Imagem da repressão aos marinheiros de Kronstadt. |
Nessa publicação vamos dar início à incorporação de áudios de leitura do
material disponibilizado através da incorporação das faixas respectivas pelo
soundcloud.
Decidimos começar por um texto fundamental sobre a “Revolta de Kronstadt” de
1921, escrito por um marinheiro que figurava entre as lideranças do movimento.
Estamos próximos do centenário desses acontecimentos, então gostaríamos de
manter nossa memória histórica bem “afinada”.
Gostaríamos de divulgar aqui também o excelente trabalho do blog “Geografia – isso não serve para fazer nada” que consistiu na publicação integral do trabalho seminal do historiador
Paul Avrich sobre a revolta dos marinheiros. Trata-se do livro “Kronstadt,
1921”. A tradução desse material foi obra de
Jean Fecaloma. Está dividido em 5 partes:
– Introdução & A crise do comunismo de guerra:
link.
– Petrogrado e Kronstadt:
link.
– Kronstadt e os emigrados russos:
link.
– O primeiro assalto a Kronstadt:
link.
– O programa de Kronstadt:
link.
Informações biográficas sobre Petrichenko (autor do texto que ora
publicamos) se encontram disponíveis no terceiro dos links acima.
***
O “Pravda o kronshtadtskikh sobytiiakh” (A verdade sobre os eventos de
Kronstadt) é um texto de Petrichenko sobre a “Revolta de Kronstadt”, publicado
originalmente em 1921. Essa versão foi publicada como parte do livro The
Kronstadt Rebellion (Berlin, Der Sindikalist, 1922). No Brasil, foi publicado
como Kronstadt (Ateneu Diogo Giménez, 2011). Tradução: Ateneu Diego Giménez /
COB-AIT Piracicaba/SP.
***
Ao levar a cabo a Revolução de Outubro de 1917, os trabalhadores da Rússia e
da Ucrânia esperavam obter sua emancipação completa. Depositaram todas as
suas esperanças no partido bolchevique, porque parecia responder aos seus
interesses.
O que é que este partido, dirigido por Lenin, Trotsky, Zinoviev e outros,
lhes retribuiu nos três anos e meio que detém o poder? O caminho bolchevique
não conduziu à emancipação dos trabalhadores, mas a uma escravidão ainda
maior do proletariado. Em lugar da monarquia policial, os trabalhadores
conhecem agora o temor permanente de cair nas mãos da Tcheka, que supera
bastante a crueldade da polícia do regime czarista. Agora são conscientes
dos fuzilamentos e das humilhantes vexações dos carcereiros tchekistas. Se o
trabalhador se atreve a expressar a dolorosa e pesada verdade, é então
associado aos contrarrevolucionários, aos agentes da Entente etc., recebendo
como recompensa uma descarga de fuzil ou a prisão, ou seja, a morte por
inanição.
Os bolcheviques aprisionaram os operários às oficinas, com a ajuda dos
sindicatos corruptos, fazendo com que o trabalho deixasse de ser criativo e
estimulante para converter-se, como antes, em uma nova e insuportável
escravidão.
Os bolcheviques responderam aos protestos dos camponeses, que se
manifestavam com revoltas espontâneas, e dos operários, obrigados a
recorrerem à greve para melhorar suas condições de vida, com fuzilamentos em
massa, incontáveis encarceramentos e internações em campos de concentração.
Como vivem os camponeses e o que obtiveram do novo regime? Conseguiram a
escravidão dos trabalhos forçados, sem distinção de idade, sexo ou situação
familiar, a pilhagem completa das colheitas, do gado e das aves de curral,
levadas a cabo por inumeráveis requisições e confiscos e pelo controle de
todos os deslocamentos, mediante incalculáveis destacamentos de inspeção.
Foi generalizado o reinado da arbitrariedade. Se um camponês tem três de
seus filhos no Exército Vermelho e um deles volta ao seu povoado por contra
própria para conhecer a situação; então, sem ter em conta que os outros dois
filhos permanecem no serviço, o sítio familiar fica liberado, por efeito da
deserção de um de seus membros, à pilhagem total.
Não obstante, o exército e as forças armadas de nada sabiam sobre a
verdadeira situação do país. As informações que chegavam eram muito confusas
e imprecisas; era difícil fazer uma ideia exata baseando-se nos rumores ou
no correio familiar “censurado”
Durante todo este tempo, os bolcheviques enganaram sua gente, esboçando
quadros idílicos em seus periódicos. Se eram lançadas queixas contra os
abusos, as autoridades centrais respondiam dizendo que seriam tomadas as
medidas oportunas, mas tudo ficava no papel. Pelo contrário, quando o
comissário local se inteirava que tinha sido tramitada uma queixa contra
ele, se ocupava de perseguir os querelantes por todos os meios ao seu
alcance, tornando as suas vidas impossíveis.
Ninguém estava em condições de conhecer a situação e os meios de vida de sua
família: não concediam nenhuma permissão por causa da tensão militar e a
censura impedia que passassem as cartas que expunham a amarga verdade.
Somente os periódicos e a literatura bolchevique tinham curso livre, e,
segundo eles, tudo ia bem por todas as partes.
Por tudo isso, as tripulações se encontravam na incerteza: alguns confiavam
na propaganda oficial, mas outros não. Teve lugar uma desmoralização parcial
do exército e foram concedidas breves permissões, limitadas a dez por cento
dos efetivos. Aqueles que tiveram a sorte de aceder a elas estavam
perfeitamente a par da situação real do país ao regressarem, ao ter tido
ocasião de tomar consciência da imbecilidade, da arbitrariedade e da
violência repressiva da comissariocracia. Estes explicaram aos seus
camaradas a repressão e as injustiças que reinavam no país. Deste modo, a
amarga verdade começou a ser conhecida nas unidades de Petrogrado e
Kronstadt.
Os ucranianos, por sua vez, se negavam a regressar ao terminar sua
permissão. Alguns deles contaram que os pais maldiziam os seus filhos por
terem defendido essa cambada de bandidos e canalhas que tinha levado a
Rússia à ruína geral, a uma situação de violência espantosa e a uma opressão
e uma arbitrariedade desconhecidas até então. Assim chegamos ao conhecimento
da verdade e nos pusemos a discuti-la coletivamente, apesar da proibição a
reuniões ou concentrações, ditada pelos comissários e comunistas. As
assembleias passaram a ter cada vez maior participação, chegando sempre à
desaprovação unânime e indignada do regime bolchevique.
Petrogrado e Kronstadt sofreram nesse período, como anteriormente, uma grave
crise de abastecimento. Todos se indignaram contra a “ordem bolchevique”,
graças à qual os operários se encontravam esfomeados, com frio e
aprisionados às suas fábricas, nas quais deviam esgotar as suas últimas
forças.
A paciência chegou ao limite: nos dias 25 a 28 de fevereiro, greves
irromperam em Petrogrado. O poder respondeu com prisões em massa e disparos
de fuzil contra os operários.
As fábricas foram colocadas sob a vigilância dos tchekistas e dos kursanti
disseram aos operários que voltassem ao trabalho, mas eles se negaram. Nossa
tripulação soube com indignação o que acontecia em Petrogrado no curso das
reuniões espontâneas, as quais estavam, não obstante, formalmente proibidas
pelos comissários; então exigimos a estes o envio de uma comissão, composta
por gente sem partido, a Petrogrado, com o objetivo de se informar a
respeito do que acontecia na realidade, porque os bolcheviques tratavam de
nos fazer crer que agentes e espiões da Entente tinham tentado organizar
greves em Petrogrado, mas que tudo havia voltado à normalidade e as fábricas
funcionavam de novo sem problemas.
