sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Notas sobre o partido social-democrata brasileiro

Usamos o “mene da pisada” para ilustrar parte do pensamento que será exposto nesse texto.



Resumo: O objetivo desse texto é contribuir com um estudo acerca das bases fundamentais do partido social-democrata especificamente brasileiro. Consideramos que a síntese das premissas historicamente gerais da social-democracia nos permite analisar adequadamente a forma como emerge esse partido no Brasil contemporâneo. Portanto, depois de definir a social-democracia em sua generalidade vamos tratar das suas particularidades regionais e especificidades locais, utilizando-se uma perspectiva internacionalista da luta de classes. Neste caso, o texto se subdivide em: 1) as premissas gerais que envolvem todo o partido social-democrata, 2) tendências comuns da área latino-americana e 3) os aspectos específicos de sua variação situada no Brasil.


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1. Partido material, Estado e modo de gestão do capitalismo:


Antes de demonstrar o que há de invariável nos partidos sociais-democratas, é necessário explicar o que entendemos por partido. Neste caso, quando falamos em “partido”, nos referimos a uma coalizão de forças sociais que perseguem um objetivo histórico comum e não a uma organização formal com membros de carteirinha. As organizações formais, com seus regulamentos internos, quadros de militância e demais questões burocráticas, recebem aqui o nome de “partido formal”. A formalização de organizações são momentos do desenvolvimento dos partidos materiais que participam do movimento real da história [1].

Aqui nós vamos tratar do modo de produção capitalista como o sistema histórico mundial vigente na qual emergem as tendências que convergem na formação dos partidos. Neste caso, as “forças sociais” que compõem os partidos materiais de nossa sociedade derivam necessariamente da luta de classes, ou mais precisamente: do antagonismo entre classe proletária e classe burguesa (que é o centro na qual orbitam os demais conflitos sociais do capitalismo). Esse antagonismo tende, como expressão máxima da crise de reprodução do capitalismo, a se expressar num conflito entre a coalizão de forças dirigidas pelo proletariado e a coalizão de forças dirigidas pela burguesia

Portanto, o partido material difere do partido formal principalmente porque o primeiro deriva diretamente da base material (condições sociais e históricas) de determinada sociedade (assume a forma de uma tendência geral) e o segundo deriva apenas indiretamente, pois depende da vontade particular de seus fundadores (assume a forma de uma tendência particular). Por exemplo: do partido material da burguesia, o partido democrata estadunidense é apenas uma fração específica, uma formalização de um conjunto de interesses específicos da classe dominante.

Com efeito, o “objetivo histórico” de um partido material é o programa imanente aos interesses sociais de sua composição. O programa do proletariado (como classe revolucionária) é sua auto-emancipação e, consequentemente, a emancipação da humanidade, portanto: a construção do comunismo. O programa da burguesia (como classe conservadora) é a preservação de sua dominância, consequentemente: a manutenção do capitalismo.

O poder da classe dominante, em virtude de que as relações sociais atuais são as relações que derivam de seu domínio, é a causa eficiente da organização política da sociedade capitalista: o Estado. “Do ponto de vista político, estado e organização da sociedade não são duas coisas distintas. O Estado é a organização da sociedade” (MARX, 2010, p. 38, grifos originais). Neste caso, a dominação política da burguesia e o Estado são sinônimos.

O Estado Moderno foi fundado pela Grande Revolução, cujo programa expressou os interesses da classe burguesa, conforme descreve Piotr Kropotkin (1935, p. 12, grifos nossos):

Muito antes, contudo, da Revolução se anunciar pelos seus rumores, já a burguesia francesa, o Terceiro Estado, entrevira o organismo político que se ia desenvolver sobre as ruínas da realeza feudal. É muitíssimo provável que a Revolução inglesa contribuísse para mostrar ao vivo o papel que a burguesia iria desempenhar no governo das sociedades. E é certo ter a revolução em América estimulado a energia dos revolucionários em França; mas, já desde o começo do século XVIII, o estudo do Estado e da constituição das sociedades cultas fundadas na eleição de representantes, se tornara – devido a Hume, Hobbes, Montesquieu, Rosseau, Voltaire, Mably, d'Argenson, etc., – um estudo favorito a que Turgot e Adam Smith acrescentaram o estudo das questões econômicas e da missão da propriedade na constituição política do Estado.

É que, muito antes da Revolução explodir, o ideal de um Estado centralizado e bem-ordenado, governado pelas classes que possuem propriedades prediais ou industriais, ou que se entregam às profissões liberais, fora previsto e exposto num grande número de livros e de panfletos, nos quais os homens de ação da Revolução bebem, mais tarde, a sua inspiração e energia racional.

Eis porque a burguesia francesa, em 1789, no momento de entrar no período revolucionário, sabia bem o que queria.

Podemos resumir, portanto, que: “O Estado moderno, qualquer que seja a sua forma, é máquina essencialmente capitalista, é o Estado dos capitalistas, o capitalista coletivo ideal” (ENGELS, 1945, p. 100).

Só existe uma diferença formal entre o “capitalista coletivo” representado pela classe social burguesa e o “capitalista coletivo ideal” representado pelo Estado, pois o primeiro é o conjunto da classe em sua heterogeneidade e o segundo é a expressão orgânica da sua dominação. De todo o modo, temos a famosa passagem do “Manifesto do Partido Comunista” que diz: “O poder estatal moderno é apenas uma comissão que administra os negócios comuns do conjunto da classe burguesa” (ENGELS; MARX, 1998, p. 9). Não é necessário dizer que os “negócios comuns” são precisamente os interesses de classe (do “capitalista coletivo”).

Resta precisar a diferença específica do Estado Moderno com relação aos demais Estados da história. Com efeito, segundo a tipologia dos regimes políticos, o Estado Moderno é uma república, considerada uma mistura dos três tipos de governo: monarquia (presidencialismo ou parlamentarismo – Hobbes mesmo dizia que uma assembleia poderia representar o soberano), aristocracia (ministros e judiciário) e democracia (possibilidade de eleger os representantes – como no caso do legislativo). Segundo Francis Dupuis-Déri:

O republicanismo moderno baseia-se em uma visão mecânica em que os vários elementos de uma sociedade perseguem interesses divergentes (esta é a ideia moderna de uma sociedade pluralista), mas que, para proteger sua vida privada de um despotismo público, concordam em constituir um regime complexo em que os diversos poderes estão separados e se equilibram mutuamente (2007).

Também pode ser chamado de democracia moderna, ainda que a “democracia antiga” tenha assumido uma função análoga em sua época (cuja discussão ultrapassa os limites desse ensaio). De todo o modo, em virtude de que vivemos na modernidade, vamos chamar apenas de democracia mesmo. E esse modo de governo é o que melhor convém aos interesses da burguesia:

Assim, por definição, o estado burguês “representa” toda a população, abstraída de sua distribuição em classes sociais, como cidadãos individuais e iguais. Em outras palavras, apresenta a homens e mulheres suas posições desiguais na sociedade civil como se fossem iguais no Estado. O parlamento, eleito a cada quatro ou cinco anos como expressão soberana da vontade popular, reflete para as massas a unidade fictícia da nação como se fosse seu próprio autogoverno. As divisões econômicas dentro da “cidadania” são mascaradas pela igualdade jurídica entre exploradores e explorados, e com ela a completa separação e não participação das massas no trabalho do parlamento. Essa separação é, portanto, constantemente apresentada e representada às massas como a personificação última da liberdade: a “democracia” como o ponto final da história. A existência do estado parlamentar constitui assim a estrutura formal para todos os outros mecanismos ideológicos da classe dominante (ANDERSON, 1981, p. 48, tradução nossa, grifos originais).

Nos parágrafos acima nós expomos a questão dos partidos e do Estado de modo geral no capitalismo, pois veremos que a social-democracia é apenas mais uma tendência histórica geral deste modo de produção, um partido que tem uma função específica na sua gestão política-econômica. Por “gestão” entendemos o mesmo que Marx chamou de “administração” nessa passagem: “a administração é a atividade organizadora do estado” (MARX, 2010, p. 39, grifo original). A gestão do Estado é uma formalização específica da regulação social, isto é, do modo de reprodução da organicidade constitutiva do sociometabolismo capitalista.

Existem duas formas constantes de gestão: a progressista e a “liberal”. Neste sentido, o modo progressista de gerir o capitalismo consiste na igualização social dos humanos como “indivíduos” com direitos, pois qualquer pessoa nessa sociedade emerge como uma “portadora de mercadoria” e, enquanto tal, está em igualdade formal com qualquer “equivalente” sua (sendo necessário suprimir as “desigualdades artificiais” que impedem a “justa” manifestação da “concorrência universal”, segundo os “méritos” de cada um – como dizem). O modo liberal de gerir o capitalismo consiste na “não-intervenção” no mecanismo de “auto-regulação” do mercado, que há de distribuir a cada um seu mérito sem a necessidade de “nivelação artificial” (ou seja: sem “políticas públicas”). Entorno do progressismo se organiza o partido social-democrata, para enquadrar o (conciliação de classes) proletariado e convocá-lo a participar da gestão do poder da burguesia (através de reformas). Costuma-se chamá-los de “esquerda capitalista” (ou “esquerda do capital”). Entorno do liberalismo se organiza o partido burguês clássico, para defender os interesses próprios da classe dominante, segundo as variações do mercado (aos quais estão fatalmente subordinados). Em ambos os casos, porém, se tratam de partidos da burguesia.

Existe um modo mais conjuntural de garantir a manutenção do capitalismo que emerge durante uma crise de reprodução do modo de produção: trata-se das diferentes formas explicitamente ditatoriais que foram necessárias historicamente para impedir revoluções proletárias. Essa forma intermitente de gestão já foi chamada de bonapartismo, cesarismo, fascismo, ditadura militar, etc., que são diferentes expressões factuais dessa tendência conjuntural.

Considerando que a ditadura do valor e, por conseguinte, a ditadura capitalista é algo constante, preferimos não usar, como termo genérico, a noção de “ditadura”. Vamos chamar, por convenção de nosso momento histórico específico (e para as correlações que faremos ao longo do texto), de fascismo. Com efeito, o poder burguês em sua forma fascista é reacionário, precisando restabelecer forçosamente uma “organicidade” no tecido social dilacerado pela luta de classes, portanto é necessariamente integralista, isto é, a população precisa ser “unificada” e “coesa” entorno de uma “doutrina nacional” em que, de “indivíduos portadores de mercadoria”, as pessoas aparecem como “exemplares nacionais vitais” do “corpo nacional” (integrantes do “capitalista coletivo ideal”). Essa imposição de uma coesão orgânica e “integralmente nacional” exige uma gestão corporativa do Estado (que explicaremos adiante). Portanto, o fascismo, apesar de conjuntural, também tende a formar-se como partido, mas trata-se, neste caso, de uma metamorfose do liberalismo e do progressismo em uma coalizão pontual de forças sociais da social-democracia e do liberalismo.

