segunda-feira, 20 de maio de 2024

Segundo comunicado sobre a situação do Rio Grande do Sul

Imagem do protesto dos moradores do condomínio de moradia popular Princesa Isabel. Fonte: link.

Nesse segundo comunicado, buscaremos dimensionar de forma sintética o impacto no rebaixamento da força de trabalho no Rio Grande do Sul (e a influência disso no resto do Brasil também).

Dados preliminares e situação de luta por moradia


Rio Grande do Sul tem uma extensão territorial de 281.707,151 km², ocupando mais de 3% do território brasileiro, com 3.601,63 km² de área urbana. Dividido em 497 municípios, com 10,9 milhões de habitantes no total, com 85,1% da sua população total vivendo em áreas urbanas.

Segundo o boletim da Defesa Civil do RS (publicado no dia 20/5, às 12h): 463 municípios foram afetados (isso abrange 93% do Estado), 76.188 pessoas estão em abrigos, 581.633 estão desalojadas, 2.339.508 foram impactados de alguma forma, 806 feridos, 88 desaparecidos, 157 mortes, 82.666 pessoas foram resgatadas e 12.358 animais não-humanos foram resgatados. A estimativa é que 657.821 pessoas estejam fora de suas casas, o que equivale a 6% da população do Estado.

Diante desse cenário, o vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza, apresentou no dia 17/05/24 uma proposta de criação de “cidades temporárias” nos municípios da região metropolitana de Porto Alegre. As “cidades temporárias” serão instaladas na capital gaúcha, em Canoas, São Leopoldo e Guaíba, municípios que concentram cerca de 70% dos desabrigados do estado. Trata-se de uma proposta de construção de campos de concentração de refugiados climáticos, tornando ainda mais precária a situação dos atingidos.

Por sua vez, o governo federal pretende comprar as casas em recuperação atingidas e estender o “Minha Casa, Minha Dívida” para as pessoas desabrigadas (nas faixas 1 e 2), incluindo um auxílio emergencial de R$ 5.100,00 que só vai servir de entrada para endividar famílias, junto com as diferentes propostas de “créditos populares” que possam surgir para enriquecer os cofres públicos e privados.

No Rio Grande do Sul existem pelo menos 604 mil imóveis desocupados. O capital imobiliário faz de tudo para manter prédios inteiros vazios em defesa dos seus próprios lucros, enquanto que as edificações públicas aptas para a moradia também permanecem intocadas, visto que são alvos dos processos de privatização que o Estado terá que empreender diante dos problemas fiscais (ou seja: vão parar também nas mãos dos parasitas do setor imobiliário).

Portanto, um mesmo movimento está por trás dos campos de concentração, financiamentos do governo federal e inviolabilidade da sacra propriedade imobiliária: a imposição dos custos do desastre capitalista-climático nas costas do proletariado.

Os movimentos sociais de luta por moradia deveriam estar organizando um processo de luta unificado pela expropriação sem indenização de todos os imóveis desocupados para que fossem distribuídos diretamente para a população, através da auto-organização dos bairros que poderiam gerir essa distribuição de acordo com as necessidades de moradia de todos os explorados e miseráveis. No lugar dessa iniciativa, movimentos como o MTST se restringem à importante e exemplar ação da “cozinha solidária”, mas que pode acabar se tornando apenas um assistencialismo que mantém as pessoas na miséria se não houver uma intervenção política no sentido da socialização da moradia. A União Popular por Moradia também se restringiu à mesma política, sequer defendendo uma reivindicação de indenização aos atingidos.

O impacto no arroz e sua influência no custo de vida


A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) calcula, em uma estimativa preliminar, que as perdas na safra de grãos 2023/24 no Rio Grande do Sul devem alcançar aproximadamente 1 milhão de toneladas em virtude das enchentes que atingem o Estado desde 29 de abril. Essa situação deve contribuir para um aumento ainda maior nos preços. O Rio Grande do Sul é responsável por 70% da produção de arroz do Brasil. A nível global, os estoques andaram diminuindo e comprometendo exportações, devido ao clima extremamente seco que atingiu a safra do Sudeste Asiático (onde se encontra o maior exportador mundial). A destruição de parte significativa da safra gaúcha vai contribuir com a tendência de alta nos preços.