Em Petrogrado, os operários eram ameaçados com a intervenção de Kronstadt, a
Vermelha, a qual os obrigaria a voltar ao talho se persistissem em sua
atitude grevista. Por isso soubemos que, de modo geral, os bolcheviques
tinham transformado Kronstadt em um espantalho em toda a Rússia para apoiar
sua política; a indignação das tripulações ao ter notícia destes fatos foi
enorme, porque este papel não podia de modo algum ser de Kronstadt.
No dia 27 de fevereiro, foram celebradas duas reuniões espontâneas, primeiro
entre as tripulações dos encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol e, mais
tarde, entre os componentes da 1ª e da 2ª brigada de destruidores, durante
as quais todo mundo exigiu aos comissários de modo imperativo a eleição de
uma comissão de delegados sem partido para visitar as fábricas e os
acantonamentos da guarnição de Petrogrado. Não podendo fazer de outro modo,
Kuzmin, o comissário do Poubalt, que acabava de chegar em Petrogrado em
companhia de outros notáveis bolcheviques, se viu forçado a autorizá-la. Foi
eleita uma delegação de 32 membros.
O comissário da frota do Báltico ordenou que estes delegados se
apresentassem perante todos os Sovietes da região e perante os comitês de
fábrica. Assim fizeram ao chegarem a Petrogrado, onde lhes foi declarado que
a cidade estava em estado de sítio e que, por consequência, as reuniões e os
encontros estavam formalmente proibidos. Os delegados insistiram em querer
se reunir com os operários nas fábricas. Então os bolcheviques utilizaram um
subterfúgio: organizaram por conta própria reuniões nas quais apresentaram
falsos delegados de Kronstadt, apesar deles serem membros do partido,
pretendendo dessa forma semear a confusão; não obstante, os delegados de
Kronstadt puderam facilmente fazer esta manobra grosseira fracassar.
Nas assembleias de fábrica nas quais os bolcheviques apresentaram delegados
falsos, declararam que Kronstadt não permitiria que os distúrbios em
Petrogrado continuassem; mas os delegados autênticos conseguiram
desmascará-los em boa parte dos casos. Por fim, as assembleias foram
autorizadas, frente à insistência dos delegados, mas com a presença dos
membros da Tcheka, dos Sovietes locais, dos comitês de fábrica e de
funcionários dos sindicatos estatais para intimidar os operários. Estes
temiam falar com os delegados, fazendo-lhes compreender que não lhes era
possível fazê-lo em presença de todos esses esbirros; de fato, aquele que
ousava protestar ou denunciar a situação se encontrava na noite seguinte na
prisão de Gorokhovaya, onde cerca de mil camaradas seus já se encontravam há
alguns dias.
Nestas condições, os delegados exigiram que os membros da Tcheka e outros
sicários abandonassem as reuniões. Estes últimos recusaram, declarando que
as conversas só podiam ser realizadas em sua presença.
Em uma reunião, os delegados pediram aos operários que expressassem o que
tinham a dizer, prometendo-lhes defendê-los para afugentar seus temores, mas
somente alguns puderam responder por meio de suas lágrimas, o que
demonstrava fidedignamente até que ponto se sentiam abatidos e impotentes.
Os delegados de Kronstadt propuseram aos operários e soldados que enviassem
delegados a Kronstadt. Em 28 de fevereiro, os delegados voltaram a
Kronstadt, acompanhados por outros de Petrogrado, expondo seu informe nos
cascos; como consequência, o Petropavlovsk e o Sevastopol adotaram uma
resolução que exigia, principalmente, a eleição de novos Sovietes locais
mediante voto secreto.
A resolução foi aprovada por unanimidade, sem ter em conta as manobras de
diversão e obstrução de Kuzmin e outros notáveis bolcheviques de Petrogrado
que assistiam às assembleias. Kuzmin e seus colegas chegaram a tal extremo
de cinismo em suas intervenções e manobras que os marinheiros, indignados,
tiveram que lhes interromper em mais de uma ocasião. Nesta reunião, foi
decidido convocar uma Assembleia Geral de toda a população de Kronstadt para
o dia seguinte, 1º de março, na Praça da Âncora.
Kalinin, o Hierarca de Todas as Rússias, compareceu a esta assembleia geral
da guarnição e da população de Kronstadt. Pronunciou um discurso,
esforçando-se em fazer a reunião fracassar. Quando se deu conta de que isso
não era possível, se recusou a falar na Praça e exigiu que a reunião fosse
transferida para o posto de manobras da marinha, mas os participantes se
negaram e insistiram em que a reunião continuasse na Praça da Âncora.
Diversos oradores intervieram nessa assembleia. A resolução proposta pelos
encouraçados foi adotada por unanimidade, com os únicos votos contra de
Kalinin, Kuzmin e Vassiliev, este último Presidente do Soviete de Kronstadt.
Ao constatar semelhante unanimidade da assembleia, Kalinin e Kuzmin
declararam que “se Kronstadt diz branco, nós dizemos preto” e que “Kronstadt
não representa por si só toda a Rússia e portanto não será levada em
consideração”.
Essas palavras agitaram ainda mais os participantes; então, alguém lhes
perguntou por que os bolcheviques tinham afirmado até esse momento que
Kronstadt era o centro da revolução e o seu mais fiel bastião e por que
tinha sempre apoiado Kronstadt. Não houve resposta.
A reunião decidiu proceder à eleição de um novo Soviete no dia seguinte,
através dos representantes de cada uma das companhias, dos grupos
profissionais e de fábrica, à razão de dez delegados por unidade.
Os membros do partido comunista estiveram reunidos toda a noite de 1º a 2 de
março, decidindo morrer antes de entregar o poder; durante o resto da noite
se dedicaram a armar quem acreditavam ser mais confiáveis: os clubes dos
Sovietes e outras instituições. Kalinin saiu de Kronstadt nessa mesma noite
sem que ninguém o impedisse.
Em 2 de março, às onze da manhã, os delegados designados foram ao
encouraçado Petropavlovsk. Todos eram independentes. Havia cerca de 250
pessoas, sendo insuficiente o espaço do casco, por isso foi proposto aos
delegados transferir a reunião para a casa de cultura e às duas da tarde foi
aberta a sessão.
Foi designada a presidência e quando se chegou à discussão da situação
atual, Kuzmin e Vassiliev pediram a palavra para intervir a respeito. A
assembleia assim concordou e ambos se puseram a repetir as mesmas ameaças
que haviam lançado na Praça da Âncora, tendo o maior cuidado de evitar
responder as perguntas diretas que lhes eram dirigidas. A assembleia pediu
então sua prisão imediata e seu desarme, o que foi executado pela
presidência.
Pouco depois, começaram a chegar mensagens e telegramas de caráter
provocador. A intenção manifesta dos bolcheviques era sabotar a reunião.
Assim, por exemplo, chegaram informações nas quais se afirmava que a escola
do partido e os comissários estavam se armando fortemente e se aprontavam
para cercar o edifício onde ocorria a assembleia de delegados; ou ainda, que
dois mil cavaleiros de Boudienny se acercavam às portas da cidadela. A
assembleia se indignou ao ter conhecimento destes rumores e alguns começaram
a ficar nervosos, mas o presidente da sessão conseguiu restabelecer a calma
e os debates continuaram.
Todo mundo sabia que os bolcheviques tinham se armado durante a noite e que
um ataque era possível. Os debates se estendiam, mas finalmente se propôs
não perder tempo, visto que os bolcheviques atuavam, e nomear rapidamente um
Comitê Revolucionário. Cinco membros foram eleitos para este Comitê:
Petritchenko, presidente, Yakovenko, Tukin, Arkhipov e o professor Oreshin.
