segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Escrito publicado pelo GCI (Grupo de Comunistas Internacionalistas) em 2000

Observação: publicamos o texto do GCI, pois este não mais se encontrava online em seu site que, ao que tudo indica, ficou fora do ar.

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Dictatura do proletariado para a abolição do trabalho assalariado
Orgão central em português do Grupo Comunista Internacionalista (GCI)

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COMUNISMO No.3 - CONTRA O TRABALHO (Janeiro 2000):

  • Introdução
  • Actividade humana contra trabalho
  • Acerca da apologia do trabalho
  • Falam-nos de paz ... e fazem-nos a guerra!
  • Memória obreira:
    • O obreiro e a máquinas
    • Ah as maravilhosas máquinas
  • Da alienação do homem à Comunidade Humana
  • Sublinhamos:
    • Ontem, 25 campos de trabalho na Grã-Bretanha
  • Teses de orientação programática GCI Tese 40

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Introdução


Aqui está o terceiro número de Comunismo, órgão central em português do GCI, Grupo Comunista Internacionalista. Já tínhamos publicado dois números da nossa revista em português:

No.1 em janeiro de 1983: Contra a democracia
    • Apresentação: A propósito da situação em Portugal a partir do 25 de Abril
    • Contra o mito dos direitos e das liberdades democráticas

No.2 em abril 1985:

    • Introdução
    • Contra a guerra imperialista: a revolução comunista mundial
    • A guerra e a paz contra o Proletariado
    • A margem de um aniversário... Marx contra tudo e contra todos


Explicamos mais adiante porque existe uma interrupção de quatorze anos (!) desde a última publicação. O GCI existe desde 1979 e já dispõe de um órgão central em língua francesa (48 números), espanhola (43 números), inglesa (10 números), árabe (5 número), alemã (1 número), húngara (4 números) e curda (2 números).

Em 1989, tínhamos também publicado em espanhol, francês e árabe as nossas "Teses de orientação programática". Essas Teses, resultado de 10 anos de prática militante do GCI, fazem parte do trabalho internacional e permanente de discussão, de confrontação, de crítica e de elaboração programática realizado historicamente pelos militantes revolucionários. A nossa geração de militantes é herdeira de lutas passadas e do que nos foi legado pelos revolucionários que, dessas lutas, tiraram e puseram a claro a direcção comunista do movimento. retomando a essência dos momentos mais fortes de ruptura com a sociedade capitalista e fazendo a avaliação das sucessivas derrotas da luta, as teses dos comunistas assim foram se afirmando e desenvolvendo precisão, ao longo da história do movimento obreiro. As nossas "Teses de orientação programática" situam-se nessa acção colectiva, histórica e invariante que busca exprimir teoricamente a prática comunista de ruptura com a sociedade capitalista, e sintetizam hoje as principais aquisições programáticas tiradas de toda a história das lutas. Mas, como expressões teóricas do movimento real de abolição da ordem estabelecida, essas teses são evidentemente imperfeitas e inacabadas e assim será até a vitória total da revolução comunista que vai pôr a claro as últimas consequências das determinações fundamentais da luta. As posições dos comunistas, das quais as nossas teses são uma tentativa de sistematização, não são nem "mandamentos" nem um conglomerado de ideias que, submetidas ao livre arbítrio, mudariam do facto da vontade de um ou de outro... Não erigimos as nossa teses em texto sagrado, pois não são o fruto de lucubrações ideológicas. são um momento do trabalho de reapropriação programática indispensável e decisivo na prática do Proletariado lutando para dotar-se de uma direcção revolucionária e para constituir-se em força mundial.

Ao início da história do nosso grupo, há a centralização de um pequeno número de militantes proletários de diversos continentes, falando várias línguas e que, a partir de experiências de luta diferentes, de análises amargas sobre a derrota dessas lutas, de rupturas proletária nas rupturas com o exílio organizado, ruptura com a reabsorção democrático-pacifista e antiterrorista organizaram as suas convergências e foram levados a definir um conjunto de afirmações programáticas decisivas, entre as quais sobre a democracia. Da crítica das liberdades e direitos democráticos, passando pela crítica do legalismo, do eleitoralismo, do federalismo, da polarização fascismo-antifascismo,... fizemos da nossa crítica una crítica cada vez mais total para chegar à crítica da democracia como modo de vida da sociedade mercantil generalizada, como essência do capital reproduzindo a sua dominação de classe.

Nosso pequeno grupo nunca teve nenhuma realidade nacional, não surgiu ligado a nenhum pais, nem se refere à historia de nenhum pais. Não teve como preliminar uma acção num determinado pais, a centralização dessa acção e só a seguir a necessidade de ultrapassar o quadro dessa luta par atingir o grau internacional.

Quando a acção militante conserva, apesar das posições internacionalistas, como quadro de referencia principal, um só pais, a actividade internacional e então considerada como uma simples associação federativa de organizações nacionais, como uma coalizão de grupos nacionais. Isto conduz inevitavelmente à adopção dum corpo de posições sociais-democratas negando o caracter revolucionário da luta proletária, tornando-se o simples negociador do preço da força de trabalho, preservando necessariamente os interesses do capital e da classe que o personifica, a burguesia.

No nosso grupo, o fenómeno internacional e a afirmação do internacionalismo superaram fenómeno nacional. Isto traduziu-se particularmente no facto que nos organizamos directamente ao nível internacional; não nos constituímos primeiro em "partido nacional" para abrir-nos depois ao "internacional". Dotamo-nos directamente de órgãos centrais, traduzido em várias línguas, que sempre trata dos interesses do movimento no seu conjunto, ultrapassando as heterogeneidades próprias à luta nas diversas regiões do planeta.

Nesta perspectiva, o nosso grupo tenta assumir directamente ao nível internacional uma centralização de todas as expressões do movimento comunista e exortamos todos os militantes ou grupos comunistas a operar d e um ponto de vista mundial. A centralização das forças comunistas é uma necessidade de sempre, em tempos de paz social como em tempos de luta intensa. Preparemos o futuro, camaradas!

oOo


Esta publicação em língua portuguesa é um paço nesse sentido. O internacionalismo passa pela luta contra as fronteiras linguisticas que reforçam a atomisação dos proletários, cada um na sua prisão nacional.

Nosso esforço para recomeçar a publicaçã da nossa revista em língua portuguesa junta-se ao esforço de sempre dos comunistas para quem a prensa representa um indispensável instrumento de propaganda revolucionária, de organização colectiva, de aprofundamento programático e de agitação.

O relançamento da publicação de uma revista em língua portuguesa é o resultado de diferentes parâmetros, entre os quais um esforço militante do nosso grupo. O abandono dessa publicação em 1985, depois de dois exemplares, explica-se pela fraqueza das nossas forças determinadas pela persistência da contra-revolução. De facto, nunca na historia da nossa classe tanto se negou a organização do proletariado como classe e se dilui o proletário num cidadão respeitoso de sociedade existente. A negação permanente do proletariado como classe, que actualmente é poderosa, tem como consequência trágica a falta de associacionismo permanente da nossa luta. A pratica militante; a acção comunista e internacionalista é assumida por minorias extremamente reduzidas. Assim, o nosso grupo encontra-se sistematicamente enfrentado a enormes tarefas que hoje nosso movimento exige e à nossa realidade de pequeno grupo para assumi-las. Assim, somos evidentemente sempre obrigados a ultrapassar os nossos limites para continuar a desenvolver o esforço internacionalista de publicação do nosso órgão central em varias línguas, apesar da fraqueza das nossas forças.

A publicação dos primeiros exemplares de Comunismo em português significaram um grande esforço para o nosso grupo. Isto deveu-se principalmente à falta de militantes que possuíam a língua portuguesa como língua materna. Mas a luta de classes que por vezes esgota energias militantes, também faz surgir outros camaradas que buscam cristalizar, centralizar e reforçar a sua militança dentro do nosso grupo. Hoje, com a participação activa de diferentes contactos, podemos continuar a publicação da nossa revista central em português.

Nosso interesse em publicar a nossa prensa nesta língua são vários:

O português é falado por centenas de milhões de proletários através do mundo (Portugal, Brasil, Angola...). Alem disso, o português é uma língua veicular em certas regiões da África e da Ásia (Timor leste, Guiné Bissau, Cabo Verde, Mozambique...).

Enfim, uma forte imigração espalhou pela Europa quantidade de proletários que falam português. Isto tudo faz que esta língua abre perspectivas internacionais interessantes. Resíduo do antigo império colonial, esta mundialização da linguagem dos proletários afinal vira-se contra os exploradores e servira a propaganda revolucionaria.

As experiências das nossas lutas históricas nessas regiões (1974 em Portugal, por exemplo...) ainda esperam de ser descrevidas, analisadas, sintetizadas. Múltiplos documentos existentes só nessa língua esperam pela leitura dos nossos camaradas.

Enfim, o desenvolvimento das nossas relações militantes com camaradas falando português, a leitura de documentos de luta (panfletos, jornais,...) originários de regiões de língua portuguesa, incitaram-nos a fornecer o esforço necessário a essa publicação.

Apesar dos limites da luta actual da nossa classe, esperamos que esta revista contribuirá a quebrar o estado geral de isolamento e fraqueza das forças revolucionarias. Que a pratica comum da luta contra o capital faça cair as barreiras linguísticas, e as outras!

Chamamos os camaradas militantes a apropriar-se do conteúdo desta revista. Os nossos textos não são propriedade de ninguém em particular, são propriedade de uma classe que vive, que luta para a abolição da sua própria condição de explorada, e portanto para a abolição de todas as classes e formas de exploração. Chamamos portanto os leitores a fazer de esta revista uma leitura militante; o que significa participar à discussão, à critica, à confrontação das posições... para esclarecer cada vez mais a essência do movimento proletário, os seus objectivos de classe e os métodos de luta em acordo com eles. Isto passa pela difusão e a reprodução da revista, as criticas, propostas, informações sobre as lutas, analises, troca de documentos...

Este exemplar de Comunismo é dedicado à critica do trabalho:

Actividade humana contra trabalho: em que se expõe o antagonismo entre ambos e se indica que a direcção histórica do proletariado como classe, para libertar a humanidade do trabalho, se concretiza nas palavras: "Abaixo o trabalho!"

Acerca da apologia do trabalho: contra o elogio que se faz dos "trabalhadores" e do "trabalho", que responde à necessidade de manter os proletários na condição de produtores de mais-valía, surge a perspectiva proletária contra o trabalho. Neste quadro se situam os diferentes partidos do trabalho (fascistas, estalinistas, castristas...) e a luta contra eles.

Falam-nos de paz... e fazem-nos a guerra!: publica-se aqui uma posição do nosso grupo sobre a guerra capitalista nos Balcãs, denunciando-a como uma guerra contra o proletariado e contra a revolução.

Memória obreira: "O obreiro e a maquina" ("Regeneracion" 1916) e "Ah as maravilhosas maquinas!" (GCI 1983): contra a defesa das forças produtivas do capital, se ergue a perspectiva revolucionaria de nunca defender os instrumentos da exploração e de luta para destruí-los.

Nesta "memória obreira" trata-se de evidenciar uma vez mais os elementos invariantes da continuidade histórica do combate militante contra o trabalho a partir de textos que foram escritos em diferentes momentos mas que convergem em uma mesma critica.

Da alienação do homem à Comunidade Humana: partindo do comunismo primitivo até a sua descomposição, descreve-se o capitalismo como resultado de um processo de desapropriação do homem e de separação entre os homens, até a sua atomisação em cidadão livre, no qual a deshumanisação atinge o seu ponto culminante. Em contraposição se define o comunismo como o que o proletariado é historicamente forçado a realizar, é a comunidade humana mundial, resultado das destruições de todas as separações baseadas na propriedade privada, as classes sociais, o dinheiro, o trabalho, o Estado.

Sublinhamos: Ontem, 25 campos de trabalho na Grã-Bretanha.

Teses de orientação programática GCI Tese 40.

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Actividade humana contra trabalho


"Não se trata de libertar o trabalho, mas de suprimi-lo."
- Karl Marx -
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I. A palavra "trabalho" é a denominação burguesa para "actividade humana"

A linguagem, como qualquer esfera da sociedade burguesa, é determinada pelo capital. E, fundamentalmente, a linguagem da classe dominante, a linguagem burguesa. podemos defini-la como a supremacia da ideologia burguesa exercendo-se no acto mesmo da comunicação. A linguagem burguesa é a troca verbal que mais comodidade oferece à perpetuação da dominação de classe da burguesia. Assim, o modo de comunicação reinante consegue largamente impor-nos seus limites. Como não se trata agora de reinventar uma linguagem que só poderia basear-se numa nova compreensão das relações humanas, vemo-nos continuamente obrigados a desmascarar a perfídia das palavras e a redefini-las, da mesma maneira que se redefinissem os conceitos.

A palavra "trabalho" é o exemplo total, perfeito, da falsificação das consciências humanas. Então que o homem sempre se definiu, se exprimiu, e se realizou através a sua actividade vital (o que é a vida senão a actividade), então que a realização do homem não pode passar alem da materialização dessa actividade vital -criação de objectos, de ideias,...- o sistema mercantil vai encerrar essa actividade sob a forma "trabalho". O capital universalizará essa forma tornando-a sob o seu aspecto salariado, a relação dominante deste planeta. Assim, de hoje em dia, sendo esta a única possibilidade de sobrevivência da maioria das pessoas, a única maneira de existir do proletariado, a forma "trabalho" torna-se também a actividade central do homem, a actividade universal, em volta da qual tudo gira. O trabalho agora convertido na actividade essencial do homem, na sua mais importante actividade, a burguesia apresenta-nos a essência do homem como se consistisse no trabalho.

E assim que a palavra "trabalho" (1), que apenas designa uma forma muito particular de actividade humana, soa hoje aos ouvidos de qualquer um como um sinónimo completo de "actividade", visto que para a maioria dos homens, o trabalho chegou a ser na realidade, a totalidade das suas actividades. Logo, actuar significa "trabalhar" e ser activo entende-se como ser "trabalhador", quer dizer com bom rendimento. A hipocrisia e o cinismo da linguagem burguesa culminam em expressões tais como "fazer trabalhar o dinheiro", imagem de uma riqueza hermafrodita, reproduzindo-se por si-própria, como se por trás desse dinheiro não se encontravam os braços, o suor e o sangue de aqueles a quem se extorquiu a maís-valia, a única fonte de enriquecimento dos capitalistas.

E preciso, por consequente, quando se fala de "trabalho", perceber em quê a utilização desse termo determina uma categoria, uma forma bem específica de actividade humana intrinsecamente ligada ao sistema mercantil. E preciso entender o trabalho como sendo a produção da actividade humana na qualidade de actividade alheia ao homem, à manifestação da sua vida e à consciência que ele tem da sua vida; é a redução do homem ao estado de trabalhador.

II."O Trabalho é o acto de alienação da actividade humana prática" (Marx - Manuscritos de 1844)

O trabalho não é nada mais que a expressão da actividade humana dentro da alienação, a expressão da manifestação da vida como extraenisação (2) da vida. O carácter alienado do trabalho aparece de diferentes maneiras e em primeiro ponto através o objecto criado: este, de facto, não pertence ao obreiro. Enquanto o resultado da produção humana deveria definir-se como a mais alta manifestação do indivíduo, como a afirmação do homem, o meio de reconhecimento pelo outro da sua própria pessoa humana, o trabalho torna o homem alheio ao seu produto, este enfrenta-o e opõe-se a ele. O obreiro é despojado do objecto que cria, obrigado a vender a sua força de trabalho, ele transpõe a sua vida no objecto e essa vida já não lhe pertence mais. A extraenisação do trabalho é a real necessidade para o proletário de vender a sua força de trabalho para produzir uma mercadoria que lhe é totalmente alheia. O trabalhador não pode retirar qualquer verdadeira satisfação do resultado do seu trabalho. Supondo até que o objecto criado seja de um interesse imediato, não poderia tirar dele qualquer proveito; a sua realização é lhe arrancada, é submetida às leis da economia mercantil. A absurdidade de uma tal situação aparece em toda a sua cruel dimensão, no caso, por exemplo, de obreiros trabalhando em oficina com temperaturas de 35 graus, sem ar condicionado ou ventilação, que descobrem que a firma para quem trabalham também produz aparelhos de climatização.

