A fundição de ferro em blocos (1890), óleo sobre tela, de Hermann Heyenbrock. |
Observação: recuperamos esse texto da Biblioteca Comunista Velha Toupeira (aqui é possível acessar o que sobrou do site: link), uma vez que o site da mesma sofreu um ataque virtual sionista no momento em que começaram os massacres de palestinos por Israel. Nosso objetivo é difundir esse material, na medida em que se trata de uma contribuição fundamental para a caracterização da classe proletária com base nos acúmulos programáticos do movimento comunista internacional.
Introdução
Para os socialistas utópicos, o comunismo surgiu do pensamento.
Marx entende que o comunismo surgiu do próprio seio do capitalismo e que é representado por uma força social: o proletariado. A teoria comunista é apenas uma emanação do proletariado sendo Marx somente o receptáculo que exprimiu teoricamente e de maneira extremamente sintética o movimento e o objectivo da nossa classe. Marx não é, como o pretende a socialdemocracia ou o estalinismo, o mestre genial do pensamento marxista, que, tendo bebido da filosofia francesa e alemã, teria conseguido engendrar o “marxismo”, que bastaria depois insuflar a um proletariado cujo movimento próprio apenas se restringiria à esfera económica, sindical. Marx via-se a si mesmo apenas como um porta-voz do proletariado.
Sendo o proletariado a fonte da teoria comunista, portador do comunismo e agente da revolução comunista, é da mais alta importância definir corretamente o que ele é. Tanto mais que à sua definição estão certamente ligadas questões de importância primordial: lutas ditas “reivindicativas” e lutas revolucionárias, definição do que são os comunistas, relação entre classe e partido, estratégia e tácticas, extrapolação sobre a transição para o comunismo e a ditadura do proletariado…
A. Concepções falsas de proletariado
Durante a “paz social”, o peso da ideologia dominante impõe concepções falsas do que é o proletariado. Estas concepções falsas tomam como ponto de partida a constatação da pretensa não-luta, constatação idealista incapaz de ver por detrás da forma pela qual se exprime a realidade a própria realidade. Elas levam tanto ao ativismo como à passividade.
1. Materialismo vulgar da definição economicista do proletariado e identificação de proletariado com classe operária
Alguns baseiam a sua concepção de proletariado apenas sobre a propriedade dos meios de produção. Há os burgueses, os operários, os pequeno-burgueses, os camponeses, os desempregados, os estudantes… A sociedade é seccionada segundo categorias sociológicas cuja multiplicidade varia em função dos critérios usados. O proletariado é então reduzido, seja ao proletariado industrial, ou mesmo ao proletariado produtivo, seja a um conjunto de categorias sócio-profissionais. Em todo o caso, é definido pela sua relação com as coisas (mercadorias, produtos, máquinas, fábricas, produção, produtividade). Esta concepção de proletariado afirma-se como materialista. Mas o proletariado é tomado apenas na sua dimensão de força produtiva de coisas e portanto como capital variável.
Os operários são proletários, mas nem todos os proletários são operários, longe disso. A definição economicista de proletariado que o identifica à classe operária, aos trabalhadores, serve o capitalismo. A realidade e o conceito de classe proletária são negados pela realidade e conceito de classe operária, e a confusão entre os dois exprime e serve a contrarrevolução capitalista, quer dizer, ela opõe-se ao facto de os proletários operários se poderem servir da sua posição privilegiada na produção para destruir o capitalismo encerrando-os na função que eles assumem no seio do processo de produção capitalista. Com efeito, o termo operário dá relevo à função, ao estatuto produtivo do proletário. Ora, o operário é uma figura positiva dentro do capital e a própria classe operária aparece como uma figura antagónica, mas positiva. A classe operária tornou-se uma potência reconhecida no interior do sistema.
O marxismo, ao invés e contra Marx, contribuiu a manter a confusão entre uma classe proletária com capacidade revolucionária, mesmo não fazendo a revolução, e uma classe operária suposta capaz de adquirir força e direitos, até eliminar por fim o capitalismo através de reformas ou mesmo pela insurreição.