Ao final da reunião, às cinco da tarde, o Comitê Revolucionário (CR) se
instalou no encouraçado Petropavlovsk, onde foi formado um estado-maior
militar.
Os destacamentos militares vieram para se colocarem à disposição do Comitê
Revolucionário. Em uma hora foram reunidos oitocentos homens, recebendo a
ordem de ocupar todos os pontos estratégicos da fortaleza: a central
telefônica, os locais da Tcheka, o arsenal, os depósitos de abastecimento,
as padarias, as estações elétricas, as cisternas de água, os
estados-maiores, a defesa antiaérea, a artilharia etc.
Às nove da noite, a cidade estava totalmente controlada, sem disparar um
tiro nem derramar uma gota de sangue. Nenhum dos edifícios armados pelos
bolcheviques opôs resistência, porque os militantes de base do partido se
negaram a disparar contra seus camaradas. A partir desse momento, não
sobraram mais que cinquenta dirigentes e duzentos estudantes da escola do
partido, tentando por todos os meios ao seu alcance recuperar o poder que
lhes escapava.
O Comitê Revolucionário (o Revkom) decidiu que fossem ocupados os fortes,
depois de terem ocupado a cidade, sendo igualmente tomados sem fazer um
único disparo, já que o grupo de bolcheviques não tinha tido maior êxito que
o que tiveram com os marinheiros. Quando a guarnição dos fortes quis
proceder à prisão dos bolcheviques, estes se refugiaram na costa do golfo e
conseguiram se apoderar do forte Krasnaya Gorka (a colina vermelha), por ser
um grupo suficientemente numeroso para surpreender a guarnição de um único
forte, ainda vacilante nesses momentos. Uma vez com o posto em seu poder,
procederam à prisão e à execução daqueles que achavam suspeitos.
Assim foi como a cidade e os fortes de Kronstadt passaram para as mãos do
Comitê Revolucionário.
Nesse mesmo dia, até a meia noite, o Comitê Revolucionário pediu que um
destacamento de cinquenta marinheiros e seis delegados fosse até
Oranienbaum, na outra ribeira do golfo. O destacamento percorreu cinco
verstas, até que foi recebido com um nutrido fogo de metralhadoras, ao
chegar a uma versta e meia da costa. Os seis delegados seguiram sozinhos,
mas os kursanti nem sequer se deram ao trabalho de discutir com eles,
pegando três, enquanto os outros escaparam e alcançaram o destacamento.
Os marinheiros tentaram pôr os pés na ribeira de Oranienbaum em outro lugar,
mas tampouco tiveram êxito e ao amanhecer se viram obrigados a voltar a
Kronstadt.
Nesse exato momento chegaram três delegados da divisão aérea de Oranienbaum,
que comunicaram a intenção da divisão de unir-se a Kronstadt. Quando
voltaram, foram imediatamente aprisionados e fuzilados. Em seguida, quarenta
e quatro camaradas seus foram igualmente executados.
Em Kronstadt tudo estava tranquilo. Só foram presos os bolcheviques que
tinham abusado da confiança do Comitê Revolucionário.
No entardecer de 2 de março, o Comitê Revolucionário convocou os
responsáveis do estado-maior da fortaleza, assim como os especialistas
militares, explicando-lhes a situação e propondo-lhes que participassem da
preparação e do reforço da defesa de Kronstadt, o que aceitaram. É
necessário afirmar, a esse respeito, que Kozlovsky não veio à reunião do
Comitê Revolucionário nesta ocasião, mas à que uma parte deste celebrou no
dia seguinte às três da tarde e que tão só foi responsável pela artilharia e
não por toda a defesa da fortaleza, como os bolcheviques fizeram crer.
Em 3 de março, circularam por toda a cidade rumores que afirmavam que os
bolcheviques aprisionados tinham sido torturados e fuzilados, sofrendo todo
tipo de violência. Membros do grupo dirigente do Partido Comunista se
apresentaram ao Comitê Revolucionário para que lhes fosse permitido visitar
o edifício onde haviam sido encerrados os comunistas aprisionados. Dois
membros do Revkom se uniram a eles para dirigirem-se em direção ao local.
Tendo sido convencidos das boas condições em que os comunistas aprisionados
se encontravam e informados de sua situação, os membros do coletivo
comunista redigiram um chamado à população da ilha em que eram desmentidos
os rumores provocadores e afirmavam que os comunistas aprisionados se
encontravam em boas condições, todos sãos e salvos, e que nenhuma violência
tinha sido exercida contra eles. Este chamado foi assinado por membros muito
conhecidos do Partido: os operários Ylyin, Kabanov e Pervushin.
O Comitê Revolucionário emitiu um primeiro chamado dirigido à guarnição da
cidade. Nele, pedia-se que os operários não abandonassem o trabalho e se
apresentassem nas oficinas; aos marinheiros e soldados vermelhos, pedia-se
que permanecessem em seus postos nos cascos e nos fortes; e a todos os
estabelecimentos públicos pedia-se que continuassem com sua atividade
habitual.
Em seguida, o Comitê Revolucionário fez um chamado a todas as organizações
de trabalhadores da Rússia, insistindo que procedessem à convocação de novas
eleições, mais representativas, nas fábricas, nos sindicatos e nos sovietes.
O Comitê Revolucionário fez também um chamado à ordem, à tranquilidade, à
firmeza e um novo e honesto trabalho socialista, em prol de todos os
trabalhadores.
Sob a presidência do Revkom, foi celebrada uma primeira reunião para tratar
os problemas militares, no curso da qual foi elaborado um plano de
autodefesa. Ao anoitecer, todos os destacamentos foram armados e ocuparam os
seus postos na cidade e nos fortes. Soube-se que às quatro da tarde um grupo
inimigo havia se aproximado de Totleben; alguns marinheiros saíram do forte
e regressaram sem que houvesse enfrentamento armado. Além disso, nos chegou
a informação de que o trem blindado Tchernomoretz acabara de chegar com uma
companhia de kursanti.
Durante toda a jornada, foram chegando reforços bolcheviques a Oranienbaum,
Sestroretsk e Lissy Noss, constituídos principalmente de kursanti de Orloff,
Nijnegorod e Moscou. E também destacamentos de elite bolcheviques, da Tcheka
e dos funcionários dos Sovietes locais, assim como dois trens blindados.
Durante a noite, grupos de exploradores se aproximaram do forte nº 1, para
retroceder em seguida, depois de encontrarem-se com nossos destacamentos.
Assim teve começo a insurreição de Kronstadt. Como esta foi apresentada
pelos bolcheviques? A partir de 3 de março, na rádio de Moscou havia sido
anunciado que um complô de Guardas Brancos e um amotinamento do casco
Petropavlovsk, sob a direção do ex-general Kozlovsky, acabava de se instalar
em Kronstadt; este complô havia sido tramado por agentes e espiões da
Entente. A rádio difundia a confiança em que esta rebelião dos Socialistas
Revolucionários e de um general fosse muito em breve liquidada.
A seguir, podia ser lido na “Gazeta Vermelha” e em Pravda que os principais
atores da insurreição haviam distribuído a hierarquia entre si, que eram
burgueses e filhos de papas, possuidores de numerosas propriedades. Os
periódicos insistiam em seu passado criminoso e assim sucessivamente. Deste
modo os bolcheviques apresentaram a revolta de Kronstadt.
4 de março
Neste dia, o Comitê Revolucionário se deslocou do encouraçado Petropavlovsk
à Casa do Povo, onde permaneceu até o último momento. Foi recebido um
telegrama do Soviete de Petrogrado, propondo o envio de uma delegação a
Kronstadt.
