Faixa levada para a manifestação do dia 05/06. |
Nos dois últimos comunicados, buscamos sintetizar em linhas gerais alguns aspectos das condições da luta de classes no Rio Grande do Sul no contexto da maior enchente registrada nesse território. Certamente não esgotamos as discussões com os textos anteriores. Muito ainda pode ser analisado e criticado a partir do desenrolar dos acontecimentos. A situação atual continua carregando consigo as contradições, os avanços e os recuos nas lutas de nossa classe. Nesse caso, decidimos contribuir uma vez mais com o registro e análise dos eventos através de uma abordagem mais cronológica do processo. Nosso foco aqui serão algumas iniciativas espontâneas de enfrentamento que surgiram e uma tentativa de articulação.
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Observações iniciais: além do protesto exemplar dos moradores do Princesa Isabel (que mencionamos no segundo comunicado), outras iniciativas de luta espontânea surgiram. O caráter difuso das lutas é semelhante aos protestos de janeiro, quando outro evento climático extremo deixou vários bairros da capital e região metropolitana sem luz. Naquela ocasião, a Brigada Militar havia registrado 126 manifestações até dia 22/01 (veja mais em: link). Os potenciais e os limites das lutas de janeiro são semelhantes com os atuais.
Dia 19/05 (domingo)
Durante a manhã, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do bairro Guajuviras (em Canoas) foi alvo de críticas da população que aguardava por atendimento para a realização do “cadastro único” (CadÚnico) para receber os auxílios do governo. Por volta das 10h30, centenas de pessoas esperavam na fila quando foram informadas de que as 150 fichas distribuídas haviam terminado. A situação gerou revolta e os moradores iniciaram um protesto sob chuva e frio. Diante do evento, a Prefeitura de Canoas (sob gestão do prefeito Jairo do PSD) optou por mudar a estratégia de atendimento e retirou a limitação de fichas.
Na situação de instabilidade, as pressões de massa costumam representar ameaças à ordem pública e os governos costumam tanto ceder mais quanto agravar a repressão conforme as correlações de força e repercussão dos acontecimentos.
No caso do Carandiru, como vimos, a resposta do Estado diante da mobilização foi uma repressão ainda maior (ver: “Repressão e enfrentamento exemplar” no link).
De todo modo, ambos os atos foram demonstrações espontâneas de luta que foram exemplares para impulsionar (ainda que de forma não coordenada) as que se seguiram ao longo das semanas.
Dia 20/05 (segunda-feira)
Durante a manhã, ocorre um protesto intitulado “S.O.S 4º Distrito”, na esquina das avenidas São Pedro e Benjamin Constant, em Porto Alegre. Trata-se de uma manifestação com composição de classe heterogênea, reunindo empresários, trabalhadores e demais moradores da região. Conforme o noticiário local, o ato foi organizado por integrantes da Associação de Empresários do 4º Distrito Atingidos pela Enchente. A entidade reúne cerca de 1,7 mil empreendedores afetados. As reinvindicações dos manifestantes foram as seguintes: mais segurança na região, limpeza das ruas afetadas pela enchente, religação da energia elétrica e acesso a créditos do Governo Federal.
Apesar da composição policlassista, as reivindicações de luz e limpeza também refletem as necessidades do proletariado que impulsionam as iniciativas de ação direta coletiva noutras regiões. Não obstante, também sinalizam a convocação para a “unidade do povo” indistintamente, o que mascara medidas como a demanda dos lojistas em descarregar seus prejuízos nas costas dos “colaboradores” (trabalhadores) conforme relatamos no primeiro comunicado.
Além do protesto do 4º Distrito, moradores do Centro Histórico de Porto Alegre realizaram uma manifestação no cruzamento das ruas Doutor Flores e General Vitorino nesse mesmo dia. O ato reivindicava agilidade na ligação da energia elétrica em ruas não atingidas pela enchente na região. Também de composição de classe heterogênea e com a presença de dirigentes sindicais.