A crítica a ser feita ao economicismo socialdemocrata e estalinista não deve ser que ele se afunda no sociologismo, nem que dá uma definição exclusivamente baseada nas condições materiais de vida. O que deve ser criticado não é o seu ponto de partida materialista mas o facto de que se trata de um materialismo mecanicista que se concretiza na identificação entre condições materiais de produção de coisas e produção, entre condições materiais de vida e “economia”, na sua liquidação da totalidade e a separação que faz entre “produção” e revolução. A definição economicista de proletariado só toma em conta o mecanismo de funcionamento do capitalismo. Seria mesmo absurdo criticar esta definição de proletariado como sendo exclusivamente materialista pois nem sequer é materialista consequente, já que nega que a própria revolução é uma produção material.
2. Definição voluntarista
A definição voluntarista não cai no materialismo vulgar de identificar os trabalhadores com o proletariado. Cai exclusivamente no idealismo de considerar o proletariado como sendo os que compreendem “o que faz falta”. A revolução deixa de ser determinada pelo movimento de oposição do proletariado para o ser pela associação/adição voluntária dos indivíduos mais conscientes e/ou mais ativos.
A constatação de um proletariado esmagado pela contrarrevolução e de uma situação onde restaria somente aos comunistas de boa vontade e de elevada consciência o darem-se as mãos induz ao iluminismo e ao ativismo. Em vez de se explicar que a negação negativa da classe, o triunfo da concorrência, será por sua vez negada, que, malgrado toda a ideologia podre, o proletariado é constrangido a lutar, obrigado a associar-se, deixa-se todo o proletariado na merda e interpela-se os que têm a consciência. Em vez de partir-se das determinações materiais que definem o proletariado, que o levam a associar-se, a formar-se como classe, a constituir-se em Partido, considera-se o “Partido” como o resultado formal da associação e da centralização dos que compreendem “o que faz falta”.
Creem ter apreendido a dinâmica. Com razão, partem da polarização inevitável e apreenderam que em última instância há apenas dois partidos: o da revolução e o da reação. Mas renunciam logo a seguir à dinâmica real, porque fazem abstração das contradições existentes na sociedade presente que a determinam. “O proletariado é revolucionário ou não é nada” é uma frase que tem todo o sentido na dinâmica social, mas somente aí. Torna-se uma caricatura quando se pretende que apenas “os revolucionários” são o proletariado e que o resto são burgueses.
A luta, a oposição, não é uma esfera à parte da vida mas sim a sua totalidade. Esta oposição inultrapassável não se encontra na “política” mas na existência mesma de classe excluída, de classe que produz a sua própria opressão e a sua própria emancipação, que, precisamente quando produz coisas, produz as condições sociais (logo materiais) da sua própria exploração e da supressão dessa exploração, de classe que produz o capital e a revolução social.
Em vez de se ver o desenvolvimento embrionário da classe e da sua organização enquanto força social no associativismo operário prático, em vez de se colocar em evidência que o proletariado é constrangido a associar-se como negação prática da concorrência, em vez de se mostrar no movimento prático a tendência em direção à organização em força social da classe, o movimento é desprezado em proveito de uma ideia voluntarista, formalista e idealista da organização.
3. Adição dos erros anteriores
Há também a pseudo-superação destas caricaturas que descrevemos. Mete-se um pouco de sociologia e um pouco de perspectiva. Crê-se ir mais longe e repete-se o esquema socialdemocrata: o proletariado é constituído pelos operários e pelos revolucionários. Na prática, ocorre uma adição perfeitamente dualista para formar o conceito de classe: os “revolucionários” consideram-se a si mesmos como proletários e o resto do proletariado é, como para a socialdemocracia, os operários sociológicos (adicionando-se ou não, consoante os grupos, os desempregados, os camponeses…). É uma combinação de idealismo e de materialismo vulgar.