O Comitê Revolucionário enviou uma mensagem por rádio dizendo que a
delegação seria muito bem recebida, mas que seria desejável que a mesma
fosse eleita por representantes do povo, ou seja, por trabalhadores,
marinheiros e soldados vermelhos e que fosse incluído nesta delegação um
total de 15 % de comunistas. O Soviete de Petrogrado não respondeu à
proposta.
O Revkom tinha muito cuidado em tentar evitar todo derramamento de sangue
inútil. Em Kronstadt tudo estava tranquilo. Todos os serviços funcionavam e
o trabalho não era detido em absoluto.
Durante os três primeiros dias não foi disparado nem um único tiro. As ruas
estavam animadas e as crianças brincavam agradavelmente. Às quatro da tarde,
os delegados de todos os estabelecimentos, empresas, sindicatos e unidades
militares se reuniram no clube da guarnição. Ao abrir a sessão, o presidente
informou a assembleia sobre a situação militar e o abastecimento. Também foi
tratado o problema do combustível. Foi proposto aos operários que se
armassem e ocupassem os postos de guarda da cidade, a fim de liberar a
guarnição, que podia então ocupar posições nos postos mais avançados.
Os operários aprovaram a proposta por unanimidade. A reunião se desenvolveu
em meio a um grande entusiasmo e todos se separaram com a consigna de
“vencer ou morrer”. No curso da mesma, o Revkom foi completado, por proposta
do Presidente, com a inclusão de dez novos membros. Durante a noite, um
grupo inimigo de exploradores tentou se aproximar dos fortes.
5 de março
Pela manhã, um avião sobrevoou Kronstadt lançando panfletos: “eles
conseguiram”, onde os bolcheviques tentavam demonstrar que tínhamos sido
enganados por generais czaristas, acrescentando que Kronstadt tinha sido
completamente cercada e que portanto seríamos reduzidos por fome, já que na
cidade não havia reservas suficientes de comida, e convocavam a rendição e o
desarme e prisão dos dirigentes criminosos. Aqueles que se rendessem seriam
perdoados por seu erro. O Revkom ordenou que não metralhassem o avião. Os
panfletos foram amplamente difundidos entre a guarnição e a população. Uma
emissão de rádio do mesmo estilo foi captada pelo Petropavlovsk, sendo
igualmente difundida. Indignada pela ignomínia dos bolcheviques, a guarnição
quis responder por meio de um fogo de artilharia sobre Oranienbaum. O Revkom
teve necessidade de pedir constantemente que se acalmasse e recuperasse o
domínio dos nervos, até que foram tomadas algumas disposições.
O Revkom enviou uma mensagem por rádio: “A todos! A todos! A todos!”, na
qual assinalava que estava certo da justiça de sua causa, que Kronstadt
celebrava o poder dos Sovietes livremente eleitos em detrimento dos partidos
e que somente tais Sovietes seriam capazes de expressar a vontade dos
trabalhadores e não dos bolcheviques. Fazia um chamado para que entrassem
imediatamente em contato com Kronstadt e que enviassem delegados, os quais
lançariam luz sobre o movimento de Kronstadt etc. Assim transcorreu a
jornada do dia cinco.
6 de março
Pela manhã, nos chegou a notícia: em Petrogrado, eram feitas prisões em
massa das famílias dos habitantes de Kronstadt. O CR enviou através do rádio
um protesto contra o encarceramento dos familiares e exigiu sua liberação,
acrescentando que, entre nós, os comunistas dispunham de completa liberdade,
que seus parentes tinham sido deixados completamente à margem de tudo e que
este procedimento era, sob qualquer ponto de vista, covarde e vergonhoso.
Ao meio dia, o Petropavlovsk recebeu a mensagem de rádio que transmitia o
ultimato de Trotsky, ordenando a rendição imediata de Kronstadt e dos cascos
amotinados à República Soviética, que entregassem as armas e obrigassem os
obstinados a fazê-lo, pondo-os nas mãos das autoridades soviéticas: Trotsky
acrescentava ainda que tinha ordenado a preparação do esmagamento militar
dos amotinados. O prazo para a recepção da delegação de Petrogrado em
Kronstadt tinha sido fixado às seis da tarde deste dia.
Às três, um avião sobrevoou de novo Kronstadt e lançou a ordem de Trotsky já
impressa. Uma emissão da rádio de Moscou foi também captada: ela dizia que
agentes franceses tinham se infiltrado em Kronstadt e que corrompiam com
ouro os seus habitantes, junto com outras mensagens do mesmo gênero.
Tudo isto foi amplamente difundido entre a população e a guarnição de
Kronstadt, provocando uma indignação crescente contra a infâmia dos
bolcheviques. Nos foi informado que as forças inimigas chegavam cada vez em
maior número ao redor de Kronstadt. Trotsky e Dibenko, assim como outros
conhecidos dirigentes chegaram a Oranienbaum. Foi interceptada a ordem de
começar uma ofensiva contra Kronstadt.
O Revkom se reuniu com o estado-maior da defesa e comunicou a todos os
insurgentes a ordem de se manterem em alerta para repelir o inimigo. Na
cidade, todos estavam certos de que o primeiro disparo não tardaria em ser
produzido. Pela noite, foram descobertos grupos inimigos de reconhecimento.
7 de março
Um belo e ensolarado dia. Em Kronstadt, reinava uma grande animação devido
ao bom tempo. As crianças estiveram brincando na rua o dia inteiro. Ninguém
teria podido imaginar que Kronstadt estava assediada e que em qualquer
momento podia cair um obus que não perdoaria a ninguém. Os serviços públicos
e as oficinas continuaram sua atividade com toda normalidade. Um dos fortes
nos informou que uma reduzida unidade de kursanti tinha se aproximado de
nossos postos avançados, trocando propaganda e retirando-se.
Ao longo da jornada, até o entardecer, duzentos delegados foram enviados de
Kronstadt em todas as direções, com documentos e periódicos. Deles, só
retornaram dez.
Às 18h45min, o inimigo abriu um fogo nutrido sobre a cidade e os fortes a
partir de Sestroresk e Lissy Noss. Os fortes responderam ao convite,
silenciando o inimigo. Ao ver isto, o forte de Krasnaya Gorka abriu fogo,
recebendo uma adequada resposta do Sevastopol, e logo houve troca de
artilharia de todas as partes, de forma intermitente, prolongando-se até o
cair da noite.
Os obuses caíram sobre o porto da cidade e nas proximidades dos fortes sem
causar nenhum dano; dois soldados vermelhos foram feridos nos fortes e
transportados ao hospital. A população e a guarnição aceitaram o tiroteio
com tranquilidade e reagiram assim: “por fim, a sorte foi lançada, começou o
grande combate”, “toda a responsabilidade recairá, perante o mundo inteiro,
sobre aqueles que começaram primeiro”, “nós não queríamos derramar sangue,
mas se Trotsky nos obriga a fazê-lo, então defenderemos nossa justa causa”.
O som dos canhões continuou a ser escutado durante toda a tarde, mas a
população manifestou mais curiosidade que espanto. Apesar da proibição do
Revkom, as pessoas foram à costa e ao posto para ver o fogo inimigo. Muitos
proferiram maldições contra os bolcheviques, verdugos da Revolução.
Os comunistas que se encontravam em Kronstadt dispunham de completa
liberdade e igualmente se indignaram contra um ato de tal natureza,
unindo-se à luta contra seu próprio partido.
É preciso assinalar que muitos deles demonstraram grande heroísmo e
abnegação no combate.
Deste modo, foi disparado o primeiro tiro de canhão... Afundado até a
cintura no sangue dos trabalhadores, o sanguinário marechal Trotsky foi o
primeiro a abrir fogo contra Kronstadt, sublevada contra o domínio
bolchevique, para restaurar o autêntico poder dos Sovietes.