Nesse protesto no Centro, o presidente da Força Sindical, Claudio Janta e o presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio, Nilton Neco, relataram ao noticiário local que era necessário agilizar as recuperações de áreas onde era possível minimizar os prejuízos e possibilitar que “a economia continuasse girando”. A preocupação refletiu a necessidade cada vez mais urgente de retomada da circulação do capital, embora se utilizassem da reivindicação mais elementar da luz também (como geralmente ocorre quando buscam dar suporte popular para os anseios particulares da classe dominante).
Durante a tarde para noite, também ocorreu um protesto no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre, no cruzamento da Av. Sertório com a Assis Brasil (coração do trânsito metropolitano). Os bairros da zona Norte são os que possuem piores condições de saneamento e abastecimento de água da capital, além de que a população é predominantemente proletária. Não houve cobertura do noticiário local desse protesto, o que também sinaliza que a mídia burguesa não encontrou nessa manifestação o caráter policlassista das demais e que também não chegou a níveis mais combativos como no caso do Carandiru.
Os manifestantes exigem regularização da eletricidade e abastecimento de água. No grupo de WhatsApp se rejeitam propostas eleitorais como o “Fora Melo” (palavra de ordem de desgaste político do atual prefeito da cidade usada pelos seus opositores eleitorais). Dentre as palavras de ordem do protesto, destaca-se a seguinte: “não foi tragédia, foi negligência, trabalhador tá perdendo a paciência”, o que reflete o conhecimento de que há responsabilidade no impacto sofrido pela comunidade.
Para um aprofundamento na questão do bairro Sarandi, recomendamos a notícia do Sul 21: Alagado há um mês, Sarandi revive trauma: ‘Foram três prefeitos que nem olharam para o bairro’, disponível no link. Nossa intervenção também possibilitou um maior aprofundamento na luta dos moradores que relataremos mais adiante.
Dia 21/05 (terça-feira)
Não registramos nenhuma manifestação de rua nesse dia. De todo modo, o descontentamento generalizado diante da calamidade só aumenta e se difunde.
Alguns desdobramentos das discussões anteriores:
Depois de vir a público, a possibilidade de instalação de uma “cidade provisória” em Porto Alegre gera repercussão negativa. A construção do acampamento ocorre no Porto Seco, onde realizam-se os desfiles de escolas de samba na capital. Localizado no bairro Rubem Berta, Zona Norte e periférica, o Porto Seco tem instalados 15 barracões de escolas de samba além da pista de desfiles. O complexo é patrimônio cultural estadual.
O governo alegou que um dos motivos da urgência em realocar desabrigados é a necessidade das escolas, onde muitos ainda estão acolhidos, voltarem a funcionar (mais uma pressão pelo retorno da normalidade capitalista). Vale relembrar o que afirmou o prefeito de Porto Alegre em janeiro: “Se tem 100 mil apartamentos vazios, é o capitalismo, não vou intervir”. Quando entrevistado no Jornal Nacional (no dia 11/05), o prefeito afirmou que as pessoas “não deveriam estar morando ali onde estavam” (então provavelmente não vai medir esforços para intervir a favor do mercado imobiliário contra os moradores).
Em uma reunião com o prefeito realizada no dia 18/05, carnavalescos sugeriram a ocupação de prédios desocupados em Porto Alegre. A presidente da União das Entidades Carnavalescas de Todos os Grupos e Abrangentes de Porto Alegre (UECGAPA), Kelly Ramos, listou alguns, como o edifício vazio do INSS, com vinte andares, no centro. Outros locais sugeridos foram: o antigo Hospital Parque Belém Velho e o Amparo Santa Cruz, locais que têm quartos e banheiros. Todos esses são edifícios públicos mantidos intocados e fechados pelo governo municipal durante anos.