B. Definição materialista dialética de proletariado
1. O proletariado como relação social
Em vez de ignorar ou não tomar em devida conta as condições materiais na definição de proletariado, a nossa definição afirma que o proletariado não é senão o movimento real e social bem prático e material. Em vez de desconsiderar o papel da produção nesta definição, trata-se de lhe dar um sentido mais global que os materialistas vulgares.
Se nós insistimos de tal forma neste facto de que o proletariado é constrangido a lutar pela revolução, não é porque seja um facto “económico”, mas porque vemos a luta, a oposição, a negação (não somente potencial, mas sempre em desenvolvimento) lá onde o sociólogo vê apenas “indivíduos que compõem uma classe”.
Assim, lá onde os estalinistas só veem o ponto de partida, a sociedade tal como está, os operários enquanto operários, nós vemos um movimento e esse ponto de partida como um produto social sempre inacabado onde se concentra a contradição de toda a sociedade entre o seu passado e o seu futuro.
Em vez de desconsiderarmos a produção de coisas na definição de proletariado, de renunciarmos a considerar o proletariado como força produtiva, nós situamos este momento real numa totalidade que é a produção e reprodução da sociedade inteira com as respectivas contradições mortais, onde se inclui a sua superação. Assim, em vez de definirmos o proletariado pela relação que este mantém com as coisas (mercadorias, produtos, máquinas, fábricas), nós definimo-lo como produto dum antagonismo prático entre os “homens” que contém no seu desenvolvimento a supressão do próprio antagonismo.
Na produção, não vemos somente produção de coisas mas sim, e sobretudo, produção de relações sociais. Em lugar de vermos, duma maneira estática, o proletariado como uma simples força produtiva de coisas e por conseguinte de capital, nós vemo-lo, por este mesmo ato, como força produtiva da revolução. Em vez de o considerarmos só como um aglomerado de homens forçados a fornecer o trabalho vivo ao trabalho morto, de o considerarmos unicamente como totalidade de homens vendendo a sua força de trabalho, como capital variável produzindo mais-valia, nós definimo-lo como relação social em movimento, contradição mortal do capitalismo cuja resolução apenas se encontra na sua auto-supressão.
“O proletariado, como toda a classe social, não se define pela sua situação económica. Define-se pelo papel que desempenha na dinâmica social, na luta de classes. A noção de classe não deve portanto sugerir-nos uma imagem estática, mas uma imagem dinâmica. Quando descobrimos uma tendência social, um movimento dirigido a um dado fim, então podemos reconhecer a existência de uma classe no verdadeiro sentido do termo” (PCI).
Analisar o proletariado do ponto de vista da produção de mais-valia permite compreender o mecanismo de funcionamento do capitalismo, permite compreender o capital como valor valorizando-se e logo a sua dinâmica. Mas o comunismo não se contenta em analisar o funcionamento do capitalismo, ele analisa o mecanismo do seu derrube, o movimento de subversão do qual o proletariado é o sujeito histórico. O comunismo é fundamentalmente a necrologia do capital. “Não ver senão o mecanismo do capital é eternizá-lo” (Jean Barrot).
2. Carácter contraditório do proletariado
O proletariado não existe como um conjunto de operários que depois têm uma prática. Pelo contrário, o proletariado existe somente enquanto prática de oposição de luta. Mas isto não pode ser interpretado como identificação da prática à acção revolucionária ou à acção consciente. Definindo o proletariado pela sua prática material, pelo seu movimento, não pretendemos acrescentar uma característica voluntária ou política à definição de proletariado e menos ainda substituir por uma definição política a definição economicista, mas pelo contrário, afirmar a sua determinação materialista: o proletariado é objetivamente um movimento prático global e contraditório, no qual se inclui tanto a reprodução desta sociedade como a sua destruição.
“O proletariado é revolucionário ou não é nada”. Justamente! Se arrebatarmos a determinação revolucionária na determinação da vida do proletariado e se o concebermos como simples produtor de coisas, liquida-se toda a dinâmica que anima o proletariado desde o seu nascimento. Mas ele não é revolucionário por ideal ou por vontade, mas precisamente porque se auto-produz como revolucionário ao mesmo tempo que produz capital, ou reciprocamente, porque o capital produz o seu coveiro.