Sem um único disparo, sem um único derramamento de sangue, nós, soldados
vermelhos, marinheiros e operários de Kronstadt, tínhamos abatido o domínio
dos comunistas, respeitando inclusive suas vidas. Sob a ameaça das armas,
queriam de novo nos aprisionar ao seu poder. Tentando evitar qualquer
derramamento de sangue, tínhamos pedido que fossem enviados a Kronstadt
delegados do Proletariado de Petrogrado que não pertencessem a nenhum
partido, com o fim de que constatassem que Kronstadt lutava pelo poder dos
Sovietes livremente eleitos. Mas os bolcheviques ocultaram tudo isso dos
operários de Petrogrado e tinham aberto fogo; a resposta habitual de um
governo, supostamente operário e camponês, às exigências das massas
trabalhadoras.
Nossa posição era a seguinte: que todo o mundo trabalhador saiba que nós,
defensores do poder dos Sovietes dos trabalhadores, nos unimos para
salvaguardar as conquistas da revolução. Venceremos ou pereceremos sob as
ruínas de Kronstadt, combatendo pela justa causa do povo trabalhador. Os
trabalhadores do mundo inteiro nos julgarão, mas o sangue dos inocentes
recairá sobre a cabeça dos bolcheviquesverdugos embriagados de poder. Viva o
Poder dos Sovietes!
Com fogo de artilharia terminou, portanto, a jornada de 7 de março. O
tiroteio da cidade e dos fortes mostrava claramente que seria produzido um
ataque na manhã do dia seguinte; nos preparamos para isso.
8 de março
Às 4h30min da manhã, o inimigo desencadeou uma ofensiva contra o forte
Totleben, e a parte leste de Kotlin, em direção às portas de Kronstadt. Uma
grande parte dos assaltantes foi aniquilada, o resto fugiu. Foram feitos
prisioneiros cerca de 200 homens.
Alguns kursanti se esconderam nos diques – e em breve foram desalojados. Os
prisioneiros foram levados em grupo ao picadeiro. Ao mesmo tempo foi lançado
um assalto contra os fortes do sul; o inimigo foi repelido e foi feito um
grande número de prisioneiros. Do mesmo modo se levou a cabo várias
tentativas de ofensiva em outros pontos, mas sem êxito. As ofensivas
custaram ao inimigo grandes perdas em mortes, feridos e afogados – houve
oitocentos prisioneiros.
Depois de tal desastre, o inimigo enviou uma grande cadeia de Oranienbaum .
Quando estiveram sob o fogo da artilharia de Kronstadt, levantaram uma
bandeira branca, e começaram a se mover em direção a Kronstadt.
Dois membros do Comitê Revolucionário saíram ao seu encontro, Vershinin e
Kupolov; tão logo quanto estiveram à vista da cadeia, soltaram suas armas e
se dirigiram temerariamente ao seu encontro. Mas sem ter tempo de dizer
alguma palavra, os cercaram e prenderam Vershinin; Kupolov conseguiu
escapar.
Utilizando este meio covarde e vil foi como os bolcheviques capturaram um
dos melhores membros do Comitê Revolucionário: combatente exemplar, orador
veemente e entregue inteiramente à causa da revolução e da humanidade.
Pudemos constatar que se as cadeias inimigas, subindo ao assalto, não
suportavam nosso fogo, e tentavam retroceder, disparos de artilharia e de
metralhadora vindos da orla vedavam sua retirada para obrigar-lhes a atacar
de novo. Tampouco podiam voltar já que por trás deles marchava uma cadeia de
comunistas selecionados que disparavam por suas costas.
Os prisioneiros nos explicaram que se nos regimentos surgiam dúvidas ou
hesitações e rejeitavam a subida ao assalto, então fuzilavam um de cada
cinco. Foi o que aconteceu nos regimentos de Orchanski, Nevelski e Minsk. Os
assaltantes eram sobretudo kursanti, tropas de elite de comunistas seguros,
tchekistas, permanentes da burocracia dos Sovietes, destacamentos de pedágio
e outras tropas selecionadas cuja fidelidade estava a toda prova.
O 561º regimento de Kronstadt figurava no número dos atacantes; quinhentos
homens foram feitos prisioneiros.
Até o meio dia, cessaram todas as tentativas de assalto do inimigo. Durante
todo o dia, aviões sobrevoaram, mas suas bombas não causaram nenhum dano na
cidade, caindo em sua maior parte fora de Kronstadt, já que as baterias
antiaéreas não permitiam que voassem por cima da cidade.
Uma única bomba caiu sobre a cidade às 6 da tarde, e como resultado
destroçou a cornija de uma casa, danificou uma fachada, rompeu os cristais
de várias casas, e por sorte não feriu mais que muito levemente uma criança
de treze anos.
Durante todo o dia houve fogo de artilharia. Nossa artilharia provocou um
incêndio e a destruição da via férrea sobre a ribeira de Oranienbaum.
Kronstadt e os fortes não sofreram danos sérios.
Alguns fugitivos nos indicaram que naquele dia o inimigo tinha concentrado
15.000 homens sobre a ribeira sul e 8.000 ao norte, com 20 baterias e 4
trens blindados, um dos quais foi posto fora de combate por nossa
artilharia.
O inimigo recebia reforços incessantemente.
Em todos os serviços públicos, sindicatos e unidades militares de Kronstadt,
foram designada troikas revolucionárias, entre as quais não havia nenhum
comunista. Estas troikas eram encarregadas de aplicar sobre o lugar as
disposições tomadas pelo Revkom.
O trabalho não cessou nos serviços públicos, só fecharam as escolas e os
cursos para adultos. Os alunos das classes terminais eram voluntários, assim
como os adultos, nas milícias da cidade.
No Comitê Revolucionário, se trabalhava dia e noite. Visto a falta de botas
de couro entre os defensores de Kronstadt, o Revkom ordenou recolher as dos
bolcheviques detidos, dando-lhes em troca laptis; isto proporcionou 280
pares de botas que foram distribuídos entre a guarnição.
Pela mesma razão, o Revkom se dirigiu à população a fim de que aqueles que
possuíssem vários pares lhes dessem aos defensores; isto proporcionou cerca
de outros 400 pares de botas. Estas botas eram trocadas por sapatos de
feltro dos marinheiros, dos quais não podiam servir-se na cidade.
Procedeu-se também à divisão do abastecimento para o período de 8 a 14 de
março, segundo as normas seguintes: a guarnição terrestre e marítima
recebeu, em lugar da ração de pão anterior, pão e café, meia libra de maçãs
desidratadas, meio pote de conserva de carne e um quarto de libra de carne
por dia. A população civil de categoria A recebeu meia libra de pão, meio
pote de conserva, meia libra de carne; a de categoria B: uma libra de
centeio, meio pote de conserva de carne, um quarto de libra de carne, e,
durante algum tempo, meia libra de açúcar e meia de manteiga salgada. Às
crianças de série A: a cada dia farinha, cevada, ou meia libra de biscoitos,
meio pote de conserva de carne, e, durante algum tempo, como complemento, um
pote de leite em conserva, meia libra de açúcar e um quarto de libra de
manteiga. Para as de série B e C, diariamente, a mesma ração, salvo meia
libra de carne no lugar do pote de leite. Eis aqui então em que condições
Kronstadt tinha que viver; e tudo isto sem um murmúrio nem da população nem
da guarnição. Cada um declarava firmemente: “Sabemos em nome de quê
suportamos estas privações”. Assim terminou o dia 8 de março.
9 e 10 de março
O inimigo abriu fogo de artilharia, ora intermitente, ora contínuo e
intenso, sobre a cidade e os fortes.
As tentativas de assalto, levadas a cabo no sul e no norte, foram repelidas
com grandes perdas do inimigo. Nossa artilharia respondia sem cessar.
