quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Os bolcheviques e o controle operário (1970) – Maurice Brinton (Chris Pallis)

Capa do livro pela editora Afrontamento.

Transcrição do livro de Maurice Brinton (pseudônimo de Christopher Agamemnon Pallis), “The bolsheviks and workers’ control: the State and counter-revolution”, publicado em português pela editora Afrontamento em 1975. As notas indicadas entre colchetes estão ao final dessa publicação.

O autor da obra foi um neurologista anglo-grego e intelectual socialista libertário. Sob os pseudônimos Martin Grainger e Maurice Brinton, escreveu e traduziu para o grupo britânico Solidariedade desde 1960 até ao início da década de 1980. Chris Pallis nasceu em 1923 numa proeminente família anglo-grega. Foi educado na Suíça e tornou-se fluente em francês, inglês e grego. Em 1940, a família emigrou para a Inglaterra, onde Pallis foi estudar medicina no Balliol College, em Oxford, em 1941.

Na Inglaterra, Pallis aderiu por um breve período ao Partido Comunista da Grã-Bretanha, mas foi expulso por criticar a política do mesmo sobre a Segunda Guerra Mundial. Logo em seguida ingressou no Partido Comunista Revolucionário Trotskista, mas abandonou sua militância durante dez anos em que se dedicou a sua carreira médica, além de se casar com Jeanne Marty em 1947.

Em 1957, entra para o grupo trotskista liderado por Gerry Healy, o “Clube”, que se torna a Liga Socialista do Trabalho em 1959. Healy expulsa Pallis em 1960. Imediatamente após sua expulsão, junto com outros ex-membros da Liga, Pallis funda o grupo Solidariedade (e se envolve com a revista International Socialism).

É através do Solidariedade que vai publicar, anualmente, os seus trabalhos sobre o “controle operário” durante o regime bolchevique e que serão reunidos na forma de livro posteriormente (em 1970).

Chris Pallis faleceu em março de 2005.

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ÍNDICE

Introdução

Primeira parte: de fevereiro a outubro de 1917

Segunda parte: de outubro a dezembro de 1917

Terceira parte: de janeiro a maio de 1918

Quarta parte: de maio a dezembro de 1918

Quinta parte: 1919

Sexta parte: 1920

Sétima parte: 1921

Conclusão e bibliografia complementar

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Introdução


Esta brochura tem dois objetivos: proporcionar um certo número de novos elementos para a discussão atual acerca do controle operário, e tentar apresentar uma nova análise do destino da revolução russa. Veremos que esses dois objetivos são indissociáveis.

O controle operário


Volta a falar-se, hoje em dia, de controle operário [final dos anos 60, embora seja uma discussão atual]. As nacionalizações (tanto a Leste como a Oeste) e o governo do “Partido da classe operária” (também neste caso, tanto a Leste como no Ocidente), goraram-se visivelmente. Esses processos não deram satisfação às esperanças nem à expectativa das massas – e não lhes deram poder algum sobre as condições em que vivem. Devido a isso, verificou-se um acréscimo de interesse pelo “controle operário”, e por ideias que, noutro contexto, estavam largamente espalhadas no início do século. Hoje, pessoas tão diferentes como os Jovens Liberais e os trabalhistas de “esquerda”, como os sindicalistas fatigados e os “trotskistas” desta ou daquela variante, sem esquecer, é claro, os anarco-sindicalistas e os “marxistas-libertários”, todas elas falam de controle operário. Das duas uma: ou toda essa gente tem objetivos comuns, o que parece pouco provável, ou então o que as palavras ocultam importa tanto como aquilo que elas revelam. Quereríamos contribuir para dissipar essa confusão lembrando de que modo, num momento crítico da história, se enfrentaram os partidários de diferentes concepções do controle operário, mostrando quem saiu vencedor, por que razão, e quais as consequências desse fato.

Esse regresso aos fundamentos históricos do debate não se deve a uma tendência peculiar para o arquivismo ou para as discussões esotéricas. O movimento revolucionário na Grã Bretanha, ao contrário do que se passa em outros países europeus, nunca se preocupou muito com a teoria, preferindo em geral uma abordagem pronunciadamente empírica dos problemas. Pode ter assim evitado por vezes deixar-se prender nos pântanos da especulação metafísica, mas os efeitos nocivos dessa atitude, no que respeita à clareza e à coerência, foram apreciáveis. Sem uma compreensão clara dos objetivos e das forças (incluindo as forças ideológicas) que resistem à luta revolucionária, esta tem efetivamente tendência para tornar-se uma luta na qual “o movimento é tudo, o objetivo nada é”. Sem perspectiva clara, os revolucionários caem frequentemente em armadilhas, ou perdem-se em becos sem saída, que, com um mínimo de conhecimento do próprio passado, poderiam facilmente evitar.

A confusão que reina em volta do problema do controle operário (pelo menos na Inglaterra) é em parte uma questão de palavras. No movimento revolucionário inglês (e em certa medida, na língua inglesa), é raro distinguir com clareza “controle” (control) e “gestão” (management), funções que eventualmente podem sobrepor-se, mas que de modo geral são completamente distintas. Na literatura política francesa, espanhola ou russa, dois termos diferentes (contrôle e gestion, control e gestión, kontrolia e upravleniye) designam respectivamente uma dominação parcial ou total dos produtores no processo de produção. Não é difícil saber onde reside a importância dessa distinção.

É que podem surgir duas situações. Numa, a classe operária (o conjunto dos produtores) toma todas as decisões fundamentais. Fá-lo diretamente, através de organismos de sua escolha com os quais se identifica completamente, e que sabe estar em seu alcance dominar totalmente (comitês de fábrica, conselhos operários, etc.). Esses órgãos, compostos por delegados eleitos e revogáveis, federam-se provavelmente em base regional ou nacional. Decidem (concedendo o máximo de autonomia possível às coletividades locais) o que se deve produzir, de que modo, a que preço e à custa de quem. A outra situação possível é aquela em que essas decisões fundamentais são tomadas “em instância diferente”, “do exterior”, ou seja, pelo Estado, pelo Partido, ou qualquer organismo sem verdadeiros laços com o próprio processo de produção. A “separação entre os produtores e os meios de produção” (base, de qualquer sociedade de classe) é mantida. Esse tipo de solução em breve mostra o que é de fato: uma nova forma de opressão, independentemente das boas intenções revolucionárias do organismo em causa, e sejam quais forem as disposições que tome (ou deixe de tomar) para que as decisões políticas sejam de tempos em tempos submetidas à ratificação ou à correção.

A essas duas situações correspondem palavras diferentes. Gerir significa tomar por si mesmo as decisões, na qualidade de pessoa ou coletividade soberana, e com pleno conhecimento das informações necessárias. Controlar significa supervisionar, inspecionar ou verificar as decisões tomadas por outrem. O “controle” implica uma limitação de soberania ou, pelo menos, um estado de duplo poder no qual algumas pessoas determinam os objetivos ao passo que as restantes se esforçam por que sejam aplicados os meios apropriados para os realizar. Historicamente, as controvérsias a respeito do controle operário surgiram precisamente nessas condições de duplo poder econômico.

Como todas as formas de duplo poder, o duplo poder econômico é essencialmente instável. Acabará por evoluir, ou para uma consolidação do poder burocrático (exercendo a classe operária cada vez menor controle), ou para a gestão operária, tomando a classe operária a gestão inteiramente a seu cargo. Desde 1961, quando o Solidarity começou a defender na Inglaterra a ideia da gestão operária da produção, outros começaram a defender o “controle operário direto”, o “controle operário total”, etc., o que não passava do reconhecimento tácito da impropriedade (ou pelo menos da ambiguidade) das formulações precedentes.

Daria mostras de bem pouca clarividência quem visse apenas em tudo isso uma questão de purismo linguístico, uma chicana terminológica ou doutrinária. Devemos ao mesmo tempo enfrentar os obstáculos presentes e os obstáculos herdados do passado. Não surgimos do nada na cena política. Fazemos parte de uma tradição revolucionária libertária para a qual essas noções tinham uma significação profunda. E não vivemos num vazio político. Vivemos num contexto histórico específico, no qual se desenrola um combate permanente. Nesse combate, os interesses antagônicos das diferentes camadas sociais (burguesia, burocracia e proletariado) exprimem-se através de reivindicações diferentes, formuladas com maior ou menor clareza. E nessas controvérsias, existem essencialmente ideias divergentes acerca do controle e da gestão. Contrariamente a Humpty Dumpty, não podemos atribuir às palavras o significado de nossa escolha. Aliás, o movimento revolucionário é uma das forças em presença nesse combate social. E, queiramos ou não, estejamos ou não conscientes disso, a maior parte do movimento revolucionário está impregnada do “ethos”, da tradição, e das concepções organizativas do bolchevismo. Ora, na história da revolução russa, especialmente entre 1917 e 1921, o problema do “controle operário” em oposição à “gestão operária” tornou-se de imediato escaldante. “De 1917 a 1921, o problema da gestão da indústria tornou-se o barômetro mais sensível do enfrentamento das concepções acerca da criação de uma nova ordem social… Foi, dos assuntos de conflito real entre as facções comunistas, o mais constante e o mais explosivo” [1]; e, poderíamos acrescentar, entre os bolcheviques e as outras tendências do movimento revolucionário. Milhares de revolucionários foram mortos e centenas de milhares foram presos antes que o assunto tivesse sido encerrado.

A maioria daqueles que entram agora no movimento revolucionário estão pouco familiarizados com estas controvérsias. Não devemos atribuir a essa ignorância qualidade de virtude. A clarificação é essencial, mas vamos encontrar assim novos problemas. A pobreza metodológica, o a-historicismo (e por vezes mesmo o anti-intelectualismo) de numerosos revolucionários que deveriam saber o que realmente se passou, é um primeiro obstáculo, trágico. E, suprema ironia, os herdeiros do bolchevismo, que são os que mais alto falam hoje da “necessidade da teoria” e da “necessidade de estudar a história”, são precisamente aqueles que mais coisas têm a esconder (se se investigasse qual o verdadeiro papel histórico desempenhado pelos seus antepassados), e que mais têm a perder (se se apresentasse uma alternativa coerente que pusesse em causa as suas crenças petrificadas).

A confusão que ainda subsiste a propósito do controle operário não é apenas terminológica, ou devida ao desconhecimento do passado. Em grande parte, ela é deliberadamente incentivada. Hoje, por exemplo, existem leninistas e trotskistas empedernidos (na Socialist Labor League, no lnternational Marxist Group, ou entre os “dirigentes” de International Socialism [2]) que preconizam o controle operário sem o menor embaraço. Procurando aproveitar da confusão que reina atualmente no movimento, falam de controle operário como se:

  • entendessem por isso aquilo que pessoas politicamente “pouco prevenidas” podem pensar que isso significa (ou seja, que os trabalhadores deveriam ser eles próprios a tomar as decisões fundamentais relativas à produção);
  • como se, eles e a doutrina leninista de que se reclamam, tivessem sempre lutado por esse objetivo – e como se o leninismo tivesse sempre reconhecido no controle operário o fundamento universal de uma nova ordem social, e não uma simples palavra de ordem utilizada por razões de ordem táctica em contextos históricos específicos e muito limitados [3].

O problema da autogestão não é um problema esotérico. E a mais ampla discussão sobre esse problema nada tem de abstrato ou de sectário. A autogestão é muito simplesmente o conteúdo da revolução da nossa época. Isso, em si, justificaria um livro como este. Mas as implicações de um estudo desse período (a Rússia de 1917 a 1921) não se detém aí. Pois esse estudo poderia também fornecer a base de uma nova análise do destino da revolução russa – e abordaremos agora brevemente esse aspecto do problema.

A Revolução Russa


Propor um ponto de vista novo sobre aquilo que se passou na Rússia, em 1917 e depois, significa quase sempre correr o risco de ser muito mal compreendido. Se, além disso, as questões levantadas e a metodologia sugerida diferem das que atualmente circulam, já não estamos então perante um risco a correr, mas perante uma certeza. Não é a primeira vez que tivemos ocasião de assinalar que a apresentação sistematicamente deformada dos fatos é urna espécie de modo de vida para a esquerda tradicional, e que nada é mais penoso para esta do que uma ideia nova.

Durante os últimos cinquenta anos, todas as organizações existentes da esquerda elaboraram uma verdadeira mitologia (e uma anti-mitologia igualmente suspeita) a respeito da revolução russa. Os social-democratas, feiticistas do parlamentarismo, consideram que “o fracasso do bolchevismo” reside na sua “prática antidemocrática”. O pecado original, para eles, foi a dissolução da Assembleia Constituinte. O pretenso movimento “comunista” (estalinistas, trotskistas, maoístas, etc.) fala com orgulho filial da “Gloriosa Revolução Socialista de Outubro”. Procuram todos elogiar e popularizar as suas primeiras conquistas, apesar de terem opiniões divergentes sobre o que depois aconteceu – quando, porquê e a quem. Para numerosos anarquistas, o fato de que o Estado, ou o “poder político” não tivesse sido imediatamente “abolido” prova, de modo suficiente e irrefutável, que nada aconteceu de realmente importante [4]. O SPGB [5] extrai mais ou menos a mesma conclusão, mas atribui-a ao fato de não ter sido abolido o salariato, não tendo a maioria da população russa tido o privilégio de conhecer o ponto de vista do SPGB (tal como era expresso por porta-vozes devidamente mandatados pelo seu Comitê Executivo), e não tendo por isso procurado conquistar uma maioria parlamentar no seio das instituições russas então existentes.

De todos os lados, todos procuram utilizar a Revolução Russa em função da sua própria propaganda, retendo dela apenas os aspectos que parecem conciliar-se com determinada análise particular da história, ou com uma perspectiva particular para o presente. Tudo o que era novo, tudo o que parecia contradizer as teorias do momento ou destruir categorias bem estabelecidas, foi sistematicamente “esquecido”, minimizado, deformado, negado.

Qualquer tentativa de reavaliação da experiência crucial de 1917-1921 está condenada a suscitar oposições. Os primeiros a reagir serão os “apparatchiks” que, durante anos, se esforçaram por proteger as organizações “revolucionárias” (e a ideologia “revolucionária”) contra a dupla ameaça da subversão e da renovação. No entanto, surgirão resistências também no espírito de muitos militantes honestos, que buscam a via da verdadeira política revolucionária. Não se trata aqui de uma simples resistência psicológica, mas de fenômenos muito mais profundos, e não basta evocar a função reacionária e a influência das “instâncias dirigentes” para os explicar de modo satisfatório. Se é difícil para o militante médio perceber plenamente o que estava em jogo em alguns dos problemas que surgiram nos primeiros momentos da Revolução Russa, é porque esses problemas contam-se entre os mais difíceis e os mais importantes (senão mesmo os mais difíceis e os mais importantes) a que a classe operária jamais se viu confrontada. A classe operária fez uma revolução que foi além de uma simples mudança de pessoal político na cúpula. Ela foi capaz de expropriar os antigos proprietários dos meios de produção (modificando dessa forma profundamente as relações de propriedade). Mas até que ponto foi ela capaz de – ou estava ela disposta a – transformar de modo revolucionário as relações de produção? Procurou ela destruir a estrutura de autoridade que as relações de produção mantêm e perpetuam em todas as sociedades de classes? Até que ponto estava disposta a gerir ela própria a produção (e portanto a sociedade no seu conjunto) ou até que ponto tendia ela antes a delegar a outros essa tarefa? E até que ponto a ideologia dominante triunfou, pressionando a classe operária a substituir os seus inimigos confessos por um partido que declarava falar “em seu nome”?

Responder a essas interrogações é uma tarefa importante, mas difícil. Um dos perigos que ameaça quem procure analisar sem preconceito o “período heroico da Revolução russa” é o da “identificação retrospectiva” com esta ou aquela tendência ou indivíduo que atuava na cena política (Osinsky, Kollontai, Maximov, Makhno ou Miasnikov, por exemplo). Isso é um passatempo político sem interesse, no qual depressa os revolucionários se surpreendem a formular este gênero de interrogações: “Que deveria fazer-se neste ou naquele momento?”; “esta ou aquela ação seria prematura?”; “quem tinha razão neste ou naquele Congresso?”; em vez de procurar compreender o curso dos acontecimentos nas suas grandes linhas (pesquisa essa, sim, provida de sentido). Temos esperança de ter conseguido evitar esse percalço. Quando, por exemplo, estudamos a luta da Oposição Operária contra os dirigentes do Partido (em 1920 e em 1921), para nós não se trata de “tomar partido”. Trata-se de compreender o que representavam realmente as forças em conflito e quais eram, por exemplo, as motivações (e os limites ideológicos e outros) daqueles que pareciam opor-se à tendência para a burocratização de todos os aspectos da vida social. Outro perigo (ou o mesmo, sob outro aspecto) ameaça aquelas que se aventuram pela primeira vez nesse terreno, e que não conseguem escapar à mitologia oficial: permanecer prisioneiros da lenda mesma que procuram destruir. Aqueles, por exemplo, que procuram “demolir” Stalin (ou Trotski, ou Lênin) podem realizar com êxito o seu objetivo imediato. Mas pode acontecer que eles “tenham êxito” com e condição de não discernir, nem mencionar, os traços mais fundamentalmente novos deste período: a ação autônoma da classe operária em busca de transformar totalmente as condições da sua existência. Esperamos também ter evitado essa armadilha. Se citamos demoradamente as declarações de certas personalidades foi apenas na medida em que resumem bastante bem as ideologias que, num dado momento da história, orientavam as ações e os pensamentos dos homens. Ao longo desta narrativa, sentimos que a única maneira de tratar seriamente aquilo que diziam ou faziam os bolcheviques era explicar a função que socialmente desempenharam as suas declarações e os seus atos.

