O território ocupado pelo Estado do Rio Grande do Sul está sofrendo o maior desastre climático-capitalista da sua história. Chuvas torrenciais que começaram no final de abril e se estendem até hoje inundam e destroem cidades inteiras, devastando vidas humanas e não-humanas, deixando um rastro de destruição. São centenas de mortes e desaparecidos, milhares de desabrigados e desalojados, além das incontáveis perdas, principalmente daqueles que já viviam na miséria. Depois de 2023 ter quebrado todos os recordes de eventos climáticos extremos nessa região, o que está em curso agora ultrapassou tudo o que conhecíamos em uma escala nunca antes alcançada.
Nosso esforço em redigir esse comunicado expressa a necessidade urgente de se insurgir em meio às terras arrasadas pelo Capital. Estamos passando por um momento de muito sofrimento, sabendo que milhares de vidas proletárias que lutavam para sobreviver em meio à exploração brutal do capitalismo perderam tudo, também somos assolados pela perda de nossos estimáveis companheiros não-humanos (gatos, cachorros, cavalos e muitos outros seres vivos) que estão sendo afogados nas águas mortais, conscientes de que os pecuaristas também deixaram para trás tantas outras vidas que são apenas vistas como meros produtos mercantis. Em suma: mesmo estando horrorizados com o turbilhão de eventos, nós sabemos que é nosso dever organizar nosso ódio de classe e agir implacavelmente contra os responsáveis diretos por essa situação! Devemos nos levantar contra todos aqueles que se colocam do lado dos capitalistas na luta de classes, pois é a ganância burguesa e o fetichismo do dinheiro que mergulhou esse território na morte!
Conforme havíamos anunciado no final do ano passado: a crise total do capitalismo atingia seu clímax e produzia “uma devastação ambiental nunca antes vista na história humana” (Communismo Libertário, 31 de dezembro de 2023). Nós já abordamos os aspectos gerais das mudanças climáticas e sua relação direta com o capitalismo, portanto trataremos diretamente da situação local atual. Os pormenores socioambientais serão retomados e desenvolvidos futuramente.
A guerra contra a emergência climática é uma guerra contra o proletariado
Toda a mídia burguesa ecoa em uníssono o que anunciavam na pandemia: “estamos num cenário de guerra”. Devemos lembrar o significado que denunciamos naquela ocasião, como disseram os camaradas do grupo Proletarios Internacionalistas: “a guerra contra o coronavírus é uma guerra contra o proletariado mundial” (O contágio da revolta se espalha). Nesse mesmo sentido, a guerra contra a “emergência climática” é a guerra contra o proletariado mundial (incluindo aqui também os grupos sob ameaça de espoliação de terras). O que ocorre no Rio Grande do Sul não é um fato isolado. Ainda nem chegamos na metade do ano e as enchentes no Afeganistão já deixam mais de 300 mortos, as chuvas no Uruguai deixam mais de 2.000 desabrigados, na China as inundações deixaram mais de 80.000 realocados, a pior enchente na Rússia em décadas chega na marca dos 100 mil, além dos estragos catastróficos em Dubai, as mais de 150 mortes na Tanzânia, dentre tantos outros casos de eventos climáticos extremos de chuvas torrenciais!
Nessa guerra, convocamos a todos para nos organizarmos em luta pelas nossas vidas, pela terra e contra o capital! Destruamos aquilo que destroi nossas vidas!