Mas o proletário não só chegou a tornar-se alheio ao objecto da sua actividade, mas também à sua própria actividade. A actividade produtiva não lhe pertence mais; de facto, o trabalho é exterior ao obreiro, mas sendo esta a única actividade que lhe permite obter os seus meios de sobrevivência no sistema capitalista, é obrigado, para subsistir, a submeter-se a ela. O trabalho é portanto actividade não-livre ao mais alto grau, só pode ser constrangido e forçado "O carácter alheio do trabalho aparece claramente no que, desde que não exista um constrangimento físico ou outro, é este fugido como se fosse peste".(Marx - Manuscritos de 1844)

Ao trabalhar o obreiro não se afirma, ele nega-se. Da mesma maneira que ele investe a sua vida no objecto de que é despojado, ele abandona a sua existência à actividade de produção de esse objecto.
"Se portanto o produto do trabalho é a alienação, a própria produção deve ser alienação em acto, esbulho da actividade, actividade do esbulho. A alienação do objecto do trabalho não é mais que o resumo da alienação, da extraenisação, dentro da própria actividade do trabalho." (Marx - Manuscritos de 1844)
O trabalho, acto de produção em sistema capitalista, torna-se portanto para o obreiro, actividade feita passividade, força feita impotência; cada dia, oito horas de actividade absurda, contrária à essência e à razão humana; a alienação de si próprio como a alienação da coisa.

Perca de si, perca do objecto, ainda resta a perca do outro. O trabalho alienado torna o género humano alheio ao próprio homem (3). Separa a vida individual da vida genérica. O que distingue o homem do animal é que o animal identifica-se totalmente com a sua actividade vital. Ele "é essa actividade. O homem faz da sua actividade o objecto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem uma actividade vital consciente" (Marx - Manuscritos de 1844).

A actividade vital do homem tornando-se trabalho alienado no sistema mercantil, a relação inverte-se na medida em que o obreiro é obrigado a fazer da sua actividade consciente um simples meio de subsistência, um meio de existir. Enquanto essa actividade vital deveria ser a expressão do homem como elaboração pelo homem de um mundo objectivo no qual ele pode contemplar-se e reconhecer-se, essa produção sendo a sua vida genérica activa, como reconhecimento dos homens entre eles, o trabalho alienado reduz a actividade vital do homem à simples produção de riquezas. Ele faz da actividade vital do homem um simples meio de sobreviver.
"A consciência que o homem tem do seu género transforma-se portanto pelo facto da sua extraenisação, de forma que a vida genérica converte-se para ele em um meio." (Marx - Manuscritos de 1844)
O trabalho torna o homem alheio a si próprio, ao seu ser genérico e portanto ao outro, ao homem à sua frente.
"O que é verdade a respeito da relação do homem ao seu trabalho, ao produto do seu trabalho e a si próprio, é verdade a respeito da relação do homem ao outro, assim que ao trabalho e ao objecto do trabalho do outro. De uma maneira geral, a proposta de que o seu ser genérico chega a ser alheio ao homem significa que um homem torna-se alheio ao outro como cada um deles torna-se alheio à essência humana." (Marx - Manuscritos de 1844).
De essa consciência do género humano, consciência da espécie, do outro, sob o capital não resta nada. As manifestações de solidariedade proletárias são o sinal e o esboço do que é essa consciência genérica do homem, de homem que compreende que os seus interesses próprios passam pelos da comunidade, de ser humano que entende a satisfação das suas necessidades e desejos através o desfruto colectivo.

III. A abolição do trabalho exprime-se sob a forma política da emancipação do proletariado

Acabamos de ver em quê o ser humano, alienado pelo trabalho, não se pertence mais. Mas se não se pertence mais, deve pertencer a outro. Se a actividade humana tornou-se um tormento para o obreiro, é necessariamente um proveito para outro. Através o trabalho alienado o homem não só cria uma relação estrangeira ao seu produto, também cria a dominação dos que não produzem, dominação que se exerce sobre o seu produto, sobre a sua actividade produtiva e sobre ele mesmo. Nada justifica que a actividade humana seja encerrada, alienada, extraenisada, sob a sua forma "trabalho", a não ser o interesse da classe dominante; o proveito que tira a burguesia da sua dominação de classe impede-lhe de ver mais além dos seus próprios interesses egoístas. A classe social que libertará a humanidade do trabalho extraenisado, só pode ser aquela que mais sofre dos seus nefastos efeitos. A emancipação universal do homem depende da emancipação do proletariado porque esta classe concentra, na sua relação à produção, TODA a escravatura do homem.
"de uma classe com cadeias radicais, de uma classe da sociedade civil que não é uma classe da sociedade civil, de uma ordem que é a dissolução de todas as ordens, uma esfera que possuí, pelos seus sofrimentos universais, um carácter universal, que não reivindica nenhum direito em particular, pois não se cometeu contra ela qualquer injustiça particular, mas a injustiça pura e simples. Uma classe que não pode pretender a um título histórico, mas só a um título humano. Que não se encontra em oposição unilateral com as consequências, mas em oposição global com as pressuposições da forma do Estado, uma esfera, enfim, que não se pode emancipar sem emancipar-se de todas as outras esferas e assim emancipá-las todas, que, resumindo, é a perca total do homem e só se pode reconquistar-se através a reaquisição completa do homem. A dissolução da sociedade como estado particular, eis o proletariado." (Marx - Crítica da filosofia do direito de Hegel)
E então ao proletariado organizado em classe e portanto em partido, que incumbe a tarefa histórica de libertar a humanidade do trabalho e de resolver uma vez por todas os antagonismos entre o homem e a natureza, entre a sua actividade e o seu desfrute, entre o indivíduo e a espécie.

IV. Abaixo o trabalho!

A seguir a este desenvolvimento, talvez se possa ver mais claramente em quê as exigências sindicalistas e esquerdistas de "direito ao trabalho" e "garantia de emprego" são eminentemente reaccionárias e utópicas. Os proletários bem sabem que o trabalho no sistema capitalista é a única maneira de subsistir e que, nesse sentido, não ter trabalho significa estar muito claramente tramado. Por prova, mencionemos os milhares de seres humanos assassinados à fome cada dia. E, portanto, preciso entender a exigência de emprego de um obreiro como uma exigência de se poder alimentar, vestir e reproduzir, ele e a sua família. Mas reivindicar trabalho para todos dentro do sistema burguês, é fazer crer que isso é possível, é negar o carácter catastrófico do capitalismo, sua incapacidade a controlar o movimento que ele próprio cria. Os comunistas sabem que a reivindicação de trabalho para todos é utópica e tomam como prova o facto que, se o capital não conseguiu realizar o pleno emprego a nível mundial em tempos de prosperidade, mal se imagina que possa satisfazer esse pedido em período de crise. A exigência é reaccionária, porque corresponde a uma visão idealizada do sistema ao poder; é a negação da natureza contraditória do capital, que, se desenvolve o emprego, só pode também desenvolver desemprego, quer dizer o trabalho ao grau zero; a natureza da ditadura do capital é riqueza que cria miséria. Todos os "economistas" e outros ideólogos do trabalho tentaram explicar que o trabalho é necessário porque confundem produção de mercadorias e riquezas sociais. E das mais altas hipocrisias que de tentar apresentar-nos o trabalho como sendo a única fonte de riqueza. Definimos o trabalho, no sentido de actividade alienada, extraenisada, como a perca do homem.
"O próprio trabalho, não só nas condições presentes mas em geral, na medida em que o seu objectivo é o simples incremento da riqueza, eu digo que o próprio trabalho é prejudicial e funesto." (Marx - Manuscritos de 1844)
Em vez da exigência reaccionária, "um salário justo para um dia de trabalho justo", já Marx nos dizia de inscrever a exigência revolucionária: "abolição do sistema salarial". Da mesma maneira, em vez das reivindicações de "trabalho para todos", oporemos a invariável exigência do programa comunista: "abaixo o trabalho!"

V. Trabalho, lazeres e comunismo

"Em todas as revoluções anteriores, o modo de produção permanecia invariável e apenas se tratava de uma outra distribuição dessa actividade, de uma nova repartição do trabalho entre outras pessoas, a revolução comunista, pelo contrário, é dirigida contra o modo de produção anterior, ela suprime o trabalho e a dominação de todas as classes suprimindo as próprias classes" (Marx - A ideologia alemã ).
O comunismo destrói o modo de actividade específico ao sistema capitalista: o trabalho, essência da propriedade privada. Ao mesmo tempo que suprime o trabalho, suprime a organização dos lazeres como complemento indispensável ao trabalho alienado. E preciso entender lazeres no sentido de tempo concedido ao proletário para reconstituir a sua força de trabalho. Do mesmo modo que o salário representa a manutenção do obreiro e que só pode ser considerado como a "lubrificação" necessária à continuidade de um bom funcionamento dos êmbolos, os lazeres só tem uma utilidade, uma função de exultório às tensões ocasionadas durante a actividade-trabalho. Lazer não corresponde de nenhuma maneira a tempo livre desde que só se trata para o obreiro de preparar as suas forças, as suas energias, para um rendimento cada vez mais eficaz, para uma exploração ainda mais intensa das suas capacidades. Os lazeres são ditados pela necessidade para o obreiro, de estar ao posto de trabalho e em boa condição segunda-feira de manhã. Como resultado do trabalho o homem não conhece mais o sentido verdadeiro da sua actividade vital e só reproduzirá durante as suas horas "livres" uma actividade "espelho" do trabalho alienado, de forma que essa actividade dita "livre" não entra em contradição com, o período "trabalho". A actividade extraenisada tem necessariamente de corresponder com a inactividade extraenisada; o trabalho extraenisado, os lazeres extraenisados. O capital opõe tempo de trabalho e tempo de lazeres; separa as duas actividades e no entanto torna-as complementares. O processo escolar já prepara essa separação: "estão aqui para trabalhar; estão aqui para brincar; mas nunca façam os dois ao mesmo tempo!". Mas a actividade humana é uma totalidade. Nesse sentido, a sociedade comunista não tem nada a ver com uma qualquer sociedade de lazeres, idealização do pólo "positivo" do sistema burguês. A separação trabalho/lazeres, o comunismo opõe a actividade vital que é desfrute, o desfrute que é actividade vital.
"A actividade e o desfrute, tanto pelo seu conteúdo que pelo seu género de origem são sociais: são actividade social e desfrute social." (Marx - Manuscritos de 1844)
Durante o comunismo primitivo, a mesma palavra designava trabalho e jogo (4). Da mesma maneira, o comunismo suprime as oposições entre tempo de trabalho e tempo de lazeres, entre produção e aprendizagem, entre o que é vivido e experimentado. Esta descrição não resulta de modo nenhum de uma antecipação idílica, de uma visão idealizada do futuro, mas do próprio movimento da história e do mundo. Este movimento não é de nenhum modo o fruto da contingência, é o desenvolvimento fantástico das forças produtivas que torna mais actual que nunca a possibilidade, a necessidade do comunismo.

A abolição do trabalho como actividade humana extraenisada é um ponto essencial do programa comunista e o proletariado cumprirá essa obra humana afirmando-se como classe dominante para negar todas as outras classes. As quarenta horas por semana, às torturas do levantar ao amanhecer, às angustiantes buscas de emprego, aos cuspos bem educados dos capitalistas que despedem, aos fins de dia de pé e comprimido no metro, ao embrutecimento das horas "livres", às cadências infernais, aos assassinatos de trabalho, à propriedade privada, à exploração do homem pelo homem, ao capital, oporemos a nossa força, o nosso saber e a nossa determinação para a edificação de uma sociedade sem trabalho, uma sociedade comunista que garante para a comunidade a livre disposição do tempo como espaço de desenvolvimento da actividade humana.
"Outra fonte de imoralidade dos trabalhadores, é o facto de serem condenados ao trabalho. Se a actividade produtiva livre é o maior prazer que conhecemos, o trabalho forçado é a mais cruel, a mais degradante tortura. Nada é mais terrível que ter de fazer da manhã à noite algo que nos repugna. E quanto mais sentimentos humanos tem o obreiro, mais deve detestar o seu trabalho, porque nota a repressão que implica e a inutilidade que esse trabalho representa para ele mesmo" (Engels - A situação da classe obreira em Inglaterra, 1845).
Notas

1. A origem etimológica da palavra "trabalho" nos vem do latim "trepalium" que significa "instrumento de tortura". De mesmo modo, "labor" significa "sofrimento".

2. No que diz respeito à definição da extraenização, ver o artigo: "Da alíenação do homem à Comunidade Humana".

3. Aqui é preciso entender "género" no sentido do homem assumindo-se como homem, da consciência que o indivíduo tem da sua espécie humana.

4. Até que ponto a linguagem burguesa é totalitária! Aqui para explicar a não-separação/oposição temos necessariamente de usar essa linguagem. Se dizíamos que a mesma palavra designava "actividade humana" e "actividade humana", o que no fundo é correcto, não seriamos compreendidos!

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Acerca da apologia do Trabalho


Mensagem escrita na entrada do maior campo de concentração nazista (Auschwitz). Tradução: “o trabalho liberta”.

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Discurso burguês

Quanto mais se descompõe a sociedade, mais se torna quotidiano ouvir elogios aos "trabalhadores", aos "obreiros", aos "produtores de toda a riqueza". E usual nos meios de difusão, nos discursos dos chefes de Estado ou dos sindicalistas, dedicar uma parte das arengas a explicar que o trabalho é saudável e necessário, que trabalhando se constrói a pátria, que sem trabalho não se pode viver, que se tem de reconstituir o país, de aumentar a produtividade, de fornecer mais esforços, etc...

Em geral este tipo de discurso, de outra forma não podia ser, fazem-no os que não trabalham, não só porque as normas sociais proíbem louvar-se a si próprio, ou porque este tipo de discurso da parte dos que trabalham seria algo como criar, confeccionar, idealizar, aperfeiçoar o instrumento de tortura do seu próprio carrasco (o trabalho é uma tortura!), mas também porque os ditos discursos correspondem à necessidade geral do capital de manter os proletários como simples trabalhadores (1), trabalhando, subsistindo para trabalhar, cuspindo mais-valía, e dedicando o resto da vida deles reconstituindo a força de trabalho... para seguir trabalhando.

Além disso, diga-o quem o diga, o discurso de "viva o trabalho" é feito pelo capital, esse monstro social que é o verdadeiro e único sujeito desta sociedade. De facto, o capital não é só valor que se valoriza, relação social de exploração do trabalho assalariado, mas também como valor em processo de transformação submeteu o homem e o fez executante dos seus interesses. O capital se transforma em sujeito supremo da sociedade transformando ao mesmo tempo os seus executantes em simples marionetas (2).

Quando o discurso é feito por um patrão, um Castro, um Clinton, um presidente de directório ou um dirigente sindical, corresponde inteiramente aos seus interesses e o capital fala - para dizê-lo de algum modo - por boca própria. "Trabalhai", "aumentai o vosso ritmo de trabalho", "o trabalho libera" (3), "vivam os heróis do trabalho" não é nem mais nem menos que o interesse real integral da classe social que vive da extorsão da mais-valía e que se encontra organizada em Estado "nacional", "socialista", "popular"... A participação dela na mais-valía está em relação directa com a sua habilidade na gestão do capital, ou, e trata-se da mesma coisa, com a sua capacidade de controle da classe obreira, pois em última instância, os melhores capitalistas são os que melhor asseguram a reprodução do trabalho assalariado, isto querendo dizer os proprietários reais das forças produtivas (burguesia) são os que decidem economicamente da sua utilização, os mais capazes de fazer com que o escravo assalariado se sinta satisfeito da sua escravidão.

O idiota util

Quando o discurso é feito por um de esses escravos assalariados, um trabalhador, se pretenderá que as coisas tem mudado, que a realidade é diferente. Não há nada mais falso que isso. Quando a homenagem ao trabalho é feita por um pobre e miserável trabalhador, este não é nada mais que um pobre e miserável trabalhador que atraiçoa a sua classe, que renuncia aos seus interesses de classe imediatos e históricos e que portanto é incapaz de constituir-se em classe proletária contra o capital. Em, no sentido próprio, um idiota (4) útil que contribui a manter e desenvolver o trabalho, e quaisquer que sejam as suas intenções, contribui objectivamente a desenvolver e intensificar a exploração de todo o proletariado.

O facto de ser um trabalhador a louvar o trabalho é, para o capital, importante, porque esse será mais útil ainda para convencer os outros trabalhadores a resignarem-se ao trabalho e à exploração, mas deste ponto de vista da luta de classes a sua posição está de maneira inequívoca do lado do capital, pois atua objectivamente para aumentar a relação da mais-valía com o capital variável, isto é o nível de mais-valía (e portanto encontra-se contra os interesses imediatos da classe obreira em luta contra o nível de exploração), e simultaneamente (5) atua defendendo globalmente o trabalho alienado, verdadeiro fundamento de esta sociedade de exploração do homem pelo homem (colocando-se contra os interesses históricos do proletariado).