Tivemos, nesses dois dias, 14 mortos e 46 feridos.
O Revkom enviou uma mensagem por rádio a todos os proletários de todos os
países, na qual eram destruídas as mentirosas calúnias dos bolcheviques, se
declarava a todo o mundo que nenhum General Branco nos dirigia, e que
estávamos organizados por nós mesmos; que não tínhamos nos vendido à
Finlândia, e que não mantínhamos nenhum contato com ninguém para uma
eventual ajuda militar, que Kronstadt tinha derrubado o jugo dos
bolcheviques e tinha decidido lutar até o fim.
Com certeza, se a luta se prolongasse por muito tempo, nos veríamos
obrigados a pedir ajuda exterior para o abastecimento, ao menos para nossos
feridos. Na cidade reinava a calma. Quanto mais a luta se prolongava, mais
estreitamente se uniam a população e a guarnição. Cada um pretendia ajudar a
causa comum com todos os seus meios. Constantemente, os aviões sobrevoavam,
mas sem causar danos sérios.
11, 12 e 13 de março
O inimigo submeteu a cidade e os fortes, durante estes três dias, a um fogo
de artilharia às vezes intenso, às vezes intermitente. Algumas tentativas
inimigas de continuar o assalto tiveram lugar no norte e no sul da ilha. Os
aviões sobrevoaram Kronstadt sem parar e lançaram bombas. A todos estes
ataques terrestres e aéreos e ao fogo da artilharia inimiga, a guarnição de
Kronstadt respondeu com a artilharia da fortaleza e a dos cascos, com as
baterias aéreas, as metralhadoras e os fuzis.
Com exceção da destruição de várias casas, não houve danos materiais
consideráveis. As bombas mataram e feriram várias pessoas. O Revkom enviou
uma mensagem por rádio, em 12 de março, a todo o mundo, convocando a
protestar contra os assassinos da população pacífica da cidade, contra a
destruição de casas e pedindo que fosse manifestado apoio moral aos
insurretos.
14 de março
Cedo, na manhã de 14 de março, o inimigo tentou, por duas vezes, realizar o
assalto, mas foi repelido por nosso fogo.
Às 13 horas, começou um dilúvio de artilharia, ao qual nossos canhões
responderam. Isto durou até as 7 da tarde, depois houve calma. Os aviões não
apareceram. Na cidade, tudo estava tranquilo. A população havia se habituado
de tal modo aos tiros de canhão que todo mundo se movia livremente pela
cidade como se fosse um dia de festa. As crianças brincavam de guerra de
bola de neve na rua do Soviete e na avenida Lenin. As pessoas limpavam a
neve e o gelo das calçadas.
O Revkom se dirigiu por rádio aos periodistas de todos os países lhes
propondo que viessem a Kronstadt para se convencerem de por que lutavam.
Procedeu-se a uma segunda divisão do abastecimento, já que o primeiro tinha
terminado em 14 de março.
Esta divisão foi feita assim: um pão grande aos militares marinheiros e
operários, de 15 a 21 de março inclusos, meia libra de pão ou um quarto de
biscoito, uma quarta parte de um pote de conserva e três oitavos de libra de
carne por dia. Às crianças de série A: uma libra de leite em conserva, duas
libras de farinha, uma de carne de frango, e três ovos. Tudo isto até 1º de
abril. Às crianças de série B: meia libra de cevada por dia, um quarto de
frango, um quarto de libra de carne por dia, e um quarto de libra de queijo;
tudo isto até 1º de abril. Às crianças da série C: meia libra de cevada,
meia de carne por dia e uma vez uma libra e meia de ovas de peixe. Além
disso, um quarto de libra de manteiga, como suplemento, para todas as
crianças, assim como meia libra de açúcar. Assim foram repartidas as últimas
reservas de abastecimento.
15 de março
Exploradores inimigos tentaram se aproximar, em certos lugares, de nossos
postos de guarda, mas foram dispensados por nosso fogo e fizemos
prisioneiros. Das 14 às 17 horas houve um débil fogo de artilharia. Depois
das 18h30min, os aviões sobrevoaram três vezes despejando bombas; foram
repelidos por nossas baterias antiaéreas. A cidade estava em calma, o estado
de ânimo era excelente. Às 20h teve lugar o transporte dos mortos do
hospital à catedral marítima, assim como os preparativos dos funerais do dia
seguinte, na Praça da Âncora. Na rua Pesotchnaia, durante o transporte dos
mortos, um avião inimigo laçou uma bomba, que por sorte não explodiu.
16 de março
O inimigo tentou levar o assalto a pontos distintos mas foi repelido por
nosso fogo de artilharia. Os aviões começaram seus ataques de manhã, sem
causar grandes danos à cidade. Às 9 da manhã, a partir de Lissy Noss, de
Sestroretsk, de Oranienbaum, e de Krasnaya Gorka, começaram os tiros de
canhão da cidade e dos fortes. Nossa artilharia respondeu e em certos
lugares fez a artilharia inimiga se calar.
Ao meio dia, a hora marcada para os funerais das vítimas da Terceira
Revolução, sem prestar atenção nos bombardeios da cidade, a população e as
unidades militares que não estavam em serviço chegaram à Praça da Âncora
pelo lado da catedral marítima. Depois da cerimônia, os vinte e um féretros,
envoltos em tecidos vermelhos, foram transportados à fossa comum fraternal
preparada na Praça. Os marinheiros faziam filas de honra até a tumba. Toda a
população de Kronstadt e o CR assistiram aos funerais. Os féretros foram
introduzidos na tumba fraternal e cobertos de terra. As unidades armadas os
saudaram. Em seguida, foram pronunciados discursos na tribuna, nos quais os
oradores punham em destaque os acontecimentos em curso e sublinhavam a
ferocidade sanguinária dos dirigentes bolcheviques.
No intervalo dos discursos, uma orquestra tocou melodias revolucionárias.
Durante todo o tempo que os funerais e os discursos duraram, o inimigo
submeteu a cidade a um bombardeio intenso; os obuses caíam muito
proximamente. Um marinheiro foi ferido por um estouro. De todas as formas, a
multidão conservou um sangre frio notável até o final e não se separou mais
que uma vez depois de acabarem os discursos dos oradores.
Até a tarde, o bombardeio da cidade foi intensificado. Do Krasnaya Gorka, um
obus de 12 polegadas caiu sobre a ponte do encouraçado Sevastopol; 14
marinheiros morreram e 36 foram feridos. Ao cair da noite, o bombardeio de
todas as partes da cidade e dos fortes foi ainda mais intenso. Nossa
artilharia respondeu e esta troca durou até as 3 da manhã, depois cessou.
Na cidade, houve casas destruídas e incêndios que foram rapidamente
controlados; um obus caiu sobre o edifício do Revkom, ferindo dois
marinheiros e deixando um soldado vermelho com concussão. Também houve
feridos nas casas destruídas. A população ajudou ativamente a retirar os
escombros, a evacuar os feridos para o hospital e a retirar os corpos, assim
como a apagar os incêndios; tudo isto sob o fogo mortífero dos canhões
inimigos. Esta ajuda aliviou em uma grande maneira a guarnição da fortaleza
e da cidade, que não podia se ocupar de tudo de uma vez.
17 de março
Às 4h30min da manhã, o inimigo lançou uma ofensiva geral enviando numerosas
levas de assaltantes em mortalhas brancas sobre um grande espaço para
apoderarem-se de Kronstadt pelos lados sul, oeste e leste. As levas de
atacantes foram recebidas pelo fogo de nossas baterias e de nossas
metralhadoras.