Do nosso lado das barricadas, estamos vendo as comunidades se auto-organizarem em uma rede de solidariedade com iniciativas que se difundem para todos os lados, da qual também participamos ativamente. Os condenados e condenadas da terra sabem instintivamente que só podem confiar nas próprias forças. Por isso, procedemos imediatamente com resgates, com doações, com abrigos, com difusão de informações sobre os níveis dos rios e áreas de risco e tudo que estiver ao nosso alcance. Expusemos ao mundo o que chamam de “emergência climática”. Tudo isso se desenvolvendo de modo independente dos governos e inicialmente também indo além das direções sindicais burocráticas. Essa convergência de forças, embora ainda não tenha assumido uma direção decididamente revolucionária, afrontou a burguesia, suas instituições oficiais e pôs a nu a conivência dos gestores do Estado Burguês com a catástrofe. No entanto, ainda sofremos das tendências que limitam o alcance de nossas forças e das ideologias que ainda podem nos impedir de seguir adiante e confrontar diretamente a classe dominante em conjunto.
Do lado de lá das barricadas, transparece o pavor de perder o controle da situação e o disfarce demagógico com as camisas da Defesa Civil (que até então era sucateada pelos governos). Grupos de extrema direita difundem informações falsas, atrapalhando as ações de solidariedade. O semi-Estado das facções segue saqueando barcos de resgate, como ocorreu em Mathias Velho (Canoas). Policiais atirando contra quem busca por suprimentos em mercados alagados na Zona Norte de Porto Alegre. Agentes do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT) que destroem deliberadamente as edificações da Tekoá Pekuruty em Eldorado do Sul, sob pretexto de ser uma “área de risco”, mas que está sob ameaça de duplicação da rodovia. A especulação imobiliária fazendo fendas no solo para provocar deslizamentos de terra no Morro do Cechella (Bairro Itararé, em Santa Maria). O governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB), anunciando ostensividade policial de 100% junto com oficiais da Força Nacional para “impedir saques”, mas todos sabemos que esse efetivo está sendo mobilizado para garantir as espoliações de territórios que vão se agravar, para viabilizar a aprovação das medidas exigidas pela burguesia, para conter a revolta proletária desejante de justiçamento!
A pilhagem de terras e a exploração destrutiva
As distintas formas de destruição ambiental provocadas pelo Capital ocorrem neste Estado desde que se iniciam as pilhagens de terras indígenas para explorar os “recursos” em prol do lucro, incorporando aqueles que foram proletarizados nesse processo como fontes de extração de mais-valor. Essa espoliação ocorreu com as conhecidas práticas da expansão capitalista, como os grupos de extermínio organizados pelo Capital e subsidiados pelo Estado através de órgãos como o SPI (os bugreiros e seus massacres, por exemplo). O roubo colossal dos territórios abriu caminho para as monoculturas que degradam o solo e destroem a mata nativa (não deixando nem resquícios da mata ciliar), as propriedades da burguesia jogaram toda a imundície de seus empreendimentos em rios, realizaram obras absurdas de mineração destrutiva, fizeram aterramentos para favorecer o capital imobiliário, dentre muitas outras violações atrozes da terra. Tudo isso culminou em condições de extrema vulnerabilidade socioambiental, com desalojamentos brutais produzindo bairros periféricos de despossuídos, com a expulsão dos povos indígenas de suas terras e construção de rodovias em seus territórios, resultando no reassentamento de comunidades inteiras em beiras de estrada, produzindo também o êxodo rural de camponeses, a poluição destrutiva das condições de subsistência de ribeirinhos, a perseguição policialesca de quilombolas, em suma, todos esses métodos fizeram parte do processo secular de proletarização das comunidades. Os condenados e condenadas da terra são todos os povos e coletividades que sofreram e ainda sofrem da espoliação capitalista e constituem a classe proletária em suas diferentes frações e momentos de formação.
Fundamental para proteger os interesses vampíricos do Capital, o Estado usou todo seu aparato para garantir a espoliação territorial, favorecer o desmatamento e desempenhar um papel ativo na devastação. A estrutura estatal é formada pelos diferentes órgãos de poder da classe dominante, mesmo aqueles extra-oficiais que são mantidos de maneira conveniente pelo próprio Estado (como as milícias, por exemplo). É por isso que as mudanças governamentais nas últimas décadas apenas adaptaram a legislação ambiental às novas frentes de expansão, atestando que todos os governos, independentemente da ideologia que propagaram, estiveram a serviço da ofensiva capitalista sobre a vida na Terra.
