Vladimir Ilyich Ulianov (Lênin) tirando uma soneca depois de contribuir com a supressão da revolução proletária internacional. |
Resumo: algumas notas a respeito da política externa dos bolcheviques na luta de classes.
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Em novembro de 1920, o general Wrangel, líder da restauração burguesa contra a revolução russa, fora derrotado pelas tropas makhnovistas. A vitória foi conquistada durante uma aliança tática dos makhnovistas com os bolcheviques com a condição de que o exército negro e a região de Gulyai-Pole manteriam sua total autonomia, os anarquistas ucranianos teriam liberdade de agitação e seriam libertados das prisões dos bolcheviques (SHUBIN, 2010, p. 34). Os anarquistas ucranianos derrotam, não somente a reação, como a facção da rada-central que buscava estabelecer um governo independente e republicano na Ucrânia (“curiosamente”, tal facção foi apoiada pelos bolcheviques). No entanto:
Após a derrota do general czarista Wrangel, os bolcheviques, rompendo acordo formal com as forças de Makhno que participaram dessa luta, metralham das alturas do istmo de Perekop o exército makhnovista que regressava vitorioso pela estreita faixa entre a montanha e o mar (TRAGTENBERG, 2007, pp. 93-94).
O Território Livre da Ucrânia não seria tolerado pelos sociais-democratas bolcheviques, pois estes já haviam abandonado o internacionalismo com o qual tinham se disfarçado para ganhar a simpatia das massas. A política leninista não havia rompido com a posição nacional-chauvinista da social-democracia da II Internacional, assumindo plenamente “o direito à autodeterminação (Selbstbestimmungs-recht) de todas as nações” (LÊNIN, Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação, 1914) adotado como princípio no Congresso de Londres de 1896 (contrariando, portanto, a premissa fundamental de que “o proletariado não tem pátria”).
No final de sua vida, Trotsky admitiria que Makhno era “potencialmente revolucionário” (sic), mas que ele, Lenin e o partido bolchevique de modo geral tiveram que responder com repressão devido a uma “necessidade trágica” (TROTSKY, 2016, p. 368). Sabe-se que tal “necessidade trágica” corresponde ao fato de que o partido bolchevique entregou aos milicos da Alemanha uma série de territórios no Tratado de Brest-Litovsk (1918), bem como outros tratados onde reconheceu a “autodeterminação nacional”, ou seja, o direito da burguesia nacional de dispor sobre o destino dos “seus proletários”.
Na Polônia, por exemplo, a extrema esquerda via nesse reconhecimento da parte do “Estado Soviético”: “um perigo para a revolução socialista; uma parte dos trabalhadores enfatiza em primeiro lugar a solidariedade internacional do proletariado” (TRAGTENBERG, 2007, p. 124). Mas os bolcheviques alegavam que não poderiam intervir na “auto-determinação” nacional, pois estariam, supostamente, subtraindo a autonomia da luta proletária deste ou daquele país. Lênin acusa de traição a social-democracia alemã por ter permitido o massacre na Finlândia, Ucrânia, Letônia, Estlândia e países do Cáucaso, mas dá aos militares da Alemanha um armistício que se torna conivente com esse mesmo massacre. Será que havia esquecido que, como canta o hino da Internacional, deve haver “paz entre nós” (proletários) ao mesmo tempo que se declara “guerra aos senhores”? O que ocorreu na prática foi o seguinte: “paz com os senhores” e declarar guerra ao proletariado que não obedecer!
Marx dizia no prefácio ao “Manifesto do Partido Comunista” da edição russa de 1882 que uma revolução na Rússia “se tornasse o sinal para uma revolução proletária no Ocidente, de modo que ambas se complementassem” (London, 21 de Janeiro de 1882). Contudo, o internacionalismo proletário teria sido aniquilado pela segunda vez: tanto os créditos de guerra aprovados pela social-democracia na II Internacional, quanto os tratados de paz do “Estado Soviético” exprimem o mesmo movimento contrarrevolucionário.
A Revolução Alemã (de 1918-1919) não se encontrou com a Revolução Russa como havia sido previsto. O Tratado de Brest-Litovsk fortaleceu a ala mais reacionária dos militares na Alemanha durante um período em que se instaurava a ditadura militar de Hindenburg e Ludendorff. Segundo Isabel Loreiro: “Após as greves de janeiro e o tratado de paz de Brest-Litovsk, Hindenburg e Ludendorff estão no auge do seu poder, são apoiados por uma parte da população e agem como verdadeiros ditadores” (2005, p. 51). Neste caso: “O tratado de paz com a Rússia, além de garantir as riquezas da Ucrânia, permite aos alemães retirar a maioria de suas tropas da frente oriental e transferi-las para o Ocidente” (LOUREIRO, 2005, p. 51).