No fundo, o discurso continua a ser um discurso essencialmente burguês, mas não só porque serve o capital, mas além do mais porque é feito pelo próprio capital, mesmo se passa por outra boca. De facto, é o capital que no seu próprio processo de acumulação mundial, de procriação de riqueza e da miséria que o caracterizam, foi desenvolvendo cada vez mais a técnicas para fazer trabalhar os seus escravos, para aumentar o rendimento deles, para que abandonem a vida deles em coisas que em última instância não lhes pertencem, um mundo alheio de coisas que se opõem a eles, os explora e oprime. Novos métodos, novas máquinas, música funcional, ascensão dentro do partido, discursos sindicalistas e políticos, controle do tempo e dos movimentos (taylorismo), promoção dentro do sindicato, "viva o trabalho" clamado inclusive pelos próprios trabalhadores, tudo para explorar mais e melhor.

E o próprio capital que se foi aperfeiçoando, aperfeiçoando também os seus métodos de intensificação da exploração. Para ele não há nada mais útil que a voz do "Trabalhai!" venha do trabalhador mesmo, que não passa de um cavalo, uma besta de carga que só gasta energia bruta, geral, indiferente, abstracta, que se transforma em força opressora, quer dizer em capital, que volta então a requerer o sangue dessa besta de carga para tornar-se mais capital que necessita ainda mais trabalho, mais liquidação de músculo, de braço, de corpo, para tornar-se mais capital, que precisa seguir chupando vida para tornar-se mais capital, que segue intensificando o esforço das suas marionetas para tornar-se mais capital que está impossibilitado de actuar de outra maneira senão seguir matando trabalho para regenerar-se e tornar-se sempre mais capital, que só pode existir transformando-se em mais capital como reprodução ampliada da exploração do trabalho, para a qual é imperioso à sua essência de trabalho morto de destruir trabalho vivo, que par tornar-se mais capital, que é o que o mantém movendo, necessita seguir amontoando cadáveres, montanhas de objectos que não têm outra utilidade que a destruição, o que vem a ser uma dupla forma de amontoar trabalho morto, que não pode fazer outra coisa senão tornar-se mais capital servindo-se do trabalho, acumulando-o como trabalho morto e servindo-se dos idiotas úteis que o adulam gritando "viva o trabalho",... Esse ciclo infernal só pode ter como fim a ditadura contra o capital e a sociedade de escravatura assalariada.

Luta contra o trabalho

Desde tempos imemoriais os explorados, os que foram submetidos pela violência ao trabalho sublevaram-se contra ele e contra todas as condições da sua realização. Ninguém na História trabalhou porque quiz, mas porque foi obrigado, à bruta, com religião, com sangue e com fogo, e/ou foi violentamente separado da propriedade dos meios de subsistência, e dos meios de produção de esses meios de subsistência (o que no fundo vem a ser a mesma coisa). Os escravos, os servos, os indígenas submetidos ou os proletários modernos tem lutado infatigavelmente contra o trabalho. Rebeliões, escapadas, insurreições parciais ou gerais tiveram como causas fundamentais estreitamente ligadas:

  • luta para melhorar a qualidade dos meios de vida, para uma apropriação menos miserável de uma parte do produto social;
  • luta contra a extensão do horário de trabalho, e a favor da sua redução;
  • luta contra a exploração para constituir outro tipo de sociedade. Tudo isto resume-se a uma luta para viver melhor, ou simplesmente a uma luta pela vida humana, luta contra essas sociedades que nos têm imposto a tortura, o trabalho, luta para trabalhar o menos possível (tanto em extensão que em intensidade), luta para apropriar-se a maior quantidade possível do produto social.
Com a formação e o desenvolvimento do proletariado e do seu partido histórico, todas essas reivindicações não só mantêm-se, mas desenvolvem-se e afinam-se. O comunismo como movimento do proletariado organizado luta para a redução geral do trabalho à sua expressão mínima tanto em intensidade como em extensão e para a apropriação de todo o produto social por parte do proletariado, mas declara abertamente que essas reivindicações só se podem verdadeiramente e integralmente realizar com a ditadura revolucionária do proletariado, que dirigirá o mundo contra os atuais critérios (ditadura contra o valor de câmbio) e em função das necessidades da humanidade em formação. Contra todos os socialismos burgueses, que pretendem que o trabalho é inerente ao ser humano, e que concebem o socialismo como um simples processo de redistribuição dos bens, tomando-os aos "ricos" para reparti-los entre os "pobres", o comunismo levanta a necessidade de revolucionar não só a distribuição (que em última instancia é uma consequência indissociavelmente ligada à produção), mas também de destruir os próprios fundamentos do modo de produção, revolucionando fundamentalmente o próprio objectivo da produção, para que esta não se decida em função do nível de lucro, mas para tornar melhor a vida, para aliviar o trabalho e para trabalhar menos, o que significa liquidar ao mesmo tempo o dinheiro, o mercantilismo, o trabalho assalariado, criando assim as bases, para que o trabalho deixe de sê-lo, ao reintegrar a actividade produtiva em geral à própria vida do homem.

O desenvolvimento do capitalismo é o desenvolvimento simultâneo e contraditório da burguesia e da contra-revolução por um lado, e do proletariado e do seu programa do outro. A luta contra o trabalho, par a reapropriação do produto social, para a revolução é generada pelo capital e genera ao mesmo tempo o desenvolvimento e a fortificação da reacção.

Qualquer redução do tempo de trabalho é compensada por aumentos na produtividade do trabalho e sua maior intensidade: da manufactura à fábrica e à adaptação de esta à produção em cadeia... até aos "novos métodos de administração do trabalho". Paralelamente e em perfeita correspondência com este processo se vão desenvolvendo os partidos sociais-democratas, os partidos do trabalho, do sindicalismo burguês, do laborismo e mais recentemente o taylorismo, o estalinismo, o nacional-socialismo, o populismo em todas as suas formas e variantes (incluindo claro o peronismo, o castrismo...), quer dizer o conjunto de forças e partidos burgueses que para enquadrar os trabalhadores e pô-los ao seu serviço, tomam como centro ideológico das suas campanhas: a apologia do trabalho.

O desenvolvimento dos partidos do trabalho

Já na metade do século passado a apologia burguesa do trabalho se constituiu em partido. Até essa data os partidos burgueses para os trabalhadores só se chamavam populares, mas a partir de então os partidos burgueses especialmente aptos ao enquadramento dos trabalhadores passaram a chamar-se partidos socialistas, partidos de trabalhadores, partidos sociais-democrátas, partidos obreiros, partidos do trabalho. O partido de Lasalle, a social-democracia alemã e logo a social-democracia internacional, serão o exemplo mais importante de partidos burgueses (pelo programa, pela acção...) com uma composição maioritariamente obreira que têm a apologia do trabalho como ponto fundamental do programa. Pôs-se no centro da teoria a ideologia burguesa do trabalho como fonte de toda a riqueza (6) e reivindicou-se como objectivo do partido e do socialismo a "emancipação do trabalho", instrução sempre acompanhada de outras como a constituição de um Estado popular e livre (7). E de a mesma maneira que o Estado, quando mais se libera, mais oprime a sociedade civil, a emancipação do trabalho não pode ser outra coisa que a fortificação do capital (8).

Logo depois da morte de Marx, a social-democracia sem variar fundamentalmente o seu programa lassaliano de apologia do trabalho, procurará fazer-se marxista. Falsificará, suprimirá na obra de Marx tudo o que há de revolucionário e subversivo e criará o que foi chamado (e continua ser chamado hoje) "marxismo": a mais repugnante apologia do trabalho e do trabalhador.

Pouco a pouco, o que na obra de Marx era considerado como um infortúnio, o ser trabalhador, o que era denunciado como o apogeu da bestialização, da inumanidade, da baixeza, o trabalho, passa a ser para os marxistas do mundo inteiro um mérito, uma honra,... e em nome dos trabalhadores os partidos do trabalho propagaram o trabalho como sinónimo da realização do homem: "o trabalho liberta" o homem. De aqui aos campos de trabalho de Estaline e Hitler só mais faltava um passo.

E esse passo foi realizado com a derrota da revolução internacional de 1917-23. Na própria Rússia a contra-revolução se impôs com o mesmo ritmo que se liquidou o proletariado revolucionário e se consolidou um verdadeiro exército do trabalho. Baseado na teoria social-democrata, defendida por Lenine, segundo a qual o desenvolvimento do capitalismo era um avanço real para a revolução, tudo se foi submetendo à produção capitalista, ao trabalho assalariado, com os ritmos que lhes são próprios. Mas como Estado Nacional Capitalista requeria ser competitivo e para isso era necessário aplicar os métodos mais modernos de exploração. O taylorismo (9) que o Lenine de antes da insurreição denunciava como "a escravidão do homem pela máquina" passa a ser considerado pelo Lenine administrador do capital e do Estado como uma panaceia, pois prisioneiro da ideologia social-democrata considera a aumentarão da intensidade do trabalho, não como o ato mais anticomunista que se possa conceber como é na realidade, senão como um terreno neutro que segundo ele serviria tanto ao socialismo como ao capitalismo (10)!

Essa obra de submissão ao trabalho a um ritmo forçado que na Rússia chegou a uns níveis paranóicos, foi dirigida pelos grandes chefes do bolchevismo, que se mostraram sanguinários na aplicação desses novos ritmos e métodos que o capitalismo necessitava para sua reorganização na Rússia: -Zinoviev se converteu no cão sanguinário de Petrograd organizando a repressão aberta de toda luta contra o trabalho e o Estado- Trotsky foi o encarregado da militarização do trabalho, da criação dos campos de trabalho forçado e foi o chefe dos corpos repressivos em todos os momentos decisivos... enfim, Estaline (que logo se tentará culpar de tudo!) levará esta obra ao seu ponto culminante com os campos de trabalho pelos quais passaram mais de 15.000.000 de trabalhadores, e representando a direcção duma sociedade na qual o capital liquidou até tal extremo toda forma de luta contra a exploração, "trabalhador" e sobretudo "trabalhador a um ritmo exemplar" se transformou, pela primeira vez (e simultaneamente na Alemanha, na Itália, etc), junto à própria figura do Estaline, em ídolo, em deus, na besta sagrada e intocável: foi o funesto reinado dos Stakhanov (11).

Stalinismo, nazismo, castrismo

O capitalismo e a sua opinião pública escondem as contradições decisivas (comunismo-capitalismo) e em lugar delas nos apresentam um conjunto de falsas contradições (fascismo-antifascismo). Temo-lo repetidamente denunciado, embora na guerra capitalista-imperialista, as distintas burguesias assumam diferentes bandeiras e realizam efectivamente a guerra (pois esta não é mais do que a prolongação da competência), o seu programa é essencialmente o mesmo. O fascismo e o antifascismo são o mesmo tipo de sociedade: o capitalismo e mais precisamente o capitalismo recompondo-se da vaga revolucionária mais importante da história do proletariado e impondo a mais larga e impressionante contra-revolução. Da realização da qual ainda hoje sofremos.

Como socialismo nacional, o regime de Estaline, ao contrário do que nos querem fazer crer, tem exactamente o mesmo programa e basicamente efectuou as mesmas realizações que o nacional-socialismo do seu antigo aliado Hitler. E não só porque ambos coincidiram ou não segundo as épocas no plano da política nacional e internacional, mas fundamentalmente porque basearam a gestão da sociedade num projecto nacional de socialismo, porque a ideologia central se encontra no trabalho, num partido do trabalho. Claro que nos discursos há matizes, e se Hitler baseia a sua ascensão na defesa de um socialismo que luta "contra o capital financeiro e usurário internacional (12)", contra o governo do dinheiro, contra a plutocracia e para um verdadeiro socialismo da nação alemã; Estaline preferia dizer que o socialismo dele (num só país) lutava contra os "países capitalistas" e a favor das "democracias populares"; mas nos dois casos concentram o programa económico num gigantesco esforço laboral, na grande indústria, especialmente na infra-estrutura energética e de comunicações e nas construções para o "povo trabalhador". No centro de ambos regimes estão os Serviços do Trabalho e a obrigatoriedade do trabalho apresentado como uma honra: "o serviço obrigatório do trabalho tem de ser uma honra para a juventude e um serviço prestado ao povo. Não deve fornecer mão-de-obra económica à indústria privada nem converter-se numa empresa competidora do Estado. Deve proporcionar um exército de trabalhadores para levar ao cabo obras públicas com fins económicos, culturais e outros da política nacional." (13) Hoje frente a uma situação onde todos os regimes do mundo chamam em nome dos trabalhadores a trabalhar mais, comendo menos, sobretudo naquelas partes do mundo onde na direcção do Estado se encontra um partido de socialismo nacional, um partido do trabalho (14), como por exemplo em Cuba, é muito importante pôr em evidência que no fundo não tem grande coisa de original comparado aos seus precedentes: o estalinismo e o nazismo. Por isso tem de se insistir sobretudo neste último, sem dúvidas muito menos conhecido que os outros. O nazismo não é, no que diz respeito aos partidos do trabalho, um exemplo entre muitos, senão o mais aperfeiçoada extremo, que os sucessores envergonhados dele (pois não podem reconhecer tal facto) não fazem mais que imitar (consciêntemente ou não).

Em realidade, não há nenhuma originalidade nos discursos e nas realizações dum Fidel Castro. Nem sequer quando este pretende que o seu partido representa uma luta dos produtores manuais e intelectuais contra a burguesia, e que com a ascensão dele ao poder os trabalhadores, representados, claro, por esse partido socialista, conquistam a possibilidade de administrar os assuntos do Estado. "A burguesia política está sendo expulsa da cena e em lugar dela vemos avançar os produtores manuais e intelectuais, as forças de trabalho que empreendem a missão histórica delas. Não se trata simplesmente de uma questão de horas de trabalho e de salários - embora essas reivindicaçõees sejam especiais e representem talvez a mais importante das manifestações da vontade socialista - mas o que mais importa é a integração de um corpo social potente e responsável na administração dos assuntos do Estado e talvez mesmo assumirá o papel principal no futuro política da nossa pátria." Este não é um discurso de Fidel Castro senão directamente do célebre nazi Goebbels, que com tanto cinismo como o outro, não tinha medo de afirmar: "Não somos uma instituição de caridade, somos um partido socialista de revolucionários." (15)

No que segue nos referiremos quase exclusivamente aos nazis. Fazer para cada caso o paralelismo explícito com citações e referências a "realizações" de socialistas atuais não é necessário, cada leitor encontrará pelo meio do que segue esse socialistas e castristas cuja inspiração foi já utilizada pelo nazis há cinco décadas.

Toda a propaganda do regime nazi baseava-se sobre os benefícios que segundo este os trabalhadores tinham obtido do dito regime. Antes de tudo se insistia na eliminação completa da desocupação, que se contrapunha à "decadência do capitalismo corrupto". Quando se ocupou a França tinha-se passado da desocupação de mais de seis milhões de pessoas ao recrutamento sistemático de trabalhadores "voluntários" fora da Alemanha para paliar à escassez da força da trabalho. Na realidade essa pretendida "eliminação da desocupação" não foi nem mais nem menos que a obrigação de trabalhar para todos os desocupados, situação geral no mundo que com distinto êxito foi aplicada por todo o capital, desde Estaline a Roosevelt. Foi o reconhecimento generalizado da necessidade de recorrer à política do gasto público (logo teorizada por Keynes), de grandes obras, de militarização exacerbada da economia, até a guerra imperialista. Para o trabalhador alemão, como para qualquer outro a quem se impôs o trabalho capitalista, foi trabalho mal pago, regimentado, militarizado e que o foi levando à guerra e à morte. Mas nessa época as coisas eram apresentadas de outro modo, entrevistavam-se os pobres tipos que iam para o campos de trabalho (16) e esses iam"contentes" escapando à desocupação e decadência para ir "trabalhar"! Os nazis baseavam as campanhas deles nas realizações "concretas", nas "construções para obreiros", na casas e lugares de turismo para trabalhadores, na liquidação do analfabetismo e nas campanhas de educação popular, etc, e que muitos socialistas latino-americanos tenham isto mesmo como programa de socialismo, não faz mais que mostrar as coisas tal como são! Assim o programa do Partido Nacional Socialista estabelecia: "queremos dar uma pátria ao trabalhador alemão. Queremos construir vivendas saudáveis, com luz, ar e sol para a juventude vigorosa" (17) e o Gramma ou Barricada (18) da época que se chamava Volkishe Beobachter produzia elementos "concretos" (19) de realizações de casas, construções de "bairros obreiros modernos", "novas instalações nos bairros de trabalhadores", etc...