O fascismo é a elevação da ditadura do trabalho ao seu paroxismo. De modo generalista, percebemos que o caráter corporativo do fascismo tende a se exprimir em um Volksstaat (estado popular) onde se afirma organicamente a comunidade ilusória (Gemeinschaft) da nação. Trata-se de um modo de expressão do fetichismo das mercadorias através da unificação do mercado nacional (nacionalismo) e da abstração de uma macro-pessoa mercantil que recebe o nome de: Povo. Neste caso, busca-se destituir a constituição de classe do proletariado e convertê-lo a “membro do povo”. Também se torna necessário suprimir o contra-poder proletário através do  “poder popular” com todos os seus aparatos ideológicos: (re)invenção de tradições, misticismo, moral gregária, etc. Ou seja:

O capitalismo instaura ou restaura todos os tipos de territorialidades residuais e factícias, imaginárias ou simbólicas, sobre as quais ele tenta, bem ou mal, recodificar, reter as pessoas derivadas das quantidades abstratas. Tudo repassa ou regressa, os Estados, as pátrias, as famílias. É isto que faz do capitalismo, na sua ideologia, “a pintura mesclada de tudo aquilo em que se acreditou” (DELEUZE & GUATTARI, 2010, p. 53, grifos nossos).

O que escrevemos acima pode soar contraditório para muitos, mas para os revolucionários fica evidente que todas as tendências de manutenção do capitalismo tendem a formar um sistema dinâmico, um mesmo processo histórico que é animado por esses modos de gestão que variam de acordo com as correlações de forças na luta de classes.

Daremos exemplos ao longo do texto para confirmar nossas formulações. Agora já podemos nos deter mais concretamente na definição do partido social-democrata.

2. A invariância do Partido Social-Democrata


Por conteúdo invariável compreendemos as premissas gerais que envolvem um determinado modo de existência social num processo histórico definido. No caso de nosso estudo, se trata do conteúdo invariável de todo e qualquer partido social-democrata (no sentido de tendência histórica – lembrando que estamos falando do partido material, ainda que tenhamos que mencionar um ou outro partido formal). Em suma, todo partido burguês social-democrático possui premissas gerais que são coesas entre si e congruentes historicamente com um determinado modo de gestão do capitalismo.

No 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Marx analisa a formação da social-democracia na França da primeira metade do século XIX (cuja edição da Boitempo – utilizada em nossas referências – se encontra disponível neste link). Esta obra foi escrita na forma de artigos entre dezembro de 1851 e março de 1852 que foram publicados originalmente na revista Die Revolution. Trata-se de uma análise concreta da luta de classes na França, entre 1848 e 1851, demonstrando como o proletariado foi isolado e derrotado na insurreição de junho e como esse acontecimento desencadeia uma série de outros acontecimentos que levaram ao golpe de estado de Luís Bonaparte – que se nomeou imperador (Napoleão III), à semelhança de seu tio Napoleão I. Este estudo contribui para definir algumas das principais características invariáveis do partido social-democrata.

Antes de abordar o conteúdo invariável, precisamos compreender a dinâmica social específica em que emerge o partido histórico ao qual se refere nosso estudo (utilizamos, além da obra de Marx mencionada, alguns comentários de Bakunin e o texto do CrimethInc: A Democracia da Reação).

Em junho de 1848, quatro meses depois da instauração da República (que foi realizada a partir de uma ampla agitação social), a classe proletária francesa se insurge contra as revogações das poucas medidas que foram adotadas para atender as necessidades das pessoas pobres. O proletariado, contando apenas com suas próprias forças, ergue barricadas, clama pela revolução social e expressa seu programa através da noção de república social (inspirado pelas ideias dos comunistas materialistas, veja-se, por exemplo, o jornal L'Humanitaire). A repressão brutal do processo revolucionário foi liderada pelo general Cavaignac, que se tornará o bastião do partido burguês republicano. Nesta ocasião, o famoso escritor Victor Hugo (que era membro eleito da Assembleia Constituinte) considerou um dever cívico marchar contra as massas insurretas. A repressão de junho possibilitou a consolidação da Assembleia Constituinte na França e, em seguida, a eleição de Luís Bonaparte que, no final do seu mandato (em dezembro de 1851), dá um golpe de Estado e restaura a monarquia na França. Segundo Bakunin, “os Victor Hugos, os Quinots, etc. comentaram muito sobre o crime e os criminosos de Dezembro; mas eles nunca se dignaram a mencionar o crime e os criminosos de Junho” (BAKUNIN, 2014, p. 201), o que era irônico, afinal, conforme Bakunin: “é tão evidente que dezembro não foi outra coisa, a não ser a consequência fatal e a repetição, em versão maior, de Junho!” (idem) .

Naquele contexto específico, o partido social-democrata francês se formou logo depois da repressão da insurreição de junho, composto por uma coalizão da pequena-burguesia com trabalhadores, uma vez que a “grande-burguesia” coligada favoreceu a si própria (à revelia dos interesses da “pequena”) na constituição da República na França (através da ditadura de Cavaignac). Portanto, buscou-se assimilar parcela do proletariado para fazer pressão em prol dos interesses de uma parte da burguesia que não se sentia “recompensada à altura” de sua “importância cívica”:

Ela havia feito uma aliança com os líderes socialistas. Em fevereiro de 1849, foram celebrados banquetes de reconciliação. Um programa comum foi elaborado, comitês eleitorais comuns foram instituídos e candidatos comuns lançados. A ponta revolucionária das exigências sociais do proletariado foi quebrada e foi-lhe dado um viés democrático, as reivindicações democráticas da pequena-burguesia foram despidas da sua forma meramente política e a sua ponta socialista voltada para fora. Assim surgiu a social-democracia (MARX, 2011, pp. 62-63, grifos nossos).

A aplicação do projeto social-democrata teria desenvolvido uma gestão progressista na França, se não tivesse sido derrotado por Bonaparte nas eleições. Agora vejamos parte do conteúdo invariável do programa social-democrático segundo Marx:

O caráter peculiar da social-democracia se resumia aos seguintes termos: reivindicavam-se instituições republicanas democráticas, não como meio de suprimir dois extremos, o capital e o trabalho assalariado, mas como meio de atenuar a sua contradição e transformá-la em harmonia. Quaisquer que sejam as medidas propostas para alcançar esse propósito, por mais que ele seja ornado com concepções mais ou menos revolucionárias, o teor permanece o mesmo. Esse teor é a modificação da sociedade pela via democrática, desde que seja uma modificação dentro dos limites da pequena-burguesia. Basta não cultivar a ideia estreita de que a pequena-burguesia tenha pretendido, por princípio, impor um interesse egoísta de classe. A social-democracia acredita, antes, que as condições específicas da sua libertação constituem as condições gerais, as únicas nas quais a sociedade moderna pode ser salva e a luta de classes evitada (MARX, 2011, p. 63, grifos nossos).

Um exemplo contemporâneo de um teórico social que ainda insiste na “salvação da sociedade moderna” é o alemão Jürgen Habermas e sua ideia de “realização do projeto moderno”, onde ele “concebe” a necessidade de suprimir o “conflito irracional” da luta de classes pela “ação comunicativa”, daí sua proposta de constituição de uma “democracia participativa”. Neste caso, o discurso é sempre o mesmo: generalizar o que há de “progressivo” na “modernidade”, as instituições democráticas, a “racionalização” e tudo o mais, para harmonizar as relações sociais e evitar a luta de classes, considerada, pelos sociais-democratas, como um “particularismo” que não atinge os ideais da “legitimidade” segundo os critérios “universais” dos “homens”. A premissa fundamental é: a universalização das condições específicas da libertação da pequena-burguesia, como se fossem as condições gerais de libertação da humanidade.

Ao mesmo tempo, como parte dessa unidade contraditória, busca-se defender uma noção abstrata de “sociedade pluralista”, “multicultural”, “inclusiva”, onde é necessário o “reconhecimento” de todos como “humanos de direitos” ou “alteridades” que “importam”. Esses “ideais” funcionam para fragmentar o proletariado com concepções identitaristas acerca da diversidade que lhe é própria como classe social. Neste caso, generalizam o ambiente hostil da concorrência universal que perpassa a sociedade mercantil capitalista. Isso traz consequências negativas para sua própria coesão de partido:

Por fim, em vez de conseguir um aporte de forças do proletariado, o partido democrata o havia contagiado com a sua própria debilidade, e, como costuma acontecer no caso de grandes feitos democratas, os líderes tiveram a satisfação de culpar o seu “povo” de deserção, e o povo teve a satisfação de culpar os seus líderes de fraude (MARX, 2011, p. 66, grifos nossos).

Neste sentido, o princípio de cidadania agrupa as pluralidades identitárias, enquanto que o princípio de desenvolvimento econômico (que já discutimos no blog em outros escritos) torna-se o projeto através do qual se faria possível democratizar o capital (igualdade para o “povo” em termos progressistas):

[Portanto,] por representar a pequena burguesia, ou seja, uma classe de transição, na qual os interesses de duas classes se embotam de uma só vez, o democrata tem a presunção de se encontrar acima de toda e qualquer contradição de classe. Os democratas admitem que o seu confronto é com uma classe privilegiada, mas pensam que eles é que constituem o povo junto com todo o entorno restante da nação, que eles representam o direito do povo, que o seu interesse é o interesse do povo (MARX, 2011, p. 67, grifos e acréscimo nosso).

O resto do conjunto de características invariáveis da social-democracia já foram discutidas por nós nas seções 6, 7 e 8 de nossas: Reflexões acerca do conceito de proletariado (Ensaio). Só acrescentamos aqui alguns outros aspectos que entrarão em ressonância com a definição da social-democracia especificamente brasileira.

3. Social-democracia latino-americana:


Vimos que a social-democracia é um partido burguês para enquadrar o proletariado [2]. Mas o modo como isso vai ocorrer em cada contexto específico vai variar assim como variam as condições da luta de classes nestas situações.

O modo como se manifesta esse partido no contexto da luta de classes latino-americana geralmente está associada ao contexto “periférico” das economias dos países da América Latina.

As doutrinas que convergem para formar as concepções desse partido geralmente são: ideólogos terceiromundistas, setores progressistas do catolicismo com sua “teologia da libertação” [3], dentre outras coisas. Em suma, a constituição ideológica de países que possuem um passado colonial sustentado por nações católicas tende a ser o catolicismo, mesmo durante a secularização (por exemplo: Paulo Freire e sua teoria da formação da disposição para a democracia e o lugar central dedicado à escolarização nesse processo).

A referência teórica e metodológica que serve de base intelectual, em termos de política econômica, geralmente é a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). No caso brasileiro, é interessante observar que as teses cepalinas já haviam sido anunciadas por ideólogos burgueses como Roberto Simonsen (discutiremos isso mais adiante).

O modo de assimilação das massas proletárias (do campo e da cidade) ocorre sob a forma de “bases” subordinadas (por meio de inclusão na gestão de políticas públicas, formas de clientelismo político com toda a questão da dinâmica do endividamento moral) aos partidos formais da zona de influência social-democrática. Para melhor governar estas “bases”, a social-democracia forma quadros específicos do proletariado para servir de “aristocracia operária”, cuja função é hegemonizar os sindicatos (que são órgãos de conciliação de classes).

A conformação em “bases” pode ocorrer de diversas formas, mas geralmente envolve a organização segundo suas perspectivas “localistas”, “setoriais”, “identitárias”, “comunitárias”, cujo resultado é tornar o proletariado desarticulado e com uma fragmentação de suas forças. O conjunto das bases compõem o que chamam de “apoio popular”, que é o engajamento entorno do programa social-democrático. Esse “apoio popular” é utilizado para fazer passar seus projetos nacionais-desenvolvimentistas de manutenção do capitalismo (estão bem próximos do fascismo nesse sentido, embora imaginem que o fascismo esteja bem distante deles).