Os grandes projetos nacionais de desenvolvimento do capitalismo brasileiro acompanharam os diferentes momentos históricos da acumulação de capital a nível mundial. A dinâmica regional segue a influência das condições gerais de determinação. Assim, nos últimos 40 anos, sucessivos governos em áreas urbanas metropolitanas estiveram respondendo os ditames dos interesses do capital imobiliário (em especial os megaempreendimentos), enquanto que na zona rural prevalecia a dominância do capital agropecuário (avanço do agronegócio). Trata-se do período expansivo do capital em nível mundial como reação da crise do esgotamento da reconstrução do pós-guerra que abalou a partilha imperialista do mundo dos anos 70 em diante. É nessas condições que surge o chamado “neoliberalismo” com suas políticas econômicas de austeridade fiscal para favorecer os interesses do capital financeiro, com suas privatizações para um punhado de transnacionais do imperialismo, além das intensificações nas espoliações de terra e na exploração. As flexibilizações, ou seja, o desmantelamento das poucas garantias adquiridas na luta de classes pelo proletariado fazem parte desse processo. Portanto, a precarização dos direitos trabalhistas, as mudanças na legislação ambiental, urbana e rural, os massivos cortes nos financiamentos de instituições públicas (de ensino, ambiental, de serviços de águas e esgotos, etc.) fazem parte de um mesmo processo.
Em certos casos, os ambientalistas continuam ignorando a interconexão global das causas. O isolamento da “questão ambiental” promove o divisionismo político frente à necessidade da luta unificada contra o capitalismo. É por isso que, apesar dos incontáveis alertas de meteorologistas e ambientalistas, nada de significativo poderia ser feito para impedir o desastre capitalista, pois o enfrentamento se limitava a agir em conformidade com as estruturas e instituições de poder do Capital (o Estado). Os comunicados de pesquisadores da FURG, como Marcelo Dutra da Silva, da UFRGS, através do Instituto de Pesquisas Hidráulicas, dentre tantos outros, foram ignorados e considerados “alarmistas”. O projeto “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, encomendado em 2014 pelo governo Dilma, composto por vários relatórios, também foi engavetado. Esse relatório já indicava que haveria elevação do nível do mar, mortes por onda de calor, colapso de hidrelétricas, falta d’água no Sudeste, piora das secas no Nordeste e o aumento das chuvas no Sul. Nada disso foi “relevante” o suficiente para frear a ganância da burguesia, que recebeu todo o amparo possível de seu poder público.
A sanção da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), por Dilma, em substituição ao Código Florestal representa um exemplo desse amparo dado pelo Estado ao Capital através da legislação. Apesar de toda evidência científica e de toda rejeição ambientalista, foi aprovado o “Novo Código Florestal” que não apenas reduzia drasticamente a área que deveria ser preservada nas propriedades rurais, como também concedia anistia àqueles que desmataram antes de 22 de julho de 2008.
Como se sabe, as áreas com vegetação nativa desempenham importante papel eco-hidrológico. Assim, uma área de vegetação na encosta de morros pode diminuir os riscos de deslizamentos e também aumentar a infiltração da água no solo, ao invés de seu escoamento superficial. Logo, é de nosso interesse a preservação e reconstituição dessas dinâmicas, como nos topos de morro, nas encostas, nos intervales e ao longo dos cursos d'água. Isso foi alertado pela comunidade científica, porém ignorado em favor dos interesses do agronegócio, colocando em risco áreas de várzea, que costumam inundar em períodos de cheia e que ajudam a controlar enchentes.