Tentemos agora expor as nossas próprias premissas metodológicas. Acreditamos que as “relações de produção” – as relações que se estabelecem entre as pessoas ou os grupos no processo da produção dos bens – são os fundamentos essenciais de qualquer sociedade. Um determinado tipo de relações de produção é o denominador comum de todas as sociedades de classes. É aquele no qual o produtor não domina os meios de produção mas é, pelo contrário, simultaneamente “separado deles” e dos produtos do seu trabalho. Em todas as sociedades de classes, os produtores estão subordinados aos que dirigem o processo de produção. A gestão operária da produção – que implica o total domínio dos produtores sobre o processo de produção – não é para nós uma questão secundária. É o próprio núcleo da nossa política. É o único meio que permite superar as relações autoritárias (dirigentes-executantes) na produção e criar uma sociedade livre, comunista ou anarquista.

Acreditamos também que os meios de produção podem passar para outras mãos (por exemplo para as de uma burocracia que se apropria deles coletivamente) sem por isso transformar de modo revolucionário as relações de produção. Nessas condições – e seja qual for a forma de propriedade – a sociedade permanece uma sociedade de classes, pois a produção é sempre dirigida por uma instância outra que não os próprios produtores. As relações de propriedade, por outras palavras, não refletem necessariamente as relações de produção. Podem servir para mascará-las e, de fato, desempenham frequentemente esse papel [6].

Muitos são os que perfilham estas concepções. Mas o que até agora nunca se tentou, no entanto, foi aplicar esse quadro conceptual global à história da Revolução Russa. Aqui, temos que nos limitar a enunciar as grandes linhas dessa abordagem [7]. Vista deste ângulo, a Revolução russa representa uma tentativa, infrutífera, da classe operária russa, para destruir relações de produção que se tornavam cada vez mais opressivas. O enorme levante de 1917 pôde destruir a supremacia política da burguesia (destruindo a base econômica na qual ela assentava: a apropriação privada dos meios de produção). Modificou o sistema existente das relações de propriedade. Mas não conseguiu (a despeito de esforços heroicos nesse sentido) transformar as relações de produção autoritárias que caracterizam todas as sociedades de classes. Certas frações da classe operária (as mais ativas no movimento de Comitês de fábrica) tentaram decerto inflectir a Revolução nessa direção. Mas a sua tentativa gorou-se. É importante analisar as causas dessa derrota, e ver de que modo novos senhores substituíram os antigos.

Quais eram as forças que se ergueram contra aquelas que buscavam uma transformação total das condições de vida na produção? Houve primeiramente, é claro, a burguesia. A burguesia tinha tudo a perder nessa subversão social total. Se a gestão operária levava a melhor, ela perderia, não apenas a propriedade dos meios de produção, mas também a possibilidade de conservar posições privilegiadas, quer na qualidade de “especialistas”, quer em postos de direção. Não é de espantar que a burguesia se tenha sentido aliviada quando se apercebeu de que os dirigentes da Revolução “não iriam mais longe do que a nacionalização” e que faziam questão de manter intatas as relações dirigentes-executantes na indústria e alhures. É verdade que uma parte importante da burguesia lutou desesperadamente para reconquistar a sua propriedade perdida. A Guerra Civil foi sangrenta, e demorada. Mas milhares de pessoas que, pela sua cultura e tradições, estavam mais ou menos ligadas à burguesia expropriada, encontraram a oportunidade de penetrar na “fortaleza revolucionária” – pela porta dos fundos – e de retomar a sua função de dirigentes do processo do trabalho do “Estado Operário”. Agarraram avidamente essa oportunidade inesperada. Em peso, aderiram ao Partido, ou decidiram cooperar com ele, aplaudindo cinicamente cada frase de Lênin ou Trotski sobre a “disciplina do trabalho” ou sobre a “direção por um único homem”. Em breve, foram nomeados em grande número (pela cúpula) para os postos dirigentes da economia. Fundindo-se muito rapidamente com a nova “elite” político-administrativa, de que o próprio Partido formava o núcleo, os setores mais “esclarecidos” e mais competentes tecnicamente da classe expropriada retomaram rapidamente posições dominantes nas relações de produção.

Em segundo lugar, o Movimento dos Comitês de Fábricas tinha que defrontar as tendências abertamente hostis da “esquerda”, como os mencheviques. Os mencheviques repetiam incansavelmente que a Revolução tinha que ser democrático-burguesa, e que portanto as tentativas de gestão da produção pelos trabalhadores não poderiam ter futuro. Todos esses esforços foram denunciados como “anarquistas” e “utópicos”. Em certos lugares, os mencheviques foram efetivamente um sério obstáculo para o Movimento dos Comitês de Fábricas; mas a oposição deles era antecipada, e foi uma oposição de princípio e permanente. Em terceiro lugar, a atitude dos bolcheviques – a qual foi muito mais ambígua e desconcertante: entre Março e Outubro, os bolcheviques apoiaram o desenvolvimento dos Comitês de Fábricas, mas foi para se voltarem violentamente contra eles nas últimas semanas de 1917, tentando integrá-los em novas estruturas sindicais, o que era o melhor meio de castrá-los. Esse processo devia desempenhar um papel importante, impedindo a luta crescente contra as relações de produção capitalistas de alcançar o seu objetivo. De fato, os bolcheviques canalizaram as energias libertadas entre Março e Outubro para um ataque bem sucedido contra o poder político da burguesia (e contra as relações de propriedade nas quais estava baseado). A esse nível, a revolução foi “vitoriosa”. Mas os bolcheviques foram também “vitoriosos” ao restaurar “a lei e a ordem” na indústria – lei e ordem que reconsolidavam as relações autoritárias de produção, que durante um breve período tinham sido seriamente abaladas.

Por que razão agiu o Partido desse modo? Para responder a essa pergunta, ser-nos-ia necessário fazer uma análise muito mais completa do Partido bolchevique e das suas relações com a classe operária do que a que nos é possível fazer aqui. Uma vez mais, seria necessário que nos afastássemos simultaneamente da mitologia (“O grande Partido bolchevique”; “a arma forjada por Lênin”; “o ferro de lança da Revolução”) e da anti-mitologia (o Partido como encarnação do “totalitarismo”, do “militarismo”, da “burocracia”, etc.), e procurar constantemente compreender em vez de delirar ou de fulminar. A um nível superficial, a ideologia e a prática do Partido estavam estreitamente ligadas ás circunstâncias históricas específicas da Rússia czarista, na primeira década deste século. A clandestinidade e a perseguição explicam parcialmente (se bem que a não justifiquem) a estrutura organizativa do Partido e a sua concepção das relações com a classe [8]. O que é mais difícil de compreender é a ingenuidade dos dirigentes bolcheviques, que pareciam não se aperceberem das consequências que devia ter fatalmente esse tipo de organização e esse tipo de relações com e classe na história ulterior do Partido.

Um porta-voz da ortodoxia bolchevique tão importante como Trotski podia escrever a respeito dos primeiros momentos da história do Partido: “já se tinham formado rotinas de aparelho na ilegalidade. Desenhava-se um tipo de jovem burocrata. As condições da conspiração limitavam estreitamente, é verdade, as formas da democracia (eleições, controle, mandatos), mas não se pode negar que os membros dos comitês tinham feito recuar, mais do que o necessário, os limites da democracia interior e se tinham mostrado mais rigorosos para com os operários revolucionários do que para com eles próprios, preferindo dar ordens mesmo quando teria sido aconselhável escutar as massas.” Kroupskaia observa que nos comitês bolcheviques, tal como nos congressos, quase não havia operários. Os intelectuais predominavam. “O membro do comitê, escreve Kroupskaia, era habitualmente um homem cheio de certezas… Regra geral, o comitard não admitia nenhuma democracia no interior do Partido… além disso, o comitard não admitia as inovações… ele não sabia, e não queria adaptar-se a circunstâncias rapidamente mutáveis” [9].

Começaram-se a sentir as consequências disso quando dos acontecimentos de 1905. Em numerosos lugares constituíram-se sovietes. “O comitê bolchevique de Petersburg começou por se espantar com a inovação da representação das massas em luta independentemente dos Partidos e a melhor coisa que me ocorreu foi dirigir um ultimato ao soviete: adotar imediatamente o programa social-democrata ou dissolver-se. O soviete de Petersburg e com ele os operários bolcheviques que incluía, passaram adiante sem pestanejar” [10]. Broué, um dos mais hábeis defensores do bolchevismo, vê-se obrigado a escrever que “aqueles que no Partido bolchevique eram mais favoráveis aos sovietes viam unicamente neles, e no melhor dos casos, auxiliares do Partido (…). Só tardiamente compreenderam a função que poderiam desempenhar, o interesse que representavam para aumentar neles a sua influência e neles lutar pela direção das massas” [11]. O problema resume-se com perfeição neste incidente. Os quadros bolcheviques consideravam-se como dirigentes da Revolução: qualquer movimento não lançado por eles ou exterior ao seu controle parecia-lhes sistematicamente suspeito [12]. Disse-se frequentemente que os bolcheviques se “surpreenderam” com a criação de sovietes: esse eufemismo não deve enganar-nos. A reação dos bolcheviques foi muito mais do que uma simples “surpresa”. Refletia toda uma concepção da luta revolucionária, toda uma concepção das relações entre trabalhadores e revolucionários; e a ação das massas russas, desde 1905, tinha mostrado que essas concepções estavam já ultrapassadas.

A separação entre os bolcheviques e as massas viria a surgir em várias ocasiões em 1917. Isso foi antes de mais evidente durante a revolução de fevereiro, depois na época das “Teses de Abril”, e uma vez mais na época dos Dias de Julho [13]. Em várias ocasiões se admitiu que o Partido cometeu “erros” em 1905 e em 1917. Mas essa “explicação” nada explica. O que deveria perguntar-se era: como foram possíveis esses “erros”? E só é possível responder a essa interrogação se se compreende o tipo de trabalho realizado pelos quadros do Partido, desde a sua criação até à época da Revolução. Resultado das condições particulares da luta contra o czarismo, e das suas próprias concepções organizativas, os dirigentes do Partido (do Comitê Central aos responsáveis dos grupos locais) encontravam-se numa situação que apenas lhes permitia laços muito pouco estreitos com o movimento operário real. “Um verdadeiro agitador, escrevia Lênin, que demonstre algum talento, ou que pelo menos promete vir a tê-lo, não deve trabalhar na fábrica, consideramos que ele deve viver sustentado pelo Partido… e passar para a clandestinidade” [14]. Não espanta nessas condições que os poucos quadros bolcheviques de origem operária tenham perdido rapidamente qualquer contato real com a sua classe.

O partido bolchevique estava dilacerado por uma contradição que permite compreender melhor a sua atitude antes e depois de 1917 [15]. A sua verdadeira força residia nos trabalhadores avançados que o apoiavam. É inegável que esse apoio foi por vezes numericamente importante, e sincero. Mas esses trabalhadores não controlavam o Partido: os revolucionários profissionais detinham firmemente a direção nas mãos. Em certo sentido, era inevitável. A fabricação de uma imprensa clandestina e a difusão da propaganda só podiam ser asseguradas com regularidade por militantes constantemente em movimento, e por vezes obrigados a refugiar-se no estrangeiro. Um trabalhador só podia tornar-se dirigente bolchevique com a condição de deixar de trabalhar e de se colocar à disposição do Partido, que podia então enviá-lo em missão especial para qualquer cidade. O aparelho do partido estava nas mãos de especialistas da revolução. A contradição era esta: as forças vivas, reais, das quais provinha a força do Partido, não podiam controlá-lo. Na qualidade de instituição, o Partido escapava totalmente ao controle da classe operária russa. Os problemas que teve de defrontar a Revolução russa após 1917 não resolveram essa contradição, mas exacerbaram-na ainda mais. A atitude do Partido em 1917, e depois, é produto da sua história. Foi isso que tornou vãs as tentativas, no interior do Partido, das diversas oposições de 1918-1921. Elas não compreenderam que uma premissa ideológica determinada (o postulado da hegemonia do Partido) implicava necessariamente determinadas conclusões na prática. Mas é provável que este gênero de análise não vá suficientemente longe. A um nível mais profundo, a própria concepção desse tipo de organização e esse tipo de relação com o movimento de massas reflete a influência não reconhecida da ideologia burguesa, naqueles mesmos que procuravam tenazmente destruir a sociedade burguesa. A concepção que garante que a sociedade tem obrigatoriamente que estar dividida em “dirigentes” e “executantes”, a ideia segundo a qual certas pessoas nasceram para dominar e outras não podem realmente desenvolver-se para além de um certo limite, foi, desde tempos imemoriais, o postulado tácito de qualquer classe dominante. Que os próprios bolcheviques a tenham ao fim e ao cabo aceito mostra mais uma vez a que ponto Marx tinha razão ao declarar que “as ideias dominantes de cada época são as ideias da classe dominante”. Face a uma organização tão “eficaz”, tão sólida, assentada em ideias desse gênero, não surpreende que os Comitês de Fábrica nascidos em 1917 não tenham sido capazes de levar a Revolução até o fim.

O último obstáculo que tiveram que defrontar os Comitês era inerente ao próprio movimento dos Comitês. Se bem que determinados indivíduos tenham dado provas de uma extraordinária lucidez, e se bem que o movimento tenha representado a mais alta manifestação da luta de classes em 1917, o movimento no seu conjunto não conseguiu compreender o que lhe acontecia, nem oferecer uma resistência séria. Não conseguiu generalizar a sua experiência, e o testemunho que dela deixou é infelizmente muito fragmentário. Incapaz de formular publicamente os seus próprios objetivos (a autogestão) em termos claros e positivos, era inevitável que outros tirassem partido desse vazio. Com uma burguesia em plena desintegração e uma classe operária insuficientemente forte e consciente para impor as suas próprias soluções aos problemas que dividiam a sociedade, o triunfo, tanto do bolchevismo como da burocracia, estava garantido.

A análise da Revolução russa mostra bem que, se a classe operária permite a um grupo específico, separado dos próprios trabalhadores, tomar em mãos a gestão da produção, ela perde também todas as possibilidades de controlar ela própria os meios de produção. O resultado da separação do trabalho produtivo e dos meios de produção é uma sociedade de exploração. E quando os simples trabalhadores já não têm influência em instituições como os Soviets, de nada serve chamar a esse regime “soviético”. Esforço algum de imaginação pode fazê-lo considerar reflexo dos interesses da classe operária. A questão fundamental: quem gere a produção após o derrube da burguesia? deveria pois tornar-se de agora em diante o centro de qualquer discussão séria sobre o socialismo. Hoje, a velha equação (liquidação da burguesia = Estado operário) popularizada por inúmeros leninistas, estalinistas e trotskistas, é totalmente insuficiente.

Em 1917, os trabalhadores criaram órgãos (Comitês de Fábrica e Soviets) que deviam garantir a gestão da sociedade pelos próprios trabalhadores. Mas os Soviets passaram para as mãos dos funcionários bolcheviques. Um aparelho de Estado, separado das massas, reconstituiu-se rapidamente. Os trabalhadores russos não conseguiram criar novas instituições que lhes permitissem gerir tanto a produção como a vida social. Essa tarefa foi por conseguinte assumida por outros, por um grupo para quem essa gestão se tornou função específica. A burocracia organizava o processo do trabalho num país no qual ela era igualmente senhora das instituições políticas.

Tudo isto exige uma séria reavaliação de várias noções fundamentais. O “poder dos trabalhadores” não pode ser identificado ou assimilado ao poder do Partido, coisa que constantemente fizeram os bolcheviques. Como dizia Rosa Luxemburgo, o poder operário será obra da classe operária e não de uma minoria que atue em nome da classe. Deve ser a emanação do empenhamento ativo dos trabalhadores, permanecer sob sua influência direta, estar submetido ao controle do conjunto da população, ser consequência da consciência política crescente do povo. Igualmente, a noção de “tomada do poder” não pode designar – como acontece claramente com todos aqueles que pensam ainda viver na Petrogrado de 1917 – um putsch semi-militar, fomentado por uma minoria. Também não pode representar unicamente a defesa – mesmo sendo esta evidentemente necessária – das posições ganhas pela classe operária contra as tentativas da burguesia para as reconquistar. O que a “tomada do poder” implica realmente é que a grande maioria da classe operária compreenda finalmente com clareza a sua capacidade de gestão da produção e da sociedade – e se organize com essa finalidade.

Este texto não é, de modo algum, um estudo econômico da Rússia de 1917 a 1921. É, no melhor dos casos, uma cronologia seletiva da vida do mundo do trabalho. Na maioria dos casos, os fatos falam por si mesmos. Em determinados momentos, consideramos oportuno apresentar o nosso próprio ponto de vista, sobretudo quando sentíamos que todos os protagonistas de certos grandes debates históricos estavam errados, ou permaneciam prisioneiros deste ou daquele sistema de ideias que os impedia de compreender o verdadeiro sentido daquilo que acontecia. Não fizemos referência aos acontecimentos e às etapas da Guerra Civil senão para, proporcionar o contexto de determinadas controvérsias, – e para acabar de uma vez para sempre Com o argumento clássico segundo o qual muitas das medidas descritas foram tomadas “por causa da Guerra Civil”.

Haverá quem nos censure, provavelmente, por termos, de uma ponta a outra desta narrativa, insistido nas diferentes lutas internas do Partido e não nas ações de milhões de homens que, por uma ou outra razão, nunca aderiram ao Partido ou que, desde o início, compreenderam onde levava a sua política. A “acusação” tem um certo fundamento, mas esse defeito é quase inevitável. As aspirações de milhares de indivíduos, as suas dúvidas, as suas esperanças, os seus sacrifícios, o seu desejo de transformar as condições de sua vida quotidiana e a sua luta para consegui-lo, sem dúvida que contribuíram tanto para “fazer” a história como as resoluções dos Congressos do Partido e os discursos dos dirigentes. Mas uma atividade que não tem regras nem estatutos nem tribunas nem panegiristas pertence quase por definição àquilo que a história escrita apaga. Uma consciência do problema – por mais aguda que seja – não substituirá o material perdido. E uma tentativa como esta é em grande parte uma questão de documentos. As massas fazem a história – mas não a escrevem. Aqueles que a escrevem têm na maioria dos casos outras preocupações – seja o culto dos antepassados ou a justificação retrospectiva – que não a apresentação equilibrada dos fatos.