Como se sabe, o arroz é um dos três alimentos de base do mundo, junto com o trigo e o milho. Juntos, esses três cereais são significativos para a determinação do preço da força de trabalho, visto que os salários estão relacionados com a produtividade dos bens de subsistência do proletariado.

Na realidade agrária nacional, os investimentos nos grãos de base já são diminutos e sofrem com o privilégio dado ao plantio de soja. Isso contribui para que o valor da força de trabalho seja elevado relativamente a um mercado de trabalho com desemprego cada vez mais crescente. Some-se a isso o conflito distributivo, onde os capitalistas transferem para a circulação os altos custos de produção (descontando nos consumidores) e a situação que teremos será de um aumento significativo na inflação.

As chuvas no RS também destruíram lavouras de arroz e hortaliças do MST, provocando um prejuízo de R$ 64 milhões. Das 290 famílias que vivem nos seis assentamentos alagados, apenas 38 conseguiram voltar aos seus lotes.

Além das exemplares ações solidárias, o MST também deveria estar organizando um movimento para atacar os capitalistas do campo responsáveis pela devastação ambiental e justiçando os proprietários através de tribunais populares. Essa situação reforça a necessidade de um amplo movimento camponês unificado com os povos indígenas e quilombolas na luta pela terra, pois a expropriação dos grandes latifundiários e agropecuaristas se faz cada vez mais urgente.

Junto com o capital imobiliário, o agronegócio é um dos principais responsáveis pelo desastre capitalista-climático. Também no campo os movimentos sociais se restringem às campanhas de solidariedade enquanto esperam respostas do governo. No entanto, a única resposta que o Estado Burguês nos reserva continua sendo a mesma de antes: mais violência em defesa dos capitalistas.

Portanto, é necessário avançar no programa da revolução no campo, com expropriação e coletivização da produção agrária como tarefa imprescindível e urgente da luta pela terra. É necessário organizar a produção social conforme as necessidades e não mais sacrificar milhares de vidas em prol do lucro.

A situação trabalhista


As empresas de todos os setores replicaram o pacote de medidas da pandemia (férias antecipadas, banco de horas, suspensão de contratos, substituição do salário por pagamentos do governo, redução da jornada com redução dos salários, teletrabalho, etc.).

As direções burocráticas que aparelham os sindicatos aceitaram passivamente mais uma vez, sem sequer convocar as bases das diferentes categorias para decidir coletivamente como enfrentar a situação. Impuseram as medidas patronais e aceitaram de forma submissa as diretrizes do governo. Tudo isso para não abalar a situação de conciliação de classes e impactar no governo federal de alguma forma.

Assim, os sindicatos, da mesma forma como ocorre com a burocracia da luta por moradia e da luta por terra, insistem em manter a política assistencialista sem organizar o enfrentamento aos patrões e lutar pela orientação da produção conforme as necessidades do proletariado.

Saúde pública


Nas enchentes costumam ocorrer surtos epidêmicos, ainda mais quando os abrigados estão amontoados para selecionar novas cepas virais (nesse caso, doenças respiratórias como resfriados, gripes e Covid-19 podem ocorrer com mais frequência). Serão vários casos de leptospirose e outras infecções, como a hepatite A e o tétano. O acúmulo de água também se tornará viveiro de mosquitos, podendo favorecer a proliferação do mosquito da dengue, embora estejamos em período de frio, mas que pode ser intercalado com veranicos. Além disso, uma série de fatores psicossomáticos vão contribuir significativamente para um boom de transtornos e intenso sofrimento psíquico.

O acúmulo de dejetos também poderá gerar vários casos de intoxicação por poluentes metálicos e químicos. Os riscos de acidentes com peçonhentos aumentará consideravelmente também.