Dia 22/05 (quarta-feira)
Moradores dos bairros Humaitá e Farrapos, Zona Norte de Porto Alegre, bloquearam a rodovia BR 290 (próximo à Arena do Grêmio) em protesto contra a demora para a drenagem dos bairros da região, que continuam inundados (assim como no Sarandi). Mais de 100 moradores utilizaram seus veículos para impedir a passagem de carros durante horas e exigiram a presença do prefeito junto com o “ministro extraordinário” Paulo Pimenta (do PT) como condição para liberar a rodovia. O governo municipal acatou as demandas dos moradores e ambos foram de encontro aos manifestantes onde foram cobrados para que duas bombas d’água fossem movidas para o bairro. Além disso, a prefeitura de Porto Alegre anunciou que realizaria a abertura da comporta do portão 11 nas próximas horas para permitir o escoamento da água que se acumula na região dos bairros.
Esse também foi um protesto de massas mais proletarizadas e o impacto da manifestação foi exemplar, pois impôs duas derrotas ao governo: a abertura da comporta como medida imediata e a reivindicação de drenagem das águas exigindo a instalação das bombas flutuantes da Sabesp que foram enviadas ao RS. Essa vitória parcial do movimento fortalece a confiança na ação direta para a realização das reivindicações, mas também indica certos limites caso se deixe assimilar nas negociações com os gestores do Estado.
Nesse dia também ocorreu a segunda reunião de uma frente/rede que havia proposto como atuação uma linha independente de interesses eleitorais. Ingressamos nessa frente/rede com o objetivo de impulsionar as lutas que surgiriam no processo de agravamento das contradições da crise.
A frente/rede havia sido formada depois de uma reunião realizada no dia 15/05. Era para ser uma reunião aberta de um espaço de viés especifista (sobre o especifismo, ver: link) com a proposta de apresentação do lugar e convite para a construção do mesmo. Devido ao lotamento do espaço, a reunião encaminhou uma proposta de constituição de uma frente/rede de auto-organização das ações de solidariedade, de enfrentamento aos ataques que viriam dos responsáveis pela calamidade e um compromisso em impulsionar as ações e manifestações em curso.
Na reunião do dia 22/05, houve um esvaziamento comparativamente com o primeiro encontro. Mesmo assim, algumas atividades foram encaminhadas visando mobilizar a partir de reivindicações básicas (em especial a moradia). Discutiu-se a necessidade de um ato unificado, cujo indicativo ficou para o dia 05/06 (no “dia do ambiente”). Enfatizou-se mais uma vez a necessidade de independência das palavras de ordem eleitoreiras (como o “Fora Melo”).
Essa diminuição do quórum, devido também a uma não convocação efetiva para a participação da reunião, estava incoerente com a proposta de construir um ato. Essa proposta só poderia ser efetiva caso se revertesse a tendência para o desengajamento. Em nossa intervenção, enfatizamos mais uma vez a necessidade de pressionar as entidades sindicais, organizações de bairro e estudantis para que se convocassem assembleias de base para organizar um movimento unificado, para que se discutisse em cada localidade a construção da manifestação a partir das reivindicações comuns e particulares dos atingidos num geral. Também se discutiu a necessidade de fortalecer os protestos de bairro para construir uma agenda de lutas unificada.
Dia 23/05 (quinta-feira)
Volta de chuvas intensas, superando 100mm em Porto Alegre, trazendo mais inundações e alagamentos de bairros da extrema zona sul da cidade (alguns deles não haviam sido alagados até então). Novos resgastes foram realizados nesse dia, demonstrando mais uma vez que a espontaneidade da iniciativa local é mais eficiente que o governo. As partes afetadas da extrema zona sul são as mais periféricas, como certas regiões do bairro Restinga que foram alagadas (principalmente devido à não manutenção do sistema de esgoto pluvial).
É protocolado pela vereadora Karen Santos (PSOL) um pedido de impeachment do prefeito Melo (MDB). Surge um protesto espontâneo no Centro de Porto Alegre que aumentava, diminuía, depois dispersava (não se massificou). Em Humaitá, após o retorno das chuvas intensas, o prefeito, em entrevista coletiva, anuncia o fechamento das comportas novamente, o que impedirá o escoamento das águas no bairro e na Zona Norte novamente (até seu reabertura posterior).