Na sua rubrica permanente intitulada "O socialismo pelos actos", esse periódico apresentava a lengalenga demagógica clássica dos idiotas úteis ao serviço do Estado. David Schoenbaum exemplifica assim o conteúdo (20) "... contava como os trabalhadores de uma fábrica têxtil do sul da Alemanha se tinham oferecido como voluntários para realizar horas suplementarias de trabalho, para com o produto de esse trabalho, contribuir à caixa de ajuda aos acidentes de trabalho fundada pelos nazis,... como os camponeses ofereciam ao serviço de ajuda social das juventudes hitlerianas possibilidades de alojamento para passar férias a cinquenta mil crianças, e como o grupo de mulheres nacional-socialistas de Mannheim tinha proporcionado setecentos mais... como os empregados municipais de Dresden tinham criado um fundo para financiar uma esquadrilha de cinco aviões destinados ao governador da Saxa e para paliar às dificuldades financeiras dos S.S. e dos S.A... e tinham dado 1% do salário deles para sustentar o esforço nacional (Furderung der nationalen Arbeit)... Na mesma série, se encontravam outras histórias modelo, a realização de construções em bairros periféricos, a repartição dos benefícios da Preussische Zeitung de Erich Koch entre todos os seus empregados,... durante as festas da Natividade os funcionários do partido instalaram mesas em todos os bairros populares de Berlim e distribuíram presentes à população inclusive aos antigos comunistas (!!! NDR)" O que levará Scheumburg Lippe, adjunto de Goebbels a declarar "Este é o socialismo que eu buscava (repetimos que não é o Fidel Castro que realiza essas declarações NDR) e é uma honra para mim de servi-lo com todas as fibras do meu ser." (21)

Da mesma forma durante o nazismo as campanhas para a cultura popular foram intensificadas, todo o sistema de ensino foi modificado e modernizado. o acesso à educação foi generalizado e apresentado como um sinónimo de libertação humana e de socialismo. De facto tratava-se de reorganizar a força de trabalho para que sirva melhor o capitalismo, de que todos possam receber a "cultura", de patrocinar as carreiras tecnico-professionais e sobretudo uma profunda lavagem de cérebro para subordinar mais o trabalhador, como idiota útil, ao Estado nacional e aos seus interesses. Os que recebiam e obtinham diplomas, assim como os campeões do trabalho, os que demonstravam com obsequiosidade ser os mais serviles vassalos eram tratados como heróis: "Os laureados eram tratados como campeões olímpicos ou como grandes actores de cinema, eram conduzidos com grande pompa a Berlim e eram fotografados ao lado de Ley e de Hitler em pessoa." (22) E evidente que essa "promoção social" era propagandeada aos extremos.

Na prensa louvavam os exemplos de trabalhadores que no dia antes não tinham onde cair-se mortos e de "camponeses" sem nada para vestir que tinham obtido diplomas. Não é necessário insistir sobre o dramático das situações pessoais que a prensa apresentava "antes" e "depois" de ter "triunfado". Schoenbaum comenta: "Dado que a metade dos laureados saíam de famílias de assalariados e que 80% de estes não tinham alcançado o nível do ensino secundário, o regime procura por esse meio, no plano da propaganda, efectuar uma glorificação espectacular das suas classes laboriosas."

Como todo cínico socialista no governo de estado capitalista, Hitler se apresentava como o exemplo do trabalhador. Fazia-se fotografar executando "trabalho voluntário", sendo o "n1 nos regimentos de trabalho". Nem aqui os barbudos cortando cana de açúcar têm qualquer coisa de original. Os panfletos que distribui hoje a CEDADE reproduzem por um lado massas de musculosos trabalhadores marchando firme com pás e outros instrumentos de trabalho e do outro o próprio Hitler rodeado de militares dando o exemplo do trabalho pá na mão, cavando a terra, e junto a isto tudo algumas estrofes da canção da Frente do Trabalho "As nossas pás são armas de paz..." (23)

Toda essa "glorificação indiferenciada do trabalhador repousava sobre uma invocação quase sem limites da mobilidade social e insistia agressivamente sobre o igualitarismo social." (24) Como em todos os outros domínios dava- se em exemplo o próprio Hitler. Como todo regime de Trabalho, nada valia tanto como demonstrar que o seu melhor representante era um Trabalhador que vinha da "classe trabalhadora". E aqui o Hitler ganhava todos os prémios (25). No partido nacional-socialista se recitava um verdadeiro catecismo que dizia: "que profissões exerceu Hitler?" Resposta: "Hitler foi obreiro da construção, artista e estudante" e sempre que podia (e que o auditório assim o pedia!) Hitler recordava a sua qualidade de "obreiro exemplar e perseverante"; "Eu também durante minha juventude fui obreiro e pouco a pouco cheguei ao cume à força do meu trabalho, de estudo e também penso poder dizê-lo, de fome." (26)

Por suposto a verdadeira transformação do 1° de maio que tinha surgido como símbolo da luta contra o capital, em dia do trabalho, em dia de festa, foi obra do nazismo. Aqui como em outros pontos Hitler realizou o programa que sempre tinham prometido os socialistas burgueses, os sociais-democratas (27) e os grandes desfiles e festas que hoje encontramos em todo lado para celebrar o repugnante servilismo dos trabalhadores perante o Estado nacional (o exacto contrário daqueles heróis de Chicago), não podem no absoluto serem considerados invenções de Estaline, Mao, Perón ou Fidel Castro, senão obra do próprio Hitler.

Sem duvidas a mensagens centrais do regime foram "o trabalho enobrece" (Arbeit Adelt) e "o trabalho liberta" (Arbeit macht frei), "o homem se construi trabalhando". Para cúmulo, no mais impressionante campo de concentração, Auschwitz, figurava no portão em letras gigantes ARBEIT MACHT FREI (28). Não é só humor negro, senão a crença real de um sistema podre, do capitalismo em descomposição, de um sistema que leva o homem à sua máxima perdição, ao sacrifício total e completo da sua vida no altar dos deuses do trabalho, e à morte. "... o III Reich propunha uma ideologia do trabalho que recorria simultaneamente à soberba, ao patriotismo, ao idealismo... o elemento central do sistema era uma ética de trabalho que repousava não tanto sobre o trabalhador senão sobre o próprio trabalho... um dos motivos preferidos da arte oficial era o que se encontrava da gigantesca escultura de José Thorak para um monumento de auto-estrada com três monumentais musculosos que como Sisifo levantavam uma rocha enorme. As empresas edificavam verdadeiras capelas, cuja nave central desembocava no busto de Hitler colocado por baixo do emblema da Frente do Trabalho, e nos lados personagens proletárias de dimensões heróicas: eram verdadeiros pequenos templos consagrados ao deus nacional-socialista do trabalho." (29)

E dizer que como no caso de Estaline, ou de tantos outros dos seguidores dele de hoje, o trabalhador herói não era aquele que lutava contra a sua própria condição, que conspira e que como tal pode ser como tem sido na história grande ou baixinho com óculos ou sem, mulher ou homem, com ou sem gravata, imigrante ou "nacional", velho ou jovem, magro ou gordo,... senão que é a besta laborante, que sustem com a força dos seus braços o regime todo, o musculoso, exactamente a mesma personagem que põem na moda todos os regimes de trabalho forçado (macho, jovem, forte, nacional e nacionalista, trabalhador (30).

Como não podia deixar de ser, para manter os ritmos mais altos de intensidade do trabalho e da exploração, a idealização do trabalho teve de ser acompanhada de algumas migalhas e duma organização do tempo livre tal que os trabalhadores estivessem sempre em boas condições para recomeçar a trabalhador com vigor. Nisto também os nazis foram os mestres de todos os socialistas laborais, incluído Estaline. Criaram uma organização especial "Kraft durch Freude", conhecida por KdF, isto é a Força através da Alegria. Esta organização que foi financiada com os fundos dos sindicatos dissolvidos teve indubitavelmente um êxito completo no controle dos trabalhadores. O seu programa de actividades foi amplíssimo: representações teatrais, conferencias, reuniões culturais, associações desportivas, subvencionadas, concertos, clubes de dança folclórica e moderna, cursos para adultos, exposições de arte, cine-clubes...

Hitler podia gabar-se e manter todos os mitos que permitiram o imponente aumento de exploração no seu socialismo nacional: "O povo trabalha com decisão e alegria e sabe que não está empenhado numa luta para o capital de uns poucos egoístas, senão para o bem-estar da colectividade." (31)

O êxito maior da KdF foi a organização do turismo para trabalhadores. Também aqui todos os laboristas e socialistas posteriores não passam de vulgares imitadores. A KdF chegou a organizar o tempo livre de milhões de trabalhadores enviando-os em férias organizadas (não é preciso demasiada imaginação para fazer-se uma ideia sobre estas!) e levando o sector turístico graças ao turismo subvencionado, a uma expansão sem precedente no mundo. Essa expansão provocada pelas necessidades do capital industrial, repercutiu-se favoravelmente na industria visto que a KdF impulsará a industria do transporte através a construção de dois enormes barcos e o desenvolvimento da industria automóvel, denominada primeiro KdFwagen, e depois Volkswagen. Como se sabe, tudo isto servia directamente à preparação da guerra e logo à guerra mesmo (32).

Através a sua promessa de popularização dos automóveis (que para maior parte não passou de ser nominal) e sobretudo do turismo, que na época eram considerados como símbolos de riqueza, como possibilidades exclusivas da burguesia, o nazismo semeava a ilusão da desaparição das classes. Essa imponente e absurda mentira que todos os grandes representantes do regime se encarregavam de propagandear estava todavia fortemente enraizada da sociedade alemã. A respeito do turismo R. Ley dizia: "O trabalhador percebe perfeitamente que queremos elevar a posição dele na escala social. Ele bem vê que não são as classes pretendidamente cultivadas que enviamos para o estrangeiro como representantes da nova Alemanha, senão que ele, o trabalhador alemão, é que é o nosso mensageiro para o mundo inteiro" e na "Conferência internacional acerca da política dos lazeres e do tempo livre" (33) Ley declara oficialmente "Não há mais classes na Alemanha. Nos anos a vir o obreiro perderá os últimos restos dos complexos de inferioridade que podem ainda restar do passado." (34)

Mas como qualquer outro regime socialista patriota que só busca maior exploração e melhor carne para canhão para a guerra imperialista, os seus dirigentes tem uma clara consciência desses objectivos, e às vezes até há alguns que têm a coragem de divulgá-los. Aqui Starcke secretário de prensa da Frente do Trabalho declara com a máxima desenvoltura: "Nós não enviamos os nossos obreiros nos nossos próprios barcos a realizar turismo e não construímos a grandiosa infra-estrutura de férias à borda do mar, para o prazer, nem para nós próprios, nem para os que podem ter a sorte de utilizá-las, senão porque queremos manter em bom estado a força de trabalho do indivíduo para que volte a tomar o seu posto com forças renovadas." (35)

Com esta medalha de ouro da sinceridade encerramos o capítulo sobre a apologia nazi do trabalho, tão igual ao que todos os socialistas nacionais realizaram na actualidade. Por outro lado o leitor estará suficientemente enjoado por esta sopa de laborismo, de fanatismo nacional e socialista a favor do trabalho. Voltamos à nossa luta contra o trabalho.

O problema da consciência obreira na luta contra o trabalho

Todos aqueles que não têm outra coisa para viver que a venda da sua própria força de trabalho sentem que realiza o seu trabalho porque não há mais remédio, porque apesar de todos os discursos lhes fazem, é a única forma que tem de procurar-se meios de subsistir.

Trabalha-se o menos possível e se se pode não se trabalha. Quando é possível, finge-se que se está trabalhando e tenta-se viver um pouco (se esta vida atrofiada pode chamar-se "vida"), demora-se na casa de banho, fuma-se um cigarro, tenta-se comunicar com outro trabalhador, modera-se o ritmo tentando sempre de comportar-se como um homem e não como uma máquina, como se se podiesse recobrar a existência humana comunicando com outro quando o chefe não o vê, nas pausas do trabalho, ou às escondidas na casa de banho. Se possível falta-se ao trabalho, adoece-se, de repente sofre-se de uma aguda dor de dentes, de cabeça ou de costas que ninguém pode verificar (nem sempre é mentira, às vezes de asco ao trabalho adoece-se a sério) e tudo parece confirmar que são nas segundas de manhã e nos dias em que se volta de férias em que mais adoecem os trabalhadores.

O absentismo segue generalizando-se; em todas as partes do mundo denunciam-se os sabotadores da produção; respondendo como se pode a todos as invenções para aumentar o ritmo de trabalho nas fábricas e oficinas se desenvolveram milhares de contra-invenções...

Não ver em todos esses factos aparentemente desconectados uma luta sórdida e escura, das duas classes antagónicas da sociedade, seria vedar-se os olhos; em cada um desses actos se contrapõe a conservação da escravatura assalariada com a luta contra o trabalho, para uma sociedade comunista.

Isto são os factos, indiscutíveis, vivos, que demonstram a putrefacção de uma sociedade baseada no trabalho, e o ódio que contra ela se concentra em cada um dos seus escravos assalariados... como também é um facto que cada vez mais a "preguiça", a "ociosidade" que no fundo não são mais que tímidas resistências humanas e instintivas contra o trabalho, são cada vez mais consideradas como delitos, para não falar já dos campos de trabalho para "parasitas sociais" ou para "delinquentes perigosos" que em Cuba por exemplo é sinónimo dos que sabotam a produção.

Todavia, na fase actual, na que tanto custa ao proletariado desprender-se da mais profunda contra-revolução ao qual ainda está submetido, estes factos ainda não são globalizados. Inclusive esses últimos mesmos que fazem o que podem para trabalhar o menos possível, que vivem enganando os chefes, os patrões e o Estado, esses não são capazes de compreender o alcance revolucionário das acções deles, e não só em certas circunstâncias esses tipos não se alinham nas reivindicações obreiras e na luta, senão que até a própria mensagem revolucionária "contra o trabalho" parece-lhes sem sentido e para louvar a outro por vezes escapa-lhes a litania burguesa "é bom homem, é trabalhador", "é um trabalhador exemplar", etc...

No dia a dia encontramo-nos com esses exemplos, de arrancar o cabelo e gritar "parece mentira!". A acção contra o trabalho embora socialmente em massa, se faz sozinho ou com um pequeno grupo (36), a consciência dos trabalhadores em geral continua atrofiada pela apologia burguesa do trabalho, e os próprios actores da luta contra o trabalho a condenam quando se grita abertamente que se combate o trabalho.

Mas esta situação não a tememos nós. Ao contrário é a situação de sempre na qual lutam os comunistas, contra a corrente, contra o pensamento e a consciência da maioria, mas para a acção e os interesses de esta, buscando tornar conscientes os métodos de luta que surgem espontaneamente.

O mais importante é, precisamente por ser subversivo, pôr em evidência que nesses casos isolados de sabotagem do trabalho que vivemos quotidianamente é contida a força revolucionária que é necessário libertar para espedaçar esta sociedade toda. Por isso hoje é imperioso, não só lutar para trabalhar menos, senão gritar claramente "abaixo o trabalho", "viva a luta contra o trabalho".

Viva o Proletariado

Os nossos inimigos, os apologistas do trabalho, os partidos do socialismo nacional sobretudo quando se auto proclamam marxistas, cantam vivas ao proletariado. Aqui como em outros sítios, e como vimos ao longo do texto, em realidade o proletariado só lhes interessa como trabalhadores, o que gritam em realidade é viva o proletariado ao trabalho, vivam os trabalhadores disciplinados, viva o desenvolvimento do país, e explicitamente ou não: viva a pátria. Isto é dizer que estas vivas ao proletariado fala-as a burguesia, o antagonismo mesmo aos interesses elementários da situação proletária e traduzido mais claramente ainda quer dizer: Trabalhai muito, apertai o cinto, a nação o necessita. E a esse respeito Fidel Castro e os sandinistas não nos desmentem, é isso e nada mais que eles querem de esses louvores ao proletariado, que sigua existindo durante muitos séculos mais, amen...

Quando os revolucionários dizem viva o proletariado não só se trata de algo diferente, senão contrário tanto nas suas primícias como em seu conteúdo, como nas suas consequências. Como primícia porque para viver o proletariado tem de combater. De facto, se para os "marxistas" o proletariado é algo como a suma sociológica dos homens que trabalham, para nós o proletariado existe em contraposição com a burguesia, contraposição existentemente na luta geral pela vida, desde a produção de objectos materiais até a organização em partido e a luta armada. Como conteúdo porque a vida do proletariado não se encontra no trabalho, porque o proletário vive reconhecendo-se a si e ao seus companheiros como seres humanos e isso só o pode fazer dentro da luta contra o trabalho. Enfim, como consequência porque o proletariado contrariamente à burguesia não tem interesse em prolongar a sua existência, senão que pelo contrario a sua existência como contraposição ao capital, seu desenvolvimento até a transformação em classe dominante, tem por objectivo a supressão de todas as classes e portanto a sua autosupressão.

Em síntese, enquanto os vivas ao proletariado proferidos pelos nossos inimigos são gritos de: viva a situação actual dos proletários. Os vivas dos comunistas são vivas à organização do proletariado em classe dominante para a sua própria supressão, para liquidar totalmente a sua situação actual, para abolir o trabalho assalariado, para que a actividade produtiva dele deixe uma vez por todas de ser trabalho e seja vida humana, enfim para que a humanidade possa iniciar a sua verdadeira historia como sociedade humana.