3. Classe em si e classe para si
Uma maneira idealista, a custo disfarçada, de conceber o proletariado, consiste em considerá-lo ainda de um lado como simples classe do capital, como trabalhador, e por outro lado como revolucionário, como comunista quando “luta”. Isto é uma visão dualista e metafísica que consiste em separar na cabeça uma questão que é inseparável na prática, que consiste em fazer duas coisas na cabeça de uma só que existe na prática. É um desvio bastante corrente do idealismo que, em última instância, tem horror das contradições. A caricatura consiste em dizer que, quando o proletário trabalha, ele é capital, e quando luta contra o trabalho é comunista, ou então a oposição dualista: “classe em si”, “classe para si”. Os idealistas liquidam assim a contradição entre capital e comunismo, entre burguesia e proletariado, para a substituir por trabalhador/humanidade. Esquecem-se, no mesmo passo, que é precisamente enquanto classe desta sociedade que ela é o seu polo destrutivo, ou dito concretamente, esquecem que é o mesmo processo que a constrange a trabalhar e a suprimir o trabalho, que é apenas enquanto classe forçada a trabalhar que ela é forçada a revoltar-se.
4. Metafísica e dialética
O metafísico também sabe que existe a vida e a morte, a produção do capital e a destruição do capital. Mas vê na morte algo exterior à vida e na destruição algo de uma natureza totalmente diferente do desenvolvimento do capital, quer dizer, que nos conceitos que elabora, nunca vê a contradição, nem o seu devir, nem a sua ultrapassagem.
Pelo contrário, a dialéctica vê a morte mesmo na vida, no desenvolvimento do capital vê o desenvolvimento das suas contradições mortais, a destruição inevitável.
A ruptura não consiste portanto em ver a existência de conceitos opostos vida-morte, capital-comunismo. Mesmo o metafísico mais imbecil concebeu esta oposição. Porém vê sempre o conceito antitético surgir do exterior da tese, de circunstâncias exteriores à tese. A dialéctica põe precisamente em evidência que a tese contém a antítese, que ela é contradição em desenvolvimento, ou dito de outra maneira, que toda a afirmação dum fenómeno contém em si mesmo os elementos da sua negação.
Contrariamente à oposição “classe em si/classe para si”, o proletariado nunca é uma ou outra destas imagens puras, ideais, mas precisamente o processo contraditório e vivo que exclui praticamente toda a existência destes polos ideais. Historicamente, quando o proletariado não pode ser senão a sua atomização completa e acabada, carne para canhão das guerras capitalistas (realidade histórica que se aproxima mais do conceito idealista de classe em si ou para o capital), ele não existe mais, é a sua negação negativa.
Quando o proletariado é classe dominante totalizadora, abolição prática de todas as classes (realidade histórica que se aproxima mais do conceito idealista de classe para si), ele também não existe mais, é a sua negação positiva. O proletariado não é um dos seus polos históricos, mesmo se os contém na prática, mas sim o processo real desta contradição histórica.
Se, conceptualmente, falamos de classe explorada e de classe revolucionária, isso é apenas válido como momento duma explicação desde que não percamos de vista que a classe não é uma coisa nem outra, nem a adição das duas; o proletariado é antes de tudo um movimento, o movimento de destruição do velho mundo. Movimento que é determinado pela realidade de ser explorado e de dever destruir essa exploração, movimento real produto da contradição entre valor e necessidades humanas. O proletariado “puramente” explorado é um mito da burguesia, o proletariado “puramente” revolucionário é um sonho idealista que vai de encontro aos nossos interesses e que só será real com o desaparecimento, a dissolução da classe na humanidade, ou seja, com o comunismo.