Em consonância com esse afrouxamento sancionado por Dilma, e também em consonância com a política da boiada de Bolsonaro, no âmbito estadual o governo Leite pautou um projeto de flexibilização da proteção ambiental aprovado na Assembleia Legislativa em 2020. Dentre os pontos, estava a retirada da proibição de remoção de diversas árvores da região e também o autolicenciamento, no qual os próprios empresários dizem “não estou fazendo nada errado” e, sem nenhum parecer técnico, isso é aceito.
No âmbito metropolitano, ocorreram uma série de megaempreendimentos imobiliários que os governos estadual e municipais buscaram viabilizar a todo o custo. No caso do corpo hídrico denominado Guaíba, os pesquisadores afirmam que este possui características de Lago e Rio, mas a legislação ambiental classifica como Lago desde os anos 90 para facilitar o desmatamento de suas margens, visto que é permitido um avanço maior das edificações em margens de lagos do que de rios conforme o código florestal flexibilizado (a faixa de proteção é de apenas 30 metros da margem). A consequência dos desmatamentos de matas ciliares e mesmo dos aterramentos que expandiram a faixa de terra da cidade sob o território do Guaíba estamos vendo agora nas inundações. A orla se tornou tanto a fronteira entre os limites do Guaíba e da cidade, quanto a fronteira entre projetos distintos de cidade, um grande território em disputa na luta de classes portoalegrense. O capital imobiliário pretende impor uma série de megaempreendimentos: como as futuras torres do Cais Mauá, as atuais obras do parque Harmonia, garantir a possibilidade da construção de arranha-céus no terreno do estádio Beira-Rio, do complexo do Pontal, do condomínio Golden Lake e avançar na construção de um condomínio na Fazenda do Arado, no Belém Novo, espoliando as terras indígenas do povo Mbya Guarani da retomada da ponta do arado.
Na medida em que o capital avançava com força sobre os territórios e espalhava sua devastação, criava as condições propícias para intensificar as inundações que viriam com o aumento generalizado dos níveis de chuva. E mesmo com os diversos alertas e experiências acumuladas com enchentes, nenhum investimento foi feito para construir uma infraestrutura adaptada às mudanças climáticas, nem mesmo manutenção foi realizada das poucas estruturas que dispusemos em algumas áreas (como o muro da Mauá em Porto Alegre). A produção capitalista não responde às necessidades de um modo de vida que esteja de acordo com as condições ambientais da reprodução material das pessoas, mas apenas aos imperativos da valorização de valor.
E por mais que as perdas com os eventos climáticos extremos sejam superiores aos recursos destinados à reconstrução, por mais que estes últimos sejam 20 vezes maiores do que os recursos destinados à prevenção, a acumulação de capital ainda assim é fortalecida nesse processo, uma vez que toda a destruição se apresenta como uma oportunidade lucrativa para a burguesia.
A calamidade oportunista do Capital
A economia política dos desastres capitalistas não ocorre apenas preparando suas condições de possibilidade através dos métodos de espoliação e expansão, como também nos conduz ao “estado de exceção”, situação onde se instaura uma ofensiva ainda mais furiosa do capital, amparado pelas justificativas da “calamidade pública” e de “situações análogas à guerra”. Além de um grande organizador de catástrofes, o Capital é como se fosse um agente funerário que depois de assassinar alguém, vende para a família da vítima a cova, o caixão e o enterro.
Mencionamos acima dois exemplos, um pelos braços do poder público, outro pela mão invisível do mercado imobiliário. Vejamos em mais detalhes o que significam.