Haverá também outro gênero de críticas. Não se porá em causa a exatidão das citações de Trotski e de Lênin, mas afirmar-se-á que elas são “seletivas”, e que “outras coisas também” foram ditas. Uma vez mais nos confessamos culpados. Mas é necessário observar que há já suficientes hagiografias no comércio (como a de Deutscher por exemplo) cuja “objetividade” não passa da máscara de um trabalho apologético extremamente hábil. Existe aliás outra razão para exumar este material. Cinquenta anos após a revolução – e quando há muito tempo deixou de haver “isolamento” – é evidente que o sistema burocrático russo não tem muito a ver com o modelo da Comuna de Paris (delegados eleitos e revogáveis, que recebiam apenas o equivalente de um salário de operário, etc.) ao qual alude Lênin em O Estado e a Revolução. De fato, é difícil encontrar na teoria marxista uma antecipação do que é a estrutura social russa. Parece-nos pois mais pertinente citar as declarações dos dirigentes bolcheviques de 1917 que desempenharam uma função na evolução da sociedade russa do que aquelas que, como os discursos dos dirigentes trabalhistas no primeiro de Maio, permanecem para sempre no campo da retórica.

Nota sobre as datas


A 14 de Fevereiro de 1918, a Rússia abandonava o velho calendário Juliano e adotava o calendário Gregoriano utilizado na Europa Ocidental. O primeiro de Fevereiro tomou-se 14. Conservamos o antigo sistema até essa data e utilizamos o novo depois dela.

***

Primeira parte: de fevereiro a outubro de 1917


1917

Greves e motins provocados pela fome em Petrogrado. Violentas manifestações de rua contra o Governo. Tropas enviadas para restabelecer a ordem confraternizam com os manifestantes. Pela primeira vez desde 1905, os Sovietes reaparecem em várias cidades.

27 DE FEVEREIRO

Nicolau II abdica. Formação do Governo Provisório (o Primeiro Ministro é o Príncipe Lvov).

MARÇO

Formam-se Comitês de Fábrica e de Oficina [1], Conselhos Operários e Conselhos de Veteranos em todos os grandes centros industriais da Rússia Europeia. Desde o início que as suas reivindicações não se limitam ao salário ou ao horário mas põem em causa muitas prerrogativas dos patrões.

Nalguns casos os Comitês de Fábrica constituíram-se porque os seus anteriores proprietários ou gerentes tinham desaparecido durante a revolução de Fevereiro.

Destes, os que regressaram mais tarde foram autorizados a reassumir as suas posições – mas tinham que aceitar os Comitês de Fábrica. “O proletariado” escreve Pankratova [a] “sem esperar pela sanção da lei, começou a criar simultaneamente todas as suas organizações: sovietes de deputados operários, sindicatos e Comitês de Fábrica” [2]. Desenvolvia-se em toda a Rússia um enorme avanço operário.

10 DE MARÇO

Deu-se a primeira capitulação formal por parte de um número considerável de patrões. Foi assinado um acordo entre o Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado e a Associação dos Empresários de Petrogrado, concedendo as 8 horas por dia nalgumas empresas e “reconhecendo” alguns dos Comitês. A maior parte dos patrões restantes recusa-se a seguir esse exemplo. Em 14 de Março, por exemplo, o Comitê para o Comércio e Indústria declarou que “a questão das 8 horas diárias não pode ser resolvida por acordos mútuos entre trabalhadores e patrões, visto ser um assunto da competência do Estado”. Foi a propósito dessa questão que se travou a primeira grande luta dos Comitês de Fábrica.

O horário das 8 horas por dia foi rapidamente imposto pelos operários em Petrogrado, ora com o consentimento relutante dos patrões ora unilateralmente. O “reconhecimento” dos Comitês de Fábrica foi muito mais difícil de impor, pois tanto os patrões como o Estado reconheciam a ameaça inerente a essa forma de organização.

2 DE ABRIL

Conferência Preparatória dos Comitês de Fábrica das Indústrias de Petrogrado, convocada por iniciativa dos operários do Departamento de Artilharia. Esta Conferência fez uma proclamação, que foi na altura, para todos os Comitês de Fábrica, o “termo de referência” mais radical. Os parágrafos 5 e 7 da proclamação estipulam que:

“Todas as instruções referentes à organização interna da fábrica (isto é, instruções referentes a assuntos tais como: horas de trabalho, salários, admissões e despedimentos, férias, etc.) devem emanar dos Comitês de Fábrica, sendo o gerente da fábrica informado delas…”

“O conjunto do pessoal administrativo (chefia a todos os níveis, e técnicos) é admitido com o consentimento do Comitê de Fábrica que tem por obrigação comunicar aos trabalhadores as suas decisões em assembleias de toda a fábrica ou através dos comitês de oficina…”

“O Comitê de Fábrica controla a atividade da gerência nos campos administrativo, econômico e técnico… Devem ser facultados aos representantes do Comitê de Fábrica, para sua informação, todos os documentos oficiais da administração, orçamento da produção, e descrição pormenorizada de todos os artigos que entram ou saem da fábrica…” [3].

7 DE ABRIL

Publicação das Teses de Abril, pouco depois de Lênin ter regressado a Petrogrado vindo do exílio. A única referência ao controle operário encontra-se na Tese n° 8: “A nossa tarefa imediata não será a ‘introdução do socialismo’ mas colocar a produção social e a distribuição dos produtos… sob o controle do Soviete dos Deputados Operários”.

23 DE ABRIL

O novo governo viu-se obrigado a algumas concessões verbais. Promulgou uma lei que “reconhecia” parcialmente os Comitês mas restringindo cuidadosamente a sua influência. Todos os assuntos importantes foram deixados ao “mútuo acordo das partes interessadas” – por outras palavras, não havia nenhuma obrigação estatutária por parte dos patrões de tratarem diretamente com os Comitês.

Os operários mostraram-se contudo pouco preocupados com o que a lei estipulava. “Comentaram, à sua maneira, a lei de 23 de Abril… Determinaram eles próprios os seus termos de referência, em cada fábrica, alargando constantemente as suas prerrogativas e decidindo o que os seus representantes deviam fazer, de acordo com a relação de forças em cada caso particular” [4].

Lênin escreve: “Devem-se exigir constantemente e, sempre que possível, realizar por meios revolucionários, medidas como a nacionalização da terra, dos bancos e corporações capitalistas, ou, pelo menos a instituição imediata do controle dos Sovietes dos Deputados Operários sobre eles (medidas que de modo algum implicam a ‘introdução do socialismo’)”. Sem essas medidas, “inteiramente realizáveis do ponto de vista econômico”, será “impossível sarar as feridas da guerra e evitar o colapso iminente” [5].

Às ideias básicas de Lênin sobre o controle operário como “travão imposto aos capitalistas” e “como meio de evitar o colapso”, em breve se juntou uma terceira, muito frequente nos escritos de Lênin dessa época. É o conceito do controle operário como “prelúdio à nacionalização”. Por exemplo: “Devemos preparar imediatamente os Sovietes dos Deputados Operários, o Soviete dos Deputados dos Empregados Bancários, etc. … de modo a que estes adotem medidas possíveis e práticas para a fusão de todos os bancos num único banco nacional, seguindo-se o estabelecimento do controle dos Sovietes dos Deputados Operários sobre os bancos e corporações, e posterior nacionalização” [6].

MAIO

Um número cada vez maior de patrões “eram obrigados a cooperar” com os Comitês de Fábrica. A imprensa burguesa lançou uma campanha maciça contra o horário das 8 horas e contra os Comitês, tentando apresentar os trabalhadores aos olhos dos soldados como preguiçosos, gananciosos, inúteis, levando o país à ruína devido às suas exigências “exorbitantes”. A imprensa dos trabalhadores explica pacientemente as verdadeiras causas da estagnação industrial e as condições de vida reais da classe trabalhadora. A convite de vários Comitês de Fábrica, o Exército envia delegados à “retaguarda” para “verificar” essas condições. Testemunham então publicamente que tudo o que os operários diziam era verdade…

17 DE MAIO

No Pravda, Lênin apoia explicitamente a palavra de ordem “controle operário”, declarando que “os operários devem exigir a realização imediata e efetiva do controle por eles próprios” [7].

20 DE MAIO

Lênin esboça um novo programa do Partido: “O Partido luta por uma república dos trabalhadores e camponeses mais democrática, na qual a policia e o exército permanente serão completamente abolidos e substituídos pelo povo em armas, por uma milícia universal. Os oficiais, não só serão eleitos mas estarão sujeitos a serem revogados em qualquer altura a pedido da maioria dos eleitores. Todos os oficiais, sem exceção, serão pagos a uma tarifa não superior ao salário médio de um operário competente”.

Ao mesmo tempo Lênin reivindica a “participação (ênfase do autor) incondicional dos operários no controle dos negócios dos trusts” – o que poderia ser realizado “por um decreto dum dia para o outro” [8].

O conceito de que a “participação dos trabalhadores” devia ser introduzida por meios legislativos (isto é, a partir de cima) tem obviamente antepassados ilustres.

29 DE MAIO

Conferência em Kharkov dos Comitês de Fábrica.

Sob certos aspectos, a província estava mais avançada que Petrogrado e Moscovo. A Conferência de Kharkov exigia que os Comitês de Fábrica se tornassem “órgãos da Revolução… tendo como fim a consolidação das suas vitórias”. “Os Comitês de Fábrica devem tomar conta da produção, protegê-la, desenvolvê-la”. “Devem fixar salários, velar pela higiene, controlar a qualidade técnica dos produtos, decretar todos os regulamentos internos da fábrica e resolver todos os conflitos” [9]. Alguns delegados não-bolcheviques chegaram mesmo a propor que os Comitês tomassem diretamente posse das fábricas e exercessem todas as funções de gerência.

30 DE MAIO A 5 DE JUNHO

Primeira Conferência plenária dos Comitês de Fábrica de Petrogrado.

A Conferência reuniu-se no Palácio Tauride, o mesmo recinto que três meses atrás tinha acolhido a Duma do Estado (Parlamento). Pelo menos metade dos Comitês representados provinham da indústria mecânica. “Os discursos empolados e longos dos parlamentares burgueses tinham sido substituídos pelas contribuições sinceras, simples e normalmente concisas dos ‘deputados’, que acabavam de arrumar as suas ferramentas ou máquinas para virem exprimir pela primeira vez em público as suas humilhações, exigências de classe e necessidades como seres humanos” [10].

Os delegados bolcheviques eram majoritários. Embora a maior parte das suas intervenções se centrassem na necessidade de introduzir o controle operário como meio de “restaurar a ordem” e “manter a produção”, também se fizeram ouvir outras opiniões. Nemtsov, operário metalúrgico bolchevique, afirmou que o “trabalho nas fábricas está atualmente nas mãos dos altos quadros dirigentes. Devemos introduzir o princípio coletivo. Para realizar trabalho… não precisamos das decisões individuais dos capatazes. Introduzindo o princípio eletivo, podemos controlar a produção”. Naumov, outro delegado, reivindicava que “pelo fato de nós mesmos controlarmos a produção, aprenderemos os seus aspectos práticos e elevá-la-emos ao nível da futura produção socialista” [11]. Nesta altura, ainda estamos muito longe da defesa bolchevique da “eficiência” da direção de um só e da prática das nomeações a partir de cima.

A Conferência teve numerosos participantes. Até mesmo M. I. Skobelev, menchevique, Ministro do Trabalho do Governo Provisório, lá estava. A sua intervenção teve interesse na medida em que foi uma antecipação do que os bolcheviques viriam a dizer antes mesmo que o ano acabasse. Skobelev dizia que “a planificação e controle da indústria eram uma tarefa do Estado. A responsabilidade de ajudar o Estado no seu trabalho organizativo recai sobre uma classe específica, essencialmente a classe trabalhadora”. Também afirmou que “a transferência das empresas para as mãos do povo, nesta, altura, não ajudaria a Revolução”. A regulamentação da indústria era função do Governo e não dos Comitês de Fábrica autônomos. “Os Comitês serviriam melhor a causa dos trabalhadores tornando-se unidades duma rede de sindicatos subordinados ao Estado” [12].

Rosanov, um dos fundadores da União dos Trabalhadores Profissionais, defendia um ponto de vista semelhante. As suas afirmações de que “as funções dos Comitês de Fábrica eram efêmeras” e que “os Comitês de Fábrica deviam constituir os elementos básicos dos sindicatos” foram asperamente criticadas. Contudo é este o papel a que os Comitês de Fábrica serão relegados, dentro de alguns meses, pela prática bolchevique. No entanto, nessa, altura, os bolcheviques criticavam muito essa ideia (os sindicatos estavam em grande medida sob a influência menchevique).

O discurso de Lênin à Conferência já permitia supor o que aconteceria. Explicou que o controle operário significava “que a maioria dos trabalhadores devia pertencer a todas as instituições responsáveis e que a administração devia prestar contas das suas ações às organizações operárias mais importantes” [13]. Nitidamente, Lênin entendia por “controle operário” uma “administração” por outras pessoas que não os trabalhadores.

A resolução final, apoiada por 336 dos 421 delegados, proclamou que os Comitês de Fábrica eram “organizações de luta, eleitas com base no princípio da democracia mais completa e com uma direção coletiva”. Os seus objetivos eram “a criação de novas condições de trabalho”. A resolução apelava para “a organização de um controle completo pelos trabalhadores sobre a distribuição” e para “uma maioria, proletária em todas as instituições com poder executivo” [14].

Nas semanas seguintes assistiu-se a um fortalecimento considerável dos Comitês de Fábrica. Sempre que conseguiram força suficiente (antes, e mais particularmente depois da Revolução de Outubro, quando foram reconhecidos pelos Sovietes locais), os Comitês “assumiram ousadamente a chefia das suas fábricas e o seu controle direto” [15].

16 DE JUNHO

Primeiro Congresso Pan-Russo dos Sovietes.

20 A 28 DE JUNHO

Uma conferência sindical, que se realizou em Petrogrado, aprovou uma resolução que estipulava que “os sindicatos que defendem os direitos e interesses do trabalho assalariado… não podem assumir funções administrativo-econômicas na produção” [16]. Os Comitês de Fábrica deviam fazer propaganda para a entrada no sindicato de todos os trabalhadores da empresa. Deviam “trabalhar para o fortalecimento e expansão dos sindicatos, contribuir para a unificação das suas ações de luta” e “aumentar a autoridade dos sindicatos junto dos trabalhadores não organizados” [17].

Essa Conferência, dominada pelos mencheviques e socialistas-revolucionários, restringiu consideravelmente a ação dos Comitês de Fábrica. Esta restrição exprimia-se no fato dos Comitês deverem ser eleitos com base em listas designadas pelos sindicatos.

As teses bolcheviques, apresentadas na Conferência por Glebov-Avilov, sugeriam que, para a boa condução do “controle” operário, deviam ser agregadas “comissões de controle econômico” à administração central dos sindicatos. Essas comissões deviam ser constituídas por membros dos Comitês de Fábrica e deviam cooperar com estes últimos em cada empresa individual. Os Comitês de Fábrica, não só deviam ter “funções de controle” sob as ordens do sindicato, mas estavam também financeiramente dependentes deste [18].

A Conferência criou um Conselho Central Pan-Russo dos sindicatos cujos representantes eram eleitos em proporção da força numérica das várias tendências políticas presentes na Conferência.

Nesta fase, os bolcheviques estavam a jogar com um pau de dois bicos, tentando ganhar influência nos sindicatos e nos Comitês. Tendo em vista esse objetivo, não se coibiam de todo o tipo de conversas dúbias. Nos sindicatos sob forte influência menchevique, os bolcheviques faziam força por uma autonomia considerável dos Comitês de Fábrica. Nos sindicatos sob sua influência, o seu entusiasmo, no que se refere a este assunto, era muito menor.

É necessário nesta altura dizer algumas palavras sobre o papel dos sindicatos antes e imediatamente após a Revolução de Fevereiro.

Anteriormente a 1919, os sindicatos tinham tido uma importância muito relativa na história do operariado russo. A indústria russa ainda era muito recente. Sob o czarismo (pelo menos até ao princípio do século), as organizações sindicais eram ilegais e perseguidas. “Ao suprimir o sindicalismo, o czarismo sobrevalorizou, o que não foi muito inteligente da sua parte, as organizações políticas revolucionárias… Nestas condições só os trabalhadores muito politizados, os que estavam preparados para sofrer pelas suas convicções a prisão e o exílio, se juntavam aos sindicatos… Enquanto que na Grã-Bretanha o Partido Trabalhista tinha sido criado pelos sindicatos, os sindicatos russos viveram desde a sua criação à sombra do movimento político” [19].

Essa análise é correta, e tem, além disso, um significado muito mais profundo do que aquele que Deutscher supunha. Os sindicatos Russos de 1917 refletiam essa evolução peculiar do movimento da classe trabalhadora russa. Por um lado, os sindicatos eram auxiliares dos partidos políticos sendo utilizados por estes com o fim de recrutar quadros e como massa de manobra [b]. Por outro lado o movimento sindical, de certo modo renascido depois de Fevereiro de 1917, radicalizou-se devido à ação dos operários mais conscientes: a liderança dos vários sindicatos reflete a predominância de uma espécie de elite intelectual, favorável de início aos mencheviques e socialistas-revolucionários, mas que mais tarde, se voltou, em proporções diversas, para os bolcheviques.