Para conquistar o tal do “apoio popular”, os sociais-democratas latino-americanos inculcam um social-chauvinismo disfarçado de “anti-imperialismo”, apelando para uma defesa abstrata e reacionária da “soberania nacional” chamando-a de “soberania popular”. Trata-se, sobretudo, da defesa de um interesse burguês “mais nacional” (nacionalismo) e da domesticação do proletariado através de órgãos de conciliação de classe que são, basicamente, os sindicatos dirigidos pelos quadros desses partidos sociais-democratas.

O social-chauvinismo latino-americano faz parte da tática de assimilação da classe dominada através da criação de um “inimigo público” contra o qual esta deve permanecer sempre “mobilizada”. Portanto, o proletariado é desviado do combate contra todos que buscam conservar a sociedade mercantil generalizada para defender o capitalismo de “sua” própria nação (ainda que seja apenas um modo de falar, pois, com efeito, “o proletariado não tem pátria”).

4. Fundamentos históricos da social-democracia brasileira:


Antes de falarmos da social-democracia brasileira contemporânea, devemos fazer uma genealogia dos seus fundamentos historicamente específicos. Neste sentido, vamos sintetizar nessa seção as bases específicas do partido social-democrata brasileiro sem, no entanto, dissociá-las de sua determinação mais ampla na dinâmica mundial da luta de classes, uma vez que não podemos compreender adequadamente esses fundamentos sem explicar sua imanência ao processo histórico da qual derivam (que é a luta de classes como expressão mundial do capitalismo). Em outras palavras: a luta de classes é uma realidade simultaneamente global e local (“glocal”), pois sua manifestação geral é internacional, mas assume especificidades de acordo com os contextos locais. Tratemos, pois, dessas particularidades brasileiras.

4. 1. Capitalismo, proletariado e burguesia no Brasil


No final do século XIX a escravização já havia sido abolida no Brasil no processo da revolução abolicionista. As classes dominantes (que são profundamente racistas) optaram por uma política de branqueamento da mão de obra, financiando a vinda de imigrantes europeus para ocuparem os postos de trabalho que eram da população escravizada e afrodescendente. Não obstante, há uma relativa absorção das pessoas negras em trabalhos mais braçais e periféricos da economia do país (como podemos analisar, por exemplo, no caso dos trabalhadores negros libertos na Zona Portuária do Rio de Janeiro – que chegaram a formar um sindicato também).

Muitos dos discursos sobre a história brasileira tendem a ignorar que a população negra também fazia (e faz!) parte do proletariado, talvez por duas questões: 1) o isolamento da questão racial da questão de classe (algo estimulado por pesquisadores financiados pela Fundação Ford); 2) um efeito da própria política de branqueamento que visava, justamente, dividir proletários negros dos brancos e colocá-los uns contra os outros para melhor governá-los.

O ex-pantera negra, Lorenzo Kom'boa Ervin, sintetiza muito bem essa situação em âmbito global:

Embora os Capitalistas utilizassem o sistema de privilégios da pele branca com grande eficácia para dividir a classe trabalhadora, a verdade é que os Capitalistas só favoreceram os trabalhadores brancos para usá-los contra os próprios interesses destes, não porque existia uma verdadeira unidade da classe ‘branca’. Os Capitalistas não queriam trabalhadores brancos unidos com Negros contra seu domínio e o sistema de exploração do trabalho. A invenção da ‘raça branca’ era uma farsa para facilitar essa exploração. Os trabalhadores brancos foram subornados para permitir a sua própria escravidão assalariada e a super-exploração dos Africanos; eles fecharam um acordo com o diabo, o que emperrou todos os esforços pela unidade da classe nos últimos quatro séculos (2015, pp. 16-17, grifos e sublinhados nossos). 

Em 1840-88, alguns membros da burguesia comercial passaram a investir e organizar fábricas de vestuário, de alimentos, de materiais de construção, etc., que funcionavam com uma mescla de trabalho livre e escravizado. Portanto, se tornavam burgueses industriais, pois investiam na produção, lucrando encima do mais-valor explorado da rentabilidade da força de trabalho (o que é diferente da atividade de comerciante, baseada em “comprar um produto por um preço inferior e vender por um preço superior”).  Estes investimentos vieram das atividades de pequenos e médios empresários que faziam inversões de seus capitais acumulados como importadores através das instituições financeiras existentes (especialmente os bancos ingleses, daí a interdependência mundial do modo de produção, com seu desenvolvimento desigual e combinado). Essas  pequenas unidades produtivas, em geral, substituíram a produção artesanal local. No entanto, ainda não havia um mercado de mão de obra e consumo domésticos, consequentemente, neste período histórico específico, ainda não podemos falar de uma transição completa às relações de produção propriamente capitalistas, mesmo que a economia brasileira já participe do modo de produção mundial dominante.

A dinâmica econômica mundial desse contexto histórico já é capitalista, porque este é o modo de produção dominante, mas a dinâmica específica de cada país vai variar conforme a subsunção econômica seja formal ou real (não confundir a “subsunção econômica”  com a “subsunção ao processo de trabalho”). Quando a subsunção econômica é formal, ainda existem relações de produção pré-capitalistas na economia doméstica, mas estas relações estão subordinadas ao modo de produção como o fator determinante da dinâmica econômica em escala mundial (uma vez que o mercado moderno é um mercado internacional desde o século XVI). No caso da subsunção econômica real, as relações de produção da economia doméstica se tornaram predominantemente capitalistas (isto significa que esta economia depende principalmente de processos de trabalho capitalistas para se reproduzir).

Pois bem, o pressuposto do trabalho assalariado especificamente capitalista é a necessidade do vendedor de força de trabalho (que precisa vender o valor de uso de seu labor no mercado de trabalho) gastar o que recebe no mercado de bens de consumo – este modo de sobrevivência é expresso pela equação M – D – M (que significa: a venda da mercadoria força de trabalho por salário num contrato de trabalho e a compra das mercadorias que permitem a subsistência através deste salário). Mas essa é apenas uma descrição resumida das condições em que se reproduz os trabalhadores e trabalhadoras assalariados no capitalismo. Para uma descrição mais ampla, veja-se: o parágrafo 29 da seção 9 do nosso texto “Das comunidades originárias ao processo de extraenisação em termos capitalistas” e também o texto “Quanto custa a força de trabalho? Produção de mercadorias e reprodução de pessoas” (neste último exploramos a questão do trabalho doméstico).

Em suma, se é verdade que um mercado de trabalho (com trabalhadores juridicamente “livres”) teria começado a se constituir nos anos 1850, este só se consolidou após a abolição da escravização, uma vez que as relações de produção escravistas eram um entrave ao desenvolvimento do mercado de bens de consumo doméstico.

Neste sentido, a principal barreira para o desenvolvimento de um mercado de trabalho acoplado ao mercado de bens de consumo era a escravização. No entanto, o escravismo não era contestado pelas classes dominantes (pelo contrário: além de defendê-lo sob o pretexto de “salvar a economia”, a inserção destas no mercado internacional se dava fundamentalmente através dos rendimentos do trabalho escravizado). Isso explica porque as relações de produção escravistas só foram superadas pela revolução abolicionista. E nós chamamos de revolução o processo abolicionista justamente porque a base material da sociedade brasileira da época foi transformada.

Esta efetiva transformação social não deve ser considerada como obra de supostos “interesses liberais” de parcela de uma “burguesia emergente”, nem simplesmente como uma influência mecânica dos interesses ingleses em desenvolver mercados domésticos em outros países para “parcerias comerciais” (daí a campanha dos “liberais britânicos” contra a escravidão). Em primeiro lugar, os senhores de escravos e os banqueiros tinham interesse em perpetuar a relação escravista indefinidamente, uma vez que estavam dependentes financeiramente deste modelo de produção: “os fazendeiros eram os principais devedores dos bancos e a propriedade servil representava a garantia mais substancial dos débitos” (GORENDER, 2004, p. 23). A burguesia industrial poderia se aproveitar dessa situação para tomar a frente do movimento e afirmar seus interesses de classe. No entanto, um caso específico testemunha contra essa hipótese:

Ao menos, é característico o caso de Antônio Felício dos Santos. Industrial têxtil em Minas Gerais, presidente da Associação Industrial e signatário do seu Manifesto de 1881, no qual defende uma política tarifária protecionista em favor do desenvolvimento da indústria nacional. Felício dos Santos conciliava semelhante posição com a de antiabolicionista. Em 1885, foi eleito para a Câmara de Deputados como candidato dos escravocratas (GORENDER, 2004, p. 23).

Portanto, a obra revolucionária dos abolicionistas só pode ser atribuída às lutas seculares dos escravizados, luta expressa na construção de quilombos, etc. No entanto, esta revolução não suprimiu o latifúndio, pois não houve um encontro entre a luta abolicionista e a luta camponesa, uma vez que os colonos não estavam engajados numa luta pela terra para que pudessem se articular com a luta pela liberdade negra. Possivelmente a união de Terra e Liberdade poderia ter dado resultados muito mais expressivos (como uma “Reforma Agrária”, analogamente ao que aconteceu nos EUA). Isso explica que no Brasil nunca tenha acontecido uma reforma que alterasse sua estrutura fundiária. E, até onde vai nosso conhecimento, o principal método de luta dos afrodescendentes era a fuga das fazendas e a constituição de quilombos, portanto era uma luta que criava modos de vida em unidades formalmente separadas da sociedade dominante. Neste caso, não foi possível ao escravizado negro influenciar e dirigir os colonos pobres numa luta mais abrangente (GORENDER, 2004, pp. 21-22).

Diante da liquidação das relações de produção escravistas, nas décadas de 1880 a 1890, temos os primeiros passos dados na direção de uma industrialização de maior abrangência no país (SILVA, 1976). Esse processo está associado à natureza contraditória das relações especificamente brasileiras entre café e indústria, de tal modo que a expansão da produção cafeeira determina o nascimento da indústria e, ao mesmo tempo, os limites da industrialização (idem). Mas essa burguesia não tinha interesse, nem necessidade alguma de realizar uma “revolução burguesa”. Tudo que precisava mudar no país para estabelecerem seu domínio já havia acontecido e a própria República foi um golpe de Estado (daí o eufemismo de “Proclamação”). Portanto, já surgiu conservadora e com tendências reacionárias. Era composta, em sua ampla maioria, por imigrantes com capital acumulado, geralmente importadores (SILVA, 1976, p. 90). Só tinham interesse em explorar o trabalho alheio para lucrar e difundir mentiras sobre os seus “feitos”, como se tivessem “começado do nada” e que “qualquer um” poderia se tornar um “investidor de sucesso”. É surpreendente como o repertório ideológico dessa gente não mudou quase nada.

Por outro lado, a classe operária emergente que seria composta por estrangeiros, grande parte destes italianos, e negros libertos. Mas a classe dominante racista não considerava estes últimos aptos ao trabalho fabril, alocando-os para trabalhos que envolviam menos a operação da maquinaria e mais um esforço bruto mesmo (o que não quer dizer que não faziam parte do proletariado), ou os excluindo para fora das cidades.

O operariado estrangeiro traz dos seus países de origem um acúmulo relativo das lutas que travou na sua terra natal contra seus exploradores, sendo que muitos deses eram expulsos de seus países justamente por serem grevistas. Alguns já estavam cientes do programa revolucionário do proletariado e já militavam no movimento anarquista. À experiência destes vai se somar a experiência das lutas da população negra. Portanto, na medida em que são incorporados às indústrias brasileiras, esses operários também se organizavam entorno de suas questões de classe.