Dia 24/05 (sexta-feira)
Ocorre um debate na frente/rede onde a tendência especifista propõe inserir o “Fora Melo” como palavra de ordem (curiosamente depois do pedido de impeachment). Criticamos essa proposta e o debate fica em aberto para ser retomado na reunião da próxima semana.
Nesse dia ocorrem mais protestos: um na prefeitura de Canoas e outro na prefeitura de Eldorado do Sul. Nesse segundo, a Brigada reprime e prende uma senhora de idade. Em ambos os casos, a reivindicação é agilidade e liberação das cestas básicas que, conforme manifestantes, estariam contidas pelas prefeituras nos centros de distribuição. Essa retenção também está relacionada com a necessidade dos governos de criar canais oficiais fiscalizados pelo Estado para assimilar a rede auto-organizada de solidariedade.
Em São Leopoldo, na região do Vale do Rio dos Sinos, moradores dos bairros São Miguel e Vicentina realizam manifestação cobrando agilização na drenagem das águas de suas moradias. Bloquearam a BR-116 no sentido Porto Alegre para Novo Hamburgo. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) interviu e eles cederam, liberando a via. A manifestação, apesar da ação repressiva, demonstra a continuidade e proliferação do processo de lutas espontâneas e difusas.
Cerca de 40 famílias dos bairros Humaitá e Sarandi ocupam o antigo Hotel Arvoredo localizado na Rua Fernando Machado, no Centro de Porto Alegre. Essa é mais uma ação direta exemplar dos processos de luta difusos em curso, demonstrando na prática a solução para o problema da moradia: nem “cidades provisórias” do governo estadual e municipais, nem “endividamento popular” do programa “Minha Casa, Minha Dívida” do governo federal, a solução é a ocupação. A pauta da expropriação dos imóveis do capital imobiliário e dos prédios vazios do poder público sob alvo de especulação imobiliária deixa de ser algo abstrato e tornam-se um horizonte efetivo de melhoria das condições de vida e sobrevivência da classe.
Algumas perspectivas gerais do movimento:
De modo geral, predominaram nos levantes o conteúdo proletário das reivindicações (baseadas nas necessidades imediatas de cada fração da classe em luta) e legaram mais uma vez um histórico exemplar de ação direta, passando por cima dos desvios oportunistas para o eleitoralismo.
Os grupos de esquerda eleitoreiros se organizam para levantar a bandeira do “Fora Melo” e “Fora Leite” para repetir a estratégia do “Fora Bolsonaro” de desgaste político dos gestores para poder eleger o candidato deles.
O instinto de classe demonstrou nas ações difusas uma recusa do eleitoralismo. Porém, nas condições da consciência espontânea das massas, ainda não foi identificado de forma evidente o inimigo de classe (que costuma colocar seus governantes na frente). A tarefa dos militantes comprometidos com a ruptura do sistema de morte do Capital é impulsionar as lutas para desenvolver o reconhecimento do inimigo de classe junto com seus gestores. É na prática do enfrentamento e da auto-organização que nossa classe aprende coletivamente a identificar o inimigo e se unificar entorno de um programa de reivindicações comuns.
25/05 (sábado)
Em grupos de WhatsApp, moradores da Zona Norte de Porto Alegre, no bairro Sarandi divulgam uma nova manifestação para dia 27 de maio (com previsão de chuvas), pautando a necessidade de fechamento do dique rompido no bairro.
Enquanto isso, partidos eleitorais (PSOL e PT, junto com MRT), diante da onda de protestos, realizam uma assembleia na Zona Norte da capital (bairro Rubem Berta) para criar o auto-proclamado “Movimento dos Atingidos pela Enchente” com a função de mascarar o caráter eleitoral de sua política, tirando as siglas partidárias e usando o disfarce do movimento. A partir disso, começam a circular convocações centralizadas por entidades como a UNE: “marcha pelo clima” (dia 31/05) com a palavra de ordem de “Fora Melo e Leite” (promovendo blindagem do governo federal de Lula).