5. Dinâmica contraditória global e definição das classes no antagonismo
As classes são uma prática e uma dinâmica. Mas uma dinâmica e uma prática globais. Não se trata de adicionar a produção de coisas (ou a propriedade ou não dos meios de produção) às ideias ou à política. É a prática global da vida, da luta, ou melhor da luta pela vida ou da vida de luta. A reprodução da vida (luta) é contradição, é dinâmica, é oposição global. Esta dinâmica determina as relações de oposição, as classes. Quando se fala de relações de reprodução e de propriedade, não se trata dum conceito estático (produção de coisas), mas sim de contradições na reprodução global da totalidade da vida, cujo desenvolvimento inerente implica a contrarrevolução e a revolução.
Os dualistas subtis tentam distinguir entre “operários” (económicos) e proletariado (revolucionário). Isto é estática comparada e não dinâmica, porém tentam responder à contradição interesses revolucionários/ideologia contrarrevolucionária.
Mas a dialéctica é todo um outro modo de pensar. A globalidade da vida humana é, nesta sociedade, contradição, tensão, movimento. O valor (enquanto sujeito, dinâmica) divide permanentemente a sociedade em dois campos: aqueles que são cooptados pela propriedade (gestão, controlo da sua produção, luta pela sua defesa) e aqueles desapossados de tudo, que, na sua vida, se opõem à propriedade ( a venda da força de trabalho é esta oposição conciliada e enquadrada, da mesma maneira que o são as outras formas de arranjar meios de vida: direito ao desemprego, o roubo, …).
As classes não existem à partida “em si” (por elas mesmas, definidas pela produção ou pela economia) e em seguida “lutando” (fazendo política). Existem somente enquanto forças orgânicas opostas e antagónicas. Definem-se portanto na prática do seu movimento de oposição e de luta inerente às relações de “produção” e aos interesses antagónicos que elas implicam. “Produção”, não no sentido imediato referindo-se exclusivamente à produção de coisas, mas no seu sentido global, enquanto reprodução da espécie, reprodução da exploração, reprodução dos dois campos irreconciliáveis…
Assim pois, proletariado e burguesia definindo-se pelo seu antagonismo mútuo: a burguesia como personificação das relações de produção capitalista, como partido da conservação, como força reacionária; o proletariado, como negação de toda a sociedade presente, como partido da destruição, portador do comunismo.
Toda a vida do proletário é apenas oposição e luta. As definições economicista e politicista devem ser postas uma ao lado da outra e deve-se lhes opor uma definição global baseada na totalidade da vida prática. Mais, não somos nós que definimos o proletariado, mas a vida total é que define o proletariado a nós mesmos.
C. Proletariado e comunismo
1. Determinação materialista dialéctica da existência dos comunistas
A acção voluntária dos operários como comunistas não é um fruto súbito duma tomada de consciência metafísica mas sim o resultado dum conjunto de determinações tanto históricas (classe explorada e revolucionária; concentração de todas as contradições das classes exploradas) como políticas (produto e fator – partido – as lições da história) e evidentemente económicas: é porque a classe operária se encontra cada vez mais na merda, que se a constrange a trabalhar cada vez mais por menores salários…, que o trabalho lhe parece cada vez mais embrutecedor, que ela se organiza como um poder. Demais a mais, o lugar que ocupam os proletários produtores de mais-valia tem importância: atribui-lhes um papel determinante na revolução.
2. Identidade essencial entre o ponto de vista do proletariado e o ponto de vista dos comunistas
Não é que seja necessário acrescentar a política à economia. Não se trata de “politizar” o que quer que seja. A vida dos não-proprietários, dos proletários, não pode ser outra coisa que luta, luta pela vida, oposição viva à propriedade. A crítica verdadeira que deve ser feita aos que defendem a introdução das ideias socialistas nos operários (Kautskismo) parte daí. Nós mesmos somos apenas o produto destacado (mas histórico e não imediato) dessa oposição viva e organizamo-nos para a dirigir no sentido da sua negação efetiva e total.
É a própria realidade, as contradições da sociedade burguesa, o facto de que o proletariado é historicamente constrangido a fazer a revolução que fornece estas perspectivas que os comunistas tomam a seu cargo da maneira mais elevada possível e isso de acordo com os períodos históricos.