As ações do DNIT na comunidade Mbya Guarani de Tekoá Pekuruty visam viabilizar a duplicação da BR-290, cujas obras serão retomadas em razão dos recentes recursos injetados pelo Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. O PAC do governo Lulalckmin consiste em grandes empreendimentos de infraestrutura para atender os interesses dos capitalistas brasileiros, a exemplo da Ferrogrão: projeto de ferrovia apresentado há dez anos por empresas imperialistas do agronegócio, como ADM, Amaggi, Bunge, Dreyfus e a Cargill, também inserida no PAC. Conforme o Relatório de Fiscalização do Tribunal de Contas da União, a “importância socioeconômica” (o interesse capitalista) da obra é a seguinte:
“A BR-290 é um dos principais corredores de transporte de cargas entre os países do Mercosul e importante rota para o escoamento das produções do agronegócio e das indústrias do Rio Grande do Sul. Além disso, o lixo oriundo de Porto Alegre é transportado pela BR-290 até o município de Minas do Leão (Central de Resíduos Sólidos do Recreio), onde também ocorre atividade de extração e beneficiamento de carvão mineral, sendo que a circulação entre a usina de beneficiamento e a cava ocorre sobre essa rodovia” (página 4).
As diversas valetas abertas por ação humana no Morro Cechella contribuíram para provocar o deslizamento que resultou na morte das moradoras Liane e Emily. A comunidade denuncia, junto à rede da Teia dos Povos, os interesses do capital imobiliário em se apoderar do espaço para construir uma orla e espaço de lazer para empresários. Também aqui os agentes públicos evacuaram a população, se negam a restabelecer a eletricidade e permitir o retorno até finalizada a vistoria do morro. A Defesa Civil busca verificar se as valetas foram realmente realizadas pela “ação humana”. Os moradores sabem instintivamente que nem mesmo a própria chuva seria um evento como outro qualquer, mas sim o resultado culminante da ação capitalista sob as condições climáticas! Quando conveniente não é considerado “ação humana”? Mesmo com fortes indícios da mão invisível do mercado imobiliário…
Além da espoliação de territórios, o Capital também visa privatizar até mesmo a solidariedade! Conforme já vínhamos denunciando, os governos municipais, estaduais e federal estão sofrendo o assalto do dinheiro público para o pagamento dos juros de financistas que faturam com a dívida pública. O governo Lulalckmin dá continuidade com a política econômica de austeridade fiscal do teto de gastos através do Arcabouço Fiscal, o que acaba bloqueando os recursos públicos. Assim, o governo Leite chegou no absurdo de pedir transferências monetárias para um PIX do governo! Como se não bastasse a medida desesperada, ele declarou que a aplicação dos quase R$ 40 milhões adquiridos seria gerida por um Comitê Gestor formado por toda a corja burguesa do Estado! Dentre eles: a Associação dos Bancos no Estado do Rio Grande do Sul; Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs); Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio); Rotary Club. Também se incluíram entidades populares para simular “representatividade”, como a Central Única das Favelas (Cufa).
Não satisfeita, a burguesia gaúcha exige novamente o que impôs durante a pandemia: um pacote de medidas de flexibilização trabalhista. Entre as demandas está a redução da jornada de trabalho junto com o salário, a suspensão temporária do contrato de trabalho, suspensão do salário de fome pago pelo empregador com substituição por remuneração miserável do governo, facilitação do teletrabalho, antecipação de férias individuais e coletivas, aproveitamento de feriados, banco de horas, além da suspensão do recolhimento do FGTS! Trata-se de um conjunto de medidas para massacrar a força de trabalho e descarregar toda a crise climática do capital nos trabalhadores!
As associações patronais do comércio de Porto Alegre já conseguiram negociar a antecipação de férias dos funcionários durante o período de reconstrução, o que na prática dá o direito do empregador em decretar férias para os trabalhadores durante um período crítico de grandes perdas, uma precarização absurda do direito às férias que só vai beneficiar as empresas! O acordo com o governo também prevê trabalho extraordinário além do limite legal, ou seja, mais do que duas horas extras por dia! Além disso, também ficou prevista uma modificação no Banco de Horas que permitirá que as empresas usem, ao longo de 12 meses, as horas não cumpridas quando retomarem a operação normal em um “regime especial de compensação de jornada”!