É importante compreender que, desde o começo da Revolução, os sindicatos eram rigidamente controlados pelas organizações políticas, que os usavam como apoio para as suas diversas ações. Isso explica a facilidade com que o Partido conseguiu, posteriormente, manipular os sindicatos. Ajuda também a perceber porque razão os sindicatos (e os seus problemas) foram frequentemente o campo de batalha no qual as divergências políticas entre os líderes do Partido se confrontavam. Se acrescentarmos a isso o fato de que toda a evolução anterior do Partido (incluindo a sua estrutura altamente centralizada e as suas concepções de hierarquia organizativa) favoreceu a sua separação em relação à classe operária, percebe-se melhor quão desfavoráveis eram as possibilidades de uma expressão autônoma, ou mesmo de uma simples afirmação das aspirações da classe trabalhadora. De certo modo, isso era de mais fácil expressão nos Sovietes do que no Partido ou nos sindicatos.

Seja como for, o número de sindicalizados cresceu rapidamente após Fevereiro, aproveitando-se os trabalhadores da nova liberdade conquistada. “Durante os primeiros meses de 1917, o número de sindicalizados aumentou, de uns poucos milhares, a 1,5 milhão… Mas o papel prático desempenhado pelos sindicatos não correspondia à sua força numérica… Em 1917 as greves nunca assumiram a grandeza e força das de 1905… A ruína econômica da Rússia, a inflação galopante, a escassez de bens de consumo, etc., tornou irreal a natural luta pelo ‘pão’. Ainda por cima os possíveis grevistas arriscavam-se a ser mobilizados. A classe operária não estava disposta a lutar por vantagens econômicas limitadas e reformas parciais. Toda a ordem social da Rússia estava em jogo” [20].

JUNHO-JULHO

Esforços persistentes dos mencheviques para subordinarem totalmente os Comitês de Fábrica e de Oficina aos sindicatos. Este objetivo não foi bem-sucedido devido à aliança temporária entre anarquistas, que se opunham a essa tentativa por questões de princípio, e bolcheviques que atuavam com base em considerações tácticas.

O movimento autônomo dos Comitês de Fábrica desenvolveu-se mais, inclusive no aspecto militante, na indústria mecânica [21]. Chame-se a atenção para esse fato, pois é ele que explica as medidas drásticas que os bolcheviques tiveram que tomar em 1922 para destruir as organizações independentes dos operários mecânicos.

26 DE JULHO A 3 DE AGOSTO

Sexto Congresso do Partido.

Milyutin declara: “Aproveitaremos a onda econômica do movimento dos operários e transformaremos esse movimento espontâneo num movimento político consciente contra o poder estatal existente” [22].

7 A 12 DE AGOSTO

“Segunda Conferência dos Comitês de Fábrica de Petrogrado, Subúrbios e Províncias Vizinhas”, realizada no Instituto Smolny.

A Conferência decidiu que 0,25% dos salários de todos os trabalhadores representados deveria ser para apoiar um “Soviete Central dos Comitês de Fábrica”, tornando-os assim financeiramente independentes dos sindicatos [23]. Os elementos da base dos Comitês de Fábrica encararam a constituição desse “Soviete Central” de diversas maneiras. Por um lado sentiam a necessidade de coordenação. Por outro lado queriam que essa coordenação fosse realizada na base, por eles mesmos. Muitos suspeitavam das motivações dos bolcheviques, que tinham tido a iniciativa de o constituir burocraticamente. O bolchevique Skrypnik falou das dificuldades do Soviete Central dos Comitês de Fábrica, atribuindo-as “em parte aos próprios trabalhadores”. Os Comitês de Fábrica tinham dado aos seus membros liberdade para trabalhar no Soviete Central com certa relutância. Alguns Comitês “abstiveram-se de participar no Soviete Central devido à sua predominância bolchevique” [24]. V. M. Levin, outro bolchevique, queixou-se de que os trabalhadores “não distinguiam o conceito de controle do conceito de expropriação” [25].

A Segunda Conferência adotou um grande número de estatutos, que regulamentavam o trabalho dos Comitês, os deveres da direção (sic!), o procedimento para a eleição dos Comitês [26], etc. “Todos os decretos dos Comitês de Fábrica” foram declarados obrigatórios “para a administração da fábrica assim como para os operários e empregados, enquanto esses decretos não fossem abolidos pelo próprio Comitê, ou pelo Soviete Central dos Comitês de Fábrica”. Os Comitês deviam reunir-se regularmente durante as horas de trabalho. Deviam realizar-se assembleias nos dias designados pelos Comitês. Os membros dos Comitês deviam receber o salário integral – (da entidade que os empregava) – enquanto se ocupassem de assuntos do Comitê. Para que um membro do Comitê de Fábrica pudesse largar o trabalho de modo a cumprir as suas obrigações para com o Comitê devia bastar avisar o pessoal administrativo respectivo. Nos intervalos entre as reuniões, determinados membros designados pelo Comitê de Fábrica deviam ocupar um local, no interior da fábrica, onde pudessem receber informações dos trabalhadores e dos empregados. A administração da fábrica devia fornecer os fundos necessários “para a manutenção dos Comitês e boa condução das suas tarefas”. Os Comitês de Fábrica deviam ter “controle sobre a composição da administração e o direito de despedir todos os que não dessem garantias de um tipo de relações normal com os trabalhadores, ou que fossem incompetentes por outras razões”. “O pessoal administrativo da fábrica só pode entrar em serviço com o consentimento do Comitê de Fábrica, que deve anunciar as suas (sic!) admissões numa reunião geral de toda a fábrica ou através de comitês de departamento ou de oficina”. A “organização interna” da fábrica (tempo de trabalho, salário, férias, etc.) também devia ser determinada pelo Comitê de Fábrica. Os Comitês de Fábrica deviam ter a sua imprensa própria e deviam “informar os trabalhadores e empregados da empresa das suas resoluções, afixando-as em lugar visível”. Mas, como notou com realismo o bolchevique Skrypnki, advertindo a conferência: “não nos devemos esquecer que estes estatutos não são estatutos normais confirmados pelo Governo. São a nossa plataforma e é baseados nela que lutaremos”. O fundamento das exigências era o “direito revolucionário consuetudinário”.

3 DE AGOSTO

O Governo Provisório lança uma campanha contra os Comitês de Fábrica nos Caminhos de Ferro. Kukel, Vice-Ministro da Marinha, propõe a proclamação da lei marcial nos Caminhos de Ferro e a criação de comissões encarregadas de “dissolver os Comitês”. (Isto é a burguesia a falar em Agosto de 1917… e não Trotski em Agosto de 1920! Ver Agosto de 1920).

Numa “consulta à base” realizada em Moscou em 10 de Agosto e patrocinada pelo Governo, atribuiu-se a situação catastrófica dos Caminhos de Ferro à existência dos Comitês dos Caminhos de Ferro. “De acordo com um inquérito realizado numa assembleia de Diretores de Caminhos de Ferro, tinham sido nomeados para participar nestes Comitês, que atingiam 37 linhas principais, 5531 operários. Esses operários estavam autorizados a faltar ao trabalho. Calculando com base num salário mínimo médio de 2000 rublos, essa brincadeira custava ao Governo 11 milhões de rublos. E isto só em 37 das 60 linhas principais…” [27].

Na mesma ocasião, Struve, conhecido ideólogo e economista burguês, escrevia que “assim como no campo militar a eliminação dos oficiais por soldados leva à destruição do Exército (porque implica a legalização da revolta, o que é em si incompatível com a existência do Exército), igualmente no terreno econômico a substituição do poder dos dirigentes pela direção dos operários implica a destruição da ordem econômica e da vida normal nas empresas” [28].

Mais tarde, em Agosto, realizou-se uma Conferência de Patrões em Petrogrado, que institui uma União das Associações Patronais. A função principal da nova organização foi descrita pelo seu presidente Bymanov como sendo “a eliminação da interferência dos Comitês de Fábrica nas funções diretivas”.

11 DE AGOSTO

Primeiro número do Goloss Truda, publicado na Rússia pela União de Propaganda Anarco-Sindicalista.

25 DE AGOSTO

O Goloss Truda publica um editorial famoso intitulado “Questões do Momento”: “Nós dizemos aos operários, camponeses, soldados, revolucionários russos: acima de tudo continuai a revolução. Continuai a organizar-vos solidamente e a unir as vossas novas organizações: as vossas comunas, sindicatos, comitês, sovietes. Continuai, com firmeza e perseverança, a todo o momento e em todo o lugar, a participar cada vez em maior extensão, e cada vez mais efetivamente na vida econômica do país, continuai as expropriações, isto é, apropriem-se as vossas organizações de todas as matérias primas e de todos os instrumentos indispensáveis ao vosso trabalho. Continuai a Revolução. Não hesiteis em enfrentar as questões candentes do momento. Criai por toda parte as organizações necessárias para realizar essas soluções. Camponeses, apoderai-vos da terra e colocai-a à disposição dos vossos comitês. Operários, preparai-vos para entregar à disposição das vossas próprias organizações sociais, sempre no próprio local, as minas e o subsolo, as empresas e os estabelecimentos de todo o tipo, as manufaturas e fábricas, as oficinas e máquinas”. Mais tarde, o número 15 do mesmo jornal incitava os seus leitores a “começarem a organizar imediatamente a vida econômica e social do país em novas bases. Então, uma espécie de ‘ditadura do trabalho’ começará a realizar-se de um modo fácil e natural. E o povo aprenderá pouco a pouco a impô-la”.

Durante este período houve um grande número de greves (operários têxteis e dos curtumes em Moscou, operários mecânicos em Petrogrado, operários do petróleo em Baku, mineiros no baixo Don). “Havia um fator comum a todas essas lutas: os patrões estavam prontos a fazer concessões aumentando os salários, mas recusavam-se categoricamente a reconhecer, quaisquer direitos aos Comitês de Fábrica. Os operários em luta… estavam preparados para lutar até às últimas consequências, não tanto na questão do aumento de salário mas mais pelo reconhecimento das suas organizações de fábrica” [29]. Uma das exigências principais era a transferência do direito de admitir e despedir operários para os Comitês. As insuficiências da “lei” de 23 de Abril eram agora bem evidentes. A exigência de que os Sovietes tomassem o poder começava a ter adeptos. “Durante a luta por uma ‘constituição fabril’ a classe operária tinha realizado a necessidade de ser ela própria a dirigir a produção” [30].

28 DE AGOSTO

Como resposta à crescente campanha nos jornais burgueses contra os Comitês de Fábrica e o “anarquismo da classe operária”, o Ministro do Trabalho, o menchevique Skobelev, mandou publicar a sua famosa “Circular Nº 421” proibindo as reuniões dos Comitês de Fábrica durante as horas de trabalho (“devido à necessidade de consagrar toda a energia e todo o tempo ao trabalho intensivo”). A circular autoriza a direção a descontar, do salário dos operários que assistam às reuniões do Comitê, o tempo perdido. Passou-se isto na ocasião em que Kornilov avançava sobre Petrogrado e “quando os operários se apressavam a defender energicamente a Revolução sem cuidarem de saber se o faziam ou não durante as horas de trabalho” [31].

SETEMBRO

O Partido Bolchevique conquista a maioria nos Sovietes de Petrogrado e de Moscou.

10 DE SETEMBRO

Terceira Conferência dos Comitês de Fábrica. A 4 de Setembro, outra circular do Ministério do Trabalho tinha estipulado que o direito de admitir e despedir operários pertencia aos donos das empresas. O Governo Provisório, já muito alarmado com o crescimento dos Comitês de Fábrica, tentava desesperadamente limitar o seu poder.

Como representante do Ministério do Trabalho, esteve presente na Conferência o menchevique Kolokolnikov, que defendeu as Circulares. “Explicou” que as circulares não privavam os operários do controle de admitir e despedir… mas somente do direito de admitir e despedir. “Como os bolcheviques fariam mais tarde, Kolokolnikov definiu controle como supervisão sobre a política em oposição ao direito de fazer política” [32].

Na Conferência, um operário chamado Afinogenev afirmou que “todos os partidos, sem exclusão dos bolcheviques, aliciam os operários com a promessa do Reino dos Céus na terra daqui a cem anos… Nós não necessitamos de melhorias daqui a cem anos, mas já, imediatamente” [33]. A Conferência, que só teve duas sessões, decretou que ia tentar abolir imediatamente as circulares.

14 DE SETEMBRO

Assembleia da Conferência Democrática patrocinada pelo Governo. Acentuando que as tarefas dos Comitês de Fábrica eram “essencialmente diferentes” das dos sindicatos, os bolcheviques pediram 25 lugares para os Comitês de Fábrica. (O Governo tinha concedido o mesmo número de lugares aos sindicatos).

26 DE SETEMBRO

Lênin escreve: “O Governo Soviético deve introduzir imediatamente, de uma ponta à outra do Estado, o controle operário sobre a produção e distribuição”. “Não se introduzindo esse controle… a ameaça de uma fome e catástrofe de dimensões nunca vistas crescerá de semana a semana” [34].

Durante várias semanas os patrões, em escala cada vez maior, tinham recorrido a lock-outs na tentativa de quebrar o poder dos Comitês. Entre Março e Agosto de 1917, tinham fechado 586 empresas que empregavam cerca de 100.000 operários [35]. Algumas vezes por falta de combustível ou matérias primas, mas muitas vezes numa tentativa deliberada dos patrões para evitar o poder crescente dos Comitês. Entre as funções do controle operário, considerava se a de acabar com tais práticas.

1 DE OUTUBRO

Publicação de “Podem os bolcheviques manter o poder estatal?”, de Lênin. Este texto contém certas passagens que nos ajudam a compreender muitos dos acontecimentos futuros. “Quando dizemos controle operário, nós associamos sempre essa palavra de ordem com a ditadura do proletariado, e colocamo-la sempre depois desta, mostrando claramente que tipo de Estado temos em mente.. Se é um Estado proletário que estamos a considerar (isto é, a ditadura do proletariado) então o controle operário pode tornar-se numa contabilidade (ênfase de Lênin) extremamente precisa e extremamente escrupulosa, a nível nacional, abarcando tudo, onipresente, da produção e distribuição dos bens”.

Nesse mesmo panfleto, Lênin define o tipo de “aparelho socialista” (ou enquadramento) dentro do qual será exercida a função de contabilidade (controle operário). “Sem grandes bancos é impossível realizar o socialismo. Os grandes bancos são um ‘aparelho estável’ de que precisamos para a realização do socialismo e de que nos apoderaremos, já prontos, ao capitalismo. O nosso problema aqui é unicamente o de eliminar tudo o que desfigura de modo capitalista esse aparelho aliás excelente e torná-lo ainda maior, mais democrático, mais amplo…”. “Um único e imenso banco estatal, com ramos em todos os distritos rurais e em todas as fábricas – já seriam nove décimos do aparelho socialista”. De acordo com Lênin, esse tipo de aparelho permitiria “uma contabilidade à escala nacional, o controle à escala nacional da produção e distribuição dos bens, por parte do Estado”, e seria “por assim dizer, algo como o esqueleto da sociedade socialista”. (ênfase de Lênin ao longo de todo o texto).

Ninguém nega a importância de manter registros de confiança sobre os dados econômicos, mas a identificação por Lênin de controle operário, num “Estado operário”, com a função contabilidade (isto é, verificação da realização das decisões tomadas por outros) é extremamente reveladora. Em nenhum dos escritos de Lênin se conjuga o controle operário com a participação nas decisões fundamentais (isto é, com a iniciativa das decisões) no que se refere à produção (quanto produzir, como produzir, a que preço, à custa de quem, etc.).

Outros escritos de Lênin neste período reiteram a afirmação de que uma das funções do controle operário é evitar a sabotagem dos altos funcionários e burocratas. “Quanto aos altos funcionários… teremos de os tratar como tratamos os capitalistas: – duramente. Eles, assim como os capitalistas, oferecerão resistência… poderemos se bem-sucedidos, com a ajuda do controle operário, em tornar tal resistência impossível” [36].

A noção de Lênin acerca do controle operário (como meio de evitar lock-outs) e os seus pedidos repetidos de “abertura dos livros de contabilidade” (como maneira de evitar a sabotagem econômica) referia-se quer à situação imediata, quer aos meses após a revolução. Ele previa que existiria um período durante o qual, num Estado operário, a burguesia ainda manteria a posse formal e direção efetiva da maior parte do aparelho produtivo. O novo Estado, na opinião de Lênin, não seria capaz de dirigir a indústria imediatamente. Haveria um período de transição durante o qual os capitalistas seriam coagidos a cooperar. O instrumento dessa coerção seria o “controle operário”.

10 DE OUTUBRO

Quarta Conferência dos Comitês de Fábrica de Petrogrado e subúrbios. O assunto principal da ordem de trabalhos era a convocação da primeira Conferência Pan-Russa dos Comitês de Fábrica.

13 DE OUTUBRO

O Goloss Truda apela para o “controle operário total abarcando todas as operações nas oficinas, controle real e não fictício, controle sobre as normas de trabalho, admissão e despedimento de pessoal, horário e salário e os processos de fabrico”.

Os Comitês de Fábrica e Sovietes surgiam por toda a parte a um ritmo incrível. O seu crescimento pode ser explicado pela extrema radicalidade das tarefas que a classe operária tinha que enfrentar. Os Comitês e os Sovietes estavam muito mais perto das realidades da vida quotidiana do que os sindicatos. Revelaram-se portanto como os verdadeiros porta-vozes das aspirações populares fundamentais.

Durante esse período fez-se uma intensa propaganda a favor de ideias libertárias. “Não se encerrou um único jornal, não se confiscou um único panfleto, folheto ou livro, não foi proibido um único comício de massa ou reunião… É verdade que o Governo, nesse período, não era avesso a tratar severamente quer os anarquistas quer os bolcheviques. Kerensky ameaçou-os muitas vezes de ‘os queimar com ferros em brasa’. Mas o Governo mostrava-se impotente porque a Revolução estava no auge” [37].