É importante destacar (por mais evidente que isso possa parecer) que a classe social proletária é composta por sua própria heterogeneidade e está unificada entorno de determinações comuns do processo histórico que a engendra (veja-se o nosso ensaio citado acima). Mulheres, crianças e homens de diferentes origens (que podem ser afrodescendentes, asiáticos, europeus, etc.) participam de sua definição comum. As variações na composição do proletariado são justamente os fatores de sua unidade de classe e não, como postulam os identitaristas, suas “intersecções”. O critério racial, como vimos com Ervin, é um modo racista de fragmentar a força de trabalho estruturalmente. As diferenciações de gênero, que também participam conjuntamente da formação dessa classe, derivam do “patriarcado do salário” que é inerente ao capitalismo, conforme descreve Silvia Federici em suas obras. A dominação sobre as crianças, o controle reprodutivo sobre a procriação humana (que envolve uma determinada forma de regular a sexualidade), enfim, são parcialidades estruturais na reprodução orgânica do modo de produção capitalista, fundado na exploração do proletariado, não porque “foi o capitalismo que inventou tudo isso”, mas porque se tornou a força histórica dominante e, portanto, vai necessariamente subordinar os demais processos como momentos de sua auto-reprodução.

Enfim, a massa proletária passa a formar os chamados “bairros operários”, no processo de ocupação desordenada do espaço geográfico, em cortiços e malocas que ficavam entorno das cidades.

As primeiras organizações de trabalhadores no Brasil foram associações mutualistas de solidariedade de classe, onde buscava-se suprir, através do apoio mútuo, certas necessidades destes trabalhadores que estavam submetidos a precárias condições de trabalho. Possuíam, portanto, um caráter que podemos chamar de mútua assistência (o que não se confunde com um assistencialismo unilateral). Mas, conforme se desenvolviam as relações capitalistas, temos a emergência dos primeiros sindicatos e orientações mais combativas na classe.

Em 1906 ocorre o 1º Congresso Operário no Rio de Janeiro, onde a classe operária define as seguintes características para estes sindicatos emergentes: deveriam ser de resistência (não beneficente), totalmente autônomos frente ao Estado, não mutualista, nem cooperativistas e organizarem-se por indústrias formando conselhos de representantes (para realização de articulação entre diferentes trabalhadores de diferentes empresas). O objetivo da organização sindical seria estabelecer, na luta de classes, a coalizão do proletariado na organização de greves contra os patrões, estabelecendo exigências imediatas e projetando os acúmulos dos conflitos no desenvolvimento de uma greve geral revolucionária. Portanto, até meados de 1920, a corrente de atuação sindical predominante no território brasileiro foi o sindicalismo revolucionário (não confundir com “anarcossindicalismo”).

Enquanto cresce a organização do proletariado, cresce a reação burguesa. Isso fica evidente na “Lei Adolfo Gordo”. Essa lei regulamentava a expulsão de estrangeiros envolvidos em greves. Foi proposta pelo senador paulista Adolfo Gordo e aprovada no ano de 1907. Foram expulsos 132 estrangeiros envolvidos nas lutas proletárias no mesmo ano de sua aprovação, um número bastante elevado.

Não é nosso objetivo discutir em detalhes o sindicalismo revolucionário e a greve geral de 1917. São temas de suma importância acerca da história da luta de classes no Brasil, mas nosso estudo centra-se na análise da assimilação social-democrática do proletariado, portanto só mencionamos esse período para demonstrar a transição de uma situação de autonomia proletária para uma situação de domesticação. Contudo, deixaremos sugestões de leitura sobre essas questões a quem possa interessar. Sobre o sindicalismo revolucionário, sugerimos o artigo de Selmo Nascimento da Silva, publicado na Revista de Estudos Libertários: O Sindicalismo Revolucionário: suas origens, princípios e programa. Sobre a greve geral de 1917, indicamos a tese de doutorado de Christina da Silva Roquette Lopreato: O espírito da revolta: a greve geral anarquista de 1917.

Continuemos, pois, a tratar da luta de classes brasileira, destacando uma tentativa de assimilação do proletariado como um exemplo de o que ocorre quando a classe proletária passa a defender seus interesses autonomamente. Por intermédio do deputado Mário Hermes da Fonseca, em parceria com a “Liga do Operariado do Distrito Federal” (sindicato amarelo), organiza-se um Congresso realizado em novembro de 1912, no palácio Monroe, então sede do Senado Federal (Rio de Janeiro). Este congresso também contou com a participação do presidente. Havia um foco especial dado aos ferroviários e rodoviários por estarem diretamente associados com o transporte do café (produto fundamental da economia de exportação do país na época). O objetivo do congresso era: unir entorno dos chamados “reformistas” (dos “sindicatos amarelos”, onde haviam os “pelegos”)  uma atuação sindical com um caráter de “oficialidade”, atraindo os proletários para a tutela burocrática do Estado.


Não obstante: “No período que vai do início do século XX até a Iª Guerra Mundial ocorrem importantes vagas grevistas contra os baixos salários e as condições de trabalho, especialmente entre 1905-1908 e 1911-1913, períodos de expansão econômica” (GOODFELLOW, 2015, p. 8). Isso exige um adendo:

  • Conjuntura Internacional: A “Grande Guerra” (julho de 1914 até 11 de novembro de 1918) foi uma carnificina imperialista que foi apoiada pela social-democracia européia (dirigente da II Internacional), uma vez que a mesma votou a favor dos créditos de guerra, isto é, condenou milhares de proletários à morte. Em 4 de agosto de 1914, a social-democracia alemã havia votado a favor dos créditos de guerra no parlamento de seu país. Em sua esmagadora maioria, os sociais-democratas da França, da Inglaterra, da Bélgica e dos demais países também o fizeram. A oposição à guerra, no campo marxista, veio fundamentalmente de militantes liderados por Lênin, mas também por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. No campo anarquista, por sua vez, a esmagadora maioria era contra e fazia campanhas antimilitaristas internacionais desde o Congresso de Amsterdã de 1907. No entanto, em 1916, um grupo de anarquistas publica um documento de apoio aos Aliados (o Manifesto dos Dezesseis) que originalmente teve apenas quinze signatários e só chegou até uns 100 assinantes (dentre eles, anarquistas reconhecidos como: Piotr Kropotkin, Jean Grave e Christiaan Cornelissen). Essa minoria pró-Aliados foi muito mal vista no movimento anarquista internacional.

No Brasil, a luta de classes se tornava mais intensa, culminando na já mencionada Greve Geral de 1917 que ocorreu em junho e durou 30 dias. Possivelmente como uma forma de conter as lutas proletárias, é sancionado o decreto Nº 3.361, de 26 de outubro de 1917, pelo presidente Venceslau Brás, onde o Congresso Nacional aprova a declaração de guerra contra o Império Alemão, levando o Estado brasileiro a participar na guerra imperialista. Neste mesmo mês, foi possível (mediante a brecha do mesmo decreto), declarar estado de sítio e perseguir os movimentos antimilitaristas dos anarquistas e comunistas brasileiros (daí a hipótese de que tenha sido uma forma de acentuar a repressão contra o proletariado).

Neste primeiro período do movimento operário brasileiro que descrevemos, as relações entre as classes antagônicas não contavam com uma interferência expressiva do Estado enquanto “mediador”, pois este era acionado pela classe dominante, na grande maioria das vezes, “apenas” para fazer uso das forças repressivas (contra as greves e manifestações de trabalhadores). Segundo Luiz Werneck Vianna (PAULA, 2015, p. 85 apud 1976 p. 72): “no Brasil, até meados dos anos 1920, tínhamos um Estado liberal não intervencionista que deixava o mercado entregue às suas leis próprias” (ou seja: o modo de gestão liberal que descrevemos acima). A organização da classe operária era feita de forma autônoma, sem nenhuma regulamentação do Estado. Não é por “acaso” que uma das maiores expressões da luta de classes neste período foi a supracitada Greve Geral de 1917, organizada, predominantemente, pela doutrina anarquista do movimento operário.

4. 2. Os dias que abalaram o mundo: a revolução social começa na Rússia


Como havíamos dito: não se pode ignorar o âmbito internacional da luta de classes. Em meio a uma guerra mundial imperialista, ocorre a “Revolução Russa”, processo que desencadeou a vaga revolucionária internacional de 1917-1920. O ímpeto do movimento revolucionário terminaria efetivamente em 1921, cujo massacre de Kronstadt é o momento decisivo em que a contrarrevolução suprime de fato o partido material da classe proletária que se formava nesses anos no mudo todo. No entanto, é necessário destacar aqui é o seguinte:

  • Revolução Social, enquanto acontecimento material contra o modo de produção capitalista, é um fato global (resultado da história mundial do capitalismo), que pode se iniciar numa nação específica, mas necessariamente tende a se expandir, impulsionando as lutas proletárias do mundo inteiro (ou ser contida localmente pela contrarrevolução). O conteúdo programático dessa revolução é necessariamente comunista (senão não seria uma revolução).
  • contrarrevolução existe antes mesmo de um processo revolucionário eclodir, pois a burguesia tanto mais fica reacionária quanto mais se acirram as lutas de classes (daí que Kornilov tenha tentado um golpe na Rússia já em setembro de 1917). O partido da contrarrevolução é a própria coalizão burguesa internacional contra toda e qualquer insurreição do proletariado (por exemplo: mesmo quando estavam em guerra, franceses e prussianos se uniram no interesse comum de suprimir a Comuna de Paris em 1871). Trata-se de um fato igualmente global.
  • Logo, “nem a revolução nem a contra-revolução são ‘russas’, não podem ser entendidas sem uma compreensão abrangente da correlação internacional de forças” (GCI, 2009, p. 49, negritos originais, tradução nossa) .

4. 3. Da insurreição de 1918 à mudança de postura da burguesia brasileira


A “Revolução Russa”, como já afirmamos, reverbera mundialmente na luta de classes. O processo revolucionário mundial viria a influenciar o operariado brasileiro, tendo como uma de suas expressões a tentativa de uma insurreição anarquista no Rio de Janeiro, como menciona Cubero (2007):

A partir do que alguns chamaram de “Soviete do Rio”, organiza-se um movimento insurrecional tendo à frente os militantes anarquistas que mais haviam se destacado durante o ano de propaganda libertária com artigos na imprensa, conferências, cursos e palestras nos sindicatos operários. […] A data escolhida foi 18 de novembro de 1918. Foi marcada uma concentração no Campo de São Cristóvão. Entre 15 e 16 horas os trabalhadores têxteis do Rio e cidades vizinhas paralisaram o trabalho, assim como os metalúrgicos e os operários da construção civil. Muitos grupos operários foram engrossando a massa. Soldados da Brigada Policial ameaçaram empregar a força prendendo os mais exaltados. No confronto, tiroteio intenso e bombas, explosão de carro da polícia e fuga precipitada dos operários. O plano previa atacar a Intendência de Guerra na expectativa de que os soldados confraternizassem com eles.
E como descreve o grupo Robin Goodfellow (2015, pp. 10-11):

A Aliança Anarquista do Rio de Janeiro (fundada em janeiro de 1918) prepara um movimento revolucionário coincidente com a greve geral [de novembro do mesmo ano], estimando que esta última seria o sinal para uma insurreição e a formação de um soviete na capital. As forças armadas (exército e marinha) intervêm de maneira ostensiva, ocupando todos os centros grevistas e assumindo o controle da situação. Garantindo “poderes excepcionais” à policia, derrotam a iniciativa grevista, prendendo centenas de operários e as principais lideranças. O episódio, que ficou conhecido como a “insurreição no Rio de Janeiro”, alarmou o governo e as classes dominantes.

