, cada regimento era dividido em vários grupos e misturados com outros regimentos, e quando iam a um assalto, bolcheviques comprovados iam atrás deles.

Os bolcheviques persuadiam os soldados de que eles iam combater com bandos de oficiais que tinham se valido de Kronstadt e que tinham detido todos os marinheiros, que já havia soldados finlandeses convocados por estes militares rasteiros. Para convencer ainda mais os soldados, vestiam membros do Partido Comunista com uniformes de oficiais com dragonas e medalhas, e os passeavam perante as tropas declarando que eram prisioneiros de Kronstadt e que era contra eles que era preciso lutar.

Da mesma forma, vestiam outros comunistas com uniformes finlandeses, passeando-os da mesma forma perante as tropas e com as mesmas palavras. Diziam por exemplo que os marinheiros e os soldados vermelhos tinham deixado Kronstadt há muito tempo e tinham se refugiado na Finlândia, que só restava um bando de oficiais que seria fácil liquidar. Contavam também aos asiáticos que o golfo era um grande campo e que atrás dele havia uma grande cidade que era preciso tomar, já que um bando de espadachins a tinha tomado e fazia o terror reinar contra a população.

Por exemplo, um mongol explicou: “Estive em muitas frentes, vi muitas cidades, mas nunca uma tão grande. Eu vi muitos obuses mas nunca como esses, já que quando explodem fazem um grande buraco na água e nos fazem cair nela. Nunca tinha visto obuses aquáticos como esses. Eu prefiro disparar de um único sítio, sentado e estirado, enquanto ali a água me despediu nove vezes”.

Mediante diferentes pretextos e enganos enviavam as pessoas sobre o gelo. E uma vez ali não podiam retroceder, porque então os bolcheviques abriam sobre eles um fogo de metralhadoras e artilharia. Sua situação era verdadeiramente espantosa já que, se quisessem retroceder, a cadeia bolchevique que lhes seguia abria fogo sobre eles. Os prisioneiros contaram também que se aparecessem dúvidas em um regimento ele era desarmado imediatamente e enviado para não se sabe onde, ou então era fuzilado um de cinco, enviando o resto ao assalto.

Ninguém conhecia realmente a verdadeira situação de Kronstadt. Estávamos absolutamente separados do mundo exterior. Não tendo nem um único avião, não podíamos informar ninguém.

É preciso assinalar que os bolcheviques não puderam enviar tropa alguma de Petrogrado e de sua região, nem de infantaria nem de marinheiros. Em Petrogrado, compreendeu-se em seguida que os marinheiros tinham se sublevado. Os torpedeiros ancorados em Petrogrado foram desarmados e os percursores dos canhões foram retirados.

Da mesma maneira, estava inutilizável tudo o que poderia servir nos encouraçados Gangut e Poltava que de todas as maneiras não podiam funcionar pois estavam pendentes de reparos. As equipes dos cascos foram detidas e evacuadas de Petrogrado para um local desconhecido. As unidades militares da guarnição foram aquarteladas, sem armas nem uniformes, sob uma forte vigilância.

Quando começaram as reuniões em Kronstadt, ou seja, a partir de 27 e 28 de fevereiro, a situação dos bolcheviques começou a não ter saída. Tentaram obter pequenas permissões para os marinheiros enviando-os ao país, a Petrogrado, a Oranienbaum e a outras localidades vizinhas. Conseguiram assim retirar de Kronstadt mais de mil marinheiros, o que debilitou consideravelmente a guarnição, especialmente porque entre os que conseguiram permissões havia especialistas indispensáveis como os galvanômetros, os metralhadores etc., que teriam sido de grande valor em Kronstadt. Os comissários fizeram isto então com conhecimento de causa.

Eis aqui então as condições e as circunstâncias nas quais Kronstadt se encontrou antes da formação do Comitê Revolucionário, durante sua existência e até sua saída. Só acrescentarei que a honra e a glória dos habitantes de Kronstadt, ao defenderem o autêntico poder dos Sovietes livremente eleitos e não o poder dos partidos, foi ter demonstrado a todo o mundo como sem nenhuma violência e com a consciência tranquila o povo trabalhador pode levar a luta em direção à sua emancipação total.

Foi demonstrado, em particular aos membros do Partido Comunista Russo, que, ainda que sejam os mais ferozes inimigos do povo trabalhador, este mostrou mais uma vez, ao longo de um combate desesperado, sua grandeza de alma russa, e sua força, provando que é realmente capaz de perdoar seus inimigos não em palavras e sobre o papel, mas de fato. Kronstadt custou caro aos bolcheviques. A queda de Kronstadt é a queda dos bolcheviques. Os bolcheviques podem fuzilar os rebeldes de Kronstadt, mas não poderão jamais fuzilar a verdade de Kronstadt.

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