O ponto de vista real da nossa classe é o mesmo que o nosso malgrado as fraquezas e a falta de rupturas mais ou menos importantes. O ponto de vista da nossa classe (não o conjunto dos trabalhadores trabalhando em fábricas) é a diminuição da exploração que exprime o comunismo que é o desaparecimento da exploração. É fazer uma dicotomia imbecil dizer que as lutas operárias não são revolucionárias, que são reformistas e isso até à chegada do Partido-Zorro.
3. Surgimento do proletariado determinado pelo arco histórico
O proletariado é o herdeiro de todas as classes exploradas do passado porque as suas condições de sobrevivência levam ao seu paroxismo a inumanidade das condições de vida de todas as classes exploradas do passado, e porque concentra em si todas as causas profundas das lutas anteriores, No entanto, o proletariado distingue-se dessas classes oprimidas do passado porque estas últimas não tinham um projeto social próprio e porque as suas lutas na impossibilidade material de ultrapassar o quadro de simples reações, tendiam a-historicamente e utopicamente a reconstituir a velha comunidade perdida. Com o proletariado, a luta secular contra a exploração, contra a desumanização do homem, contra a subordinação da vida humana à ditadura do valor, é assumida pela primeira vez na história pelo sujeito revolucionário, quer dizer, um sujeito com um projeto social próprio, válido para o conjunto da humanidade e em ruptura total com a civilização do progresso: a destruição do Capital e para lá das classes, da exploração, da propriedade privada, de todos os estados… e a instauração do comunismo.
É o arco histórico total que determina o surgimento do proletariado como classe historicamente constrangida a impor o comunismo.
4. O proletariado, contradição permanente entre classe explorada e classe revolucionária, logo tendendo a organizar-se em partido
O proletariado é a classe revolucionária porque é já dissolução das classes no seio da sociedade de classes, porque classe de “sem reservas”, de desapossados, de homens libertados e arrancados aos velhos laços comunitários e aos velhos laços de alienação. O seu desapossamento alimenta o capital (de acordo com um processo de exploração diferente do que vigorava nas sociedades anteriores) e não pode abolir-se de um modo revolucionário senão através de uma reapropriação da potência social, do seu produto comum que o enfrenta opondo-se lhe como capital. Se o capital é condição do comunismo, é primeiramente porque produz massivamente desapossados susceptíveis de se constituir em classe revolucionária, dissolvente das condições existentes.
Essa luta é portanto não apenas uma reação da classe explorada, mas também e sobretudo a acção de uma classe revolucionária historicamente constrangida a assumir o seu programa e a constituir-se em força organizada, em partido comunista mundial (inversão da práxis no sentido mais global deste conceito).
A classe é uma contradição em ato (em movimento), simultaneamente manifestação heterogénea-capital variável e tendência a organizar-se em partido.
A classe traz em si a negação de todas as determinações do capital, o comunismo como movimento real de destruição da ordem social existente. O partido é a emergência desta classe enquanto organização (não no sentido formal) superior de si mesma para a sua emancipação e para a revolução comunista.
Que o proletariado se constitua em classe, logo em partido e ao mesmo tempo ele seja destruído sem cessar pela concorrência, é precisamente a dinâmica da nossa classe. Todas as tentativas de fixar este processo reintroduzem o dualismo pela janela depois de o terem expulsado pela porta. O proletariado, como conjunto de indivíduos, não se fixa nunca. Está em perpétua constituição (centralização, direção, constituição em partido), e destruição (sempre relativa e portadora de uma nova negação). O proletariado é a contradição viva da propriedade, mas ao mesmo tempo reprodu-la (reproduzindo também todo o seu conteúdo, logo a concorrência, logo a sua destruição negativa).
5. Partido e classe, duas expressões da mesma realidade
O proletariado constitui-se em classe organizando-se em Partido. Sem Partido (e também programa, projeto social, etc.) não se pode falar de proletariado. “A classe pressupõe o partido” (PCI, Partido e classe).