Como já referimos, os bolcheviques nessa altura ainda apoiavam os Comitês de Fábrica. Consideravam-nos como “o aríete que desfechava golpes sobre o capitalismo, órgãos da luta de classe criados pela classe operária no seu próprio campo” [38]. Também viam na palavra de ordem “controle operário” uma maneira de minar a influência menchevique nos sindicatos. Mas os bolcheviques estavam a ser “arrastados por um movimento que sob muitos aspectos era embaraçoso para eles mas que, como força motora principal da revolução, não podiam deixar de apoiar” [39].

Em meados de 1917 o apoio dos bolcheviques aos Comitês de Fábrica era tal que os mencheviques os acusaram de “abandonar” o marxismo em favor do anarquismo. “De fato Lênin e os seus companheiros mantiveram-se fiéis à concepção marxista do Estado centralizado. O seu objetivo imediato, contudo, ainda não era o de constituir a ditadura proletária centralizada, mas o de descentralizar tanto quanto possível o Estado burguês e a economia burguesa. Esta era a condição necessária ao êxito da revolução. No campo econômico, portanto, os Comitês de Fábrica, órgãos locais, mais do que os sindicatos, eram o instrumento de sublevação mais poderoso e mortífero. Por isso os sindicatos foram relegados para os bastidores…” [40].

Essa talvez seja a afirmação mais explícita da razão por que os bolcheviques apoiavam, nessa altura, o controle operário e o seu veículo organizativo, os Comitês de Fábrica. Hoje em dia só os ignorantes, ou os que desejam ser enganados, se podem dar ao luxo de acreditar que o poder proletário, no ato de produção, tenha sido um dos princípios fundamentais ou objetivo dos bolcheviques.

17 A 22 DE OUTUBRO

Primeira Conferência Pan-Russa dos Comitês de Fábrica, convocada por Novy Put (Novo Rumo), jornal “fortemente marcado por um novo tipo de anarco-sindicalismo, embora não existissem anarco-sindicalistas propriamente ditos no seu comitê de redação” [41].

De acordo com fontes bolcheviques posteriores, dos 137 delegados que assistiram à Conferência, 86 eram bolcheviques, 22 socialistas-revolucionários, 11 anarco-sindicalistas, 8 mencheviques, 6 “maximalistas” e 4 “sem partido” [42]. Os bolcheviques estavam prestes a tomar o poder, e a sua atitude para com os Comitês de Fábrica começava a mudar. Shmidt, futuro Comissário do Trabalho do governo de Lênin, descreveu o que tinha sucedido em muitas regiões. “Na altura em que se formaram os Comitês de Fábrica, os sindicatos ainda não existiam de fato. Os Comitês de Fábrica preencheram o vácuo” [43]. Outro porta-voz bolchevique afirmou que “o crescimento e influência dos Comitês de Fábrica ocorreram naturalmente à custa das organizações econômicas centralizadas da classe operária, tais como os sindicatos. É claro que isto é uma evolução altamente anormal o que na prática tem conduzido a resultados muito indesejáveis” [44].

Um delegado de Odessa exprimiu ponto de vista diferente. Declarou que “as Comissões de Controle não devem ser comissões unicamente de verificação mas devem ser embriões do futuro, que neste mesmo momento se estão a preparar para transferir a produção para as mãos dos trabalhadores” [45]. Um orador anarquista argumentou que “os sindicatos querem devorar os Comitês de Fábrica. Os trabalhadores não estão descontentes com os Comitês de Fábrica, mas estão-nos com os sindicatos. Para o trabalhador o sindicato é uma forma de organização imposta de fora. O Comitê de Fábrica está muito mais próximo dele”. Voltando a um assunto que seria repisado muitas vezes acentuou que “os Comitês de Fábrica são os embriões do futuro… Devem ser eles agora, não o Estado, a gerir” [46].

Nessa altura, Lenine viu a enorme importância dos Comitês de Fábrica… como meio de ajudar o Partido bolchevique a tomar o poder. De acordo com Ordzhonikidze ele afirmou que “devemos mudar o centro de gravidade para os Comitês de Fábrica. Os Comitês de Fábrica devem tornar-se os órgãos da insurreição. Temos que mudar a palavra de ordem: em vez de dizermos ‘Todo o poder aos Sovietes’, devemos dizer ‘Todo o poder aos Comitês de Fábrica’” [47].

Foi aprovada uma resolução na Conferência que proclamava que o controle “operário”, dentro dos limites que lhe eram estipulados pela Conferência, só era possível sob a direção econômica e política da classe operária. Acautelava-os contra as atividades “isoladas” e “desorganizadas” e acentuava que “a posse das fábricas pelos operários e o seu funcionamento para proveito pessoal era incompatível com os fins do proletariado” [48].

***


Segunda parte: de outubro a dezembro de 1917


25 DE OUTUBRO

Derrube do Governo Provisório de Kerensky. Proclamação do Conselho dos Comissários do Povo (Sovnarkom) na sessão inaugural do Segundo Congresso Pan-Russo dos Sovietes.

26 DE OUTUBRO

No segundo Congresso Pan-Russo dos Sovietes, um porta-voz bolchevique proclamou: “a revolução venceu. Todo o poder passou para os Sovietes… Serão proclamadas novas leis nos próximos dias tratando dos problemas dos operários. Uma das mais importantes será acerca do controle operário da produção e do retorno da indústria às condições normais. As greves e manifestações em Petrogrado são nocivas. Pedimo-vos para porém termo a todas as greves políticas e econômicas, para recomeçar o trabalho e para o realizar duma maneira perfeitamente ordenada… cada homem no seu lugar. A melhor maneira de apoiar o Governo Soviético hoje em dia 6 trabalhar. Aparentemente sem pestanejar”, Pankratova escrevia que “o primeiro dia do poder operário foi anunciado pela chamada ao trabalho e pela edificação duma nova espécie de fábrica” [50].

Publicação do “Decreto sobre a Terra”. As terras dos nobres, da igreja e da coroa são entregues aos camponeses.

3 DE NOVEMBRO

Publicação na Pravda do “Projecto de Decreto sobre o Controle Operário” de Lenine [51]. Dizia respeito à “introdução do controle operário na produção, armazenagem, compra e venda de todos os produtos e matérias-primas em todas as empresas industriais, comerciais, agrícolas e outras empresas com um total não inferior a cinco empregados e operários, ou com um volume de negócios superior a 10.000 rublos por ano”.

O Controle operário devia ser “exercido por todos os empregados e operários de uma dada empresa, diretamente se a empresa fosse suficientemente pequena para o permitir, ou através de delegados a serem imediatamente eleitos em reuniões de massa”. Os delegados eleitos teriam “acesso a toda a escrita e documentos e a todos os armazéns e stocks de materiais, instrumentos e produtos, sem excepção”.

Estas disposições, excelentes, e muitas vezes citadas, de facto limitam-se a enumerar e legalizar o que já tinha sido levado a cabo e implantado em muitos locais pela classe operária no decurso das lutas dos meses anteriores. Foram seguidas por mais três disposições de importância extrema, é espantoso que não sejam essas as mais bem conhecidas. Na prática, estas últimas anulariam em breve os aspectos positivos das disposições anteriores. Estipulavam (ponto 5) que “as decisões dos delegados dos operários e empregados eleitos eram legalmente obrigatórias para os proprietários das empresas” mas estas podiam ser “anuladas pelos sindicatos e congressos” (ênfase minha). Foi esse exatamente o destino das decisões dos “delegados dos operários e empregados eleitos: os sindicatos provaram ser o principal meio através do qual os bolcheviques procuravam dominar a autonomia dos Comités de Fábrica.

O Projeto de Decreto acentuava também (ponto 6) que “em todas as empresas de importância estatal” todos os delegados eleitos para exercer o controle operário eram “responsáveis perante o Estado pela manutenção da ordem e disciplina mais rigorosas e pela proteção da propriedade”. As empresas de “importância para o Estado” foram definidas (ponto 7) (todos os revolucionários já estão familiarizados com isto) como “todas as empresas que trabalhem para fins de defesa, ou que estejam de qualquer maneira relacionadas com a produção de artigos necessários à existência da massa populacional” (ênfase minha). Por outras palavras, praticamente qualquer empresa podia ser declarada pelo novo Estado russo como sendo “de importância para o Estado”. Os delegados de tais empresas (eleitos para exercer o controle operário) eram agora responsáveis perante uma autoridade superior. Além disso, se os sindicatos (já razoavelmente burocratizados) podiam “anular” as decisões dos delegados da base, que poder real na produção tinham os operários da base? O Decreto sobre o Controle Operário provou rapidamente que, na prática, não valia sequer o papel em que estava escrito [c].

9 DE NOVEMBRO

Decreto dissolvendo o soviete no Comissariado do Povo para os Correios e Telégrafos [52].

O conceito de controle operário tinha chegado até ao Serviço do Estado. Um soviete de Empregados apoderara-se do controle do Comissariado do Povo para os Correios e Telégrafos e constituíra-se outro no Almirantado. Em 9 de Novembro, o Comissariado do Povo para o Ministério (sic) dos Correios e Telégrafos lança um apelo que termina assim: “Declaro que nenhum dos chamados grupos ou comités de iniciativa para a administração do departamento dos Correios e Telégrafos pode usurpar as funções que pertencem ao poder central e a mim como Comissário do Povo” [53].

14 DE NOVEMBRO

Lenine esperava que o seu “Projeto de estatutos sobre o Controle Operário” fosse ratificado, com pequenas modificações, pelo Comité Central Executivo Pan-Russo dos Sovietes (V.Ts.l.K.) e pelo Conselho dos Comissários do Povo (Sovnarkom). Na realidade, as suas propostas deram origem a acaloradas discussões e a críticas da esquerda e da direita. Lozovski, sindicalista bolchevique, escreveu: “Para nós, parecia que as unidades básicas de controle deviam unicamente actuar dentro dos limites rigorosamente determinados pelos órgãos de controle superiores. Mas os camaradas que eram pela descentralização do controle operário faziam pressão para a independência e autonomia desses órgãos inferiores, porque sentiam que as próprias massas incarnariam o princípio de controle” [54]. Lozovski acreditava que “os órgãos inferiores de controle devem confinar as suas atividades aos limites estabelecidos pelas instruções do Conselho Pan-Russo do Controle Operário. Devemos dizê-lo alto e bom som, para que os operários nas várias empresas não fiquem com a ideia de que as fábricas lhes pertencem”.

Apesar dos acesos protestos da base, e após cerca de duas semanas de discussões, adotou-se um “compromisso” em que os sindicatos, agora “inesperados campeões da ordem, disciplina e direção centralizada da produção” [55], tinham nitidamente levado a melhor. O novo texto foi adotado pelo Comité Executivo Central Pan-Russo dos Sovietes (V.Ts.I.K.) em 14 de Novembro (por 24 votos contra 10), ratificado pelo Conselho dos Comissários do Povo e promulgado no dia seguinte. Milyutin, que apresentou o “decreto revisto” ao V.Ts.l.K., explicou apologeticamente que “a realidade ultrapassou-nos” e que se tinha tornado urgentemente necessário “unir num único e sólido aparelho estatal o controle operário que se estava a processar no local de trabalho”. “A legislação sobre o controle operário que deveria logicamente inserir-se num plano econômico teve que anteceder a legislação sobre o próprio plano” [56]. Não pode haver melhor maneira de reconhecer a tremenda pressão da base e as dificuldades com que os bolcheviques deparavam nas suas tentativas para a canalizar.

No decreto revisto, os 8 pontos originais de Lenine tinham aumentado para 14 [57]: o novo decreto começava com a engenhosa afirmação de que “no interesse de uma normalização planificada da economia nacional”, o novo Governo “reconhecia a autoridade do controle operário em toda a economia”, mas teria de haver uma hierarquia firme dos órgãos de controle.

“Permitia-se” que os Comités de Fábrica se mantivessem como órgãos de controle de cada empresa individual. Mas cada Comité era responsável perante um “Conselho Regional do Controle Operário”, subordinado por sua vez a um “Conselho Pan-Russo do Controle Operário” [58]. A composição desses órgãos superiores era decidida pelo Partido.

Os sindicatos estavam maciçamente representados na camada média e superior desta nova pirâmide do “controle operário institucionalizado”. Por exemplo o Conselho Pan-Russo do Controle Operário seria constituído por 21 “representantes”: 5 do Comité Executivo Central Pan-Russo dos Sovietes, 5 do Executivo do Conselho Pan-Russo dos Sindicatos, 5 da Associação dos Engenheiros e dos Técnicos, 2 da Associação dos Agrônomos, 2 do Conselho Sindical de Petrogrado, 1 de cada Federação Sindical Pan-Russa com menos de 100.000 membros (2 para as Federações com um número de membros superior)… e 5 do Conselho Pan-Russo dos Comités de Fábrica! Os Comités de Fábrica, frequentemente sob influência anarco-sindicalista, tinham sido de facto “reduzidos à sua expressão mais simples”.

Onde já não iam os dias em que Lenine afirmava que “a fonte do poder não é uma lei previamente discutida e aprovada pelo parlamento, mas a iniciativa direta das massas, da base, nas suas localidades: um ‘ato de força’ puro e simples para usar uma expressão popular” [59].

Contudo, o facto de se mencionar no decreto um “Conselho Pan-Russo dos Comités de Fábrica” significa que, paralelamente à estrutura “oficial” dos órgãos do “controle operário”, estava ainda presente outra estrutura inevitavelmente antagônica: a pirâmide dos órgãos representativos dos Comités de Fábrica. Mostra também que o movimento dos Comités de Fábrica ainda estava a tentar coordenar a sua atividade numa escala nacional. Mesmo essa representação ínfima dos Comités de Fábrica foi uma concessão táctica da parte de Lenine, e em breve os acontecimentos futuros mostrariam que os dirigentes do governo russo não tinham intenções de aceitar durante muito tempo essa ameaça potencial à hegemonia do Partido e aos seus partidários dentro dos sindicatos. O Partido pôs-se a trabalhar. De facto, “os que tinham sido dos mais fervorosos defensores do controle operário e que haviam tentado difundi-lo lançaram-se numa hábil tentativa para torná-lo ordeiro e inócuo transformando-o numa instituição pública, centralizada e em grande escala” [60].

Anos mais tarde, a propaganda bolchevique viria a reafirmar, e frequentemente, a tese de que os Comités de Fábrica não eram instrumentos adequados para organizar a produção à escala nacional. Deutscher, por exemplo, afirma que, praticamente desde a sua criação, as “características anárquicas dos Comités fizeram-se sentir: cada Comité de Fábrica aspirava a ter a última palavra em todos os assuntos que afetavam a fábrica, a sua produção, os stocks de matéria prima, as condições de trabalho, etc., e prestavam pouca ou nenhuma atenção às necessidades da indústria como um todo” [61]. Contudo, na frase seguinte, Deutscher realça que “poucas semanas depois do levantamento (a revolução de Outubro), os Comités de Fábrica tentaram formar a sua própria organização nacional, que lhes deveria assegurar, virtualmente, a sua ditadura econômica. Os bolcheviques apelaram então para os sindicatos no sentido de prestarem um serviço especial ao nascente Estado Soviético e disciplinarem os Comités de Fábrica. Os sindicatos opuseram-se firmemente à tentativa dos Comités de Fábrica para formarem a sua própria organização nacional. Impediram a convocação já planeada de um Congresso Pan-Russo dos Comités de Fábrica e exigiram a subordinação total dos Comités”.

A condição prévia essencial para que os Comités pudessem começar a resolver questões regionais e nacionais era a sua federação à escala regional e nacional. É o cúmulo da hipocrisia culpar os Comités de 1917-18, como o fazem os bolcheviques modernos, de se preocuparem apenas com assuntos locais quando foi o próprio Partido que fez tudo o que pôde para impedir a federação dos Comités pela base, de uma maneira autônoma. O “Soviete Central dos Comités de Fábrica” patrocinado pelos bolcheviques e criado depois do derrube do Governo Provisório, foi liquidado tão rapidamente como tinha sido formado. O Centro Revolucionário dos Comités de Fábrica, de inspiração anarquista, e que já estava em funcionamento há vários meses, nunca conseguiu suplantá-lo, tantos foram os obstáculos colocados no seu caminho.

Impõem-se alguns comentários a estes acontecimentos. A desorganização criada pela guerra e peia resistência dos patrões (manifestada pela sabotagem ou pelo abandono das empresas) tornou imperativo, como é fácil de compreender, minimizar e se possível eliminar as lutas desnecessárias entre os Comités de Fábrica, tais como as lutas pelo combustível, que escasseava, e por matérias primas. Havia necessidade clara de coordenar a atividade dos Comités numa escala mais larga, necessidade que sentiam muitos dos que tinham sido mais ativos no movimento dos Comités.

Não se trata de decidir se era ou não necessária uma diferenciação de funções entre os vários órgãos de poder da classe operária (Sovietes, Comités de Fábrica, etc.), nem de saber como poderiam ser definidas e diferenciadas as tarefas regionais ou nacionais.

As modalidades dessa diferenciação podiam ter sido e provavelmente teriam sido, determinadas pelo Congresso dos Comités de Fábrica que tinha sido proposto. O que importa ressaltar é que foi elaborado e imposto do exterior, por outros que não os próprios produtores, um esquema hierárquico de diferenciação. Um porta-voz bolchevique [62] descreveu a situação tal como a viam os que estavam no poder. “Em vez de uma rápida normalização da produção e distribuição, em vez de medidas que levariam a uma organização socialista da sociedade, encontramos práticas que faziam lembrar os sonhos anarquistas das comunas de produção autônomas”. Pankratova ainda foi mais direta: “Durante o período de transição fomos obrigados a aceitar os aspectos negativos do controle operário, que era simplesmente um método de luta entre o capital e o trabalho. Mas, depois do poder ter passado para as mãos do proletariado (i.e. para as mãos do Partido, M.B.), a prática dos Comités de Fábrica que atuavam como se possuíssem as fábricas tornou-se anti-proletária” [63]. Estas subtilezas, contudo, escapavam à maior parte dos operários, que consideraram a propaganda bolchevique acerca do controle operário pelo seu valor intrínseco. Não o viam como “algo de transitório” ou como “um simples estágio de preparação de outros métodos de normalização da vida econômica” [64]. Para os operários, o controle operário não era unicamente um meio de combater a sabotagem econômica da classe dirigente nem uma palavra de ordem taticamente correta, decidida pelos dirigentes como “apropriada” a um dado estágio da “revolução em desenvolvimento”. Para as massas, “controle operário” era a expressão das suas aspirações mais profundas. Quem seria o chefe na fábrica? Instintivamente sentiam que quem gerisse a produção mandaria em todos os aspectos da vida social. A subtil diferença entre “controle” e “gestão”, diferença essa que a maior parte dos bolcheviques percebia claramente [d], escapou às massas. Essa incompreensão viria a ter repercussões sangrentas.