Essa proposta de poder antecipar férias com compensação e aumento de jornada de trabalho resultou da negociata entre o presidente do Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre (Sindec POA), Nilton Neco, e, por parte do Sindicato dos Lojistas de Porto Alegre, o presidente, Arcione Piva. Em outras palavras: o sindicato dos trabalhadores do comércio não convocou a categoria para decidir em assembleias de base a aceitação ou recusa da proposta! Simplesmente aceitou as exigências patronais!
A urgência de nossa insurreição e os exemplos práticos
De fato, a situação é de guerra, de acirramento das ofensivas do capital na luta de classes. Mas também de respostas e ações exemplares de nossa classe. Portanto, é imprescindível que nossa classe se organize em prol de um programa próprio de reivindicações para enfrentar nossos algozes capitalistas a partir dos únicos meios que podem fortalecer nossa luta e garantir alguma possibilidade de vitória: através da ação direta, da solidariedade de classe e da auto-organização totalmente independente dos governos. Para isso é necessário derrotar as direções burocráticas dos sindicatos que se limitam a agir de modo descoordenado em ações isoladas de ajuda humanitária, enquanto aceitam caladas as flexibilizações do capital. Nossa organização deve partir desde baixo, com assembleias de base e unidade de classe para além do corporativismo sindical e divisionismo político. É necessária uma greve geral de enfrentamento à crise climática-capitalista, responsabilizando também a burguesia por todas as mortes e destruições impostas à nossa classe! E os indícios desse movimento já se encontram atualmente em desenvolvimento.
Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB) busca a todo o custo simular uma imagem de “bom gestor” realizando a ação desesperadora de derrubada da passarela do viaduto da rodoviária da cidade alegando que era necessário construir um corredor humanitário para levar ajuda aos refugiados climáticos. No entanto, durante o ano passado de intensas chuvas na cidade, o acúmulo de precipitação ficou registrado como o maior da história até o momento e, mesmo assim, a prefeitura não investiu nenhum centavo na prevenção de enchentes! O mesmo governo municipal é responsável por favorecer os interesses do capital imobiliário, praticamente doando terrenos da cidade para a iniciativa privada, a mesma que financiou sua campanha em 2020, a partir de recursos vindo dos grupos Goldztein, Cyrela, Melnick, CFL, Multiplan e Arado Empreendimentos. Essa última empresa mencionada visa realizar um empreendimento imobiliário aterrando uma planície de inundação e espoliando terras indígenas! Denunciamos esse empreendimento e seus efeitos catastróficos no panfleto desse link (escrito em meados de 2021).
Além disso, o governo municipal atual de Melo também responde aos interesses do grupo AEGEA, empresa de saneamento do setor privado, que pressiona para garantir a todo o custo a privatização do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), depois de já ter conseguido pelo governo Leite a privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Em nosso texto “Considerações sobre a luta contra a privatização da Corsan e do DMAE” (Communismo Libertário, 3 de julho de 2022), expusemos os pormenores do processo de sucateamento proposital de ambas as empresas públicas e as tarefas do proletariado diante da política privatista. Nesse processo de sucateamento, o governo atual mantém congelados R$ 400 milhões do caixa da autarquia pública do DMAE. Em 2015, o valor retido era de R$ 141 milhões, acumulando-se nas gestões de Marchezan e Melo e desde então os investimentos caem cada vez mais na mesma medida em que cresce o caixa.
Durante a inundação da cidade, o sistema de bombeamento sucateado não deu conta de reduzir os maiores danos e chegou-se a uma situação de apenas uma Estação de tratamento de água (ETA) ficar operante. No entanto, a partir da própria iniciativa dos trabalhadores do DMAE, enfrentando as águas pestilentas que tomaram conta da cidade, duas ETAs foram retomadas e estão novamente operantes (ao todo são 6), além de que na noite do dia 10/05 eles também garantiram o retorno do funcionamento da Casa de Bombas ao lado do Planetário, impedindo o alagamento da comunidade da Vila Planetário, do CMET e do bairro Santana (que são zonas de extrema vulnerabilidade social). Em outras palavras: as iniciativas estão demonstrando o quanto a auto-organização de nossa classe é suficiente e capaz para lidar com a organização da produção, dispensando intermediários do Estado e principalmente questionando a propriedade privada dos meios de produção.