Notas

1. "E evidente que para a Economia nacional os proletários - quer dizer os que não vivem do capital, ou da renda, mas somente do trabalho, unilateral e abstracto - não passam de trabalhadores. Por isso pode assentar a afirmação de que o trabalhador como qualquer cavalo, tem de ganhar o suficiente para poder trabalhar. em vez de interessar-se por ele como homem, quando não trabalha, encarrega esse ponto de vista aos tribunais, aos médicos, à religião, aos quadros do Estado, à política e aos beleguins." (Marx "Manuscritos de Paris")

2. "... por uma parte o capitalista governa o trabalhador por intermédio do capital e por outra o poder do capital governa o próprio capitalista." (Marx)

3. "Arbeit macht frei" ver mais adiante.

4. E preciso recordar que a palavra "idiota" vem do grego e designava aquele que desconhecia, que ignorava os assuntos da polis, isto é da política, servindo com essa despreocupação os interesses dos tiranos. O caso é o mesmo para os obreiros que se despreocupam da política da classe à que pertencem, constituindo os melhores servos dos tiranos.

5. Mais uma vez encontramos a unidade indissociável dos interesses imediatos e históricos da classe obreira que o revisionismo se obstina a separar.

6. Marx criticando o programa do partido social-democrata alemão no seu ponto inicial "1. O trabalho é a fonte de todas as riquezas e de todas as culturas."... dirá: "o trabalho não é a fonte de todas as riquezas. A natureza é a fonte dos valores de uso (que são os que verdadeiramente integram a riqueza material!), nem mais nem menos que o trabalho não passa da manifestação duma força natural da força de trabalho do homem. Essa fase encontra-se em todos os silabários e somente é certa se subentende que o trabalho se efectua com os correspondentes objectos e instrumentos. Mas um programa socialista não deve permitir que tais tópicos burgueses silenciem aquelas condições sem as quais não têm qualquer sentido... Os burgueses têm razões muito fundadas para atribuir ao trabalho uma força criadora sobrenatural, pois precisamente do facto que o trabalho está condicionado pela natureza se deduz que o homem que não dispõe de outra propriedade que a sua força de trabalho, tem que ser, necessariamente em todo estado social e de civilização, escravo de outros homens, de aqueles que se apoderaram das condições materiais de trabalho. e não poderá trabalhar, e por consequente viver, sem a autorização deles!" (Marx "Crítica do programa de Gotha")

7. Ver a crítica a respeito de Marx na "Crítica do programa de Gotha", assim como na correspondência de Marx e Engels com Bebel, Kautsky, etc...

8. O capital é precisamente a emancipação do trabalho realizada, a libertação do trabalho da sua inseparabilidade com quem o realizou como actividade. Se o trabalho fosse simplesmente actividade produtiva estaria indissociavelmente ligado a esta actividade, como tal não pode emancipar-se "do trabalhador", parte e escravo do seu ser. Mas no capitalismo essa emancipação produz-se, pois o processo de trabalho está dominado por o processo de valorização, porque a própria realização do trabalho é a sua negação como actividade da qual o que resta é o trabalho coisificado. Mais ainda, o trabalho tanto se emancipou, que oprime quem o realizou e que longe de representar o poder da classe que durante gerações e gerações deixou a sua vida em ele, é hoje, como trabalho morto, a força emancipada da qual se serve a classe inimiga para perpetuar a exploração. O que se tem de reivindicar não é a emancipação do trabalho, mas poder emancipar-se dele. Na primeira concepção o trabalho é o sujeito que se emancipa, na nossa concepção é o homem que se emancipa do trabalho.

9. Taylor foi um burguês sumamente lúcido dos seus interesses de classe, que para compreender todos os subterfúgios que a nossa classe utilizava para trabalhar o menos possível, pôs-se a trabalhar como obreiro durante um certo tempo, a partir do qual elaborou um conjunto de normas para eliminar os "tempos mortos". A "ciência" dele consistia em controlar os tempos e movimentos, para administrar cientificamente o trabalho, promover métodos de "retribuição" para os trabalhadores que exacerbam a competição entre eles, para que só fiquem os mais trabalhadores e que os "calaceiros" se vejam obrigados a buscar trabalho em outro lado, etc...

10. "Aprender a trabalhar, é essa a tarefa que o poder dos Sovietes deve implantar no povo em toda sua amplitude. A última palavra do capitalismo a esse respeito é o sistema Taylor, que liga todos os progressos do capitalismo, a crueldade refinada da exploração burguesa com as conquistas cientificas mais preciosas (para Lenine como para todos os materialistas vulgares a ciência é neutra - NdR) no que diz respeito à análise dos movimentos mecânicos no trabalho, a supressão dos movimentos supérfluos e inábeis, a introdução dos melhores sistemas de contabilização e controle, etc... A republica dos Sovietes deve fazer suas, custe o que custe, as conquistas mais preciosas da ciência e da técnica nesse domínio. Poderemos realizar o socialismo justamente na medida em que temos sido capazes de combinar o poder dos Sovietes e o sistema soviético de gestão com os mais recentes progressos do capitalismo. E necessário organizar na Rússia o estudo e o ensino do sistema Taylor, a sua experimentação e a sua adaptação sistemática." (Lenine: "As tarefas imediatas do poder soviético" 1918)

11. O nome vem de um mineiro estalinista célebre por sua capacidade física como besta humana, para trabalhar num mesmo tempo muito mais que os seus "companheiros" de trabalho (estes por suposto não o consideravam tão "companheiro" que isso) e que o estalinismo adoptou como herói e exemplo. Na realidade o capitalismo não tem outro ideal de homem trabalhador fora dos Stakhanovs.

12. Adolf Hitler "A minha luta". Hitler afirma que este é "o ponto programático mais importante".

13. Konstantin Hierl, chefe do serviço do trabalho dos nazis.

14. E claro que toda a burguesia faz a apologia do trabalho, mas aqui tomamos alguns sectores mais representativos dessa apologia do trabalho feita pelo capital, aqueles governos e partidos onde o trabalho e os "heróis do trabalho" estiveram no centro de toda a política económica e social.

15. Citado por David Shoenbaum "A revolução castanha" p. 51 e 52.

16. Tendo em conta que a internação em massa de trabalhadores se fez à vista e com o consentimento da burguesia mundial e que até nem faltaram organizações burguesas judias para contribuir à criminal empresa.

17. Reproduzido em panfletos de CEDADE, organização nazi de Espanha.

18. Periódicos oficiais do "socialismo" realizado em Cuba e "em vias de realização" no Nicarágua respectivamente.

19. Não há dúvida que é precisamente o terreno do "concreto", do "particular", da "solução do problema de cada um", que mais se presta à demagogia oficial e à mentira generalizada com as quais se propagandeia um regime.

20. No livro antes citado p. 84 e 85. Isto tem aspecto anedótico e poderia parecer absurdo de incluí-lo aqui. Todavia tanto pela forma que pelo conteúdo deles, nestes "exemplos concretos de socialismo" o leitor reconhecerá mais de um discurso dos nossos inimigos.

21. Idem.

22. Idem.

23. Panfleto de CEDADE.

24. Schoenbaum Idem. p. 88.

25. Se alguns regimes não se conformam aqui ao exemplo, como o castrismo, isso é devido ao que Castro ao contrário de Hitler provem da alta burguesia cubana, e por isso preferem manter-se calados. E certo que sempre que pode a burguesia não perde a ocasião de confundir o assunto todo fazendo brilhar a extracção de classe como se fosse garantia de algo. Em realidade como o mostra o exemplo Hitler-Castro (e como podem contar-se centenas!) não é a extracção de classe o decisivo, senão a prática real a favor ou contra o regime de escravatura assalariada.

26. Discurso feito na fábrica Siemens em novembro de 1933.

27. "De facto o programa de socialização que os sociais-democratas não se atreveram a realizar quando detinham o poder, foi realizado em grande medida pelos fascistas. Da mesma maneira que as reivindicações da burguesia alemã não foram satisfeitas em 1848 senão logo pela contra-revolução que seguiu, o programa da social-democracia foi cumprido por Hitler. De facto, foi Hitler e não a social- democracia quem proclamou o primeiro de maio como dia de festa e de uma maneira geral é suficiente comparar o que os socialistas diziam que queriam realizar mas que nunca realizaram com a política praticada na Alemanha desde 1933, para dar-se conta que Hitler realmente realizou o programa da social-democracia sem requerer aos serviços dela." (Mattick Paul "Integração capitalista e ruptura obreira")

28. Nem aqui o actual regime do Uruguai que construiu o pior dos seus campos de concentração em "Liberdade" superou em cinismo os nazis. Difundem, debatem, reproduzem estes textos.

29. Schoenbaum p.109. As sublinhagens são nossas.

30. Com as revoluções industriais posteriores à segunda guerra a força física do trabalhador é hoje muito menos importante e pouco a pouco a imagem do trabalhador modelo, nos fascismos e socialismos nacionais atuais, foi-se adaptando a essa evolução incorporando um tipo mais comum de homem e mulher.

31. Declarações de Adolf Hitler citado por CEDADE.

32. Esses barcos de turismo serviram para o transporte de tropas e as Volkswagen serviram de veículos militares para todo uso.

33. Hoje o governo socialista francês considera-se original por ter um verdadeiro ministério dos tempos livres!

34. As citações de Ley são tomadas do livro de Schoenbaum p. 132,133,134.

35. Schoenbaum Idem p.134.

36. Quando se transforma em acção de uma fábrica inteira já é um facto excepcional, como todavia já sucedeu muitas vezes, quando superará essas barreiras e se estende à sociedade toda a revolução já não poderá ser detida.

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Falam-nos de PAZ ...

É sempre em nome da paz...
da PAZ... nos balcãs,
da LIBERDADE... do povo cosovar ou sérbio,
do HUMANITÁRIO... para com os "povos oprimidos",
do DIREITO DE INGERÊNCIA... humanitária,

... que nos preparam a PAZ... dos túmulos!

A GUERRA NOS BALCÃS É UMA GUERRA CONTRA O PROLETARIADO!

... e fazem-nos a GUERRA!

oOo


Só porque existe a paz social, submissão à ditadura do dinheiro, se tornam possíveis as atuais carnificinas!

Proletário, não crês que são as missões diplomáticas, as missões humanitárias, as missões do Vaticano... que poderam acabar com as carnificinas. Só poderás contar com as tuas próprias forças e as dos teus irmãos de classe para opôr-te à barbaridade capitalista.

Contra a paz social, a paz dos túmulos, lutemos contra a nossa própria burguesia!

Oponhemos à união das burguesias internacionais a união crescente dos proletários internacionalistas!

Retomemos a bandeira da revolução mundial!

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Memória obreira


Unimos sob esta rubrica dois textos distantes pelas épocas e origens geográficas. O primeiro foi escrito pelo revolucionário Flores Magon no México em 1916, o segundo é o produto do GCI em 1983.

O propósito comum aos dois textos , sempre de uma ardente actualidade, contra a defesa dos instrumentos da exploração capitalista, reafirma claramente a continuidade histórica da luta e o carácter invariável dos seus slogans.

Flores Magon foi um revolucionário inspirado e fecundo. Só um assassinato numa prisão do Texas em 1922 consegui apagar a sua energia. Os textos dele evocam toda uma epopeia sangrenta, em eles está contido o resume histórico da luta do proletário contra o burguês rapace, o juiz e o polícia assassino, em América em geral e no México em particular. Conservam hoje e para sempre uma extraordinária validez e proclamam a paixão do comunismo, a necessidade de ruptura revolucionária, de organização classista, de unidade combatente do proletariado.

O obreiro e a maquina

"Maldita máquina!" pragueja o obreiro, suando gotas grossas, cansado e desanimado. "Maldita máquina, que me obrigas a seguir o teu ritmo infernal, como se, eu também, fosse feito de aço e movido por um motor! Odeio-te, instrumento de pesadelo, pois fazendo o trabalho de dez, vinte ou trinta obreiros, tiras-me o pão da boca - e condenas-me, assim como à minha mulher e meus filhos, a passar fome".

A máquina geme sob os golpes do motor, parecendo assim partilhar a fadiga do seu companheiro de sangue e músculos. Todas as peças que a compõem estão em movimento, e nunca param. Algumas deslizam, outras sobressaltam. Estas oscilam, estas rodopiam, ressumando óleo negro, ganindo, trepidando, cansando a vista do escravo de carne e osso que tem de seguir cuidadosamente todos os movimentos delas e resistir ao embrutecimento que provoquem, para não deixar prender um dedo num desses rodados de aço, ou perder uma mão, um braço, ou a vida...

"Máquinas infernais!" Deveriam desaparecer todas, sequazes do diabo! Belo trabalho que fazem! Em um dia, sem outra despesa que alguns baldes de carvão para alimentar o motor, despacham cada uma mais trabalho que um homem em um mês, de tal maneira que um trabalhador, que poderia ter trabalho para trinta dias, vê-lo reduzido a um só por vossa causa... nós a morrer deixa-te indiferente! Sem ti, vinte famílias de proletários teriam o pão quotidiano assegurado."

As mil e umas peças da máquina estão em acção. Giram, deslizam em todos os sentidos, juntam-se e afastam-se, suam gorduras repugnantes, trepidam e ganem até a vertigem... a lúgubre máquina não deixa um instante de descanso. Respira ruidosamente como se fosse viva. Parece espiar qualquer momento de distracção do escravo humano para morder-lhe um dedo, arrancar-lhe um braço -ou a vida...

Através de um respiradouro, penetra uma pálida luz, carceral e sinistra. O próprio sol recusa-se a iluminar este antro de miséria, de angustia e de fadiga, onde se sacrificam laboriosas existências para o benefício de vidas estéreis. Ruídos de passos vêm do exterior - é o rebanho em marcha! Miasmas espreitam em cada canto da oficina. O obreiro tosse... tosse! A máquina geme... geme!

"Fazem sete horas que estou ao teu lado e ainda tenho que aguentar três. Tenho vertigens, mas devo resistir. A cabeça pesa-me, mas cuidado com o mais mínimo momento de inatenção! Tenho de seguir todos os teus movimentos se não quero que os teus dentes de aço me mordam e que os teus dedos de ferro me encerrem... Mais três longas horas! As minhas orelhas zumbem, uma sede terrível devora-me, tenho febre, a minha cabeça vai rebentar."

Sons felizes chegam de fora: são crianças que passam, travessas. Os risos delas, graciosos e inocentes, afastam um instante a penumbra em volta, genera uma sensação de frescura tal como o canto de um pássaro num momento de abatimento. A emoção apodera-se do obreiro. Os próprios filhos dele também gorjeiam assim! E assim que riem! E sempre a observar o movimento dos mecanismos, começa a pensar. O espírito vai ter com o fruto dos seus amores, que espera por ele em casa. Estremece com a ideia de os miúdos dele terem eles também de vir estoirar-se perante uma máquina na penumbra de uma oficina onde pululam os micróbios.

"Maldita máquina! Odeio-te!"

A máquina começa a trepidar com mais vigor, já não geme mais. De todos os seus tendões de ferro, de todas as suas vértebras de aço, dos dentes duros do seus rodados, das suas centenas de peças infatigáveis, sai um som rouco cheio de raiva que, traduzido em linguagem humana, significa:

- Cala-te miserável! Para de queixar-te, cobarde! Eu não passo de uma máquina, movida por um motor, mas tu, tu tens um cérebro e não te revoltas, pobre diabo! Para de lamentar-te sem fim, imbecil! E a tua cobardia que é causa da tua desgraça, não eu. Apodera-te de mim, arranca-me das garras desse vampiro que te chupa o sangue, e trabalha para ti e os teus, cretino! Em si, as máquinas são uma benção. Poupamos esforço ao homem, mas vocês trabalhadores são tão estúpidos que nos deixem nas mãos dos vossos carrascos, embora vocês próprios nos tenham construído. Como conceber maior estupidez? Cala-te e não pies nem uma palavra mais! Se não tens a coragem de romper as tuas cadeias, então não te queixes! Vamos, são horas de sair. Foge daqui e pensa!

Com as palavras salutares da máquina, associadas ao ar fresco da rua, surge a consciência à mente do obreiro. Sente um mundo desmoronar-se no seu espírito: o mundo dos preconceitos, dos interditos e do respeito da ordem estabelecida, das leis e das tradições, e, de punho levantado, exclama:

- "Sou anarquista! Terra e liberdade!"

12 de fevereiro 1916.

Ah as maravilhosas maquinas

A evolução atual da crise impede que o capital utilize a totalidade do potencial produtivo que tem à sua disposição e que criou precedentemente. Milhares de máquinas quebram ou funcionam com débil rendimento e milhões de trabalhadores reforçam o exército industrial de reserva.