26/05 (domingo)
A prefeitura reabre o cadastro de voluntários para atuar nos abrigos destinados aos atingidos pelas enchentes. A reabertura, mesmo após o primeiro cadastro contar com 17 mil inscritos, se deve ao processo de esvaziamento do voluntariado. A desmobilização dos abrigos auto-organizados, a exigência de retorno às aulas (e, portanto, o desmantelamento dos abrigos em ambiente escolar) e a retomada da circulação das mercadorias e pessoas através do “corredor humanitário” pressionam para a volta da normalidade capitalista. Porém, as aulas são mais uma vez suspensas em Porto Alegre devido à previsão de chuvas intensas para o dia 27, com mais um alerta da Defesa Civil.
Fica cada vez mais explícito o quanto a política assistencialista buscou assimilar qualquer iniciativa de revolta e como a debandada expressa a tendência geral de recuperação do sistema. Uma solidariedade sem acúmulos na autonomia de classe geralmente tem a tendência de subsumir os esforços em Igrejas, ONGs e demais organizações da sociedade de classe que acabam fortalecidas direta ou indiretamente. Repetem-se os erros da pandemia, na medida em que alertávamos que: “um não enfrentamento ativo de nossa classe apenas é conivente com esse processo” (Communismo Libertário, 15 de agosto de 2021).
As propostas de cidades provisórias tornam-se, apesar da crítica vazia de partidos eleitorais, entidades sindicais e movimentos sociais, a solução com a qual a nefasta burocracia dessas organizações colaborou implicitamente para construir mediante o vácuo nas reinvindicações e propostas de enfrentamento coletivo da crise com base na independência de classe.
27/05 (segunda-feira)
Um novo corredor dito “humanitário” é liberado, o caminho é de saída de Porto Alegre pela Zona Norte para a freeway (dando acesso para a região metropolitana e litoral norte). Antes disso, também foi construído um corredor “humanitário” de acesso à cidade pela Av. Castelo Branco via rodoviária e de saída pelo largo Vespasiano José Veppo. A alegação de serem alternativas para desafogar o trânsito de saída da Capital mascara a obrigação de retomada da circulação das mercadorias, dentre elas a força de trabalho e exigências de retorno para a normalidade capitalista. Isso também se confirma com a regularização da Base Aérea de Canoas junto a um shopping para a realização de voos comerciais.
A BR-290 e a BR-116 são bloqueadas durante a manhã por mais uma manifestação de moradores da Vila Farrapos, do bairro Humaitá e Anchieta, onde fizeram um ato simbólico de retirar a água das suas casas com baldes para atirar na Freeway (ação que pode indicar a consciência instintiva do que representam os ditos “corredores humanitários”). A Polícia Rodoviária Federal (PRF) interviu para liberar parcialmente as pistas, os moradores acabaram cedendo. De todo modo, mais uma vez a ação direta das massas atingiu o objetivo: o DMAE realiza no mesmo dia a instalação de uma bomba de água para drenar as águas da região atingida.
Conforme previsto, nesse dia as chuvas intensas ocorrem, mas não há suspensão da manifestação no bairro Sarandi, inspirados pelo exemplo dado pelo protesto da manhã. Alguns infiltrados (dentre eles, políticos de direita) tentaram, embora sem sucesso, desmarcar a manifestação no dia (desde então buscam sabotar de diversas maneiras a organização dos moradores).
Os manifestantes exigem o fechamento do dique da Vila Brasília. Mesmo com fortes chuvas haviam mais ou menos 80 pessoas no ato. Barricadas parciais foram construídas em diferentes pontos do cruzamento entre a Sertório com a Assis Brasil. As forças repressivas mobilizaram umas 10 viaturas, com 4 policiais em cada um dos quatro cantos parcialmente fechados pela manifestação, além dos que ficavam no centro do cruzamento onde se reuniam os moradores para discutir e pautar o que seria dito para a imprensa (a Record fez entrevista, noticiários locais também acabaram notificando a manifestação).