Essa experiência demonstra na prática a necessidade de nos insurgir em prol de uma greve geral em todo o nosso Estado, defendendo a apropriação proletária dos meios de produção para reconstruir nossas vidas. A classe dominante insiste em deixar o mundo em ruínas, mas sabemos que em nossos corações um mundo novo pulsa por se fazer.
No entanto, é justamente temendo uma resposta dos explorados que o governo Lulalckmin se prepara com todas as armas da conciliação de classes e busca assegurar que as direções burocráticas sindicais continuem sendo a linha de transmissão de sua política, garantindo a subordinação total ao governismo. Medidas como um prazo de um ano de não pagamento da dívida pública do Rio Grande do Sul já estão sendo adotadas e se coloca em discussão no parlamento a possibilidade de um “Orçamento de Guerra” para poder flexibilizar as regras fiscais, sem falar dos auxílios ao governo estadual e aos capitalistas gaúchos. Assim que o governo se articular em uma proposta que possa agradar gregos e troianos, que passe pelo aval do Congresso e suas bancadas, em especial a ruralista, essa proposta será incorporada pelas direções burocráticas que farão de tudo para oficializar a proposta nas entidades aparelhadas. É por isso que precisamos garantir um programa de reivindicações próprio!
Será necessário reconstruir grande parte do RS. Pesquisadores como o já mencionado Marcelo Dutra da Silva afirmam que talvez seja necessário que cidades inteiras sejam deslocadas. Se isso for ou não uma necessidade, é algo que deve ser apreciado e decidido coletivamente pelo o proletariado de modo independente! Sob pretexto dessas “reconstruções” nossos inimigos de classe farão de tudo para nos expulsar de nossos territórios, espoliar nossos bairros e criar campos de concentração de refugiados climáticos! Não podemos tolerar isso!
A única reconstrução verdadeira dos nossos territórios sitiados pelo Estado do Rio Grande do Sul só pode provir de nossas próprias forças, através de um planejamento coletivo do proletariado que seja promovido de modo independente dos governos, por meio da auto-organização e realizado pela ação direta. Só será possível uma verdadeira adequação à situação climática legada do modo de produção capitalista se ela for obra de uma revolução social!
Depois de tudo que foi exposto, deve ter ficado claro que não devemos ter nenhuma ilusão com nenhum governo e nenhuma “instância competente” da sociedade burguesa. Devemos exigir e defender a realização de assembleias populares! Promover e impulsionar a constituição de comitês de bairros! Fazer com que os sindicatos e movimentos classistas convoquem as categorias para mobilizar uma luta unificada! Denunciar todos os governos do Estado Burguês, dissipando as ilusões nas medidas de Eduardo Leite, de Lula e prefeitos! Depositar total confiança na organização independente e nos métodos de luta do proletariado! Ultrapassar as burocracias sindicais governistas!
Façamos das palavras de Buenaventura Durruti (1896-1936) as nossas:
“Nós sempre vivemos na miséria, e nos acomodaremos a ela por algum tempo, mas não esqueça que os trabalhadores são os únicos produtores de riqueza. Somos nós, os operários, que fazemos marchar as máquinas nas indústrias, nós que extraímos o carvão e os minerais das minas, nós que construímos as cidades. Porque não iríamos reconstruir, e ainda em melhores condições, aquilo que foi destruído? A ruína não nos dá medo. Sabemos que não vamos herdar nada mais que ruínas. Porque a burguesia tratará de arruinar o mundo na última fase da sua história. Porém, nós não tememos as ruínas, porque levamos um mundo novo em nossos corações. Esse mundo está crescendo nesse momento” (24 de julho de 1936, Entrevista ao jornalista Van Passen em meio à situação revolucionária no território espanhol).