O fracasso desta se deu, em grande parte, pela infiltração de um tenente do Exército, Jorge Elias Ajus, que já havia relatado a estratégia às autoridades com antecedência (ADDOR, 1986). É possível acessar um estudo mais detalhado em: A insurreição anarquista no Rio de Janeiro.

Outra influência importante do processo revolucionário russo foi a criação (complexa e contraditória), em 1922, do Partido Comunista. Podemos destacar aqui que alguns marxistas passaram a defender nesse período a reunião dos trabalhadores em Organizações Centrais. Recomendamos, para analisar mais detidamente esse processo, o já mencionado texto do periódico virtual Robin Goodfellow: “Notas sobre o movimento da classe proletária no Brasil no início do século XX”. Concordamos com muitas premissas do grupo responsável por essa publicação no que diz respeito à historiografia da luta proletária, mas nós adotamos um posicionamento distinto no que se refere à interpretação do partido revolucionário e a importância do anarquismo (que consideramos o autêntico programa revolucionário da classe proletária, diferentemente do que sugere o grupo por trás de “Robin Goodfellow”).

Neste contexto o caráter autocrático da classe dominante brasileira passa a se intensificar. Não obstante, não podemos dissociar os posicionamento burgueses brasileiros do processo de organização da contrarrevolução internacional que se formava em todos os países, numa coligação internacional da burguesia contra as revoltas proletárias desencadeadas pela vaga revolucionária que mencionamos acima [4].

Na medida em que crescem as lutas, o proletariado se torna mais forte (e, consequentemente, mais unificado entorno de seus interesses de classe, portanto se constitui como partido revolucionário concretamente). Na mesma proporção, a classe dominante se torna mais reacionária. Agora possui o interesse em, não somente reprimí-lo, como também em assimilá-lo. Isso fica evidente quando o Estado intenta a subordinação das forças de luta da classe trabalhadora.

As tentativas de “oficializar” os sindicatos, assimilando a classe proletária, se expressam com mais força. Como observa Antunes (1980, p. 56): “em 1921 o Estado fundou o Conselho Nacional do Trabalho, visando controlar os sindicatos e torná-los órgãos de conciliação entre classes”.

  • Conjuntura Internacional: Enquanto isso, a contrarrevolução internacional da burguesia já dava resultados expressivos em alguns países. Na Itália, em 1922, Benito Mussolini era nomeado 1º Ministro. O fascismo se popularizava como modo de gestão corporativo do Estado e se difundia internacionalmente como método eficaz para conter a insurreição social do proletariado. Tornou-se pois, um dos principais bastiões da contrarrevolução. Trataremos melhor desse assunto a seguir.

No contexto brasileiro, as repercussões da contrarrevolução vão reverberar amplamente nas posições burguesas adotas nesse período. Neste sentido, é importante compreender as influências do fascismo e seu Estado Corporativo como modelo no qual se inspirou o Estado Novo. Portanto, é necessário sintetizar os elementos gerais do corporativismo fascista antes de continuarmos.

4. 4. Uma breve descrição do Estado Corporativo


O enquadramento do proletariado na administração do Estado, sob tutela burocrática do capitalista coletivo ideal, teve sua expressão prática e conceitual na doutrina do corporativismo, inventado pelo fascismo italiano. Mussolini, com sua Carta del Lavoro (as vezes traduzida por “Código do Trabalho”), faz as seguintes sínteses dessa perspectiva:

I – A Nação Italiana, é […] uma unidade moral, política e econômica, que se realiza integralmente no Estado fascista. II – O trabalho, em todas suas formas organizativas e executivas, intelectuais, técnicas, manuais, é um dever social. Devido a isso, ele é tutelado pelo Estado […]. III – […] só o sindicato legalmente reconhecido e submetido ao controle do Estado, tem o direito de representar legalmente a categoria de empregadores e trabalhadores […]. IV – A solidariedade dos diversos fatores da produção, encontra sua expressão concreta no contrato coletivo de trabalho, obtida pela conciliação dos interesses opostos dos empregadores e dos trabalhadores […]. V – A Magistratura do Trabalho, é o órgão pelo qual o Estado, intervém para regularizar as controvérsias do trabalho […]. VI – […] As Corporações constituem a organização unitária das forças da produção e representam integralmente seus interesses (MUSSOLINI, 2005, pp. 86-93).

4. 5. Um projeto de nação corporativista


Agora é possível compreender melhor a fonte de inspiração do “projeto de nação” (ou seja: interesse orgânico de uma burguesia situada em um determinado território) concebido pela burguesia brasileira nos anos 20 e aplicado nos anos 30 e 40. Vale destacar aqui o abalo econômico que sofreu o país durante e após a crise de 1929, levando às famosas queimas de café. A nova política-econômica – que seria referência do novo modo de gestão do Estado brasileiro – era uma exigência urgente aos interesses coletivos da burguesia naquela situação. Neste caso, desloca-se o eixo do dinamismo econômico do país do setor externo para a economia doméstica.

É necessário compreender, portanto, que o Golpe de 1930 (que de “revolução” não havia nada), foi um processo que expressou uma maior coesão dos interesses da burguesia industrial e que levou de reboque a primeira burguesia que já havia manifestado insatisfação com a “República Velha” através do movimento dos “jovens tenentes” (que eram apenas um bando de rebeldes românticos). Tanto que o tenetismo foi incorporado na Aliança Liberal, com exceção de um de seus líderes, a saber: Luís Carlos Prestes. Este último flertava com a social-democracia da III Internacional, enquanto que muitos outros iriam, mais tarde, parar no outro polo: se tornariam integralistas (uma espécie de fascismo tupiniquim). É muito simples explicar essa ambivalência: as classes de transição (Übergangsklasse), como os profissionais liberais (que geralmente eram os pais desses jovenzinhos rebeldes), são assalariados não-proletarizados e, portanto, possuem interesses materiais específicos que não coincidem imediatamente com os do proletariado (portanto, não são revolucionários, daí a demanda dos tenentes por pautas muito tímidas como a “reforma política” e a “educação pública”). Neste caso, variam entre uma política abertamente hostil ao proletariado (fascismo) e uma política assimiladora (social-democracia). No que diz respeito aos funcionários encarregados de trabalhos mais intelectuais na sociedade, veja-se a seção 7 (Intelligentsia e burocracia: a utopia social-democrata), do nosso texto de reflexões sobre o conceito de proletariado já mencionado aqui.

Sobre a questão da política-econômica, podemos citar uma contribuição. O economista Pedro Cezar Dutra Fonseca (professor de ciências econômicas da UFRGS) nos oferece um quadro geral amplo e pertinente para refletirmos sobre os interesses econômicos da burguesia durante o período que a literatura cepalina convencionou chamar de “PSI” (processo de substituição de importações). No entanto, ele atribui a intencionalidade do projeto político-econômico a uma determinada conformação institucional do Estado brasileiro (perspectiva institucionalista), o que não é de se admirar, uma vez que se trata de um membro da intelligentsia, que não compreende o Estado como “gestão da classe dominante”, mas como uma “reunião pública” dos interesses da “sociedade civil”. Segundo Fonseca (2003, p. 147), foi: “a consciência e a intencionalidade do governo”, as “ações e atitudes do governo brasileiro” que foram responsáveis pela mudança na política econômica.  De todo o modo, ele avança mais na compreensão do processo do que os propositores das teses desenvolvimentistas da CEPAL. Estes últimos costumam afirmar que este processo foi posto em prática “inconscientemente”, isto é, por coerção da situação econômica mais do que por intenção (teoria dos choques adversos) e isto teria resultado num “keynesianismo sem querer”. Para problematizar essa noção, Fonseca elenca as seguintes medidas adotadas no período que vai de 1930 até 1937:

Quanto à consciência e à intencionalidade das políticas, vale assinalar: a) a reforma tributária de 1934, de caráter protecionista e em acordo com as propostas defendidas por lideranças empresariais da época; b) em 1931, o governo proíbe a importação de máquinas para certas indústrias e, por pressão empresarial, prolonga-se até 1937, numa clara proteção às indústrias já instaladas; c) a concessão de crédito ao setor industrial mostrasse uma tendência crescente na década de 1930, culminando em 1937 com sua oficialização por meio da criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil; d) a criação de diversos órgãos, no aparelho do Estado e sob a hegemonia do executivo, voltados à diversificação agrícola e a beneficiar a agroindústria (Instituto do Açúcar e do Álcool, do Cacau da Bahia, de Biologia Animal, de Química, entre outros, numa política de praticamente criar para cada produto relevante um instituto); e) a reforma educacional, proposta por Francisco Campos, que privilegia o ensino técnico e profissional e reformava o ensino tradicional da República Velha, preparador de elites e centrado em disciplinas como Latim, Francês, Filosofia, Literatura e História, em prol de outro, mais voltado às ciências e formador de profissões (curso Normal, para preparar professores primários, cursos técnicos agrícolas e comerciais; ênfase às engenharias e a formação de mão de obra de escritório – economia e contabilidade – no nível superior); e f) a legislação trabalhista, implementada desde a criação, já em novembro de 1930, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – no dizer de Vargas, o Ministério da Revolução – e que mostra a consciência da necessidade de legalizar e administrar os conflitos sociais urbanos, apontando para um projeto de nação no mínimo bastante diverso da visão agrarista e exportadora das elites (FONSECA, 2011, p. 270, grifos do autor e sublinhados nossos).

A partir deste panorama, vemos que o próprio Fonseca reconhece a “dirigência empresarial” do processo, mas vamos comentar ponto por ponto. Do item (a) ao item (b) já é deveras evidente os interesses para que nos detenhamos neles. O item (e) é muito interessante, uma vez que Francisco Campos é um dos ideólogos orgânicos desse projeto corporativista. Com efeito, são atendidos os apelos tenentistas por uma educação que os formassem para ocupar efetivamente a posição de intelligentsia ao qual almejavam e que era privilégio das, assim chamadas, “elites agrárias”.

Com efeito, a Reforma de Francisco Campos está relacionada com a emergência histórica das escolas técnico-profissionais que, segundo um ideólogo da social-democracia, surgem da “crise orgânica mais geral” (GRAMSCI, 1982, p. 118) do Estado. Na verdade, surgem do próprio interesse social-democrata das classes de transição em não caírem num dos polos da antiga divisão entre “escola clássica” (humanista, que visava desenvolver a cultura geral e era destinada às classes dominantes e seus intelectuais) e “escola profissional” (destinada às classes de trabalho manual, para gerar uma qualificação da força de trabalho). Portanto, as “escolas técnicas” vão servir para a formação de intelectuais (as camadas médias, a “pequena burguesia”) que operariam profissões não manuais, de dirigência técnico-cultural (mão de obra de escritório) na organização de dois níveis da gestão burguesa, a saber: na sociedade civil (nas instituições privadas, emprego dos especialistas que encaminhariam resoluções de ordem técnica – os profissionais da contabilidade) e no Estado (nas instituições públicas, emprego de funcionários em cargos administrativos-burocráticos com funções deliberativas).