Com o tempo o protesto foi esvaziando até sua finalização coletiva. Não houve repressão, mas ocorreu uma ingerência policial na manifestação que aos poucos buscava liberar o fluxo do trânsito (com êxito devido ao esvaziamento). Esse protesto também surtiu efeitos no dia seguinte.
28/05 (terça-feira)
A prefeitura anuncia o fechamento do dique do Sarandi, as obras iniciando no mesmo dia. Ocorre demolição da ocupação habitacional da Vila Brasília, gerando desentendimentos. Negociações com assistentes sociais, governo e moradores buscam inscrever as pessoas afetadas em programas do governo (bônus moradia de R$ 127 mil ou “Minha Casa, Minha Dívida”).
A “Operação fecha o dique” foi uma derrota imposta à prefeitura pela ação direta das massas, mas na própria contradição entre os limites e avanços, se encontra também já as manobras políticas para conter a revolta e “normalizar” a situação (pacificar o proletariado e não resolver efetivamente a contenção das águas à longo prazo, assim como realocar moradores com indenizações e créditos populares que servirão de entrada para endividamentos).
Além das obras de fechamento do dique, também serão instaladas nos próximos dias as bombas para retirada da água do bairro: na Vila Elizabeth, Asa Branca, Brasília, União e outros. Deram estimativa de 10 dias para normalizar e os moradores voltarem para o que restou de suas casas.
Conforme se vê, somente depois da ação direta que a prefeitura cedeu também uma realocação das bombas, dando continuidade ao jogo do enfrentamento e assimilação que viemos observando desde então. Enquanto a classe proletária não constituir seu movimento unificado com um programa comum de reivindicações que imponha também o controle da realização destas (através de seus meios de auto-organização), o movimento espontâneo e difuso será continuamente assediado por sabotadores e por oportunistas de todas as estirpes.
Assim, na esteira desses acontecimentos cresce uma falsa polarização entre o empresário de Canoas conhecido no bairro como “Gringo” (que busca se promover mediante a instalação de bombas próprias no Sarandi, cujo poder de drenagem é irrisório e meramente simbólico) e a prefeitura.
Em Canoas, manifestantes arremessaram ovos na câmara de vereadores e tentaram acessar o prédio, mas foram reprimidos pela Guarda Municipal que bloqueou o acesso. A pauta da manifestação era esclarecimentos da prefeitura quanto às áreas ainda alagadas e quais os investimentos que estavam sendo feitos para lidar com as enchentes.
29/05 (quarta-feira)
Novo protesto dos moradores do bairro Humaitá e da Vila Farrapos, em frente à estação rodoviária de Porto Alegre (no início da tarde). Os manifestantes seguem cobrando agilidade nas ações para escoamento das águas dos bairros atingidos que seguem alagados. Além disso, cobram regularização dos auxílios do governo e reivindicam moradia digna como uma de suas pautas.
Durante a noite, moradores do bairro Sarandi realizam mais uma manifestação, dessa vez mais esvaziada (com cerca de 30 pessoas), no mesmo local do dia 27. O esvaziamento se deu mais devido aos já mencionados sabotadores infiltrados, mas também indica uma dificuldade maior para os moradores de convocar e realizar suas manifestações.
Apesar disso, a ação direta continua sendo a via das manifestações das massas proletárias atingidas, demonstrando na prática a disposição de luta que deveria pautar a intervenção de militantes comprometidos com um movimento de ruptura com o sistema.
Nesse dia ocorre a reunião pré-ato da frente/rede, com um esvaziamento ainda maior do espaço. De todo modo, reviu-se a revisão da palavra de ordem e se alinhou um posicionamento de mediação. Definiu-se as palavras de ordem, o panfleto e demais questões organizativas. Veja-se o panfleto aqui: link.
30/05 (sexta-feira)
O metrô volta a operar, funcionando entre Novo Hamburgo estação Mathias Velho (Canoas), com acesso às estações de Porto Alegre ainda bloqueado por tempo indeterminado (a previsão de regularização é para 2025).
Entidades ambientalistas (think tanks empresariais da transição energética em unidade com o governismo da UNE) se unificam para a “marcha pelo clima” convocada para o dia 31/05.