Perante isto, os partidos, sindicatos e organisações de extrema esquerda se escandalizam. A CGT (central sindicalista controlada pelo P"C" oficial) choraminga: "Estão destruindo a França, estão destruindo as nossas vidas". Entretanto o PF expõe, na festa da "A Humanidade", os últimos milagres da tecnologia moderna, de preferência françesa, no sector das máquinas-ferramentas.

Nós, os comunistas, não só vemos neste tipo de propaganda a luta concurêncial entre capitalistas, senão também a defesa do capital.

Todos estes pretendidos marxistas querem fazer-nos crer que as forças produtivas são neutras, ou o que ainda pior é, que têm um carácter proletário ("nossas forças produtivas", "defesa dos nossos instrumentos de trabalho"). Mais ainda, eles se reclamam do velho ideal capitalista, que a realidade mesma desmente cada dia maís, segundo o qual o desenvolvimento das forças produtivas e a valorização máxima podem existir sem o inevitavel polo oposto deles: a desvalorização e a destruição periódica das forças produtivas.

Em realidade, o carácter das forças produtivas está determinado indefectívelmente e unicamente pelas relações de produção. O que quer dizer que no sistema capitalista estas só podem ser forças produtivas do capital. Todas as maquinarias e os métodos de organização do trabalho existentes no capitalismo têm unicamente como objectivo o aumento do nível de exploração, e não é por casualidade que os émulos das máquinas, que servem para explorar o proletariado, são também fieis adoradores do trabalho assalariado. De facto, o processo de produção requer a associação do trabalho morto (as máquinas, as matérias-primas, isto é o fruto do trabalho passado) e do trabalho vivo. Ambos são igualmente necessários: o trabalho morto porque permite a aumentação da exploração da força de trabalho e o trabalho vivo porque é o único criador de valor o portanto de maís-valia e de capital adicional. A defesa do trabalho morto e do trabalho vivo é a defesa da produção capitalista, tanto um como outro são do capital.

A associação do trabalho morto e do trabalho vivo também é a confrontação de classes, pois os instrumentos de trabalho não pertencem ao obreiro, este não possui nem o fruto do seu trabalho, nem o seu próprio trabalho (só possui a sua força de trabalho que é obrigado de vender para subsistir).
"A máquina não atua únicamente como um concurrente cuja força superior tende a transformar o assalariado em algo supérfluo, é como uma força inimiga do obreiro que é empregada pelo capital e isto proclama-lo ele de viva voz. Assim se transforma na arma de guerra mais irresistivel para reprimir as greves, as revoltas periódicas de trabalho contra a autocracia do capital." (K. Marx "O Capital")
NÃO! Senhores defensores do trabalho assalariado, jamais um obreiro desqualificado amará a "sua" cadeia de montagem, jamais um proletário defenderá o seu instrumento de exploração, jamais um revolucionário lutará para as forças produtivas do capital, senão para a sua destruição visto que a afirmação do proletariado em classe para si, é a sua destruição como classe para o capital.

Os apologistas do progresso técnico, que consideram que este beneficiará aos obreiros, e ás condições de trabalho deles, vêm as fábricas em simples visitantes. Não é preciso muita perspicacia para dar-se conta que se a jornada de trabalho diminuio, compensou-se isto ampliamente por um aumento da intensidade e um grande desgaste de nervos e de energia. Todo isto graças ás maravilhosas máquinas que fzem trabalhar depressa e aos novos métodos de organização do trabalho que estas implicam (cadeias, equipes,etc...). E que dizer do aumento em tempo de trajecto até o trabalho, e as migrações, a desocupação, a desqualificação do trabalho, etc, etc... que vida marvilhosa para os nossos obreiros!!!!

Evidentemente, nós não estamos opostos ao desenvolvimento em geral da productividade do trabalho em si, pelo contrário vemos nele o que permitirá diminuir o tempo de trabalho necessário à produção de coisas (o que constitui o seu interesse primordial do ponto de vista comunista). Mas percebemos que o desenvolvimento das forças produtivas neste sistema se transforma em produtividade do capital, quer dizer acrescentada exploração para o proletário.

Os proletários, na luta contra as relações de produção capitalista, se encontram obrigados a opôr-se necessariamente a natureza capitalista das forças produtivas. Este é o caso da greve e da sabotagem (mais ou menos importante ou mais ou menos voluntário) quotidiana das máquinas. Em ambos casos opoêm-se directamente ao desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, apesar de que, em reação a isto, puxam os capitalistas a desenvolver-las ainda mais para diminuir as consequências das manifestações proletárias. E isto por exemplo que faz dizer a CGT que as lutas obreiras têm por consequência positiva e voluntária o desenvolvimento do maquinismo.

Não se trata de reinvidicar a destruição sistemática das máquinas, que foi o primeiro método de luto obreira e que desmonstrou os seus limites, como um médio adequado de luta revolucionária, senão de compreender a relação que existe entre o proleteariádo e as forças produtivas do capital como uma relação antagónica. A característica essencial de estas últimas são de ser médio de valorização e portanto de exploração: é a ditadura do valor de câmbio sobre o valor de uso.

Se o obreiro desqualificado se encontra escravo da manhã à noite (e muita vezes da noite à manhã) da "sua" máquina não é por amor ou prazer senão para poder sobreviver e tudo isto para o interesse do capital. A prática dos partidos e sindicatos é de fazer de essa escravidão uma ação voluntária dos proletários, sobretudo quando a crise destroi parcialmente essa atadura eliminando o capital excendentário e licenciando a força de trabalho sobrante. Assim o único objetivo que perseguem é de perpetuar a exploração, puxar o proletariádo a atuar como classe para o capital (isto é, negar-se), impedindo que se constitua em classe para si (isto é contra o capital).

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Da alienação do homen a comunidade humana (1)

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I. Alienação e comunismo primitivo

Ao contrário do puritanismo acanhado dos científicos pagos desde séculos para nos descrever as sociedades primitivas como monstruosidades atrozes, como sociedades bestiais, ainda não humanas, da imagem do bárbaro arrastando a mulher pelos cabelos até ao amor não cristão da "guerra do fogo",... o marxismo revolucionário, por oposto, analisa essas sociedades primitivas como sendo comunidades naturais, como sendo o comunismo primitivo. Lá onde os escribas de serviço só vêm barbaridade, nós vemos a expressão "da parte humana no homem" (Marx), de sociedades que não conheciam a separação entre trabalho e jogo, entre educação e prazer, entre homem e natureza, entre vida e morte,... reais comunidades onde não existiam nem classes, nem Estado, nem apropriação privativa, nem família, onde o ser colectivo do homem não era nada mais que o próprio homem, onde não existia o indivíduo atomisado tão louvado de hoje em dia, onde a comunidade corresponde aos interesses da espécie.
"No comunismo natural e primitivo, mesmo se a humanidade está circunscrita pelos limites da horda, o indivíduo não procura subtrair bens ao seu irmão, mas está disposto a imolar-se sem qualquer medo para a sobrevivência da grande fratia." (Bordiga - Em Janitzio não se tem medo da morte).
Contra as burrices veiculadas pelos nossos "universitários", aparece cada vez mais claramente que as sociedades primitivas, esse comunismo natural, eram sociedades de abundância onde reinavam ritos de redistribuição das riquezas, de destruição dos excedentes (exemplo do "potlach" no caso dos índios iroqueses, etc...) (2).

Se vemos no comunismo primitivo uma prefiguração da comunidade humana embrionária futura, sempre é verdade que esse comunismo ainda era imperfeito, limitado (não se trata aqui de erguer o mito do "paraíso perdido") e isto porque estritamente determinado pelas condições naturais exteriores, as intempéries, o degelo, os terramotos,... que em certos momentos levam à penúria e portanto à necessidade de produzir reservas, de acumular. A dissolução da comunidade natural pelo câmbio, determinada por um lado pela acumulação de excedentes para o câmbio e de outro lado pela existência de penúrias, das quais, historicamente a primeira e essencial, a penúria de mulheres, efectua-se primeiro em periferia da comunidade para em seguida determinar de maneira cada vez mais marcada a passagem das sociedades de colheita/caça às sociedades de agricultura/criação de gado quer isto dizer a produção a fins de câmbio, o aparecimento do valor e no seu rasto a moeda como intermediário ao câmbio, a expropriação dos homens, a divisão do trabalho, a divisão em classes,... em resumo a destruição do comunismo primitivo e o aparecimento das sociedades de classes e do Estado, órgão de defesa dos interesses da classe dominante, processo que, resumido aqui em umas poucas linhas, durou em realidade milenários.

A alienação, no sentido marxista de desapossamento ou despojamento ou mais correctamente extraenisação (3) aparece com a dissolução da comunidade primitiva, mas, nas comunidades primitivas, preexistia uma alienação: a alienação natural. Essa alienação natural é evidentemente qualitativamente diferente da alienação/extraenisação cada vez mais desenvolvida nas sociedades de classes e levada ao seu auge -dominação absoluta- no modo de produção capitalista. De facto, a alienação natural é o produto da necessidade de explicar, de perceber os fenómenos naturais incompreensíveis e aparentemente supraterrestres que determinam o conjunto da vida comunitária. Isto explica porquê todos os cultos, mitos, divindades,... de essas comunidades integram os elementos essenciais da vida humana, da reprodução da espécie: a fecundidade, o sol, a vida, a lua, o fogo...
"A religião, como o indica a palavra, junta os seres. Ela só aparece ao momento onde a actividade do homem foi fragmentada, como foi fragmentada a comunidade deles. Ela reutilisa os rituais, a magia, os mitos das sociedades precedentes. Antes não havia religião." (Camatte - "A propósito da alienação" em "Capital e Gemeinwesen")
Isto também indica porquê esses mitos, rituais,... expressões da vida comunitária primitiva são muito mais o esboço da real consciência humana do que da sua falsa consciência, mistificada: a religião.
"O mito, nas suas inumeráveis formas, não foi um delírio dos espíritos que tinham os olhos fechados perante a realidade -natural e humana de maneira inseparável como com Marx- mas é uma etapa insubstituível na única via de conquista real da consciência que, nas formas de classe, se construi em grandes e espaçadas dilacerações revolucionárias, e que só terá um livre desenvolvimento na sociedade sem classe (...) Ora bem, esses mitos e místicas eram revolução; o respeito e a admiração que temos para eles, como lutas que constituíam os raros e longínquos movimentos para adiante pelos quais a sociedade humana progrediu, não são, em nós, diminuídos pelo facto que as formulações deles são caducas e que as da nossa doutrina são de uma textura totalmente diferente." (Bordiga - Comentários dos manuscritos de 1844).
Sem que de maneira alguma esses fenómenos sejam entendidos conscientemente, o homem primitivo encontra-lhes uma solução, uma razão mística, mas essa mistificação não é exterior à sua vida, não é desumana: a realidade é só deformada, mistificada pelos próprios limites do homem primitivo. Essa alienação ainda tem um carácter humano. As representações da vida primitiva -transformadas sob o reino do valor no que se chama "arte"- mesmo deformadas pela mística ainda não são totalmente separadas da própria vida, a "arte" ainda não se tornou a representação morta de uma sobrevivência porque ainda existia uma arte de viver.

A dissolução da comunidade, ao mesmo tempo que conduz à separação entre os homens, conduz a todas as separações, a alienação torna-se puramente desumana. Quanto mais se desenvolvem os diferentes tipos de sociedade de classe, mais se desenvolve o despojamento total do homem, o seu desapossamento material e portanto o da sua consciência.
"Sob a forma do câmbio, da moeda e das classes, o sentido da perenidade das espécies desaparece enquanto surge o sentido ignóbil da perenidade do pecúlio, traduzida na imortalidade da alma que passa contracto da sua felicidade fora da natureza com um deus usurário que gere esse banco odioso. Nessas sociedades que pretendem terem-se erguido da barbaridade à civilização, teme-se a morte pessoal e se prosterna perante múmias, até aos mausoléus de Moscovo, de infame história." (Bordiga - Em Janitzio não se tem medo da morte)
II. Reificação e capitalismo

A dominação mundial do capitalismo diferencia-se radicalmente de todos os modos de produção que o precederam pela sua essência universal, condição da unificação da história da humanidade. O capitalismo não é o produto da simples sucessão linear dos modos de produção que o precederam nesta ou naquela zona geográfica, ele tem por pressuposto o mercado mundial. O capitalismo é o primeiro modo de produção mundial. Ele só destrui e unifica todos os modos de produção que coexistiam anteriormente (feudalismo, escravatura, modo de produção asiático,...) ao mesmo tempo que torna possível e necessário o comunismo. O capitalismo assim resume e simplifica os antagonismos de classe que fizeram toda a pré-história humana; a contradição fundamental é agora entre capitalismo e comunismo, entre burguesia e proletariado.

Nesta contradição, o proletariado é o polo negador, é o partido da destruição. E assim como o proletariado resume a história das classes dominantes, o proletariado resume e torna possível a batalha que sempre travaram as classes exploradas (por exemplo Spartacus, T. Münzer, os anabatistas, os "enraivados", os "levellers", ...) (4).
Esta é a razão de que, como dizia Marx, se de facto "a classe possuidora e a classe proletaria representam o mesmo estado de alienação do homem", só o proletariado incarna e personifica na miséria a revolta contra essa mesma miséria, "a revolta à qual necessariamente é empurrado pela contradição entre a sua natureza humana e sua vida real, que é a negação manifesta e decisiva dessa natureza." ("A Família Sagrada", 1845)
O capitalismo que encerra o ciclo do valor (generalizando ao mundo inteiro a produção mercante=formúla A-M-A') liberta o servo da sua última corrente, o encadeamento à terra, mas, ao mesmo tempo, rompe o último laço que ainda mantinha o homem ligado à natureza e além disso permitia-lhe subsistir visto que na relação feudal por exemplo, parte da força de trabalho pertencia-lhe, a outra era devida ao senhor. Só mais resta ao servo libertado, isto é ao proletário moderno, como única propriedade, a sua força de trabalho e a sua descendência (5).
"Luz, ar, e a mais singela limpeza animal deixam de ser necessidades humanas. A imundície, essa corrupção e putrefacção que corre pelos esgotos da civilização (isto deve ser tomado literalmente), torna-se o elemento em que o homem vive." (Marx - Manuscritos de 1844)
E dentro ou através dessa miséria total que o proletariado encontra a sua força destrutiva; não tendo nada a perder, tem tudo a ganhar. Como o dizia Lenine: "O que nós queremos: tudo". Encontramos aqui, na atomisação extrema do "cidadão proletário", na sua "libertação", a base da comunidade do capital, a negação das classes: a democracia (6).
"A sociedade medieval viu-se descomposta nos seus fundamentos, o homem, o homem egoísta. Pois bem, esse homem, membro da sociedade burguesa, é a base, a condição, do Estado político. O Estado reconheceu-o a esse título nos direitos humanos. Mas a liberdade do homem egoísta e o reconhecimento da dita liberdade é, antes de tudo, o reconhecimento do movimento desenfreado dos elementos espirituais e materiais que constituem a sua vida. Assim, pois, o homem não foi emancipado da religião, senão que recebeu a liberdade de religião: não foi emancipado da propriedade, senão que recebeu a liberdade de propriedade; não foi emancipado do egoismo da industria, senão que recebeu a liberdade da industria." (Marx - A questão judia)
A emancipação, a libertação realizada pela sociedade burguesa é portanto a liberdade de ser plenamente explorado; o desapossamento completo do proletário é a sua liberdade de dever -para não morrer de fome- vender a sua força de trabalho. E nesse acto constrangido de venda/compra da força de trabalho humana que se encontra concluída a evolução histórica da deshumanisação. A alienação/extraenisação é total; O homem não passa de uma simples mercadoria, uma coisa morta. A alienação do homem é o trabalho assalariado, o trabalho alienado, a alienação do trabalho. E esse acto de venda -câmbio mercante- que separa totalmente o obreiro, o produtor, dos meios de produção. E forçado a vender-se para poder valorizar-se perante os meios de produção que lhe são alheios e exteriores, embora de facto só sejam trabalho humano cristalizado.
"O trabalhador põe a sua vida no objecto, e sua vida, então, não mais lhe pertence, porém, ao objecto. Quanto maior for sua actividade, portanto, tanto menos ele possuirá. O que está incorporado ao produto de seu trabalho não mais é dele mesmo. Quanto maior for o produto de seu trabalho, por conseguinte, tanto mais ele minguará. A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se converte em objecto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e que com ele se defronta como uma força autónoma. A vida que ele deu ao objecto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil." (Marx - Manuscritos de 1844)
O produto do trabalho é portanto um objecto exterior ao obreiro e que o domina. Não é o obreiro que domina a máquina, é o capital, a relação social, a escravatura assalariada, que domina totalmente a vida do obreiro. Assim a relação social capitalista aparece também como uma força exterior, alheia, "natural" de algum modo, que domina o proletário e que, além disso, se apresenta como eterna. A alienação do trabalho exprime-se também nisto que o trabalho não é para o proletário uma necessidade natural à qual ele se submete voluntariamente, ao contrário, é o único meio que lhe resta para satisfazer as suas necessidades vitais. A luta histórica dos proletários contra a alienação capitalista é a luta dos proletários contra o trabalho (7).
"Por fim, o carácter exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele não se pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa." (Marx - Manuscritos de 1844).
Mas é essa "perda de ele próprio" que dá ao mesmo tempo ao obreiro a possibilidade material de tomar consciência de essa perda, de lutar, de destruir esse sistema de escravatura assalariada.