O Decreto sobre o Controle Operário de Novembro de 1917 pareceu sancionar oficialmente o ímpeto da classe operária no sentido da dominação total das suas condições de vida. Um jornal dos operários metalúrgicos escreveu que “a classe operária pela sua própria natureza… deve ocupar o lugar central na produção e especialmente na sua organização… Toda a produção futura… será um reflexo da vontade e capacidade proletária” [65]. Enquanto que antes de Outubro o controle operário tinha revestido uma forma passiva, de observação, agora os comités operários começaram a desempenhar um papel progressivamente mais importante na gestão global de várias empresas. “Durante vários meses a seguir à Revolução, a classe operária russa fruiu um grau de liberdade e uma sensação de poderio provavelmente únicos na sua história” [66].

Infelizmente há poucas informações pormenorizadas sobre esse período extremamente interessante. Os dados disponíveis geralmente vêm de fontes (burguesas ou burocráticas) intrinsecamente hostis à ideia da gestão operária, exclusivamente empenhadas em provar a sua “ineficiência” e “impraticabilidade”. Foi publicado um relato bastante interessante sobre o que sucedeu na refinaria Gasolina Nobel [67]. Esse relato ilustra a tendência fundamental da classe operária em direção à autogestão e a hostilidade que encontrou por parte das células do Partido. Sem dúvida que aparecerão outros exemplos.

28 DE NOVEMBRO

Reunião do recém-formado (por decreto) Conselho Pan-Russo do Controlo Operário.

Reapareceram as divergências anteriores [68]. Larin, representante da fracção bolchevique nos sindicatos, declarou que “os sindicatos representam os interesses da classe operária como um todo, ao passo que os Comités de Fábrica representam unicamente interesses particulares. Os Comités de Fábrica devem subordinar-se aos Sindicatos”. Zhivotov, porta-voz do movimento dos Comités de Fábrica, declarou: “Nos Comités de Fábrica nós elaboramos as diretivas que nos vêm da base tendo em vista a sua aplicação a todo o conjunto industrial. São diretivas que vêm das oficinas, que emanam da própria vida. São as únicas diretivas que podem ter algum significado real. Mostram o que os Comités de Fábrica são capazes de fazer, e deveriam portanto ser o foco das discussões sobre o controle operário”. Os Comités de Fábrica achavam que o “controle era tarefa do comité em todos os estabelecimentos. Os comités de cada cidade encontrar-se-iam… e mais tarde coordenar-se-iam numa base regional”.

A formação do Conselho Pan-Russo do Controle Operário pelos bolcheviques foi nitidamente uma tentativa para ultrapassar o movimento dos Comités. Esta tentativa teve êxito parcial. Os Comités de Fábrica continuaram a sua agitação, mas a sua voz, silenciada por meios administrativos, tinha um apoio muito fraco dentro do Conselho Pan-Russo, dominado que estava pelos elementos nomeados pelo Partido. “Em Janeiro de 1918 Riazanov declarou que o organismo só se tinha reunido uma vez (e, em Maio de 1918, que nunca se tinha reunido). De acordo com outra fonte ‘tentou reunir-se’ mas nunca conseguiu o quorum” [69]. O que é certo é que de facto nunca funcionou. É difícil dizer se devido ao boicote e obstrução sistemática por parte dos bolcheviques, se devido à falta de compreensão por parte dos revolucionários não-bolcheviques sobre o que na verdade se passava, ou se devido a uma genuína fraqueza do movimento, incapaz de furar o colete de forças burocrático em que era progressivamente encarcerado. Provavelmente todos esses três factores desempenharam o seu papel.

28 DE NOVEMBRO

É publicado um decreto dissolvendo o Soviete no Almirantado [70].

5 DE DEZEMBRO

É publicado um decreto que estabelece um Conselho Superior da Economia Nacional (Vesenka) ao qual se atribuíram as tarefas de elaborar “um plano para a organização da vida econômica do país e dos recursos financeiros do governo” [71]. O Vesenka devia “encaminhar para um fim único” as atividades de todas as autoridades económicas existentes, centrais e locais, incluindo o Conselho Pan-Russo do Controle Operário [72]. O Vesenka devia estar “ligado ao Conselho dos Comissários do Povo” (este inteiramente constituído por membros do Partido bolchevique).

A composição do Vesenka é muito elucidativa. Era constituído por alguns membros do Conselho Pan-Russo do Controle Operário (concessão já muito indirecta aos Comités de Fábrica), por uma representação maciça de todos os novos Comissariados e por determinado número de peritos, nomeados pelo topo e com “capacidade consultiva”. O Vesenka devia ter uma estrutura dupla: a) os “centros” (Glavki) designados para tratar com os diferentes sectores da indústria, e b) os órgãos regionais: o “Conselho local da Economia Nacional” (Sovnarkhozy).

A princípio, os bolcheviques de “esquerda” tinham a maioria nas posições de chefia do Vesenka. O primeiro presidente foi Osinsky e o secretário executivo incluía Bukarin, Larin, Skolikov, Miliyutin, Lomov e Shmidt [73]. Apesar da sua chefia “esquerdista”, o novo corpo “absorveu” o Conselho Pan-Russo do Controle Operário antes que este último começasse sequer a funcionar. Esse passo foi amplamente reconhecido pelos bolcheviques como um passo em direção à “estatização” (ogosudarstvleniye) da autoridade econômica. O resultado líquido da constituição do Vesenka foi o de silenciar ainda mais a voz dos Comités de Fábrica. Como Lenine afirmou semanas mais tarde, “passámos do controle operário à criação do Conselho Superior da Economia Nacional” [74]. A função desse Conselho era evidentemente a de “substituir, absorver e suplantar a maquinaria do controle operário” [75].

Consegue-se discernir agora um processo e tentar-se-á no seguimento desta brochura revelá-lo e destrinçá-lo. É esse processo que conduz, num período de 4 anos, do impressionante crescendo do movimento dos Comités de Fábrica (um movimento que implícita e explicitamente procurava alterar as relações de produção) ao estabelecimento da dominação indisputada de um agente monolítico e burocrático (o Partido) sobre todos os aspectos da vida econômica e política. Não estando este agente baseado na produção, o seu domínio só poderia significar a contínua limitação da autoridade dos trabalhadores no processo produtivo. O que implica necessariamente a perpetuação das relações hierárquicas na própria produção, perpetuando portanto a sociedade de classes.

A primeira fase desse processo foi a subordinação dos Comités de Fábrica ao Conselho Pan-Russo do Controle Operário, no qual os sindicatos (já sob o domínio completo do Partido) estavam amplamente representados. A segunda fase, que se seguiu quase que imediatamente à primeira, foi a incorporação desse Conselho Pan-Russo do Controle Operário no Vesenka que favorecia ainda mais os sindicatos, mas que incluía, também, elementos nomeados diretamente pelo Estado (isto é, pelo Partido). Deixou-se o Vesenka momentaneamente sob liderança comunista de “esquerda”. Um pouco mais tarde esses “esquerdistas” viriam a ser afastados. Lançou-se em seguida uma campanha tenaz para dominar o poder dos sindicatos, que, ainda, podiam ser influenciados pela classe operária, se bem que de modo muito indireto e distorcido. Era particularmente importante dominar esse poder visto os sindicatos ainda terem um certo domínio sobre a produção, e substituí-lo pela autoridade direta dos elementos nomeados pelo Partido. Esses gerentes e administradores, quase todos nomeados pelo topo, viriam a formar gradualmente a base da nova burocracia.

Em cada uma dessas fases se gerou resistência, mas a luta foi sempre ganha pelo Partido. O adversário aparecia sempre com as roupagens do novo poder “proletário”. E a cada derrota tornava-se cada vez mais difícil a gestão direta da produção pela classe operária, ou seja, fundamentalmente, a alteração das relações de produção. Enquanto essas relações de produção não forem alteradas, e quaisquer que sejam as afirmações dos dirigentes, não se pode considerar que a revolução tenha atingido os seus objetivos socialistas. É essa a verdadeira lição da Revolução Russa.

Podemos encarar o problema de outra maneira. A constituição do Vesenka representa uma fusão parcial, sob o ângulo da autoridade econômica, dos dirigentes sindicais, dos testas de ferro do Partido e dos “peritos” nomeados pelo “Estado operário”. Mas essas três categorias sociais não “representam os trabalhadores”. Eram três categorias sociais que já tinham funções de gestão, isto é, já dominavam os operários na produção. Devido aos seus próprios antecedentes históricos, cada um desses grupos já estava, por diferentes razões, bastante afastado da classe operária. A sua fusão viria a aumentar essa separação. O resultado é que a partir de 1918 o novo Estado (embora descrito oficialmente como um “Estado operário” ou como “república soviética”, e embora tenha sido apoiado durante a Guerra Civil por grande parte da classe operária) já não é de facto uma instituição gerida pela classe operária [e].

Se lermos nas entrelinhas (e não nos deixarmos cegar por palavras como “Estado operário” e “perspectiva socialista”, que refletem a falsa consciência existente na altura) o seguinte relato feito por Pankratova sobre o que estava em jogo na formação do Vesenka, compreenderemos muitas coisas. Diz ela: “Precisamos de uma forma de organização mais eficiente que os Comités de Fábrica e de uma ferramenta mais flexível que o controle operário. Tínhamos que ligar a gestão das novas fábricas ao princípio de um único plano econômico e tínhamos que o fazer tendo em conta as perspectivas socialistas do jovem Estado operário… faltava aos Comités de Fábrica prática e conhecimentos técnicos… As imensas tarefas económicas do período de transição para o socialismo necessitavam da criação de um único organismo que normalizasse a economia nacional numa base alargada. O proletariado compreendeu isto (é o que se chama tomar os desejos por realidades, M.B.). Tendo libertado os Comités de Fábrica dos seus mandatos, que já não correspondiam às novas necessidades econômicas, os operários delegaram a autoridade ao recém-criado organismo, o Conselho da Economia Nacional”. Conclui com uma frase bombástica: “Os Comités de Fábrica de Petrogrado, que em Maio de 1917 tinham proclamado a necessidade do controle operário, enterraram unanimemente essa ideia por altura da Sexta Conferência” [76].

Os acontecimentos subsequentes mostrariam que, embora fossem esses os objetivos e perspectivas dos chefes do Partido, eles estavam longe de serem aceites pela base do Partido, quanto mais pelas massas, “em nome das quais” o Partido já tinha começado a assumir o direito de falar.

PRIMEIROS DIAS DE DEZEMBRO

Publicação de Estado e Revolução de Lenine, que já tinha sido escrito há alguns meses. Nesse importante trabalho teórico há poucas referências ao controle operário e de modo algum se faz a identificação do socialismo com a “gestão da produção pelos trabalhadores”. Lenine fala em termos bastante abstratos a respeito de uma “mudança imediata tal que todos venham a ter funções de controle e supervisão, que todos sejam ‘burocratas’ durante algum tempo, e que portanto ninguém se possa tornar ‘burocrata’”.

Isso fazia parte da retórica libertária dos bolcheviques em 1917. Mas Lenine, como de costume, tinha os pés na terra. Ele explicitou o que isso queria dizer na prática. O desenvolvimento do capitalismo criou os “pré-requisitos económicos” que tornam “possível, imediatamente, no dia seguinte à derrubada dos capitalistas e burocratas, suplantá-los no controle da produção e distribuição, na tarefa da contabilização do trabalho e dos seus produtos pelos trabalhadores armados, por toda a população em armas”. “A contabilidade e o controle a isso necessários, foram de tal maneira simplificados pelo capitalismo que se tornaram operações de verificação, escrita e emissão de recibos extraordinariamente simples, que qualquer pessoa que saiba ler e escrever e conheça as quatro operações aritméticas pode executar” [77]. Não há nenhuma referência sobre quem terá a iniciativa das decisões que as massas terão de “verificar” e “controlar”. O Estado e a Revolução inclui esta frase reveladora: “Queremos a revolução socialista de natureza humana, como a de agora, natureza humana que não dispensa subordinação, controle e gerentes” [78].

Durante o ano de 1917 deu-se uma tremenda subversão social. Mas é sonho utópico afirmar que se constrói o socialismo sem que grande parte da população o perceba e o queira. A construção do socialismo (ao contrário do desenvolvimento do capitalismo, que se pode deixar ao cuidado das forças do mercado) só pode ser a ação auto-consciente e coletiva da grande maioria da população.

DEZEMBRO

Publicação do famoso “Manual prático para a implantação do Controle Operário na Indústria”, pelo Conselho Central dos Comités de Fábrica de Petrogrado. Esse manual foi largamente distribuído nos subúrbios de Petrogrado muito a contragosto dos membros do Partido.

O valor desse panfleto reside em mostrar como o “controle operário” se pode transformar rapidamente em “gestão operária”. Nem do ponto de vista de Lenine, nem do ponto de vista dos autores do panfleto (apesar do título), se confundiam “controle” e “gestão”. Lenine advogava o “controle operário”, e toda a sua prática, após a revolução, foi no sentido de denunciar as tentativas de gestão operária como “prematuras”, “utópicas”, “anarquistas”, “prejudiciais”, “intoleráveis”, etc. (Seria trágico se a atitude a-histórica e os preconceitos anti-teóricos de muitos movimentos libertários atuais levassem os novos militantes a cair em armadilhas velhas ou os fizessem adotar caminhos que, na melhor das hipóteses, não conduzem a nada, e, na pior, os levam para o terreno de derrotas já sofridas).

O “Manual” formula um determinado número de questões concretas aos Comités de Fábrica. Cada Comité deve estabelecer quatro comissões de controle, “autorizadas a convidar técnicos e outros elementos a participar nos seus trabalhos, com voto consultivo” (isto mostra o que há de verdade na tão propagada afirmação de que os Comités de Fábrica não estavam preparados para associar técnicos ou especialistas ao seu trabalho).

As funções das 4 comissões eram: a) organização da produção; b) reconversão da produção de guerra; c) abastecimento de matérias primas; e d) abastecimento de combustível. As propostas são apresentadas de modo notavelmente pormenorizado. Ao longo de todo o panfleto, acentua-se que o “controle operário” não é simplesmente uma questão de calcular as reservas de matérias primas e combustível (cf. Lenine: “O socialismo é o cálculo de stocks; cada vez que se faz um cálculo do stocks de barras de ferro ou de peças de pano, isso é socialismo” [79]) mas está intimamente relacionado com a transformação dessas matérias-primas na própria fábrica, por outras palavras, com a totalidade do processo produtivo que culmina num produto acabado.

Devia-se confiar à “comissão de produção” a tarefa de estabelecer as ligações necessárias entre as diferentes secções da fábrica, de fiscalizar o estado da maquinaria, de prever e superar as várias deficiências na organização da fábrica ou oficina, de determinar os coeficientes de exploração em cada secção, de decidir do número ótimo de oficinas, e do dos trabalhadores em cada oficina, de investigar a depreciação das máquinas e edifícios, de determinar a atribuição de tarefas (desde o posto de administrador até ao escalão inferior) e de tomar conta das relações financeiras da fábrica.

Os autores do “Manual” anunciam que tencionam agrupar os Comités de Fábrica em Federações Regionais e estas, por sua vez, numa Federação Pan-Russa. E, para terem a certeza de não terem sido mal interpretados, acentuam que “o controle operário da indústria, como parte do controle operário da totalidade da vida econômica, não deve ser considerado no sentido restrito da reforma de uma instituição, mas no mais lato sentido possível: o de penetrar em campos anteriormente dominados por outros. O controle pressupõe a participação na gestão da produção”.

Na prática, a implantação do controle operário assumiu várias formas nas diferentes regiões da Rússia. Essas formas foram em parte determinadas por condições locais e principalmente pelo grau de resistência dos diferentes sectores do patronato. Em certos locais, os patrões foram imediatamente expropriados “pela base”. Noutros casos foram simplesmente submetidos a certo tipo de “controle” de supervisão, exercido pelos Comités de Fábrica. Não havia modelos a seguir. De início, as várias práticas e experiências foram tema de acesas discussões. Não foram uma perda de tempo como se alegou mais tarde.

Deviam ser consideradas essenciais por todos os que aceitam que a construção do socialismo só pode ser levada a cabo através da auto-emancipação da classe operária. Infelizmente as discussões foram rapidamente eliminadas.

13 DE DEZEMBRO

Os Isvestiya publicam as “Instruções Gerais sobre o Controle Operário em Conformidade com o Decreto de 14 de Novembro”. Essas Instruções tornaram-se conhecidas como o “Contra-Manual” e representam o ponto de vista leninista na sua expressão mais acabada [f].

As primeiras 4 secções tratam da organização do controle operário nas fábricas e da eleição das comissões de controle. As seguintes 5 secções decretam os deveres e direitos dessas comissões, especificando quais as funções que devem exercer e as que devem continuar como prerrogativa dos proprietários-gerentes. A Secção 5 sublinha que, sempre que as Comissões desempenhem um papel real na gestão das empresas, esse papel deve confinar-se à supervisão da execução das diretivas emanadas das repartições do Governo Central “às quais foi especificamente confiada a regulação da atividade econômica à escala nacional”. A Secção 7 afirma que “o direito de formular ordens relacionadas com a gestão, manutenção e funcionamento das empresas cabe apenas ao proprietário. A Comissão de Controle não participa na gestão da empresa, e não tem responsabilidades no que se refere ao seu funcionamento. Essa responsabilidade mantém-se na posse do proprietário”.