Os assaltantes caíam como feixes de searas ceifadas, mas os que escapavam
continuavam avançando, dispersando-se em todos os sentidos. O inimigo
conseguiu refugiar-se próximo ao quartel de instrução, graças a uma grande
evasiva e às mortalhas brancas que os soldados carregavam, sem que fosse
percebido. Encontrando-se, assim, no flanco da sexta bateria disposta
próxima às portas de Petrogrado, sobre o depósito de carvão, o inimigo
apoderou-se com um rápido ataque, passando pela fábrica de gás. Os
assaltantes forçaram as portas de Petrogrado sofrendo grandes perdas;
todavia, conseguiram apossar-se do quartel de instrução.
O quartel do norte foi deixado para trás; 60 marinheiros tinham se refugiado
ali, somente 4 puderam sair. Tendo ocupado o hospital, o quartel de
instrução e a central telefônica, os bolcheviques exigiram que os
empregados, sob ameaça de morte, transmitissem tudo o que lhes era
comunicado.
Esta ação introduziu uma certa confusão na defesa Kronstadt. O inimigo
liberou os 174 bolcheviques, detidos na prisão, e apossou-se da sala de
armas, do depósito de alimentos, da escola de máquinas e de todo o bairro
até o polígono de tiro. Grupos de inimigos isolados puderam chegar inclusive
até o estado-maior militar e a catedral marítima. Instalaram duas
metralhadoras na casa do antigo Moltchanoff, mediante as quais controlavam
toda a rua.
Simultaneamente, uma grande ofensiva teve lugar sobre o porto militar sobre
o reservatório italiano, sobre a Bolsa, e sobre as portas da cidadela, do
lado do forte Piotr. Igualmente, os fortes do sul e as baterias 4, 6 e 7
foram intensamente atacadas. A cidade estava um inferno. Os canhões
trovejavam por todas as partes. As metralhadoras crepitavam e os fuzis
disparavam. As balas silvavam por todas as partes. Tinha sido criada uma
terrível confusão. Por todas as partes, tinham lugar lutas enfurecidas. Era
difícil o reconhecimento já que os comunistas tinham deixado suas mortalhas
brancas ao se dispersarem pela cidade. Além disso, evidentemente, deve-se
dizer também que os bolcheviques que não foram detidos antes desempenharam
um papel nada menosprezável, disparando nos insurretos pelas costas, o que
propagou o pânico e a confusão entre a guarnição. Em um momento, o inimigo
pôde apossar-se das portas da cidadela, e avançou rapidamente em direção à
via férrea a fim de tomar as portas de Kronstadt, mas o impedimos. As perdas
inimigas ali foram enormes. O combate era particularmente sangrento pelos
dois lados. Fora da guarnição, operários, mulheres e até adolescentes
combatiam. Às 14h, conseguimos desalojar o inimigo deste bairro.
Fizemos mais de 1.200 prisioneiros. O resto do inimigo recuou até os fortes
do sul. Então começamos a limpar a parte sul da cidade: o depósito de
alimentos, a sala de armas, e uma parte da rua Pesotchnaia foram liberados;
ainda fizemos 2.200 prisioneiros na praça próxima à catedral.
Pela manhã, a sexta bateria norte foi tomada pelo inimigo, depois a quinta,
que tinha apenas uma metralhadora. A quarta tinha sido abandonada sob a
pressão inimiga.
Os comunistas lançaram um assalto sobre a parte oriental de Kotlin, mas
foram repelidos e se refugiaram nas baterias 4, 5 e 6.
Próximo às portas de Petrogrado, o combate continuava com nossa vantagem,
mesmo que chegassem reforços ao inimigo sem cessar. Às 5 da tarde, tendo
recebido reforços, o inimigo lançou um novo assalto contra as portas da
cidadela, apossando-se dela, e se dispôs próximo do laboratório, mas nossas
reservas sobreviveram e os repelimos de novo. Os comunistas conseguiram
apoderarem-se dos fortes do sul 1 e 2. Neste momento, foram apercebidos
reforços inimigos pelo lado de Oranienbaum; as reservas foram enviadas ao
seu encontro até a parte oeste de Kotlin. Sem cessar, chegavam reforços
sobre a ribeira norte dos fortes 6 e 7; notou-se um importante movimento de
tropas na região de Oranienbaum e de colunas de cavalaria pelo lado de
Petrogrado. A cidade, os fortes e o povo eram bombardeados pela artilharia
sul e norte, assim como pelos trens blindados. Krasnaya Gorka atirava
unicamente sobre o porto.
Nossa artilharia – do Petropavlovsk, do Sevastopol e dos fortes – disparava
exclusivamente sobre a ofensiva inimiga, fazendo com que o gelo rachasse, e
afogava os assaltantes. Apesar disso, as cadeias inimigas se disseminavam
cada vez mais e acediam como formigas sobre o gelo.
Às 6 da tarde, restavam em nossa posse os seguintes fortes: Constantine,
Riev, Totleben, Maritimen e Krasnoarmeetz; porém, alguns destes fortes
estavam dispostos de maneira que não podiam se defender além do lado do mar,
e não todo de todo o seu redor.
Havia também os fortes Chanets e Milyutin, sem importância militar; além dos
encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol. Às 6 da tarde, chegaram petições do
forte Topleten: “Enviem-nos 200 homens e 5 metralhadoras, já que só nos
resta um canhão”; do forte Riev: “Pedimos um reforço de 100 homens com duas
metralhadoras já que as peças dos canhões estão começando a funcionar mal”;
do forte Constantine: “Pedimos um reforço de 150 homens com metralhadoras,
de outra forma não poderemos conter a pressão inimiga e teremos que evacuar
o forte”.
Pedíamos reforços por todas as partes para compensar as perdas: comandantes,
artilheiros, metralhadoras; o Sevastopol nos disse que não restavam mais de
três obuses de doze e que não tinham nada para disparar. Além disso, muitas
peças de artilharia estavam defeituosas, os compressores rotos, os suportes
partidos, alguns canhões apresentavam fendas, e nestas condições não podiam
ser carregados.
Algo parecido nos chegava do Petropavlovsk. A ancoragem dos cascos
constituía um grande inconveniente, já que estavam bordo contra bordo, e só
podiam disparar de um único lado. Além disso, era impossível separá-los já
que não restava carvão no Sevastopol, e ele utilizava a energia elétrica do
Petropavlovsk; no fim, não havia um quebra-gelo para liberar a passagem dos
cascos.
Os combates se prolongavam em torno das portas de Petrogrado. Os operários
levavam a cabo uma luta desesperada, aliviando muito a guarnição; as
mulheres participavam dos combates recolhendo os cartuchos dos mortos para
dar àqueles que combatiam, já que as munições começavam a faltar, os
operários tinham os assaltantes sob o fogo das metralhadoras do alto dos
tetos e dos celeiros.
Dois esquadrões de cavalaria que tinham adentrado Kronstadt foram
imediatamente varridos por seus habitantes. Do alto da cidade, se via como
chegavam os reforços inimigos que se agrupavam em torno dos fortes, cercando
a cidade.
A guarnição da cidade era pouco numerosa, composta do 560º regimento e de
grupos de marinheiros, com um total de 350 fuzis. Muitos marinheiros
estavam, por assim dizer, descalços, e não podiam participar do combate. Nos
faltavam especialistas e enquadramento. Uma escassa ração, um serviço
ininterrupto durante 15 dias, um combate de 10 dias, em particular no último
dia, desde as 4h30min da manhã até a tarde, o combate de rua, tudo isto
rompeu definitivamente as forças da guarnição. A diminuição da guarnição
como consequência dos ataques; a ausência de reservas e de esperança de
abastecimento e ajuda militar exterior; tudo nos fazia entender que não
podíamos repelir outro ataque, que seria continuado com outros assaltos.