31/05 (sábado)
Realizado o grande complô governista e ambientalista em Porto Alegre. A manifestação contou com a presença de 2.000 manifestantes em sua maioria dirigentes sindicais, candidatos eleitorais, movimentos sociais subordinados ao governismo, agentes da Greenpeace e da ONG Eco pelo Clima.
A nata da burocracia em conluio com as projeções eleitoreiras usando o desastre climático-capitalista como palanque, com críticas vazias aos governos municipais e estadual, mantendo blindado o governo federal (ecoam a todo o momento a palavra de ordem “Fora Melo” e “Fora Leite”, além de coisas como “pelo clima” – fala-se até em decidir nas urnas depois do engavetamento do impeachment de Melo!).
A retomada da normalidade capitalista, em meio às ações do voluntariado do governo e essa manifestação sinalizam a grande unidade capitalista por trás da aparente oposição. De um lado, a crítica do negacionismo climático é a ideologia da fração reformista que busca favorecer o imperialismo de capital verde e dar continuidade ao governismo. De outro lado, as ações e agilização, notificadas ao longo da semana, de retorno à normalidade capitalista dão mostras de trabalho aos empresários que vão reconhecer seus gestores e favores. Tudo armado para desarmar o proletariado que será convocado a deixar as ruas e abandonar a ação direta com uma ênfase cada vez maior.
Se no Sarandi mandaram 10 viaturas contra 80 pessoas, no Cento, na Esquina Democrática, haviam 6 ou 7 para 2.000 pessoas. As forças repressivas provavelmente estarão preparadas para tirar de cena (e na marra se preciso) a ação direta das massas proletárias.
Nos dois primeiros dias de junho houve um refluxo nos protestos, então vamos expor nossa convocatória do ato do dia 05/06 e depois ir direto para os acontecimentos do dia 03/06.
Convocatória do ato do dia 05/06:
O texto em nosso Instagram foi:
A MAIOR ENCHENTE DA NOSSA HISTÓRIA TAMBÉM FOI CRIME AMBIENTAL!Chega de palanque eleitoral em cima da tragédia! Precisamos punir os responsáveis e exigir uma reconstrução digna para o proletariado gaúcho. Os governos afrouxaram a legislação ambiental para entregar nossas cidades e campos para um punhado de empresários do setor imobiliário e do agronegócio e vimos o resultado nas inundações! Por que então nós que devemos pagar pelo preço da reconstrução? Basta! Só em POA a especulação imobiliária mantém milhares de imóveis desocupados, enquanto que os governos propõem construir campos de lona para refugiados e programas de crédito para prender os trabalhadores em dívidas eternas. Chega disso! Exigimos moradia digna para nosso povo, pela expropriação sem indenização dos imóveis do capital imobiliário! Que os capitalistas e os seus governos arquem com os custos da reconstrução com um fundo sob controle direto dos trabalhadores! Pelo fim do sucateamento do DMAE, colocado sob controle dos trabalhadores e consumidores! Pela retomada da Corsan e da CEEE públicas sob controle dos trabalhadores e consumidores! Que se faça imediatamente a auto-demarcação das retomadas indígenas e defesa dos seus territórios! Garantia dos empregos com salário mínimo vital, contra qualquer demissão, suspensão de contratos, banco de horas e demais flexibilizações do trabalho exigidas pelos empresários!É responsabilidade de todas as organizações sindicais e entidades representativas classistas convocar assembleias de base para que as categorias se unifiquem em um programa mínimo de reivindicações, nossa única alternativa é o enfrentamento pela independência de classe (sem subordinação a nenhum governo)!
3 de junho (segunda-feira)
Nesse dia os moradores do bairro Sarandi passaram por mais uma série de sabotagens no processo de auto-organização. A ausência de uma coordenação das ações de bairros e a não constituição de comitês que expressassem os interesses dos moradores em conjunto são fatores que contribuem para explicar a situação.