Vimos portanto que o que caracteriza essencialmente o modo de produção capitalista é que:
"Antes de tudo, produz mercadorias. Mas o que o distingue dos outros modos de produção não é o produzir mercadorias, senão mais exactamente isto: o carácter dominante e decisivo da dita produção é de ser uma produção de mercadorias. Isto implica, em primeiro lugar, que o próprio obreiro aparece essencialmente como vendedor de mercadorias, e, portanto, como obreiro assalariado livre, e o trabalho aparece essencialmente como trabalho assalariado Os agentes principais desse modo de produção, o capitalista e o obreiro assalariado, como tais são incarnações, personificações do capital e do trabalho assalariado." (Marx - O Capital)
E portanto a mercadoria que determina a vida; para existir sob o capitalismo, tudo tem de adquirir a característica de mercadoria, quer dizer a qualidade de ser trocável: ter um valor de câmbio (8) além do suporte que representa o valor de uso. A força de trabalho humana torna-se portanto algo alheio ao homem, torna-se uma mercadoria, uma simples coisa morta, desumana; é a objectivação. Resulta que, para os proletários:
"As relações sociais entre os trabalhos privados deles aparecem como o que são, quer dizer, não como relações imediatamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, senão pelo contrário como relações próprias de coisas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas." (Marx - O Capital)
Sob o capitalismo, o homem só é o que rende, só é a quantidade de valor que possui para cambiar. E o dinheiro que ocupa inteiramente o ofício da comunidade pois a única coisa comum aos homens é a posse mais ou menos importante de dinheiro. E o dinheiro que junta os seres separados, extraenisados; a relação deles é inteiramente desumana, é monetária. E sob a forma do dinheiro que o capital apareceu historicamente. O dinheiro é a mediação universal, tudo tem de tornar-se dinheiro (cf. Marx - "Grundrisse", capítulo sobre o dinheiro). Um exemplo de essa comunidade do dinheiro é o casamento onde, para além dos discursos sobre o amor intenso e a paixão repentina, a realidade não passa de uma junção, sob contracto monetário... de duas misérias.
"O dinheiro sendo ele mesmo a comunidade, não pode tolerar nenhuma outra à sua frente" (Marx).
O obreiro se apresenta portanto como proprietário da mercadoria força de trabalho e vende-se como coisa junto a ela. O processo da extraenisação é por consequente duplo; manifesta-se primeiro na separação das forças humanas e dos produtos do trabalho dos que os criaram e a seguir na autonomização desses produtos; a consequência é a dominação da o homem pela forma material, objectiva do seu próprio trabalho. O carácter feiticista da mercadoria é assim revelado: todas as relações sociais, humanas, devem sob o capitalismo adquirir a característica de mercadoria (9) e aparecem assim como uma relação entre coisas mortas, não-humanas.
"O misterioso da forma mercantil consiste essencialmente no que esta reflexa perante os homens o carácter social dos trabalhos deles como caracteres objectivos inerentes aos produtos do trabalho, como propriedades sociais naturais de coisas e no que também reflexa a relação social entre os produtores e o trabalho social como uma relação social entre objectos, existentes em margem dos produtores (...) O que aqui adopta, para os homens, a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas, não passa da relação social determinada existente entre estes (...) A isto chamo o feiticismo que adere aos produtos do trabalho e que é inseparável da produção mercantil" (Marx - O Capital).
A característica geral do modo de produção capitalista reside portanto nisto que as relações de produção entre os homens não só se estabelecem para objectos mas também e sobretudo através de objectos. A mercadoria (e o seu carácter feiticista) sendo a mediação forçada de toda produção, todas as relações entre homens e sobretudo entre proletários e burgueses, se encontram veladas, mistificadas, coisificadas. A forma geral de esse fenómeno é a reificação. E essa relação entre homens reificados é ela própria apresentada sob um aspecto personalizado - personificação das relações de produção capitalista- em de um lado o capitalista e de outro o proletário; ambos expressões da relação social burguesa.
"A economia não trata de coisas, senão de relações sociais entre pessoas, e em última instancia, entre classes, agora bem, estas relações sempre estão ligadas a coisas e aparecem como coisas" (Engels - A propósito da crítica da economia política de Marx).
Vamos agora decompor artificialmente, em dois tempos, o processo global de reificação afim de discernir claramente os diferentes mas indissociáveis elementos que a compõem:

A) A reificação é o processo pelo qual as relações de produção capitalista (que determina as relações entre os homens, essencialmente entre burgueses e proletários) conferem uma forma social determinada ou características sociais determinadas às coisas pelo intermediário das quais os homens entram em relações mutuais. Isto é a coisificação (10).

B) O que permite ao proprietário das coisas com forma social determinada, de aparecer sob a forma personificada de capitalistas e de entrar em relações de produção concretas com outros homens. Isto é a personificação.

Em outros termos, sob o modo de produção capitalista, as relações entre os homens devem adquirir a característica geral de mercadorias - valor de câmbio, negociabilidade - e tornam-se portanto relações reificadas, relações entre coisas - venda da força de trabalho contra um salário. Mas, essas mesmas relações reificadas feitas coisas exteriores, dominadoras (pelo simples facto que essas coisas parecem ter propriedades "em si") encontram-se elas mesmas personificadas pelos capitalistas, representantes "vivos" de uma relação entre coisas mortas. "O capitalista é capital personificado (Marx - O Capital). O "cúmulo" do carácter feiticista da mercadoria encontra-se evidentemente no valor que se reproduz, no dinheiro que cria dinheiro. O dinheiro toma a qualidade desumana, "em si" de procriar dinheiro como a macieira cria maçãs. O conjunto do processo está obturado, a reificação é perfeita; nada mais resta do homem... o reino das coisas: dinheiro, máquinas, trabalhos, lazeres,... capital. É o reino da morte.

A reificação das relações da produção volta a ter o lugar central que já Marx lhe dava na sua teoria do valor, na sua necrologia do modo de produção capitalista.
"A natureza da mercadoria implica (...) a coisificação (Verdinglichung) das condições sociais de produção, e a personificação (Versubjektivierung) das bases materiais da produção; eis o que caracterisa o modo de produção capitalista no seu conjunto" (Marx - O Capital).
Toda a "obra" dos economistas "marxistas" vai evidentemente ser dedicada à separação da "análise objectiva e científica do capital" dos restos de filosofia hegeliana" -a questão central da reificação- que ainda escurecem a análise. Essa falsificação tem por única função de tentar dar a prova que a gigantesca obra de Marx não passa de uma simples análise -biologia- do capital e não a implacável demonstração ("o terrível míssil") do inevitável desmoronamento catastrófico do capitalismo, da sua destruição violenta pela personificação de toda a miséria humana: o proletariado que, de facto, liberta a humanidade do reino da necessidade e o homem da alienação.
"Os economistas vulgares que não percebem que o processo de "personificação das coisas" só pode ser entendido como resultado do processo de "reificação das relações de produção entre os homens", consideram as características sociais das coisas (o valor, o dinheiro, o capital, etc) como característica naturais que pertencem ás próprias coisas. O valor, o dinheiro, etc não são considerados como expressões de relações humanas "ligadas" ás coisas, senão como características directas das próprias coisas, características que estariam "directamente amalgamadas" com as suas características naturais, técnicas. Esta é a causa do feiticismo da mercadoria que é característico da economia vulgar e da corrente conceição entre os agentes da produção, limitados pelo horizonte da economia capitalista. Esta é a causa da reificação das relações sociais, da imbricação imediata das relações de produção materiais com a determinação histórico-social delas." ("O Capital" - citado por Isaak Rubin nos seus "ensaios sobre a teoria do valor de Marx")
Devíamos portanto resituar a teoria da reificação ao centro mesmo da totalidade que constitui o marxismo, que constitui a "teoria das condições de libertação do proletariado" (Engels). Reintroduzir esse conceito fundamental, que o motor da libertação humana é o facto que o proletariado está ele mesmo completamente extraenisado, completamente dominado e submetido por um amontoamento monstruoso de objectos sem vida -expressão do facto que a sua vida não tem objecto- nos permite entender e descrever o que será o comunismo integral.

III. O comunismo integral: a comunidade humana mundial

A compreensão vulgar despreza sempre o comunismo ao benefício do imediato isto é ao benefício da dominação do capital. Sempre, a revisão faz-se, justificada por "novas condições", por "casos particulares", por "mudanças na evolução do capital", sem nunca entender que o que define o nosso movimento, o que define a luta obreira não é este ou aquela alteração circunstancial na dominação do capital, mas directamente e de maneira invariável, o comunismo... só colocando-se desde o ponto de vista comunista é que os revolucionários podem transformar a realidade nesse sentido... a totalidade do ciclo histórico, da comunidade natural ao comunismo integral, que determina o programa revolucionário que a classe obreira aplicará. Esse movimento desenvolve-se à nossa vista, é a negação do capitalismo pelo proletariado que, negando-se a si próprio -negação da negação- realiza a comunidade humana... a razão para a qual a obra toda de Marx, como a de todos os revolucionários, é também uma descrição do comunismo. Essa descrição do comunismo é ao mesmo tempo descrição do que a humanidade será historicamente forçada a realizar - a comunidade humana- e descrição da acção concreta do proletariado, do movimento comunista que vai impor o comunismo... também, portanto, descrição da nova comunidade na sua prefiguração actual: o partido. Marx descrevia classicamente o comunismo como:
"A essência do homem não é outra que a verdadeira comunidade; os homens, afirmando o ser deles, criam e produzem a comunidade humana social, a qual não é uma potência abstractamente universal oposta aos indivíduos particulares, senão o seu próprio ser, a sua própria riqueza, a sua própria vida, o seu próprio espirito" (Marx - Manuscritos de 1844).
Assim definida a comunidade humana, a "verdadeira comunidade", podemos também perceber mais claramente o carácter fictício (11) da comunidade do capital, de uma falsa comunidade de homens, de uma real comunidade de homens extraenisados, de homens alheios a eles próprios.
"Dizer que o homem é alheio a si-próprio é dizer que a sociedade do dito homem extraenisado é uma caricatura da verdadeira comunidade, uma caricatura da sua verdadeira genérica, é dizer que a sua actividade se converteu em tormento, que o que produz aparece-lhe como um poder alheio, é dizer que a separação com o outro aparece-lhe como a sua própria vida, que a sua vida é o sacrifício da sua vida, que a realização do seu ser converte-se no aniquilamento da sua vida, que a sua produção é vazia, que o seu poder sobre o objecto é a dominação do objecto sobre ele. E dizer que o homem, mestre da sua criação, aparece como o escravo dela" (Marx - Manuscritos de 1844).
E como vimos, a negação do capitalismo pelo proletariado negando-se a si próprio, Marx tira a descrição positiva do comunismo:
"O comunismo é a abolição positiva da propriedade privada, da auto-alienação humana e, pois, a verdadeira apropriação da natureza humana através do e para o homem. Ele é, portanto, o retorno do homem a si mesmo como um ser social, isto é, realmente humano, um regresso completo e consciente que assimila toda a riqueza da evolução precedente. O comunismo como um naturalismo plenamente desenvolvido é humanismo e como humanismo plenamente desenvolvido é naturalismo. E a resolução definitiva do antagonismo entre o homem e a natureza, e entre o homem e seu semelhante. E a verdadeira solução do conflito entre existência e essência, entre objetificação e auto-afirmação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e espécie. E a resposta ao enigma da História e tem conhecimento disso" (Marx - Manuscritos de 1844).
O comunismo significa a realização da espécie humana, significa a destruição do infame e mesquinho indivíduo burguês: "O comunismo suprime o indivíduo para realizar o ser humano" (Le Communiste No.9) (12).
"A necessidade e a fruição, portanto, perderam seu carácter egoísta, e a natureza perdeu sua mera utilidade pelo fato de sua utilização ter-se tornado utilização humana" (Marx - Manuscritos de 1844).
Todas as separações desaparecem com o desaparecimento da propriedade privada, das classes, do dinheiro, do trabalho, do Estado (e de todos os seus aparelhos: justiça, escolas, exércitos, igrejas,...) mas também a estrutura básica da sociedade burguesa: a família (com a sua panóplia hipócrita de cornudos, prostitutas e amantes) para ser substituídos por uma comunidade humana assumindo colectivamente o conjunto da vida e da reprodução da espécie.
"Temos o direito de seguir com as teses económicas seculares; abaixo o salário, abaixo o dinheiro, abaixo o negócio, abaixo o valor, teses não menos seculares e originais: abaixo Deus, abaixo o Estado, abaixo a família" (Bordiga: tabelas imutáveis da teoria comunista).
Nesse sentido o amor não é mais tal como o "conhecemos" hoje a fusão de dois seres atomisados (fusão que significa não-existência) pondo em comum a miséria e a angústia de ambos, mas saciedade e desenvolvimento de todos os desejos, pulsões, necessidades, ... do homem social.
"No comunismo não-monetário, o amor terá, como necessidade, o mesmo peso e o mesmo sentido para os dois sexos, e o acto que o consagra realizará a formula social de que a necessidade da outra pessoa é a minha necessidade de pessoa, na medida que a necessidade de um sexo se realizará como necessidade do outro sexo" (Bordiga - Comentários aos manuscritos de 1844).
"Terei a alegria de ter sido para ti o mediador entre ti e o género humano, e em consequência de ser conhecido e sentido por ti como um complemento do teu ser e uma parte necessária, e, portanto, de saber-me afirmado tanto em teu pensamento como em teu amor.
Terei a alegria de ter criado, como minha manifestação vital individual, a tua própria manifestação vital, e de ter assim afirmado e realizado directamente, na minha actividade individual, a minha verdadeira essência o meu ser humano, o meu ser social" (Marx - Manuscritos de 1844).
Da mesma maneira, o tempo sob o capitalismo é um dos monstros que quotidianamente nos devoram e isto porque o tempo é a medida do valor; é o tempo que quantifica o valor. Sob o capital, o tempo é a única medida, é o padrão segundo o qual se calcula a nossa não-vida. Tudo é determinado pelo tempo de trabalho; e como o diz a célebre fórmula: "O tempo é dinheiro". Marx já o exprimia quando escrevia:
"O tempo é tudo, o homem não é mais nada, é a carcassa do tempo." "O pêndulo do relógio tornou-se a medida exacta da actividade de dois obreiros como o é da velocidade de duas locomotivas".
Sob o capitalismo, o tempo é a medida da nossa perda; perdemos o nosso tempo a ganhar a nossa sobrevivência.

Pelo contrário, o comunismo suprimirá todas as medidas pelo tempo porque suprimirá o que mede o tempo: a produção de valor. Todas as decisões que vão no sentido do comunismo são as que se opõem a lei do valor, que destroem portanto a base da relação de produção capitalista (13).
"Numa sociedade futura em que o antagonismo de classes haverá desaparecido, o uso já não virá determinado pelo mínimo de tempo de produção, senão que o tempo de produção que se dedicará a um objecto estará determinado pelo seu nível de utilidade" (Marx - Miséria da filosofia).
O comunismo tomará como base não o tempo de trabalho (=capital) mas o tempo disponível, a libre disposição da vida e portanto do tempo; não se deverá mais lutar e combater para "tomar o tempo para viver" pois a vida decorrerá durante o tempo todo.

Resta ainda a questão de saber se, para nós comunistas, o comunismo significa "o fim da história", significa na terra a realização do paraíso celeste que nos prometem todos os padres. Aqui como sempre, recorreremos aos clássicos:
"O comunismo estabelece o positivo como negação da negação, portanto, é o momento real da emancipação e da reconquista do homem, um momento necessário para o futuro desenvolvimento da história. O comunismo é a forma necessária e o elemento dinâmico do futuro imediato, mas o comunismo em si não é nem a finalidade do desenvolvimento humano nem a forma da sociedade humana".
Fazendo mais uma vez rugir tanto os idealistas como os materialistas vulgares, Marx afirma aqui que o comunismo só é uma sociedade transitória, que não é o fim da história mas, pelo contrário, o princípio da história humana, da história consciente; só é o fim da pré-história. O comunismo é a supressão dos antagonismos de classe e de todas as consequências deles. Não é supressão de toda contradição, ou seja de todo movimento (14). A humanidade social ainda estará em movimento, movimento produzido não pelas contradições de classe, mas pela primeira vez, por novas contradições enfim humanas. O comunismo é a abertura de uma era nova, a reapropriação pela humanidade da sua história, da sua consciência ao mesmo tempo que do conjuto das suas riquezas.