Finalmente, o item (f) é de suma importância aos interesses da burguesia em enquadrar o proletariado. Não é por “acaso” que Vargas chamou o Ministério do Trabalho de: “Ministério da Revolução” (lembram-se da Magistratura do Trabalho de Mussolini?). Trata-se da assimilação do proletariado nos órgãos de administração do capitalista coletivo ideal (Estado). Essa assimilação vai ocorrer, fundamentalmente, através dos sindicatos. É possível comparar o que vamos discorrer a seguir com a Carta del Lavoro. 

Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):

Art. 513: São prerrogativas dos sindicatos: d) colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal. Art. 514: São deveres dos sindicatos: e) colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social.

O objetivo aqui é explícito: 1) “colaborar com o Estado”, ou seja, com o poder organizado da classe dominante, 2) “desenvolvimento da solidariedade social”, ou seja, conciliação dos interesses antagônicos do proletariado com a burguesia. Já o artigo 516 institui a “unicidade sindical”, um dispositivo que reconhece somente um único sindicato representativo de uma mesma categoria numa mesma base territorial. Em outras palavras: quem “dá” ao sindicato a possibilidade de representar os trabalhadores é o Estado, justamente através do Ministério do Trabalho (ou: “Ministério da Revolução”, como preferia Vargas). Trata-se do fim do sindicalismo como método de luta da classe proletária (algo que já estava sendo gestado no mundo inteiro, daí a necessidade de ruptura comunista contra os sindicatos – aliás, existem debates anteriores a esse processo, por exemplo: as posições de Malatesta no Congresso de Amsterdã de 1907). É importante evidenciar esse fato, pois a social-democracia vai exercer sua hegemonia sob o proletariado através dos sindicatos até os dias de hoje, se valendo dessa estrutura herdada da “Era Vargas”.

O “pai dos pobres” conseguiu cumprir com o lema “fazer a revolução antes que o povo a faça” (atribuído à Antônio Carlos Ribeiro de Andrada), ao se tornar a ponta de lança da contrarrevolução mundial no Brasil. Mesmo um social-democrata como Ricardo Antunes reconheceu tal fato:

Uma de suas primeiras medidas foi a criação do Ministério do Trabalho, em 1930, com o nítido objetivo de elaborar uma política sindical visando conter a classe operária dentro dos limites do Estado e formular uma política de conciliação entre capital e trabalho. Não foi outro objetivo da “Lei de Sindicalização” de 1931 (Decreto 19.770) que, contrariando a liberdade de associação sindical existente durante a Primeira República, criou os pilares do sindicalismo no Brasil (ANTUNES, 1980, pp. 58-59).

Não obstante, para dar mais “nome aos bois”, no “Estado Novo”, podemos citar um ideólogo responsável pela elaboração dessa nova estrutura sindical. Trata-se de: Oliveira Vianna. Vejamos o que este outro personagem histórico tem a nos dizer (PAULA, 2015, p. 181 apud VIANNA, 1943, p. XI, grifos nossos) sobre os sindicatos:

é através dele [do sindicato] – e somente através dele – que as nossas classes econômicas, as empregadoras e as empregadas, irão efetivamente – e não teoricamente, como até agora – participar do Estado, penetrar os seus conselhos e corporações e neles realizar a afirmação democrática da sua vontade e dos seus interesses. 

Este discurso corporativista de conciliação classes também é expresso nitidamente por Vargas, em ocasião do pronunciamento dado acerca da assinatura de decretos-leis referentes às classes trabalhadoras do país, no palácio Guanabara, no 1º de maio de 1938: “É preciso a colaboração de uns e outros no esforço espontâneo e no trabalho comum em bem dessa harmonia, da cooperação e do congraçamento de todas as classes sociais” (p. 205, grifos nossos).

Agora, para demonstrar que o imaginário corporativista da conciliação de classes tutelada pelo Estado estava presente no “pensamento brasileiro” daquela época, podemos tomar como exemplo os posicionamentos de uma das principais lideranças da burguesia brasileira neste período: Roberto Simonsen.

Simonsen, não por acaso, publicará suas principais obras justamente nessa conjuntura e defenderá suas ideias contra os liberais que não eram mais capazes de garantir segurança aos interesses de classe dos capitalistas. Simonsen foi presidente dos mais importantes órgãos de articulação da burguesia industrial como o CNI e a FIESP, portanto, serve de referência fundamental em matéria de “projeto de nação” .

Nessa conjuntura, Simonsen defendia os seguintes pontos: 1) era pró-industrialização e contra as acusações de “artificialismo” dos liberais; 2) era a favor de direitos trabalhistas e “sociais” para acalmar os ânimos dos operários e buscar conciliar as classes entorno da nação e da “moralidade cristã”; 3) sempre foi a favor da perseguição aos comunistas e 4) era contra o abuso dos capitais estrangeiros no território nacional. É possível verificá-los nas seguintes afirmações (extraídas de uma coletânea de textos seus):

Vede o que podemos obter pelo entendimento e pela ação comum inspirada num espírito de solidariedade e de paz que deve sempre imperar entre os seres humanos!
E, agindo com esse pensamento, sempre unidos, contribuamos para evitar a todo transe que sejam trazidas para o nosso Brasil as lutas de classe, as organizações artificiais, os entraves à verdadeira noção da liberdade, que foram, em grande parte, as causas dessa campanha sangrenta que custou milhões de vidas de nossos semelhantes! (SIMONSEN, 1973, p. 428, grifos nossos).
Não é admissível que possa haver exploração do homem pelo homem. Justiça e Liberdade são conceitos que se irmanam e completam. A possibilidade de coação econômica tende a desaparecer em função das afirmações da justiça social, que se inspira, numa perfeita conciliação de meios e fins, nos superiores princípios da moral cristã (SIMONSEN, 1973, p. 458, grifos nossos).

Tínhamos acabado de ver que um dos artigos da CLT falava em “solidariedade”. Pois bem, uma concepção possível do significado dessa “solidariedade” é a “moral cristã”, entorno dos quais ocorre a “conciliação de meios e fins” (com uma “ajudinha” do Estado).

Isso explica porque Roberto Simonsen foi muito bem vindo ao Estado Novo. Ele  chegou a participar do Conselho Federal de Comércio Exterior, primeiro, e depois no Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial.  Então, além da conciliação de classes via corporativismo, também veríamos uma mudança na política econômica do país (daí a necessidade de “suspender o liberalismo”). Como observou Jacob Gorender (2004, pp. 65-66):

Refletindo a consciência mais avançada dos seus interesses de classe, a burguesia industrial formulou nos anos 30 um projeto abrangente e diversificado de suas reivindicações. Sua tônica continuou antiliberal, como sempre fora, mas deixou de se restringir à questão do protecionismo no comércio exterior. Os porta-vozes da burguesia industrial – Simonsen, Horácio Láfer, Euvaldo Lodi, Guilherme Guinle e outros, timbram em estabelecer identificação entre industrialização e interesse nacional, repelem as acusações de artificialismo na indústria brasileira, enfatizam sua legitimidade e se batem por uma política explícita de intervenção no Estado em favor da iniciativa privada capitalista.
Apesar da hostilidade ou da desconfiança mútua nos primeiros anos do pós-30, a tendência, que acabou prevalecendo, foi a da aproximação entre os industriais e o Getúlio Vargas. Daí que o conjunto da burguesia, com particular realce para a burguesia industrial, houvesse apoiado sem vacilações o golpe de novembro de 1937, que instaurou o Estado Novo e deu a Getúlio Vargas, durante oito anos, poderes ditatoriais.

Portanto, é justamente nesse período histórico que se formam as bases fundamentais nas quais se assentam o partido social-democrata. É necessário uma longa preparação, tanto no Estado Novo, quanto no período democrático e na Ditadura Civil Militar para reprimir o proletariado e “educá-lo” a ser “democrático”, “andar na linha” (dura?), dentre outras coisas.

O enquadramento forçado e a conciliação de classes andam de mãos dadas, onde o primeiro exerce uma função coercitiva explícita e generalizada e o segundo é posto como alternativa ao chicote e ao punho de aço ditatorial do Capital. Daí essa formulação bem elaborada de Malatesta, escrita em pleno fascismo:

Não somos a favor da democracia, entre outras razões porque, cedo ou tarde, ela conduz à guerra e à ditadura; também não somos pela ditadura, entre outras razões porque a ditadura faz desejar a democracia, provoca seu retorno e, assim, tende a perpetuar esta oscilação da sociedade humana entre franca e brutal tirania e uma pretensa liberdade falsa e mentirosa.

Portanto: guerra à ditadura e guerra à democracia! (Errico Malatesta, “Democracia e Anarquia”, 1924).

Mas, como já havíamos afirmado antes, é necessário compreender a dinâmica nacional inserida na conjuntura internacional. Foi justamente a social-democracia, no âmbito internacional da luta de classes, que havia suprimido, em meados de 1920, o processo revolucionário mundial iniciado em 1917, fragmentando as forças globais do proletariado e isolando-as em localismos nacionais. Esse processo contrarrevolucionário exige um estudo à parte, mas vamos resumir em linhas gerais os seus principais fatores na próxima seção.

Em outras palavras, de um lado não se pode ignorar a evolução histórica das sociedades nacionais da qual emergem as expressões políticas do proletariado no nível nacional; de outro lado, não se pode ignorar as consequências da contrarrevolução que desde o transcorrer dos anos 1920 ainda esmaga o proletariado mundial, com a consequente desaparição do proletariado como partido político independente e, portanto, como classe que tem a consciência de seus objetivos históricos (GOODFELLOW, 2015, p. 5).

4. 6. Conjuntura internacional da luta de classes:


Neste contexto histórico, o ápice do antagonismo prático entre classe dominante e classe revolucionária, entre Revolução e Contrarrevolução, ocorreu em 1917-1919. O início do processo revolucionário internacional foi desencadeado com a Revolução Russa (1917) que serviu como o sinal para as revoluções no resto da Europa (como haviam previsto grande parte dos revolucionários do século XIX). Após derrotar a tentativa de golpe na Rússia e de dissolver o poder político da burguesia (o Estado), o proletariado russo estava diante de uma guerra civil (a reação do exército branco contrarrevolucionário e de restauração burguesa, financiado pela burguesia das principais potências capitalistas para impedir a generalização da revolução para o resto da Europa – eles já sabiam do perigo, daí que até Churchill estivesse ciente da necessidade de enviar armas ao exército branco). Em meio a essa guerra de classes, o exército negro, liderado pelo cossaco anarquista Nestor Makhno na Ucrânia, consegue derrotar o exército branco nas principais batalhas. Derrotam, não somente a reação, como a facção da rada-central que buscava algo análogo ao que aconteceria mais tarde na Espanha, isto é, um governo independente e republicano na Ucrânia (“curiosamente”, tal facção foi apoiada pelos bolcheviques). Enfim, estavam abrindo caminho para a internacionalização do movimento.