O Grupo Comunista Internacionalista (GCI) caracterizou bem essa situação na Revista Comunismo nº 55 (link para o texto):
Em termos concretos, a paz de Brest-Litovsk é um golpe muito duro para o proletariado e para a revolução em todo o mundo, e particularmente na região é uma traição evidente dos interesses da revolução. Essa prática contrarrevolucionária dos bolcheviques fortalece a burguesia em um período em que ela tremia em todos os lugares, e contribui consequentemente para dar novos brios à guerra imperialista. A trégua bolchevique fortalece o imperialismo por toda parte, é um balão de oxigênio para a burguesia e o Estado alemão contra o proletariado desse país em plena luta revolucionária. Mais globalmente, o tratado de paz deixa o proletariado de toda Europa central e oriental entregue aos coturnos do militarismo alemão na Ucrânia, Finlândia, Livônia, Estônia, Criméia, Cáucaso, assim como em um número crescente de territórios do sul da Rússia. Com efeito, os milicos alemães, que viviam já um período de total insegurança frente ao derrotismo revolucionário, recebem com o tratado de paz um verdadeiro suporte dos bolcheviques, que os torna mais fortes frente aos proletários da Alemanha e que lhes permite, em conjunto com diferentes frações burguesas nacional-imperialistas, reimpor o terror branco nesses territórios. Em nome do proletariado na Rússia e com base no velho lema burguês retomado de “direito dos povos a sua autodeterminação”, que a socialdemocracia e Lênin tinham reivindicado – em nome do socialismo! –, era dito ao proletariado dessas regiões em pleno movimento revolucionário: “que cada um se arranje como puder”. Todos os princípios da solidariedade internacional e da luta revolucionária foram postergados em nome da trégua de Lênin e sua política de oportunidades. “Nós já fizemos a revolução, agora podemos negociar com vossos verdugos”. A própria guerra mundial é fortalecida por essa capitulação que contribui ao imperialismo: por centenas de milhas, os soldados alemães, inclusive antes da assinatura oficial do tratado, são transladados da frente russa para a Itália, França… A trégua é um golpe brutal contra a fraternização e o derrotismo revolucionário, contra as insurreições em andamento e contra o movimento revolucionário que estava em pleno desenvolvimento. O verdadeiro significado contrarrevolucionário do tratado de Brest-Litovsk só pode ser compreendido tendo em conta tudo o que ele significou contra as insurreições proletárias que nesses mesmos dias se desenvolviam em toda a Alemanha. A trégua fortalece o imperialismo e a guerra imperialista, como denunciava a esquerda comunista alemã, russa e de outros países. Inclusive a própria Rosa Luxemburgo, que não é nem por um traço uma comunista de esquerda, denunciou o significado contrarrevolucionário desse “acoplamento monstruoso de Lênin com Hindenbourg” em um de seus últimos textos.
Referências:
GCI (Grupo Comunista Internacionalista). O leninismo contra a revolução – Segunda parte: o leninismo como supressor da ruptura comunista. Disponível em: <link>.
- Ver também a primeira parte do estudo: GCI (Grupo Comunista Internacionalista). O leninismo contra a revolução.
LOUREIRO, Isabel Maria. A Revolução Alemã (1918-1923). São Paulo: Editora UNESP, 2005. Disponível em: <link>.
SHUBIN, Aleksandr. O Movimento Makhnovista e a Questão Nacional na Ucrânia, 1917-1921. Texto de 2010. Disponível em: <link>.
TRAGTENBERG, Maurício. A Revolução Russa. São Paulo: Editora UNESP, 2007. Disponível em: <link>.
TROTSKY, Leon. Stalin: An Appraisal of the Man and his Influence. London: Wellred Books, 2016. Disponível em: <link>.
Algumas sugestões de leitura sobre a Revolução Russa
Além das referências acima mencionadas, recomendamos as seguintes publicações:
– Sobre o significado concreto do “controle operário”, veja-se o estudo de Maurice Brinton: Os bolcheviques e o controle operário;
– Sobre os Makhnovistas, veja-se o livro de Piotr Arshinov: História do Movimento Makhnovista;
– Sobre uma oposição ao leninismo no partido bolchevique, ver “A oposição bolchevique contra Lênin: G. I. Miasnikóv e o Grupo Operário”, artigo do historiador Paul Avrich, traduzido em 4 partes pelo PassaPalavra: Introdução; Antes e durante a Revolução Russa; Depois da expulsão do partido; Exílio e últimos anos.
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