O presidente do Revkom, tendo analisado a situação com o responsável da
defesa, decidiu retirar-se, ao cair da noite, para os fortes de
Krasnoarmeetz, Riev e Totleben, de onde tentaríamos resistir. Foram
convocadas urgentemente todas as troikas revolucionárias e se colocaram de
acordo para colocarem-se em ordem de batalha, ao cair da noite, nos fortes
designados; recomendou-se que não se propagasse o pânico já que neste caso
todas as unidades e a guarnição podiam perecer inutilmente. Foram enviados
emissários ali onde tinha sido cortada a comunicação. Foi comunicado ao
comando da cidade que esta tinha que ser abandonada e com ela todos os
operários que desejassem, já que estavam sob sua responsabilidade.
O estado-maior da defesa se dividiu em dois grupos, um que deveria ir ao
forte Krasnoarmeetz e tomar suas próprias disposições, e outro que deveria
ficar em seu lugar para transmitir todas as disposições ao forte
Krasnoarmeetz. Desta maneira, às 8h10min da tarde, eu abandonava Kronstadt
com o responsável pela defesa e nossos colaboradores para ir ao forte
anteriormente citado.
Pela estrada, os grupos marchavam em direção aos fortes, mas 2 km antes de
chegar, vimos um grande movimento de grandes massas de homens nas imediações
do forte.
Choviam os obuses fazendo numerosas vítimas. O forte se calou bruscamente.
Ao chegar ao forte, vimos que a estação elétrica estava destruída, os fios
telefônicos cortados e 6 pesados canhões inutilizados; os canhões de maior
calibre não giravam e estavam orientados em direção ao mar. Eram por volta
de 9h30 da tarde. A estrada que ia do forte a Kronstadt estava cortada e só
restava uma saída: ir em direção à fronteira finlandesa.
Foi assim como o primeiro grupo do estado-maior, aquele em que me
encontrava, abandonou Kronstadt. O segundo grupo saiu de Kronstadt às 10h30
da tarde e chegou também à Finlândia; 4 membros do Revkom não puderam se
juntar a nós. Sua sorte me é desconhecida. Segundo disseram os últimos
prisioneiros que fizemos, o inimigo dispunha, além de uma numerosa
artilharia, de 4 trens blindados e de 8 canhões em cima de tratores, e que
haviam sido concentrados na região de Oranienbaum cerca de 50 mil fuzis, e
30 mil em Sestroretsk e Lissy Noss, além de um número indeterminado de
cavalaria. As tropas eram compostas principalmente de kursanti, de membros
do Partido Comunista, de tchekistas, de destacamento de pedágio, de
permanentes dos Sovietes locais, de mongóis, de bachkirs e de outras tropas
asiáticas. Do mais profundo da Rússia tinham sido levados regimentos
inteiros, mas não eram enviados todos de uma vez, cada regimento era
dividido em vários grupos e misturados com outros regimentos, e quando iam a
um assalto, bolcheviques comprovados iam atrás deles.
Os bolcheviques persuadiam os soldados de que eles iam combater com bandos
de oficiais que tinham se valido de Kronstadt e que tinham detido todos os
marinheiros, que já havia soldados finlandeses convocados por estes
militares rasteiros. Para convencer ainda mais os soldados, vestiam membros
do Partido Comunista com uniformes de oficiais com dragonas e medalhas, e os
passeavam perante as tropas declarando que eram prisioneiros de Kronstadt e
que era contra eles que era preciso lutar.
Da mesma forma, vestiam outros comunistas com uniformes finlandeses,
passeando-os da mesma forma perante as tropas e com as mesmas palavras.
Diziam por exemplo que os marinheiros e os soldados vermelhos tinham deixado
Kronstadt há muito tempo e tinham se refugiado na Finlândia, que só restava
um bando de oficiais que seria fácil liquidar. Contavam também aos asiáticos
que o golfo era um grande campo e que atrás dele havia uma grande cidade que
era preciso tomar, já que um bando de espadachins a tinha tomado e fazia o
terror reinar contra a população.
Por exemplo, um mongol explicou: “Estive em muitas frentes, vi muitas
cidades, mas nunca uma tão grande. Eu vi muitos obuses mas nunca como esses,
já que quando explodem fazem um grande buraco na água e nos fazem cair nela.
Nunca tinha visto obuses aquáticos como esses. Eu prefiro disparar de um
único sítio, sentado e estirado, enquanto ali a água me despediu nove
vezes”.
Mediante diferentes pretextos e enganos enviavam as pessoas sobre o gelo. E
uma vez ali não podiam retroceder, porque então os bolcheviques abriam sobre
eles um fogo de metralhadoras e artilharia. Sua situação era verdadeiramente
espantosa já que, se quisessem retroceder, a cadeia bolchevique que lhes
seguia abria fogo sobre eles. Os prisioneiros contaram também que se
aparecessem dúvidas em um regimento ele era desarmado imediatamente e
enviado para não se sabe onde, ou então era fuzilado um de cinco, enviando o
resto ao assalto.
Ninguém conhecia realmente a verdadeira situação de Kronstadt. Estávamos
absolutamente separados do mundo exterior. Não tendo nem um único avião, não
podíamos informar ninguém.
É preciso assinalar que os bolcheviques não puderam enviar tropa alguma de
Petrogrado e de sua região, nem de infantaria nem de marinheiros. Em
Petrogrado, compreendeu-se em seguida que os marinheiros tinham se
sublevado. Os torpedeiros ancorados em Petrogrado foram desarmados e os
percursores dos canhões foram retirados.
Da mesma maneira, estava inutilizável tudo o que poderia servir nos
encouraçados Gangut e Poltava que de todas as maneiras não podiam funcionar
pois estavam pendentes de reparos. As equipes dos cascos foram detidas e
evacuadas de Petrogrado para um local desconhecido. As unidades militares da
guarnição foram aquarteladas, sem armas nem uniformes, sob uma forte
vigilância.
Quando começaram as reuniões em Kronstadt, ou seja, a partir de 27 e 28 de
fevereiro, a situação dos bolcheviques começou a não ter saída. Tentaram
obter pequenas permissões para os marinheiros enviando-os ao país, a
Petrogrado, a Oranienbaum e a outras localidades vizinhas. Conseguiram assim
retirar de Kronstadt mais de mil marinheiros, o que debilitou
consideravelmente a guarnição, especialmente porque entre os que conseguiram
permissões havia especialistas indispensáveis como os galvanômetros, os
metralhadores etc., que teriam sido de grande valor em Kronstadt. Os
comissários fizeram isto então com conhecimento de causa.
Eis aqui então as condições e as circunstâncias nas quais Kronstadt se
encontrou antes da formação do Comitê Revolucionário, durante sua existência
e até sua saída. Só acrescentarei que a honra e a glória dos habitantes de
Kronstadt, ao defenderem o autêntico poder dos Sovietes livremente eleitos e
não o poder dos partidos, foi ter demonstrado a todo o mundo como sem
nenhuma violência e com a consciência tranquila o povo trabalhador pode
levar a luta em direção à sua emancipação total.
Foi demonstrado, em particular aos membros do Partido Comunista Russo, que,
ainda que sejam os mais ferozes inimigos do povo trabalhador, este mostrou
mais uma vez, ao longo de um combate desesperado, sua grandeza de alma
russa, e sua força, provando que é realmente capaz de perdoar seus inimigos
não em palavras e sobre o papel, mas de fato. Kronstadt custou caro aos
bolcheviques. A queda de Kronstadt é a queda dos bolcheviques. Os
bolcheviques podem fuzilar os rebeldes de Kronstadt, mas não poderão jamais
fuzilar a verdade de Kronstadt.
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