A luta do proletariado para se organizar em Partido é o centro, determinado pelas próprias condições da exploração, de toda a sua atividade.
O Partido não é acessório, é fundamental; sem ele o proletariado não existe como classe, mas sim como massa de indivíduos-objetos inertes da exploração e da barbárie capitalista.
Mas cuidado, devemos combater toda a assimilação entre Partido e esta ou aquela organização formal do passado.
Para Kautsky, Lenine, Luxemburgo, Pannekoek, Bordiga, etc., a classe podia ser definida em si, sem partido, e o partido sem problemas ser definido na base de outras características essenciais, para discutir depois a relação entre eles. No entanto, a classe não pode ser definida sem o Partido e o Partido não faz sentido sem a classe. Sem afirmação do Partido, mesmo numa forma embrionária, não existe proletariado. “O proletariado é revolucionário ou não é nada”.
Se se trata de substituir a cabeça do Estado burguês por outra, se se trata de destruir um governo e substitui-lo por outro, se se trata de gerir a produção capitalista por comités de fábrica ou por sovietes, é perfeitamente lógico considerar de um lado o partido e do outro a classe, de ter uma definição para classe e outra para o partido (socialdemocracia em geral, Kautsky) e ter depois a preocupação de saber se o partido dirige e aterroriza a classe (socialdemocracia de linha robespierriana, estalinismo, trotskismo original, PCI) ou se a classe deve decidir e o partido aconselhar (socialdemocracia, Kautsky depois de 1917, conselhismo, trotskistas atuais, CCI, democratas operários em geral).
A “relação” entre classe e partido não é uma relação entre duas entidades. Trata-se duma mesma realidade que não admite duas definições distintas e depois uma relação entre elas. É por isso que a questão equivaleria a encontrar a “relação” entre o corpo humano e o seu movimento, ou entre o corpo e a vida, sendo o corpo humano e o seu movimento (ou a sua vida) a mesma coisa. Eis a questão absurda, porque o corpo humano é o seu movimento, sem movimento não há corpo humano, sem corpo humano não há movimento, sem partido a classe operária não existe, sem a constituição do proletariado em classe não há partido comunista!
6. O partido, momento do movimento real do comunismo, determinado historicamente
É evidente que se pode – como relação a toda a realidade – considerar somente um dos seus aspectos, por exemplo a classe, o corpo humano, …mas não se pode jamais fazer abstração do outro aspecto: o partido, o movimento.
Assim, pode falar-se da acção da classe para se organizar em partido e da acção das minorias na linha histórica do partido para dirigir a formação da classe. No primeiro caso, toma-se o proletariado como sujeito e o Partido como a sua acção, a sua obra; no segundo caso, toma-se o partido histórico como o sujeito e a constituição da classe como a sua acção, a sua obra.
Mesmo se se aceitar ver uma distinção entre classe e Partido, é indispensável que se lembre sempre que ambos são determinados pela contradição, logo pela sua ultrapassagem. Não é um Partido mítico que é, que contém, ou que dá à classe a resolução da contradição. O partido é apenas a formalização, ou melhor a tomada a cargo e a organização em força desta resolução através da organização dos homens historicamente constrangidos a resolver esta contradição: os proletários.
Mas o partido não é essa coisa ideal que se poderia construir à força de consciência e vontade, não se saberia quando. É o produto da síntese do trabalho preparatório dos comunistas, o qual é indispensável, e do desenvolvimento da combatividade operária.
Na concepção do Partido como produto da consciência e da vontade, a consciência é unicamente concebida como uma compreensão cerebral e não como um momento da prática.
As determinações históricas fazem que aquilo que pode parecer um ato de vontade individual dum comunista não seja senão um momento do movimento real do comunismo.
A história não é a história das vontades assumidas e não assumidas, mas a história determinada historicamente pela luta de classes que se cristaliza na atividade dos indivíduos.
Mazagan, 7 Dezembro 2004, Réseau de Discussion International.
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