Déficit público


A longo prazo, a dívida do Estado do Rio Grande do Sul chegará a níveis estratosféricos. As políticas de austeridade fiscal serão intensificadas, reduzindo ainda mais os já precarizados serviços públicos e impulsionando mais privatizações. Isso também é uma forma de aumentar o custo de vida descarregando a dívida no proletariado. As suspensões provisórias do pagamento da dívida pública pelo governo federal apenas estão postergando essa intensificação, visto que não anularam em nada o controle dos bancos e financistas sobre o Tesouro. Nem sequer se tocou no Arcabouço Fiscal, sinalizando que os próximos anos serão de um ajuste ainda mais forte.

Ensino e lutas na área da educação


Na conjuntura nacional, as lutas envolvendo o sistema de ensino público estavam se intensificando. No Ceará, as cadeiras voaram contra a burocracia sindical que estava tentando bloquear a greve dos professores. Iniciativas ocorriam na greve das Instituições de Ensino Federais (IFEs), com técnicos-administrativos, estudantes e mesmo docentes universitários se mobilizando. Em São Paulo, houveram várias críticas da base dos professores estaduais contra a sabotagem da direção da APOESP.

Assim que o RS sofreu o revés do impacto capitalista-climático, um movimento semelhante ao da pandemia ocorreu. Todas as categorias em processo de luta (nível municipal: municipários; nível estadual: professores e agentes educacionais; nível federal: TAEs, docentes e estudantes universitários) suspenderam a agenda de mobilização (desmarcando ou remarcando assembleias) e substituíram por uma integração em ações de solidariedade em unidade com o voluntariado do governo, sem organizarem um enfrentamento do mesmo (seja municipal, seja estadual, seja federal).

Em outras palavras: decretaram submissão total ao capital em prol de uma unidade fictícia do “povo gaúcho” em função da “emergência climática”. No entanto, a destruição capitalista não é um fato natural e os governos (municipal, estadual e federal) apenas aprovaram a política econômica de austeridade fiscal que melhor realizava os interesses daqueles mesmos que destruíram condições ambientais com seus investimentos.

Estamos diante de um novo “fica em casa” produtor de imobilismo político unido com a substituição da ação direta coletiva da classe pela unidade moral com o voluntariado do governo.

Esse golpe político da destruição climática capitalista se disfarça nas pseudo-críticas aos governos municipais e estadual (pois se reconhecem como inimigos Melo em Porto Alegre e Leite no Rio Grande do Sul), mas que buscam blindar a todo custo o governo federal (Lulalckimin), visto que não se discute que o bloqueio orçamentário municipal e estadual para “planos de emergência climática” provém da política econômica federal de manutenção do teto de gastos pelo Arcabouço Fiscal!

Por isso também as direções burocráticas dos sindicatos e entidades representativas dos estudantes preferem se unir ao voluntariado do que deixar respingar no governo Lulalckimin!

É necessário derrotar o bloqueio das direções sindicais para que os trabalhadores em educação do RS possam se reerguer em conjunto com uma articulação nacional de lutas. Somente assim será possível atacar em conjunto os capitalistas e seu governo em todas as instâncias. Senão o que está ocorrendo no Sul do país pode ser um balde de água fria para a efervescência de outros Estados que podem começar a usar a “crise do RS” contra as mobilizações e greves.

Vale acrescentar que a situação atual duplica o impacto da época da pandemia na formação da força de trabalho gaúcha. A formação da força de trabalho gaúcha está sendo afetada mais uma vez com uma situação generalizada de suspensão de aulas via canetaços do governo e reitorado que vão desorganizar as comunidades, preparando o terreno para a precarização via ensino remoto e outras tantas medidas que provavelmente vão gerar mais evasão massiva dos estudantes das instituições de ensino e, consequentemente, uma redução do nível de qualificação da força de trabalho nessa região que tem efeito no mercado de trabalho (ou seja: será um multiplicador na redução salarial imposta pelos patrões).