A Secção 8 especifica que as comissões não se devem preocupar com questões financeiras, sendo essas questões uma prerrogativa das Instituições do Governo Central. A Secção 9 proíbe textualmente as comissões de expropriarem e gerirem as empresas. Contudo, são autorizadas a “levar ao Governo a sugestão de tomar posse de empresas, através dos órgãos superiores do controle operário”. A Secção 14, finalmente, exprime por escrito o que os dirigentes bolcheviques tinham em mente há várias semanas. Os Comités de Fábrica deveriam integrar-se nos sindicatos, inclusive a nível local. “As comissões de controle de cada fábrica deveriam constituir os órgãos executivos da ‘secção de controle da distribuição’ da federação sindical local. As atividades das comissões de controle deveriam estar de acordo com as decisões da federação”.

O facto dessas “instruções gerais” terem sido promulgadas uma quinzena depois da constituição do Vesenka mostra claramente o esquema sistemático de raciocínio de Lenine e dos seus colaboradores. Poderiam ou não ter “razão”. (Isso depende da ideia que tivermos acerca do tipo de sociedade que tentavam construir.) O ridículo é afirmar, como faz muita gente hoje em dia, que em 1917 os bolcheviques eram pelo controle direto, completo e total das fábricas, minas, construções ou outras empresas pelos trabalhadores que nelas trabalhavam, isto é, que eram partidários da autogestão operária.

20 DE DEZEMBRO

O jornal oficial dos sindicatos “Professional‘ny Vestnik” (o Arauto dos Sindicatos) publicou uma “Resolução referente aos Sindicatos e Partidos Políticos”. “Sem que por isso se tornem órgãos independentes de luta política, partidos políticos independentes ou apêndices deles, os sindicatos não podem manter-se indiferentes aos problemas postos pela luta política do proletariado”. Finalmente, e após estas banalidades, a resolução passa ao que realmente contava.

“Unindo-se organicamente a um partido político, os sindicatos, como organizações de luta do proletariado, devem apoiar as palavras de ordem políticas e tácticas do partido proletário, que num momento dado permite, mais do que os outros, realizar mais rapidamente outras tarefas históricas, etc., etc….”.

O mesmo número do jornal incluía um artigo do bolchevique Lozovsky que protestava contra a politica bolchevique de eliminar pela violência as greves operárias contra o novo governo. “A tarefa dos sindicatos e do poder soviético é o isolamento dos elementos burgueses que fomentam greves e fazem sabotagem, mas esse isolamento não deve ser levado a cabo por simples processos mecânicos como prisões, envio para a frente de batalha ou privação das senhas de pão”. “Para nós é absolutamente inadmissível a censura prévia, a destruição de jornais, a abolição da liberdade de agitação por parte dos partidos socialistas e democráticos. O encerramento de jornais, a violência contra os grevistas, etc., reabriu feridas antigas. As massas laboriosas russas ainda se lembram desse tipo de ‘atuação’ em voga ainda há muito pouco tempo e isso só pode levar a uma comparação fatal para o poder soviético”.

Que tenha sido um membro do Partido dirigente a falar dessa maneira é um indício revelador de que tais práticas devem ter sido frequentes. Esse método que o Partido usava para tentar resolver os seus diferendos, não só com os seus adversários burgueses, mas também com os seus adversários mais organizados dentro do próprio movimento da classe operária, tornou-se frequente. A confiscação das senhas do pão privava os que a ela estavam sujeitos do direito legal às rações, isto é, do direito de comer. Os indivíduos privados das suas senhas eram obrigados a adquirir comida no mercado negro ou por outros métodos ilegais. Os seus “crimes contra o Estado” eram em seguida utilizados como meios legais para os “neutralizar”.

Foi nessa atmosfera, que envolvia tanto o Partido e os sindicatos como as massas sem partido (descritas eufemisticamente como “elementos burgueses”) que se realizou o grande debate de Janeiro de 1918.

23 DE DEZEMBRO

Publicação de um decreto que estabelecia uma rede de Conselhos Regionais da Economia Nacional (Sovnarkhozy) sob a supervisão do Vesenka.

“Cada Sovnarkhoz regional deveria ser uma réplica em miniatura do Vesenka central. Serra dividido em 14 secções para os diferentes ramos da produção e deveria conter representantes das instituições e organizações locais…” Cada Sovnarkhoz podia estabelecer “unidades mais pequenas que incorporassem os órgãos do controle operário correspondentes onde estes últimos se tenham constituído”. “O que tinha sido criado era um departamento econômico central com escritórios locais” [80].

***


Terceira parte: de janeiro a maio de 1918


1918

6 DE JANEIRO

Dissolução da Assembleia Constituinte. O destacamento que dispersou a Assembleia era comandado por um marinheiro anarquista de Kronstadt, Zheleznyakov, agora comandante da guarda do Palácio de Tauride. Expulsou o Presidente da Assembleia. Victor Chernov, com o gelado aviso: “A guarda está cansada” [1].

7 A 14 DE JANEIRO

Realiza-se em Petrogrado, o Primeiro Congresso Pan-Russo dos Sindicatos.

Dois temas principais dominaram o Congresso. Que relações se estabeleceriam entre os Comités de Fábrica e os Sindicatos? E quais viriam a ser as relações entre os sindicatos e o novo Estado russo? Poucos delegados nessa altura pressentiram a estreita relação entre as duas questões. Ainda menor número percebeu que uma simultânea resolução da primeira questão favorecendo os sindicatos e da segunda favorecendo o novo Estado “operário” em breve castraria os Comités de Fábrica e na verdade minaria irrevogavelmente a natureza proletária do regime.

As discussões neste Congresso incidiram sobre assuntos de profundo significado e serão referidas pormenorizadamente. No seu balanço ficou ditada a sorte da classe operária russa por várias décadas.

Segundo Lozovsky (sindicalista bolchevique), “os Comités de Fábrica eram de tal maneira donos e senhores que 3 meses depois da revolução eram praticamente independentes dos órgãos gerais de controle” [2]. Maisky, que na altura ainda era menchevique, disse que por experiência própria “não era somente parte do proletariado mas sim a maioria, especialmente em Petrogrado, que via o controle operário como se fosse o aparecimento do reino (tesartsvo) do socialismo”. Lamentava que entre os operários “a ideia do socialismo fosse personificada pelo conceito de controle operário” [3]. Outro delegado menchevique deplorava o facto de que “uma onda de anarquismo na forma de Comités de Fábrica e Controle Operário estava invadindo o nosso movimento operário russo” [4].

D. B. Ryazanov [a], recentemente convertido ao bolchevismo, concordou com os mencheviques nesse ponto e exortou os Comités de Fábrica a “suicidarem-se transformando-se em elemento integrado da estrutura sindical” [5].

Os poucos delegados anarco-sindicalistas ao Congresso “travaram uma desesperada batalha para preservar a autonomia dos Comités… Maximov [b] gritou que ele e os seus colegas anarco-sindicalistas eram ‘melhores marxistas’ do que os mencheviques ou bolcheviques; uma declaração que causou grande balbúrdia na sala” [6]. Referia-se certamente à frase de Marx segundo a qual a luta da classe operária tem de ser conduzida pelos próprios operários [c].

Maximov exortou os delegados a lembrarem-se que “os Comités de Fábrica, organizações introduzidas pela luta no decurso da Revolução, eram, entre todas, as que estavam mais próximas da classe operária, muito mais próximos do que os sindicatos” [7]. A função dos Comités deixou de ser a proteção e a melhoria das condições do operário. Tinham de procurar uma posição predominante na indústria e na economia. “Como filhos da Revolução, os Comités criariam uma nova produção numa nova base” [8]. Os sindicatos correspondem às antigas relações econômicas dos tempos czaristas, já viveram o seu tempo e não podem arcar com essa tarefa” [9]. Maximov anteviu “um grande conflito entre o poder estatal central e as organizações compostas exclusivamente de operários localizados nos aglomerados” [10]. “A função do proletariado era coordenar toda a atividade, todo o interesse local, criar um centro, não um centro de decretos e ordens, mas um centro regulador, de orientação e somente através desse centro organizar a vida industrial do país” [11].

Falando em nome dos Comités de Fábrica, um operário da base, Belusov, fez um violento ataque aos chefes do Partido. Criticam continuamente os Comités “por não atuarem de acordo com as leis e regulamentos” mas eles não conseguem fazer nenhum plano coerente. Eles só falam. “Tudo isso congelará o trabalho local. Devemos ficar quietos, à espera e sem fazer nada? Só assim não cometeríamos erros. Somente aqueles que nada fazem não cometem erros”.

O controle operário efetivo era a solução para a desintegração econômica da Rússia. “O único meio que resta aos operários é apoderarem-se das fábricas e administrá-las” [12]. “A excitação dos delegados ao Congresso atingiu o auge quando Bill Shatov [d] caracterizou os sindicatos como cadáveres ambulantes” e exortou a classe operária “a organizar-se nas localidades e a criar uma nova Rússia livre, sem um Deus, sem um Czar, e sem patrões nos Sindicatos!”. Quando Riazanov protestou contra o desprezo pelos sindicatos afirmado por Shatov, Maximov veio em defesa do seu camarada rejeitando as observações de Riazanov como as de um intelectual que nunca tinha nem trabalhado, nem suado, nem conhecido a vida. Outro delegado anarco-sindicalista ao Congresso, chamado Laptev, lembrou que a revolução tinha sido feita, “não só pelos intelectuais mas também pelas massas”; além disso era imperativo para a Rússia “escutar a voz das massas trabalhadoras, voz da base” [13].

A resolução anarco-sindicalista que pedia “controle operário efetivo, e não controle do Estado operário”, e exigindo “que a organização da produção, do transporte e distribuição fosse imediatamente transferida para as mãos dos próprios trabalhadores e não para o Estado ou alguma máquina dos serviços públicos cheia de vários tipos de inimigos da classe operária”, foi derrotada. [A maior força dos anarco-sindicalistas encontrava-se entre os mineiros do distrito de Debaltzev na bacia do Don, entre os estivadores e operários do cimento de Ekaterinodar e Novorossiysk e entre os trabalhadores do caminho de ferro de Moscovo. Tinham 25 delegados no Congresso (na base de um delegado por 3000-3500 membros)] [14].

O novo Governo nem sequer queria ouvir falar da extensão dos poderes dos Comités. Claramente reconheceu nos sindicatos maior “estabilidade” e menos “força anárquica” (isto é, maior facilidade de controle dos sindicatos) aos quais podia atribuir provisoriamente funções administrativas na indústria. Os bolcheviques, além disso, incitaram “as organizações sindicais, como organizações de classe do proletariado constituídas a partir de uma base industrial, a realizarem por si a tarefa principal, ou seja, a de organizar a produção e a de restaurar as enfraquecidas forças produtivas do país” [15]. (Mais tarde os bolcheviques lutaram com unhas e dentes para desviar os sindicatos dessas funções e para os colocar firmemente nas mãos dos elementos nomeados pelo Partido. De facto, durante os três anos seguintes, seriam continuamente lembradas aos dirigentes bolcheviques as posições do Partido em Janeiro de 1918. Voltaremos a esse assunto).

O Congresso, com a sua esmagadora maioria bolchevique, votou a transformação dos Comités de Fábrica em órgãos sindicais [16]. 10 Os mencheviques e os socialistas revolucionários votaram com os bolcheviques uma resolução proclamando que “a centralização do controle operário é tarefa dos sindicatos” [17].

“O controle Operário” foi definido como sendo “o instrumento através do qual o plano econômico geral é posto em ação localmente” [18]. “Isto implicava a ideia precisa da introdução da produção em série” [19].

Pior para os operários se lessem mais nessas palavras do que isso. “Lá porque os operários confundiram e falsearam a interpretação do controle operário não há razão para o repudiar” [20]. O que o Partido entende por controle operário foi definido com precisão. Significava, interalia, que “não era da competência dos órgãos inferiores do controle operário encarregarem-se do controle financeiro… isso era deixado aos órgãos superiores do controle, à máquina geral da administração, ao Conselho Superior da Economia Nacional.

No campo da finança tudo deve ser deixado aos órgãos superiores do controle operário” [21]. “Para que o controle operário seja o mais útil possível ao proletariado é preciso evitar a sua atomização. Não se deve dar o direito de tomar decisões finais aos operários das empresas individuais nos assuntos que respeitem è vida da empresa” [22]. Era precisa uma intensa reeducação que seria ministrada pelas “comissões de controle econômico” dos sindicatos. Elas inculcariam no meio operário a concepção bolchevique do controle operário. “Os sindicatos devem ir aos Comités de Fábrica explicar aos seus delegados que controle da produção não quer dizer transferência da empresa para as mãos dos operários dessa mesma empresa, nem é equivalente à socialização da produção e da troca” [23]. Logo que os Comités de Fábrica tenham sido “devorados”, os sindicatos serão os agentes intermediários através dos quais o controle operário será gradualmente convertido em controle estatal.

Estas discussões não eram abstratas. O que estava em jogo nessas controvérsias era o conceito global de socialismo: poder operário ou do Partido atuando “em nome” da classe operária. “Se os operários tivessem conseguido manter na sua posse as fábricas por eles expropriadas, se as tivessem administrado por suas próprias mãos, se considerassem a revolução terminada e se julgassem o socialismo estabelecido, então não necessitariam da chefia revolucionária dos bolcheviques” [24].

O azedume com que o assunto dos Comités de Fábrica foi discutido lança luz sobre outro ponto. “Ainda que os bolcheviques estivessem em maioria na Primeira Conferência Pan-Russa dos Comités de Fábrica, e embora como representantes dos Comités de Fábrica pudessem forçar resoluções nessa Conferência, eles não podiam forçar resoluções contra a vontade dos próprios Comités de Fábrica… Os Comités de Fábrica aceitavam a chefia dos bolcheviques unicamente enquanto não se verificasse divergência de objetivos na prática” [25].

O Primeiro Congresso dos Sindicatos também presenciou uma acalorada controvérsia na discussão das relações entre os sindicatos e o Estado. Os mencheviques, pretendendo que a revolução só podia instituir uma república democrática-burguesa, insistiram na autonomia dos sindicatos face ao novo Estado russo.

Como Maisky afirmou: “se o capitalismo fica intacto, as tarefas que os sindicatos têm de enfrentar sob o capitalismo, não se alteram” [26]. Outros pensavam também que o capitalismo ia reforçar-se e que os sindicatos não deviam fazer nada que diminuísse o seu poder.

Martov tinha um ponto de vista mais sofisticado: “Nesta situação histórica”, diz ele, “este governo não pode representar unicamente a classe operária. Só pode ser uma administração de facto ligada a uma massa heterogênea de povo trabalhador, com elementos proletários e não proletários. Além disso não pode conduzir a sua política econômica expressando clara e consistentemente os interesses da classe operária” [27].

Os sindicatos podem-no. Portanto, os sindicatos devem manter uma certa independência em relação ao novo Estado. É interessante notar que em 1921, na sua controvérsia com Trotski, quando, diga-se de passagem, já era tarde de mais, Lenine usou a mesma argumentação. Ressaltou a necessidade dos trabalhadores se defenderem “do seu próprio Estado”, definido não só como “um Estado de operários, mas como um estado de operários e camponeses” e além disso com “deformações burocráticas”.

O ponto de vista bolchevique, apoiado por Lenine e Trotsky e exposto por Zinoviev, era que os sindicatos deviam estar subordinados ao governo, embora não absorvidos por ele. A neutralidade sindical era oficialmente aceite como uma ideia “burguesa”, uma anomalia no Estado operário [28]. A resolução adotada no Congresso expressava claramente estas ideias dominantes: “os sindicatos devem tomar a seu cargo o pesado fardo de organizar a produção e reabilitar as devastadas forças econômicas do país. As suas mais urgentes tarefas consistem em participar energicamente em todos os corpos centrais encarregados de regular a produção, na organização do controle operário (sic!), no registo e distribuição da força de trabalho, na organização das trocas entre a cidade e o campo… na luta contra a sabotagem e em fazer cumprir a obrigação geral de trabalhar…

“Os sindicatos, ao desenvolverem-se neste processo revolucionário socialista, devem tornar-se órgãos do poder socialista, e como tal trabalhar em coordenação com e em subordinação aos outros corpos com o fim de pôr em prática os novos princípios… O Congresso está convencido que em consequência do processo atrás descrito, os sindicatos transformar-se-ão inevitavelmente em órgãos do estado socialista. A participação nos sindicatos tomar-se-á um dever para com o Estado de todas as pessoas empregadas na indústria”.

A unanimidade entre os bolcheviques acerca dos pontos de vista de Lenine sobre esta matéria não era total. Enquanto Tomsky, o seu principal porta-voz em questões sindicais, sublinhava que “os interesses particulares de grupos operários tinham de estar subordinados aos interesses da classe como um todo” [29] (a qual, como muitos bolcheviques, erradamente identificava com a hegemonia do Partido bolchevique), Ryazanov argumentava que “enquanto a revolução social começada aqui não for continuada pela revolução social na Europa e no Mundo… o proletariado russo… deve estar de atalaia e não renunciar a uma só das suas armas… deve manter os seus sindicatos” [30]. Para Zinoviev, a “independência” dos sindicatos sob a alçada dum governo operário só podia significar o direito de apoiar “sabotadores”. Apesar disto, Tsyperovich, um eminente sindicalista bolchevique, propôs que o Congresso ratificasse o direito dos sindicatos continuarem a poder declarar greve em defesa dos seus membros. Esta resolução foi contudo derrotada [31].