No entanto, os bolcheviques, que de fato contribuíram para a revolução russa, assumem uma função contrarrevolucionária ao intervir na auto-organização proletária da produção para impor o controle operário (que é um controle puramente “fiscal”) dirigido pela intelligentsia burocrática da burguesia. Além disso, a reorganização de um exército formal na Rússia, em Dezembro de 1917, foi consequência de “pressões diplomáticas” de chefes de Estado alemães e franceses (vide as negociações de Trotsky e Noules, embaixador da França). Portanto, o partido formal bolchevique já havia capitulado para a contrarrevolução (estava a serviço do partido material da burguesia, como uma fração mais radical da social-democracia). Daí que os bolcheviques tenham assinado o Tratado de Brest-Litovsk (1918), deixando aos militares alemães um vasto território para explorarem e liquidar com as revoltas proletárias, como observa o Grupo de Comunistas Internacionalistas (GCI): “o tratado de paz deixa o proletariado de toda Europa central e oriental entregue aos coturnos do militarismo alemão na Ucrânia, Finlândia, Livônia, Estônia, Criméia, Cáucaso, assim como em um número crescente de territórios do sul da Rússia” (O leninismo contra a revolução, Segunda parte: o leninismo como supressor da ruptura comunista). Essas ações reacionárias também implicaram na necessidade de acabar com o exército makhnovista, algo que só conseguiram concretizar em 1921. Para mais detalhes sobre essas questões, consultar as indicações de leitura disponíveis em nossas: Notas sobre a diplomacia bolchevique.

Resultado: a Revolução Alemã (1918-1919) é liquidada pela social-democracia (cujo expressão mais bem acabada havia sido a República Soviética da Bavária), pois os militares reacionários da Alemanha conseguiram novo fôlego ao movimento militarista justamente com a assinatura do tratado. A Alemanha teria sido o catalizador do processo revolucionário, podendo ressoar e amplificar o Biênio Vermelho italiano que também ocorria nesse período (e que também foi suprimido com a ajuda da social-democracia, destacando-se a atuação anti-grevista do sindicalismo da Confederazione Generale di Lavoro). O desencontro desses processos vai resultar no isolamento do proletariado e, consequentemente, nas derrotas que se seguiriam. Daí a máxima da Corrente Comunista Internacional (CCI) de que: “é a social democracia que desarma, ideológica e materialmente o proletariado, e reprime militarmente suas insurreições” (Para acabar com o fascismo e com o antifascismo: luta de classes).

É justamente por causa dessa derrota histórica da revolução social que foi necessário preencher a Europa com ditaduras nazi-fascistas para liquidar com todos os elementos revolucionários que se formaram nessas lutas. É claro que também se reúnem os interesses imperialistas da Itália e da Alemanha que ainda buscavam suas próprias colônias, num ímpeto expansionista para conquistarem novos mercados que impulsionassem suas economias. Não obstante, a guerra imperialista vai garantir a queima de excedentes de produção pós-crise de 29 (uma vez que a sobreacumulação de valor é um entrave à reprodução ampliada do Capital).

É desse processo que deriva a importação corporativista de enquadramento do proletariado, bem como a esquerda capitalista (o partido social-democrata) dirigida a partir da Terceira Internacional e seu projeto de conciliação de classes com as burguesias nacionais republicanas e democráticas. A polarização entre fascismo e anti-fascismo é expressão desta tendência em dividir o proletariado em duas facções que devem colidir na Segunda Guerra Mundial, onde a Espanha de 1936 constitui o “grande laboratório”. Na guerra civil espanhola, a classe dominante dividiu o proletariado em buchas de canhão pró-fascista e anti-fascista, ou seja, os destinados a morrer em prol do setor democrático da burguesia e os destinados a morrer em prol do setor nazi-fascista na guerra imperialista.

No entanto, em junho de 1936 o proletariado espanhol consegue, por um breve momento, criar um terceiro eixo independente: a revolução social e a necessidade de sua mundialização para impedir a carnificina de mais uma guerra. Mas a criação do Comitê de Milícias, concomitante com o governo da Generalitat, enquadrou novamente o proletariado e interrompeu o processo de sua internacionalização. A CNT-FAI (anarcossindicalismo), o POUM (partido trotskista), o PCE (partido alinhado a Moscou), os republicanos (partidos da burguesia liberal) participam conjuntamente da repressão da luta proletária, liquidando o processo revolucionário. Mas isso não ocorreu sem resistência: o agrupamento Los Amigos de Durruti (anarquistas) foi a única organização formal que estava à altura das tarefas revolucionárias e eles tentaram impedir essa vergonhosa “santa aliança” com a burguesia que muitos chamam de anti-fascismo. Infelizmente, o isolamento do proletariado (novamente sozinho contra todos, como é praxe desde 1848) e a perca do “kairós” (momento oportuno) de 1936, no sentido de aproveitar a situação para liquidar com todos os partidos contrarrevolucionários (ditadura da anarquia), desagregou o processo revolucionário. Em maio de 1937 os anarco-burocratas da CNT-FAI, conjuntamente com os “stalinistas”, republicanos e poumistas, já haviam assassinado os líderes da revolução espanhola. Estava aberto o caminho para a trucidação mútua na guerra imperialista.

Agora vejamos o que aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial no palco especificamente brasileiro da luta de classes.

4. 7. Da democracia à ditadura até a“transição lenta, gradual e segura”


A democratização e a Constituição de 1946 não alteraram a estrutura sindical corporativista. Em junho deste mesmo ano, o Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, organizado pelos militantes do PCB (partido submisso à linha política contrarrevolucionária do Comintern), decide pela fundação da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), nos moldes oficiais corporativos. A estrutura sindical corporativista serviu aos interesses burocráticos do PCB, cujo objetivo social-democrático era dirigir as massas proletárias segundo os interesses de Moscou na “Guerra Fria” (que dividiu o proletariado em buchas de canhão da contrarrevolução capitalista de esquerda liderada pela URSS e sua rivalidade com a contrarrevolução capitalista de direita, liderada pelos interesses imperialistas dos EUA e sua política externa macartista). Não obstante, a CGTB era continuamente forçada a apoiar os movimentos grevistas do período democrático como expressões do antagonismo prático do proletariado.

No período democrático também se consolida o projeto nacional-desenvolvimentista para assegurar os interesses da burguesia industrial brasileira (durante o processo econômico latino-americano que a CEPAL chamou de substituição de importações, desencadeado a partir da crise de 1929). O ritmo da industrialização e, consequentemente, do desenvolvimento capitalista havia sido multiplicado após a “queima de excedentes” da Segunda Guerra Mundial.

A, assim chamada, “linha dura” do regime militar buscará dar continuidade a esse projeto. O resultado necessário de políticas nacionais-desenvolvimentistas acaba, invariavelmente, por ampliar o etnocídio latente das nações capitalistas, conforme havíamos observado ao comentarmos um texto de Clastres sobre o assunto (ver a seção 7 de Crítica de Pierre Clastres ao etnocídio). A construção das estradas trans-amazônicas perpassaram vários territórios indígenas por onde muito sangue foi derramado. Esses empreendimentos também foram a “lua de mel” da corrupção militar, conforme avalia o historiador Pedro Campos em sua tese de doutorado. Até hoje as populações autóctones situadas no Brasil buscam responsabilizar publicamente a ditadura civil-militar pelo genocídio de mais de 8 mil indígenas (conforme documentado no Relatório Figueiredo).

Neste sentido, mais uma vez se confirmam as teses que já apresentamos em outro texto de nosso blog:

Qualquer modo de produção que tivesse alguma incongruência com o capitalismo foi confrontado violentamente pela reprodução ampliada das relações capitalistas. […] já é amplamente reconhecido que as sociedades onde não existiam hierarquias sociais sempre foram as que mais causavam abjeção às classes dominantes de todos os países (por isso sempre foram os maiores alvos dos processos coloniais da acumulação originária). Em suma: se a reprodução social desta ou daquela coletividade era baseada nas necessidades e não na mercantilização e acumulação de valor, esse agrupamento era logo identificado como um inimigo natural do mundo das mercadorias, uma vez que a mera existência de uma forma de vida baseada nas necessidades atesta contra o imperativo compulsório da lei do valor (Reflexões acerca do conceito de proletariado).

Houveram algumas rupturas importantes nesse período, como no caso de Marighella, mas deixaremos para comentar melhor essas questões em outra ocasião (possivelmente uma publicação que venha ampliar e atualizar nosso presente texto).

Durante o Governo Geisel, entre 1974 e 1979, tivemos o início do processo de redemocratização. Segundo Geisel, tratava-se de um processo “lento, gradual e seguro” que pretendia criar uma “distensão” na situação política do país. O projeto foi construído com a contribuição do General Golbery, apostando-se na domesticação das lutas do proletariado do ABC paulista através de uma nova burocracia sindical liderada por Luís Inácio Lula da Silva e que seria institucionalizada na CUT (sob a promessa nunca realizada de suprimir com a estrutura corporativista do sindicalismo brasileiro).

Portanto, se assentaram as bases do pacto da constituinte que fundou a Constituição de 88. Esse processo não ocorreu sem conflitos. O Estado brasileiro teve que ceder formalmente o reconhecimento da auto-determinação dos povos indígenas depois na medida em que estes ampliavam suas forças e se tornavam um movimento cada vez mais amplo na realidade do país. Não obstante, o Regime Tutelar perseverou sobre a aparência de “respeito à autonomia”, como atesta o estudo de Andrey Cordeiro Ferreira: Tutela e resistência indígena: etnografia e história das relações de poder entre os Terena e o Estado brasileiro.

5. A social-democracia brasileira contemporânea:


A social-democracia hegemônica no Brasil contemporâneo pode ser identificada como o conjunto das organizações que orbitam a esfera de influência do Partido dos Trabalhadores (PT), incluindo ele próprio. Além da forma hegemônica da social-democracia, existe uma oposição de esquerda dentro do partido material da social-democracia (que, lembremos, não se confunde com o PT enquanto partido formal – veja-se novamente a nota 1 a esse respeito). Essa oposição é composta por outros partidos que também se dizem de esquerda. A disputa mais significativa atualmente é a luta do PSoL para substituir o PT como o partido formal mais adequado a assumir a hegemonia do partido social-democrata brasileiro. De todo o modo, o PT ainda é o partido mais hegemônico na classe operária.

O Partido dos Trabalhadores (PT) sempre foi socialdemocrata, portanto nunca afirmou outro interesse que não fosse aquele da classe dominante, para a manutenção do capitalismo. É muito importante criticar esse partido burguês que cooptou grande parte da classe trabalhadora em “bases” que servem para a “auto-esfola” do proletariado. Foi esse partido que, dentre outras coisas, permitiu que militares brasileiros estuprassem mulheres haitianas ao enviar uma pretensa “ajuda humanitária” (segundo os típicos mandamentos da ONU), aprovou a Lei de Drogas que resultou no aumento exponencial da população carcerária no país (algo que faz parte da dinâmica carcerária que descrevemos em: Ensaio sobre a Fundação de Atendimento Socioeducativo), além de outras atrocidades (como a repressão que ocorreu em 2013 e nos protestos contra a copa em 2014, a aprovação da lei antiterrorismo, etc.).

Uma das questões relacionadas ao “sucesso” que obteve o PT em suas políticas é a importância das exportações nesses últimos anos. Pois os governos petistas também, assim como o resto da social-democracia latino-americana, surfaram na onda do boom das commodities durante o supercíclo de 2000-2014 (para uma análise dessa questão no Equador, veja-se: Análise histórica do Equador e balanço da Revolta de 2019). Foi esta supervalorização dos produtos primários que levou diversos países da América Latina a garantirem certa estabilidade política e econômica, enquanto desenvolviam suas políticas públicas de capitulação dos movimentos sociais, na medida em que durava o tal do “crescimento econômico”.