Notas

1. O quadro geral de este estudo, a questão central do método marxista ou como o marxismo destruí a filosofia (tal como a economia, a ciência, a arte,...) realizando-a, se encontra no nosso texto "Notas críticas sobre o materialismo dialéctico" no Le Communiste No.13.

2. Sugerimos ao leitor interessado por essas questões o texto clássico de F. Engels "A origem da família, da propriedade privada e do Estado" assim como o texto "Abondance et indigence dans les sociétés primitives (Abundância e indigência nas sociedades primitivas)" publicados na revista "La guerre sociale" n1 que, se por vezes confina à apologia da comunidade natural, sempre constitui uma excelente demonstração do carácter essencialmente humano das comunidades primitivas e isto desde o ponto de vista comunista.

3. Utilizamos esse conceito essencial de Marx, restaurado por Camatte, que nos permite exprimir mais adequadamente o desapossamento total do obreiro, a total exterioridade do homem em relação à sua produção. "Traduzimos portanto "Entfremdung" por extraenisação modificando apenas a palavra criada, com razão, por Hipólites. De facto: não é possível neste caso traduzir por alienação, porque seria mascarar a realidade, mais precisamente seria ocultar o momento em que chegou a alienação. Pois este termo implica que o homem tornou-se estranho a si-próprio, à sua Gemeinwesen e que a sua actividade afasta-o cada vez mais da sua realidade humana. E uma fase extremamente importante do desenvolvimento da sociedade capitalista. A última chega quando as relações sociais atomisadas, tornadas independentes dentro do capital, dominam o ser humano cuja actividade originalmente as criou. Temos então a reificação, a qual tem por consequência inevitável a mistificação completa da realidade." (Invariance)

4. Obviamente, só o proletariado pode realizar esse velho projecto da humanidade; os comunistas do passado estavam virados para o passado, para o redescobrimento da antiga comunidade desaparecida (cf. a cidade do sol de Spartacus) e ainda não tinham a possibilidade material de impor a nova comunidade humana, ocomunismo integral.

5. E de essa constatação que procede a etimologia da palavra "proletário": de prole=filho, que só possui em próprio a sua descendência.

6. A situação extrema do proletariado como "não-classe" é a sua existência única "para o capital", a sua total atomisação, a sua dissolução no povo. A dominação integral da contra-revolução na democracia purificada -fascista ou antifascista- conseguiu quase inteiramente a realizar esse estado de negação das classes no período precedendo a segunda guerra mundial (cf. as obras de Bilan). Do nosso lado, preferimos o conceito de "não-classe" ao conceito "mais clássico" de "classe em si" para justamente indicar mais claramente que a diferença entre "classe em si" e "classe por si" exprime de um lado a inexistência de um proletariado como classe revolucionária -classe no pleno sentido do termo isto é organizada em partido- e de outro lado a sua afirmação como tal.

7. Cf. o nosso texto "Abaixo o trabalho" em Action Communiste No.4.

8. Distinguimos evidentemente aqui a forma que toma o valor sob o capital: o valor de câmbio, da substância do valor: o trabalho abstracto.

9. Sobre o conjunto de essas questões, indicamos ao leitor o livro não exempto de críticas "As superestruturas ideológicas na conceição materialista da história" de F. Jabukowski.

10. A primeira frase do "Capital" já sintetiza toda essa realidade: "O modo de produção capitalista anuncia-se como "uma imensa acumulação de mercadorias."

11. Se definimos a comunidade do capital como uma comunidade fictícia, isto significa para nós que é fictício no sentido da comunidade, como "essência do homem", mas que é inteiramente real como "comunidade" de seres atomisados, como não-comunidade humana. A comunidade fictícia do capital existe, por isso devemos destruí-la.

12. Quando afirmamos essa posição central do comunismo revolucionário em filiação directa com as obras de Bordiga e de Marx - "O ser colectivo é a verdadeira Gemeinwesen do homem" - consideramos, como Bordiga, que "nessa construção grandiosa o individualismo económico é eliminado e aparece o homem social cujos limites são os mesmos que os da sociedade humana, melhor ainda, da espécie humana". Mas, esse conceito essencial, impessoal e anti-individualista -o homem só existe como homem social, como espécie humana- significa também a realização total do homem "particular"; da parte humana em cada homem. A supressão do indivíduo -no sentido limitado, estúpido e egoísta- significa a realização do homem social e portanto a total realização de cada homem "particular". "O perigo no caso de Bordiga é que ele mantém a sua tese de negação do indivíduo até dentro do comunismo; negando finalmente o homem como unidade, o comunismo aparece então unicamente como o triunfo da espécie." (J. Camatte - Bordiga e a paixão do comunismo)

13. Não consideramos neste artigo, o conjunto da problemática dos "vales de trabalho" no período de transição, proposição eminentemente circunstancial feita por Marx na sua crítica do programa de Gotha. Contudo podemos afirmar sucintamente o necessário ultrapassamento da problemática dos vales de trabalho que mantêm-se inteiramente uma forma de trabalho extraenisado pelo tempo. O comunismo integral define-se pelo contrário pela supressão do trabalho, e portanto da sua medida. As medidas imediatas tomadas pela ditadura mundial do proletariado deveram justamente ser medidas que vão no sentido do comunismo, em oposição à lei do valor e portanto no sentido da supressão do trabalho, entre as quais a diminuição radical do tempo de trabalho é um exemplo. Essas medidas farão mais que introduzir um novo sistema de cálculo do trabalho pelo tempo tal como os vales de trabalho, porque se opõem à lógica do capital, corresponderam muito mais à reapropriação pelo proletariado do conjunto do produto social com, por exemplo, medidas tais que a gratuidade dos transportes, da habitação, da saúde, distribuições de alimentos, etc... A proposição de Marx -as senhas de trabalho -largamente anacrónicos considerado o desenvolvimento tecnológico actual, tinha pelo menos o imenso mérito de situar-se numa perspectiva comunista, antagonicamente ao desenvolvimento do capital; o mesmo não se pode dizer de todos os seus "continuadores" e "intérpretes" para quem o comunismo só é concebido como um capitalismo realçado de algumas reformas democráticas.

Sobre esse assunto, sugerimos ao leitor interessado o debate entre Bilan e o Grupo dos Comunistas Internacionalistas de Holanda (GIK) no Bilan No.19 e 20 assim como o texto "Comunismo e medida pelo tempo de trabalho" no "Guerra Social" No.1.

14. Por oposto a Hegel que, em perfeito idealista, põe um termo à dialéctica e portanto à história (finalidade da história humana que seria atingida pelo ideal representado pelo Estado alemão), Marx conserva até o fim a dialéctica da história como príncipe director e não faz portanto do comunismo a fim do movimento, a fim de todo desenvolvimento humano.

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Sublinhamos


Ontem, 25 campos de trabalho na Grã-Bretanha.

* * *


A única coisa que importa ao capital é a sua valorização , sem consideração para os sacrifícios que implica. Hoje, como ontem, a crise obriga a burguesia a livrar o capital dos seus excedentes. Como um doutor faria uma flebotomia a um paciente, a burguesia precisa de purgar o capital para deixá-lo recomeçar o seu ciclo de valorização.

Aniquilar as mercadorias excedentes é uma necessidade imperiosa, e em primeiro lugar a força de trabalho supranumerária, as massas de desempregados, de sem-abrigo, de esfomeados, de indigentes cada dia mais volumosas.

Que fazer com essas mercadorias indesejáveis para o capital?

Pode-se deixar os proletários morrer de fome e de doença, massacrá -los em guerras locais ou étnicas, ou então, como veremos, encerrá-los em campos de trabalho forçado, isto é campos de concentração.

E campos de concentração, sempre houve deles e ainda há. Cada vez que a necessidade de livrar-se de mercadoria força de trabalho começa a fazer-se sentir, junta-se os proletários em campos e põe-se os ao trabalho. Trata-se primeiro de os manter sob controle, de impedir que se organizem, contra o desemprego e a miséria crescente. Trata-se depois, como é o caso hoje em Itália com o fluxo maciço de refugiados albaneses, de não deixar milhares de proletários à balda que arriscam-se a comprometer a frágil paz social que ainda reina no país. Trata-se enfim, quando se generaliza a guerra e que a morte torna-se banal, de liquidar puramente e simplesmente essas massas agora inúteis, custosas e perigosas. Foi o que se tem feito mais ou menos por todo o lado em Europa, à apenas 50 anos.

Actualmente, estamos ao nível dos primeiros sintomas. Por todo o lado em Europa, encerram-se os clandestinos, os refugiados, os boat-people. Propõe-se medidas de trabalho forçado para desempregados. Encerram-se maciçamente os proletários no sul da Itália, mais parcimoniosamente em França, mas a violência é sempre a mesma: em Pescara, a marinha italiana afunda um barco de refugiados albaneses, enquanto na Bélgica a polícia assassina Semira Adamu asfixiando-a porque recusava ser expulsa.

Qualquer seja as épocas e os sítios, concentrar os proletários excedentes em campos e aterrorizá- los é o primeiro sintoma de um sociedade que apronta-se a destruir-se para regenerar-se.

Hoje, principalmente no ocidente, a democracia -outro nome para "exploração capitalista"- funda a sua justificação sobre o antifascismo. Trata-se de promover a memória das atrocidades cometidas pelo fascismo para assegurar a amnésia dos crimes cometidos pelo lado antifascista (1). Em resumo, trata-se da banal maneira de proceder de todos os vencedores nas guerras imperialistas. O vencedor só faz a publicidade das barbaridades cometidas pelo vencido.

Eis, contudo, baseado em informações tiradas da edição do "Sunday Times" do 9 de agosto 1998, um novo exemplo de campo de trabalho construído antes da segunda guerra mundial, e do qual os "nazis" poderiam ter-se inspirado.

Entre 1929 e 1939, sob a tutela do gorverno do assaz socialista Ramsay Mac Donald, alguns 25 campos de trabalho serão construídos nos sítios mais recuados da Grã-Bretanha e mais de 200.000 jovens desempregados transitarão por lá (2). Nesses campos, a estadia mínima era três meses, os proletários eram obrigados a trabalhar nove horas por dia, escavando buracos, abatendo arvores e partindo pedras para construir estradas. Vestidos de uniformes semelhantes aos dos prisoneiros, vivam em cabanas de madeira, e do salário miserável que ganhavam eram deduzidas a renda e a comida. Qualquer pessoa recusando-se a esses três meses de escravidão perdia imediatamente e para sempre qualquer direito a indemnidades de desemprego.

A genial ideia do senhor Mac Donald, socialista da vanguarda ao serviço do capital, era de submeter durante três meses todos os proletários desempregados a condições de vida tais que a seguir lhes passaria a vontade de recusar até os mais degradantes trabalhos. Portanto, de criar uma situação tal que qualquer trabalho seria preferível ao destino reservado aos proletários nesses campos.

A fim dos anos 20 e os anos 30 foram anos de crise mundial. Obrigando a força de trabalho excedente? Os desempregados - a ficar mobilizados sob o trabalho forçado, os governos procuravam subtrair as cidades à agitação que começava a reinar. A tal segunda guerra mundial e o envio de milhares desses proletários para os campos de batalha constituirá o remate final dessa grande limpeza. Mas, durante os dez anos que precedem o seu desencadeamento, todos os preparativos instalam-se. Os campos de concentração ingleses forneceram uma mão de obra barata e farão consideravelmente diminuir o nível do desemprego. O proletariado é posto sob controle, alistado nos campos de trabalho antes de o ser no exercito.

Apesar dos relatórios governamentais dessa época terem todos “desaparecido”, certos prisioneiros hoje com mais de 80 anos de idade confirmam que se tratava de facto de campos de trabalho forçado, de escravatura e terror.
“A experiência era desumana e degradante. Com o tempo, realizo que o nosso tratamento não era diferente do que os Nazis infligiam”, recorda-se W. Eccles que passou três meses no campo de Glenbranter quando tinha 18 anos.
“Só faltavam as cadeias. Os responsáveis eram odiosos. Era escravatura. Metiam-se por cima e berravam para que trabalhássemos mais depressa, mas de qualquer modo sempre trabalhávamos duramente para não morrer de frio. Ninguém queria ir nesses campos, mas eramos forçados”, acrescenta C. Ward, ele também internado em 1932 para três meses de trabalho forçado.
Essa política, que tinha o delicado nome de “New Deal” (uma apelação retomada mais tarde nos Estados Unidos sob Roosevelt),foi recentemente adaptada à moda de hoje pelo assaz socialista Tony Blair.

O New Deal de Blair, é um plano que prevê que todos os desempregados de menos de 25 anos perderão as indemnidades de desemprego deles se recusam qualquer proposta que lhes é feita. Quer isto dizer qualquer que sejam o salário e as condições de trabalho , não se trata de recusar ou emitir qualquer reivindicação.

Hoje como ontem, calar-se e aceitar, tal é a regra para não morrer de fome.

Hoje como ontem, as mesmas causas capitalistas produzem os mesmos efeitos

Que seja na Itália, em Israel, ou se calhar dentro de pouco na Grã-Bretanha, a preocupação do Estado é sempre a mesma: constringir pelo terror o proletariado a aguentar sem resistir os ataques sucessivos de este sistema de miséria e de morte.

Se podiam deitar-nos ao mar, há que tempos que já seriamos comida para peixe. Mas não se pode decentemente atirar-nos para o mar, então, encerram-nos em campos de concentração, de trabalho, de refugiados, de deslocados Cortam-nos a comida e tornam-nos dóceis e imbecis para que nos preparemos a marchar, o cravo na espingarda, para a próxima carnificina generalizada.

Mas nós, os proletários, hoje desvalorizados, empobrecidos, massacrados, sacrificados no altar do Valor, não somos impotente s. Por todo lado neste mundo, de maneira esporádica e não centralizada, a nossa classe resiste, revolta-se, deserta, sabota

Somos ricos da experiência histórica da nossa classe. Temos de reapoderar-nos da memoria colectiva das nossas lutas de ontem e centralizar os nossos combates de hoje. Organizemo-nos para acabar com este sistema que se alimenta do nosso suor e sangue!

Nós só somos excedentes para o capital; para o comunismo, “proletários” rima com “revolucionários”!

Destruamos o monstro que nos destrói!
Morte ao capital!
Viva o comunismo!


Notas

1. Cf. os campos de concentração da Frente Popular francesa, os da Espanha republicana ou os campos onde foram encerrados todos ps japoneses da América do Norte.

2. Na mesma época, em Irlanda, os proletários esfomeados eram obrigados a construir estradas que não levavam a sítio nenhum, para impedi-los de pensar na fome que os atormentava. Essas estradas foram chamadas “famine roads” (estacadas da fome).

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O trabalho é a negação em acto da actividade, da satisfação e da prazer humano. O trabalho torna o homem estrangeiro a si-próprio, ao que produz, á sua própria actividade e ao género humano. O trabalho nada mais é que a actividade humana subjugada ás necessidades das classes dominantes de apropriar-se o sobreproduto explorando e submetendo as outras classes. O capitalismo, libertando -separando- os explorados dos seus meios de vida e de produção e destruindo as antigas formas de produção impôs o sistema salarial e generalizou o trabalho livre ao planeta todo, reduzindo assim em todo lado o homem ao estado de trabalhador, de torturado (“trabalho” deriva etimologicamente do latim “trepalium” - três paus -, um antigo instrumento de tortura).

No trabalho, o proletário é universalmente privado da posse do seu produto; é extraenisado, alheio a si-próprio, negado na sua essência, na sua vida, na sua fruição e tornado estrangeiro ao produto da sua própria actividade.

Além de despejar seu suor, sangue, e vida numa actividade na qual a insensatez só rivaliza com o embrutecimento ele está separado dos laços imediatos com os outros homens na qualidade de seres humanos e portanto separado da sua vida genérica, da espécie humana.

Só dentro da luta contra o trabalho, contra a actividade que se encontram forçados de exercer e contra os que os constrangem a fazê-lo, reemergem os proletários em qualidade de seres humanos e tomam assim, na generalização dessa luta e na consecutiva reconsideração da totalidade da sociedade, os primeiros passos em direcção duma sociedade comunista onde a actividade tornara-se enfim humana, para os humanos.

* Teses de orientação programática GCI, Tese 40 *