Repressão e enfrentamento exemplar


Além dos efetivos da Força Nacional e a ostensividade máxima da Brigada Militar, junto com policiais de outros Estados, o governo Leite anunciou a abertura de um edital para chamamento de policiais civis e bombeiros militares aposentados. O reforço no efetivo será em “caráter emergencial e temporário” e empregado nas “regiões mais conflagradas em função dos eventos climáticos recentes”.

O aumento significativo nas forças da repressão visam defender a todo o custo a propriedade privada, seja do capital imobiliário nos centros urbanos, seja do agronegócio no meio rural. As forças policiais estão impondo um estado de exceção extra-oficial que serve para aumentar a pressão sobre áreas que estão na mira das espoliações. Além disso, visam reforçar o monitoramento nos campos de concentração de refugiados climáticos.

Na esteira desse processo, as chacinas podem se intensificar, além de outras práticas de extermínio. Nesse caso, vale mencionar o ocorrido no condomínio Princesa Isabel (apelidado de Carandiru, devido ao estigma social), de moradia popular construída pelo governo em 2004 depois de um intenso processo de luta. Trata-se de local que sofre frequentemente com as abordagens da BM, onde se acumulam as denúncias de torturas e assassinatos, assim como rebeliões em protesto.

Na noite do dia 17/05/24, um morador foi abordado pela Brigada Militar e desapareceu. Dois dias depois seu corpo foi encontrado cheio de hematomas no bairro Ponta Grossa (margem do Guaíba) e os noticiários divulgaram a alegação da polícia de que era uma vítima da enchente. Os moradores da Princesa Isabel organizaram dois protestos que foram severamente reprimidos.

O primeiro protesto ocorreu no sábado (18/05/24), quando moradores fecharam a rua que dá acesso ao condomínio. Essa primeira manifestação foi pacífica e a resposta da BM foi enviar cerca de 6 viaturas para reprimir os manifestantes.

O segundo ocorreu na noite de domingo (19/05/24), um protesto com 50 pessoas onde dois ônibus foram incendiados em retaliação à repressão do dia anterior.

A fim de reprimir o protesto, pelo menos 15 viaturas da BM isolaram a região, contando com o significativo aumento de efetivo que estão recebendo para situações assim.

Como é de praxe, os comentários sobre o ocorrido responsabilizam os moradores em revolta pela situação, acusam de defenderem o “bandido” (servente de obras) que a polícia teria matado e ainda falam coisas cínicas como “mesmo numa tragédia dessas no RS estão fazendo vandalismo”. Na verdade, o que está ocorrendo é isso: mesmo numa tragédia dessas o Estado aumenta seu efetivo policial para impor terrorismo e mais mortes.

Certamente essa situação é emblemática, uma vez que é justamente um condomínio de moradia popular que sofreu uma intervenção severa das forças policiais, resultando em mais uma morte por abordagem policial, escancarando de vez a brutalidade do Estado e sua função de órgão de poder da classe dominante, visto que nenhuma moradia de construtoras como a Melnick foi invadida, empresa essa que está envolvida no lobby empresarial da prefeitura que visa espoliar territórios.

As iniciativas de enfrentamento dos moradores da Princesa Isabel demonstram abertamente que não existe alternativa para o proletariado a não ser lutar e enfrentar seus algozes, pois o contrário disso é a continuidade da carnificina capitalista.

Portanto, reiteramos mais uma vez nossos posicionamentos expostos no primeiro comunicado e enfatizamos ainda mais que somente existe alternativa revolucionária para o proletariado. Sem a revolução social só existe um caminho: todo o peso da crise capitalista socializando os prejuízos nos miseráveis e protegendo os lucros e juros. Nossa tarefa é revolver tudo isso: comunização dos meios de produção através da organização e ação direta dos explorados e justiçamento dos capitalistas que são responsáveis diretos pela situação atual (incluindo seus agentes repressores fardados).

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