Vale a pena se questionar: quais os produtos primários brasileiros? Basicamente: petróleo (Petrobrás), soja (expansão da fronteira agrícola) e minério de ferro (mineração). E quais os resultados históricos observados nos governos petistas? Neste caso, temos a ampliação para todos os lados do agronegócio nas terras brasileiras, bem como a intensificação da mineração (cujas consequências de Mariana e Brumadinho já são amplamente conhecidas), para mencionar essas duas importantes “fontes do PIB”.

No que diz respeito ao agronegócio, é necessário destacar que os governos petistas foram seus grandes apologistas. Não poderia ser diferente, uma vez que, além de dependerem da rentabilidade desse setor no superciclo mencionado (através da tributação), também precisavam conciliar interesses de classe se quisessem governar.

É realmente muito triste para o proletariado dos campos que foi assimilado no MST. Essas massas proletárias do campo permanecem compondo as bases do petismo e se iludindo com a consigna de “Reforma Agrária”. Escrever sobre isso nos consome de revolta, pois o espírito de luta do povo do campo está sendo usado contra eles mesmos enquanto permanecerem sendo bases da social-democracia como um todo!

Para que não fique muito abstrato, vejamos a presença do agronegócio em algumas decisões políticas dos governos petistas:

  • Lula sancionou em 2009 uma Medida Provisória (MP 458) que regularizava a posse de terras, até então públicas e registradas no nome do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Amazônia Legal, permitindo assim que posseiros tivessem juridicamente direito sobre tais áreas. Com essa MP, o agronegócio faturou alguns hectares de terra.
  • Com relação aos assentamentos, percebemos que, de acordo com o Incra, nos governos Dilma foram assentadas 25 mil famílias em média por ano [5]. Essa é a pior média nos últimos 20 anos do país.
  • Em termos de investimentos, para efeitos comparativos, vemos que, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), na safra 2015/2016 Dilma destinou R$ 188 bilhões para o agronegócio enquanto que na Agricultura Familiar foram investidos apenas R$ 28,9 bilhões na mesma safra [6].

Enfim, isso tem repercussões bem negativas com relação à questão agrária e fundiária no país. Durante a gestão dos governos petistas houve menos demarcação de terras indígenas do que durante o período de FHC ou, até mesmo, Collor/Itamar [7]. No que diz respeito à expropriações de terras: entre os anos de 2003 e 2007 foram desapropriados 1.646 imóveis contra 2.223 no governo de FHC [8].

É importante mencionar aqui também que certos grupos indígenas e ambientalistas no geral (e é evidente que existem muitas divergências nesses grupos) não deixaram de criticar a política de desenvolvimento adotada pelo PT, como fica evidente no caso da construção da Usina de Belo Monte.

A ideologia “neodesenvolvimentista” do petismo também levou ao paroxismo o conflito ambiental envolvendo a construção da Usina do Belo Monte. Aqui vemos explicitamente a escolha que fez o PT pelo “desenvolvimento econômico” (isto é: pelo capitalismo) em detrimento das demandas indígenas. Além disso, os petistas tiveram que assumir a brutal repressão contra as manifestações contrárias à construção da Usina. Nas palavras de Dilma Rousseff, Belo Monte representa: “uma riqueza única, que é colocar à disposição das empresas que quiserem vir aqui, colocar o seu negócio aqui, participar desse estado que tem grandes reservas minerais, grande potencial agrícola, podem vir aqui, porque não vai faltar energia” [9]. Ou seja: uma fonte de energia que deve atender aos interesses da burguesia nacional (que foi é o que aconteceu de fato – e que ainda está acontecendo).

E por falar em repressão, nosso próximo tópico será sobre isso.

6. Social-democracia brasileira e repressão:


Dilma, usou, antes de Temer, o Decreto de Garantia da Lei e da Ordem [10]. Ações do gênero estão na lista de precedentes que permitem a ascensão da perseguição política às revoltas proletárias no Brasil.

Outro precedente paradigmático foi a Lei Antiterrorismo. Em 16 de março de 2016, o PT, através de sua então presidenta, sancionou a Lei Nº 13.260 [11], conhecida como Lei Antiterrorismo. Não preciso entrar em detalhes sobre o quanto essa lei vai contribuir com as perseguições que o proletariado sofre nas mãos de quem quer que sejam os gestores do Estado.

Existem outros movimentos de outras frações da social-democracia brasileira que merecem ser mencionados aqui e que fazem parte do mesmo processo de perseguição e criminalização de certas formas de radicalização que emergem na forma de “espontaneidade” (ações que, embora radicalizadas, são ainda difusas e pontuais, surgindo como expressões proletárias durante períodos de intensificação de suas lutas).

Como ilustração, vejamos como Boulos e o MTST se colocaram no processo de lutas de 2016 e vamos comparar com as declarações de “repúdio à violência” em ocasião da facada no candidato fascista.

Em uma declaração feita em 2016 para o jornal reacionário da “Folha de São Paulo”, Guilherme Boulos, que é membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e que foi (no primeiro turno) o candidato à presidência pelo PSOL em 2018, afirmou que as táticas dos Black Blocs não seriam bem-vindas nas manifestações chamadas pelas frentes “Povo Sem Medo” e “Brasil Popular”, pois, segundo ele, “nas nossas manifestações, não há espaço para práticas dessa natureza” e quem as fizessem “seria convidado a se retirar” [12]. Estas palavras ameaçadoras foram proferidas no dia 3 de setembro de 2016. As manifestações contra a PEC 55, contra o golpe e tudo mais continuaram e a hostilidade do MTST frente a movimentos sociais autônomos só aumentava. Até que em dezembro do mesmo ano (dia 12), um grupo de militantes do MTST agrediu (praticamente uma tentativa de homicídio) um grupo de militantes anarquistas e autônomos [13].

Não é necessário dizer que individualizar a responsabilidade das agressões brutais por parte dos militantes deste e de outros movimentos envolvidos seria um absurdo. Este ato foi, sobretudo, político e representa o caráter contrarrevolucionário destas organizações políticas que se colocam a favor da ordem e contra o “vandalismo”. Encontramos uma nota em que o MTST, longe de repreender seus militantes, passa pano para suas práticas abjetas (como ameaças de estupro) e inventa uma série de mentiras sobre o caso [14]. Em outras palavras: a não pronúncia da organização e, principalmente de alguém influente como Boulos, apenas revela a conivência com este tipo de violência política contra aqueles que divergirem da estratégia contrarrevolucionária de conciliação de classes da social-democracia.

Para os anarquistas e autonomistas eles oferecem uma perseguição policialesca, enquanto que, para um candidato nitidamente fascista, Boulos oferece a seguinte manifestação de “repúdio à violência” (em ocasião da facada ao BolsoNazi): “A violência não se justifica, não pode tomar o lugar do debate político” [15]. Isso significa que com fascista existe diálogo, mas com anarquista a violência se justifica. Dito de outra forma: debater com quem adoraria fundar campos de concentração para homossexuais e bater nos “arruaceiros” que querem a “desordem”.

Lembremos também da declaração feita dia 07 de outubro por Haddad [16] dizendo que sua “única arma” seria o argumento. Será que a Belo Monte foi construída a base de argumentos? Por que insistir no “diálogo” com fascistas? Talvez isso não adiante muita coisa afinal.

Nossas considerações serão interrompidas por aqui para que o texto não fique deveras massante. Futuramente vamos discutir outras situações e outras questões. No mais, sugerimos um dos melhores textos para compreender os partidos da política burguesa brasileira: Motivos pelos quais o sistema precisa de Bolsonaro (do grupo: “Iniciativa Revolução Universal”).

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Notas:


[1] –  O grupo “Antagonism” define o “Partido Material” como uma expressão prática do grau de “consciência de classe” através de suas estratégias postas em prática historicamente para atingir os objetivos do programa social almejado. No caso do proletariado, o programa de seu partido material é atingir o comunismo como novo modo de produção. O partido, portanto, não se distingue da classe social, pois é a própria expressão dos interesses desta classe numa coalizão de forças que busca realizá-los. Sua composição é feita pelo conjunto das minorias ativas da própria classe proletária que já se encontram em alguma situação de combate no interior da Luta de Classes (e, consequentemente, de reflexão sobre suas lutas atuais, buscando medir quais os avanços no sentido de instauração do comunismo). Portanto, pode-se dizer que o partido exerce uma função diretiva sobre o conjunto da classe da qual ele é parte imanente, mas não podemos entendê-la como a manifestação de um esquema de comando-obediência (governo) ou de carisma-adesão (profetismo), pois esta “direção” nada mais é do que um revestimento da classe sobre si mesma (“consciência de si”), a partir daqueles que melhor expressam os seus interesses revolucionários. Não se trata, evidentemente, de qualquer um que fale formalmente em nome do proletariado, mas que seja o próprio proletariado falando por si (como classe social), enquanto se reconhece como sujeito revolucionário.

A constituição do partido material acontece concomitantemente com a emergência dos métodos organizativos (muitas vezes difusos) da classe proletária. As organizações mais avançadas já expressam as formas constituintes da sociedade porvir (o exemplo histórico mais bem-acabado foram os sovietes territoriais). Ver o artigo traduzido do grupo “Antagonism”: Bordiga versus Pannekoek.

[2] – É de fundamental importância a leitura desse documento sínteseA formação histórica do partido social-democrata. Também discutimos de forma mais detalhada a composição da social-democracia nas seções 7 e 8 do texto: Reflexões acerca do conceito de proletariado (Ensaio).

[3] – Ideologia católica influente na América Latina que surge após a publicação do “Concílio Vaticano II”.

[4] – GCI (Grupo Comunista Internacionalista). O leninismo contra a revolução – Segunda parte: o leninismo como supressor da ruptura comunista (link).



[7] – Veja-se o “Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil 2011” do CIMI para os governos Lula e “Dilma é presidente que menos demarcou terras indígenas na democracia”, reportagem do Estadão.


[9] – BRUM, Eliane. “Dilma compôs seu réquiem em Belo Monte”, link: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/09/opinion/1462804348_582272.html.

[10] – “Dilma assina decreto de Garantia da Lei e da Ordem para o Rio”, link: https://oglobo.globo.com/brasil/dilma-assina-decreto-de-garantia-da-lei-da-ordem-para-rio-12022760.

[11] – A Lei pode ser acessada no seguinte link: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13260.htm.

[12] – “Movimentos de esquerda se dizem contrários a tática ‘black bloc’”. Link: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1809940-movimentos-de-esquerda-se-dizem-contrarios-a-tatica-black-bloc.shtml.

[13] – “Ativistas anarquistas e autônomos brutalmente agredidos por membros da frente ‘Povo Sem Medo’”, link: https://medium.com/@tsavkko/ativistas-anarquistas-e-aut%C3%B4nomos-brutalmente-agredidos-por-membros-da-frente-povo-sem-medo-aba5e5d073e2.

[14] – Nota (de Mentiras) do “esclarecimento” publicada pelo MTST: https://www.facebook.com/mtstce/posts/1625435901084921.

[15] – Declaração completa: “Soube agora do que ocorreu com Bolsonaro em Minas. A violência não se justifica, não pode tomar o lugar do debate político. Repudiamos toda e qualquer ação de ódio e cobramos investigação sobre o fato”, link do tweet: https://twitter.com/GuilhermeBoulos/status/1037788898741702658?s=20.

[16] – “Haddad pede união democrática e diz que ‘argumento’ será única arma do PT”, link: https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/07/discurso-de-fernando-haddad-segundo-turno.htm.

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