Havia uma reunião da prefeitura com uma comissão de moradores do bairro marcada para esse dia, com local e horário encaminhados por grupos de WhatsApp. O local inicialmente informado no grupo onde os moradores convocavam as manifestações foi alterado repentinamente (para 9 km de distância), causando confusão (sobre isso, ver: link).
Um trecho da reunião foi gravado e encaminhado no grupo pelo empresário do setor elétrico Marco Della Nina (filiado ao partido PATRIOTA), sócio-administador da Thermark. Reproduzimos abaixo:
A discussão registrada no vídeo acima girou entorno da figura do “Gringo” que buscava se projetar publicamente de modo oportunista, enquanto que a prefeitura buscava a todo custo limpar a própria imagem (o trecho selecionado da reunião demonstra isso). As reivindicações do “Gringo” não são nenhuma novidade para a comunidade que está na luta há mais de 10 anos para uma manutenção integral e definitiva do dique do bairro (ver a matéria da Sul 21 que mencionamos antes).
Um trecho importante desse registro se encontra a partir dos 22min e 40segs: o engenheiro do governo afirma que a proposta do “Gringo”, de que o rachão não é suficiente para a contenção, não era viável no momento, visto que o bairro continua alagado, por isso o fechamento emergencial. No entanto, ele também admitiu que ainda é necessário uma reforma definitiva quando diz que “quando a água baixar, tem que recuperar os diques em definitivo”.
Essa mesma pauta do dique foi levantada mais uma vez na manifestação marcada para o final da tarde e início da noite no cruzamento da Sertório com a Assis Brasil (no card de convocatória lê-se a reivindicação “Dique refeito”). No entanto, o Bruno Couto de Oliveira (simpatizante do PL e fiel da Igreja Evangélica Catedral da Salvação de Alvorada) convocava a manifestação para o Stok Center, causando mais confusão nos grupos. O resultado foi um grande esvaziamento e desmobilização, com um pouco mais de 10 pessoas presentes.
Buscamos promover essa pauta no programa de reivindicações que encaminhamos para o ato do dia 05 através de uma faixa. Como não registramos outras ações até o dia 05, vamos direto para esse dia.
05 de junho (quarta-feira)
Durante a manhã, ocorre uma versão da “marcha pelo clima” na Restinga (com os mesmos organizadores), com reivindicações semelhantes às do dia 31/05 (incluindo pautas locais também). No panfleto, lê-se a exigência de melhores “contrapartidas” diante dos empreendimentos imobiliários, ou seja: essa reivindicação demonstra subordinação aos interesses do capital imobiliário ao não questionar os próprios empreendimentos.
Concluímos nossa faixa em defesa da reivindicação dos moradores do Sarandi:
Fechar o dique em definitivo no Sarandi! Sob controle dos moradores! |
Consideremos que apenas um controle ativo dos moradores pode garantir a realização das obras integralmente, conforme enfatizado em nossa convocatória e nas reuniões da frente/rede, por isso levamos essa faixa para o ato da frente/rede.
No entanto, a manifestação contou em sua grande maioria pela própria militância da frente/rede, embora tenha contato com outros coletivos e organizações que se somaram no ato. As demais pessoas presentes não eram representativas do grande contingente de afetados.
Em nossa avaliação, tivemos uma falha de método de construção da mobilização que deveria ser o resultado cumulativo das lutas que relatamos ao longo desse informe (daí a importância da coordenação e fortalecimento das manifestações locais). Apesar de defendermos essa posição, nossa intervenção também não foi suficiente para garantir uma presença mais massificada.
Mesmo a repercussão positiva da nossa faixa nos grupos de moradores não é suficiente na medida em que não contribuiu efetivamente com um avanço na auto-organização da comunidade. Porém, a reivindicação continua sendo necessária e os esforços para garantir sua realização devem continuar.
Na medida do possível, buscaremos retomar essas discussões de uma perspectiva mais ampla. De qualquer forma, consideramos importante deixar registrado nessa publicação esse panorama das lutas, uma vez que contém a confirmação de nossas teses sobre a importância da ação direta das massas proletárias como expressão do desenvolvimento do antagonismo de classe.
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