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Abaixo segue-se um texto escrito em meio ao turbilhão de eventos, informações sobre as campanhas solidárias de Okupas atingidas e um aplicativo que busca centralizar as informações sobre a rede de solidariedade que mencionamos no texto.
Texto da Okupa Pandemia: “O Guahyba está certo” (recebido no dia 04 de maio de 2024).
Nós que habitamos a Okupa Pandemia achamos importante mandar algumas palavras sobre o momento que estamos passando especificamente nesse território e em suas diversas formas no mundo todo. Primeiro reforçar a solidariedade e saudar a ação horizontal e auto-gerida que foi a única presente no momento mais crítico e estender essa solidariedade para que seja o rotineiro, de todo dia. Junto com isso reforçar nossa posição anarquista denunciando o óbvio, que o estado não tem interesse em fazer algo na periferia. A única face do poder estatal que se apresentou foi a dos seus jagunços da brigada “ordenando” que as pessoas saíssem de suas casas porque NÃO HAVERIA RESGATE. Não havia bombeiros, ambulância ou defesa civil. Somente nós por nós mesmos. Solidariedade é isso, sempre partirá de uma relação horizontal, de cima pra baixo é assistencialismo interesseiro. Repudiamos quem está no poder, gerenciando essa máquina de matar populações periféricas, pretas e indígenas. E com o mesmo ódio repudiamos quem usa esses eventos como palanque, mas divide o mesmo espaço dos poderosos. Pra quem dormia e acordava saudando as águas do Guahyba não doi ver sua força. Temos incômodos sim, não gostaríamos de ver todas essas pessoas, que em sua maioria não são responsáveis diretas pelo que ocorre, sofrendo, mas a natureza tomar de volta o que lhe foi tomado é motivo de satisfação. Sempre pensamos que só o Guahyba poderia nos tirar do território okupado e se for pra que ele tome de volta toda a sua extensão então sairemos com a sensação de que valeu a pena. Mas ainda não é esse momento. Voltaremos, pois não confiamos que o capital desistirá daquela área tão fácil. É preciso estar lá para evitar mais agressões à natureza com a desculpa do desenvolvimento e progresso, tratando o Guahyba como vilão e não os donos do capital que promovem a destruição do planeta por dinheiro e poder. Esses sim são abominações, não deveriam existir, assim como uma parcela dessa gente que perdeu tudo nas águas, mas reproduz a mentira do patrão, que sonha em ser o rico que explora e destroi.
Que o que vem acontecendo acenda fogueiras de rebeldia, que acabe a espera e iniciem as okupas, os saques, a ação direta de tomar a vida em nossas mãos e seguir o caminho da autonomia.
Voltaremos, reergueremos a bandeira preta mas margens dessas águas tão fortes.
Viva Anarquia!
Viva o Guahyba!
O Guahyba está certo!
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Até o momento, temos o conhecimento de 4 okupas atingidas em Porto Alegre. Abaixo o nome das Okupas, a situação e a disponibilização do PIX para contribuições espontâneas de solidariedade:
Ficaram embaixo d'água:
Okupa Pandemia - Lami (pix: 008.776.270-61)
Okupa mil povos - Humaitá (pix okupamilpovos@gmail.com)
Precisaram evacuar pelas inundações e moradores estão em abrigos o pessoal das okupas dissidentes da Cidade Baixa:
Okupa Kalissa (pix okupakalissa@protonmail.com)
Okupa Jibóia(pix kocjiboia@riseup.net)
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Um estudante da UFRGS montou uma página reunindo links com informações da rede de solidariedade. Lá é possível encontrar informações sobre áreas de risco, pedidos de resgate, vagas em abrigos, pontos de coleta, inscrições de voluntários, locais para doação e demais formas de monitoramento que surgiram da iniciativa de auto-organização.
Acesse pelo link: https://bento.me/ajudars.
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