Como se esperava, a atitude dominante do partido dominante (em relação aos Comités de Fábrica e em relação aos sindicatos) iria ter grande importância no subsequente desenvolvimento dos acontecimentos. Veio a ser um “facto histórico objetivo”, assim como a “devastação” e “atomização da classe operária” causada pela (subsequente) Guerra Civil. Podia de facto argumentar-se que as atitudes dos bolcheviques para com os Comités de Fábrica (e o golpe dado nas grandes esperanças que estes Comités representavam para centenas de milhares de operários) geraram ou reforçaram a apatia e o cinismo da classe operária e contribuíram para o absenteísmo e a procura de soluções individualistas para os problemas sociais, tudo coisas que os bolcheviques viriam a lamentar alto e bom som. É, acima de tudo, necessário salientar que a política bolchevique em relação aos Comités e em relação aos sindicatos, que documentamos com algum pormenor, foi posta em ação doze meses antes do assassinato de Karl Liebknecht e de Rosa Luxemburgo; isto é, antes da irrevogável queda da revolução alemã, acontecimento que frequentemente se refere para “justificar” muitas das medidas tomadas pelos governantes russos.

15 A 21 DE JANEIRO

Primeiro Congresso Pan-Russo dos Operários Têxteis realizado em Moscovo. Os bolcheviques estavam em maioria. O Congresso declarou que “o controle operário é somente um passo transitório para a organização planificada da produção e da distribuição” [32]. Os sindicatos adotaram novos estatutos proclamando que “a célula de base do sindicato é o Comité de Fábrica cujas obrigações consistem em executar, numa dada empresa, todas as ordens provenientes do sindicato” [33]. Foram, inclusive, ameaçados com a repressão. Dirigindo-se ao Congresso, Lozovsky declarou que “se o bairrismo das fábricas individuais entrar em conflito com os interesses do proletariado como um todo, nós declaramos incondicionalmente que não hesitaremos em tomar qualquer medida (meu sublinhado, Maurice Brinton) para a supressão das tendências nocivas aos operários” [34]. Por outras palavras, o Partido impõe o seu conceito de interesses da classe operária mesmo que vá contra os próprios operários.

23 A 31 DE JANEIRO

Terceiro Congresso Pan-Russo dos Sovietes.

FEVEREIRO

Decreto bolchevique nacionalizando a terra.

3 DE MARÇO

Assinatura do Tratado de Paz de Brest-Litovsk.

Decreto emitido pelo Vesenka definindo as funções da administração técnica na indústria: Cada centro administrativo designava para cada empresa sua subordinada um comissário (que seria o representante e o supervisor do governo) e dois diretores (um da parte técnica e outro da parte administrativa). O diretor técnico só podia ser demitido pelo comissário governamental ou pela “Direção Central” da indústria. (Por outras palavras, somente o “diretor administrativo” estava sob algum controle da base).

O decreto estabelecia o princípio de que nas empresas nacionalizadas o controle operário se exerce submetendo todas as declarações e decisões do Comité de Fábrica ou de Oficina, ou da comissão de controle, ao Conselho Administrativo da Economia para aprovação. O número de operários ou empregados membros do Conselho Administrativo não deve ser superior a metade dos membros constituintes [35].

Nos primeiros meses de 1918 a Vesenka começou a construir, do topo, a sua “administração unificada” de indústrias individuais. O modelo era esclarecedor. Durante 1915 e 1916 o governo czarista criou corpos centrais (umas vezes chamados “comités”, outras “centros”) que governavam as atividades das indústrias que produziam, direta ou indiretamente, artigos necessários à guerra. Em 1917 estes corpos (geralmente compostos por representantes da indústria referida e exercendo funções reguladoras de um tipo bastante indefinido) alargaram-se a quase todo o campo da produção industrial. Na primeira metade de 1918, o Vesenka tomou conta destes corpos (ou do que tinha restado deles) e converteu-os gradualmente, sob o nome de glavki (comités diretores) ou tsentry (centros), em órgãos administrativos sujeitos à direção e controle do Vesenka. O “comité diretor” para a indústria do couro (Glavkozh) foi instituído em Janeiro de 1918. Este depressa foi seguido pelos comités diretores do papel e do açúcar, e pelos “centros” do sabão e do chá. Estes, juntamente com o Tsentrotekstil, já funcionavam em Março de 1918.

Eles “dificilmente se teriam formado não fora a existência de embriões anteriores à revolução ou sem a colaboração do pessoal administrativo e técnico… Podia detectar-se uma comunidade de interesses tácita entre o governo e os industriais mais sensatos e moderados em reiniciarem qualquer tipo de produção metódica” [36].

Esse facto levantou uma questão de considerável interesse teórico. Os marxistas têm argumentado frequentemente que os revolucionários não podem simplesmente apoderar-se das instituições da sociedade burguesa (parlamento, etc…) e usá-las com propósitos diferentes (isto é, para a introdução do socialismo). Sempre proclamaram que teriam de ser criadas novas instituições políticas (sovietes) para expressar a realidade do poder operário. Mas mantiveram-se discretamente em silêncio sobre se os revolucionários podiam “capturar” as instituições do poder econômico burguês e usá-las para os seus próprios fins, ou se também estas teriam de ser primeiro esmagadas e mais tarde substituídas por novas instituições, que representassem uma mudança fundamental nas relações de produção. Os bolcheviques em 1918 optaram inequivocamente pelo primeiro caminho. Mesmo dentro das suas próprias hostes esta escolha fazia nascer o presságio de que todas as energias seriam dirigidas no sentido do “reforço e desenvolvimento da capacidade produtiva, do estabelecimento da estrutura orgânica, implicando uma recusa na continuação da destruição das relações de produção capitalistas e mesmo uma restauração parcial dessas relações” [37].

6 A 8 DE MARÇO

Sétimo Congresso do Partido

As exaltadas deliberações deste curto Congresso centraram-se na assinatura do Tratado de Paz de Brest-Litovsk.

26 DE MARÇO

Quarto Congresso Pan-Russo dos Sovietes.

MARÇO

Foram demitidos das posições de chefia no Conselho Económico Superior, em parte pelas suas atitudes para com Brest-Litovsk, os comunistas de “esquerda” (Osinsky, Bukarin, Lomov, Smirnov) e substituídos por “moderados” como Milyutin e Rykov [38]. Foram tomadas medidas imediatas para o reforço da autoridade empresarial, do restabelecimento da disciplina no trabalho e do uso de incentivos materiais sob a supervisão das organizações sindicais. Tudo isso era uma demonstração clara de que “esquerdistas” na administração de cúpula não substituem o controle da base no local da produção.

26 DE MARÇO

Os Isvestiya do Comité Central Executivo Pan-Russo publica um Decreto (emanado do Conselho dos Comissários do Povo) sobre a “centralização da administração dos caminhos de ferro”. Este decreto, que acabou com o controle operário nos caminhos de ferro, era um “pré-requisito absolutamente fundamental para a melhoria das condições do sistema de transportes” [39]. Acentuava a urgência de uma “disciplina de aço no trabalho” e da “gestão de um só indivíduo” nos caminhos de ferro, dando poderes “ditatoriais” ao Comissário dos Meios de Comunicação. A cláusula 6 proclamava a necessidade de selecionar indivíduos para atuar como “técnicos executivos e administrativos” em todos os centros locais, distritais ou regionais dos caminhos de ferro. Estes indivíduos eram “responsáveis perante o Comissariado do Povo para os Meios de Comunicação”. Seriam a “personificação de todo o poder ditatorial do proletariado num dado centro dos caminhos de ferro” [40].

30 DE MARÇO

Trotsky, nomeado Comissário dos Assuntos Militares depois de Brest-Litovsk, organizou rapidamente o Exército Vermelho. A pena de morte por desobediência em combate foi restabelecida. Em seguida, foram aparecendo gradualmente, a obrigatoriedade de continência (saudação) assim como formas especiais de tratamento, quartos separados e outros privilégios para os oficiais. As formas democráticas de organização, incluindo a eleição dos oficiais, depressa desapareceram. “O princípio eletivo”, escreveu Trotsky, “é politicamente cretino e tecnicamente inconveniente e já foi abolido por decreto” [41]. N.V. Krylenko, um dos co-comissários dos Assuntos Militares nomeado depois da Revolução de Outubro, demitiu-se do Departamento da Defesa [42], desgostoso com estas medidas.

3 DE ABRIL

O Conselho Central dos Sindicatos fez a sua primeira declaração pormenorizada sobre a função dos sindicatos relativamente à “disciplina no trabalho” e aos “incentivos”.

Os sindicatos deviam “envidar todos os esforços para aumentar a produtividade do trabalho e criar de facto, nas fábricas e oficinas, as raízes indispensáveis à disciplina no trabalho”. Cada sindicato devia estabelecer uma comissão para “fixar as normas de produtividade para cada ofício e categoria de operários”. Estabeleceu-se o trabalho à peça “para aumentar a produtividade do trabalho”. Dizia-se que “os prêmios para aumentar a produtividade acima das normas estabelecidas podiam, dentro de certos limites, ser uma medida útil para o conseguir sem fatigar o operário”. Finalmente se “grupos independentes de operários” recusassem submeter-se à disciplina sindical, podiam, em último caso, ser expulsos dos sindicatos “com todas as consequências que isso acarreta” [43].

11 A 12 DE ABRIL

Destacamentos armados da Cheka assaltaram 26 centros anarquistas em Moscovo. Rebentou o tiroteio entre os agentes da Cheka e os Guardas Negros no Mosteiro Donskoi: foram mortos ou feridos 40 anarquistas e mais de 500 aprisionados.

20 DE ABRIL

A questão do controle operário estava a ser, nesta altura, intensamente discutida dentro do Partido. O Comité Distrital de Leninegrado publica o primeiro número do Kommunist (Jornal teórico dos comunistas de “esquerda”, editado por Bukharin, Radek e Osinsky, a quem mais tarde se veio juntar Smirnov). Esse número continha as “Teses sobre a situação atual” elaboradas pelos editores. O jornal denunciava “a política do trabalho destinada a implantar a disciplina entre os operários sob a bandeira da ‘auto-disciplina’, a introdução do trabalho obrigatório para os operários, os pagamentos à peça, e o prolongamento do dia de trabalho”. Proclamava que “a introdução da disciplina no trabalho juntamente com o restabelecimento da administração capitalista na indústria não pode na realidade aumentar a produtividade do trabalho”. “Diminui a iniciativa da classe, a atividade e a organização do proletariado. Ameaça escravizar a classe operária. Despertará o descontentamento tanto entre os elementos mais passivos como entre a vanguarda do proletariado. Para introduzir este sistema, e atendendo ao ódio existente presentemente no proletariado contra os ‘sabotadores capitalistas’, o Partido Comunista terá de se aliar à pequena burguesia contra os operários”. “Arruinar-se-á como partido do proletariado”.

O primeiro número do novo jornal continha igualmente um sério aviso feito por Radek: “Se a Revolução Russa for derrubada pela violência contra-revolucionária da burguesia, ressuscitará de novo como a Fénix; contudo, se perder o seu carácter socialista desapontando consequentemente as massas operárias, o golpe terá consequências dez vezes mais terríveis para o futuro da revolução russa e internacional” [44]. O mesmo número prevenia contra os perigos “da centralização burocrática, do papel dos vários comissários, da perda da independência dos sovietes locais e da rejeição, na prática, do tipo de comuna-Estado administrada pela base” [45]. “Está muito certo”, acentuou Bukharin, “dizer como Lenine (no Estado e a Revolução) que cada cozinheiro deve aprender a administrar o Estado. Mas, o que acontecerá quando cada cozinheiro tiver um comissário nomeado a dirigi-lo?”.

O segundo número do jornal continha algumas declarações proféticas de Osinsky: “Nós somos pela construção da sociedade proletária pela criatividade de classe dos próprios operários, e não pelos ukases (chicotes) dos capitães da indústria… Se o próprio proletariado não é capaz de criar os requezitos necessários para a organização socialista do trabalho, ninguém mais poderá fazê-lo nem ninguém poderá obrigá-lo a fazê-lo. A ameaça, se for feita contra os operários, sê-lo-á por uma força que ou está sob a influência de outra classe social ou está nas mãos do poder soviético; mas então, o poder soviético será forçado a buscar o apoio de outra classe para ir contra o proletariado (por exemplo o campesinato), destruindo-se assim como ditadura do proletariado. O socialismo e a organização socialista ou serão construídos pelo próprio proletariado ou não poderão ser construídos de modo algum. Em seu lugar será construída outra coisa: o capitalismo de Estado” [46].

Lenine reagiu muito duramente usando as diatribes habituais. As ideias dos comunistas de “esquerda” eram uma “desgraça”, “uma renúncia completa à prática comunista”, “uma deserção para o campo da pequena burguesia” [47]. A esquerda estava a ser “provocada pelos Isuvs (mencheviques) e outros Judas do capitalismo”. Desencadeou-se uma campanha em Leninegrado que obrigou o Kommunist a transferir a sua publicação para Moscovo, onde o jornal apareceu primeiro sob os auspícios da Organização Regional de Moscovo do Partido e depois como um porta-voz “não oficial” de um grupo de camaradas. Depois do aparecimento do primeiro número do jornal, realizou-se uma Conferência do Partido em Leninegrado, convocada às pressas, que deu uma maioria a Lenine e “exigiu que os aderentes do Kommunist suspendessem a sua existência como organização separada” [48]. Eis os alegados direitos de tendência… em 1918! (isto é. muito antes do Décimo Congresso ter proibido oficialmente as tendências, em 1921).

Nos meses seguintes os leninistas conseguiram estender, com êxito, o seu controle organizativo a áreas antigamente “esquerdistas”. No fim de Maio, as organizações do Partido com predominância proletária na região dos Urais, chefiada por Preobrazhensky, e o Secretariado Regional de Moscovo do Partido aderiram aos dirigentes do Partido. O quarto e último número do Kommunist (Maio de 1918) teve de ser publicado como um jornal duma facção independente. A resolução desta importante questão, que afetava profundamente toda a classe operária, não foi efetuada por intermédio de “discussões, persuasão ou compromisso”, mas por intermédio de uma campanha de grande pressão desencadeada nas organizações do Partido, apoiada por uma violenta barragem de invectivas na imprensa do Partido e nas declarações dos chefes do Partido. Os discursos de Lenine estabeleciam as diretivas e os seus ajudantes nas questões organizativas traziam os membros ao bom caminho” [49].

Muitos indivíduos do movimento revolucionário tradicional estão completamente familiarizados com estes métodos!

28 DE ABRIL

Publica-se nos Isvestiya do Comité Central Executivo Pan-Russo o artigo de Lenine “As Tarefas Imediatas do Governo Soviético”. Foram elaborados “regulamentos e decretos” para “aumentar a disciplina no trabalho” a qual era “a condição para a renovação da economia”. (Entre as medidas sugeridas figurava a introdução dum sistema de fichas em que se registava a produtividade de cada operário, a introdução de regulamentos de fábrica em cada empresa, o estabelecimento de uma quota de produção por repartição com o fim de fixar a produção de cada operário e o pagamento de prêmios pelo aumento da produtividade).

Teria Lenine pressentido os aspectos potencialmente nocivos destas propostas? Nunca saberemos. Uma coisa é certa contudo, ele nunca os mencionou. De qualquer maneira, não é precisa muita imaginação para pensar que os escriturários (assentando a “produtividade de cada operário”) e os empregados (controlando a “quota de produção por repartição”) iriam tornar-se os elementos constitutivos de uma nova camada burocrática.

Indo ainda mais longe, Lenine escreveu: “Devemos levantar a questão do trabalho à peça, aplicá-la e testá-la na prática… devemos levantar a questão da aplicação de muitos aspectos científicos e progressistas do sistema Taylor [50]… a República Soviética deve aplicar, a todo o custo, tudo o que for aproveitável das realizações científicas e tecnológicas neste campo… devemos organizar o estudo e o ensino do sistema Taylor na Rússia”. Somente “os conscienciosos representantes da indecisão pequeno burguesa” veem nos recentes decretos sobre a administração dos caminhos de ferro, “a qual concedeu aos chefes individuais poderes ditatoriais”, uma espécie de “recuo em relação ao princípio colegial, em relação à democracia e a outros princípios do governo soviético”. “A irrefutável experiência histórica mostra que… a ditadura individual foi muitas vezes o veículo, o canal da ditadura das classes revolucionárias”. “A máquina industrial em grande escala, que é a fonte da produção material e a base do socialismo, exige uma estrita e absoluta unidade de vontade… Como pode ser assegurada essa estrita unidade de vontade? Pela subordinação da vontade de milhares à vontade de um só”. “A submissão incondicional (sublinhado no original) a uma vontade é absolutamente necessária ao sucesso do processo de trabalho baseado numa máquina industrial em grande escala… hoje a Revolução exige, no interesse do socialismo, que as massas obedeçam incondicionalmente à vontade única (sublinhado no original) dos chefes do processo de trabalho” [51]. O pedido de obediência “incondicional” tem sido, através da história, feito por inúmeros reacionários, que além disso têm tentado impor essa obediência sobre aqueles em que exerciam a autoridade. Uma atitude altamente crítica (e autocrítica) é, pelo contrário, a marca do verdadeiro revolucionário.

MAIO

Foram encerrados o Burevestnik, Anarkhia, Goloss Truda e outros importantes periódicos anarquistas.

MAIO

Preobrazhensky, escrevendo no Kommunist, avisa: “O Partido terá de decidir brevemente, até que ponto a ditadura individual será alargada dos caminhos de ferro e outros ramos da economia ao próprio Partido” [52].

5 DE MAIO

Publicação de “O infantílismo de esquerda e a mentalidade pequeno-burguesa”. Depois de denunciar as opiniões do Kommunist como “uma verborreia anárquica”, “chorrilho de frases altissonantes”, etc., etc., etc., Lenine tentou responder a algumas questões levantadas pelos comunistas de esquerda. Para Lenine o “capitalismo de Estado” não era um perigo. Antes pelo contrário, era algo a que se devia aspirar. “Se introduzirmos o capitalismo de Estado em 6 meses, aproximadamente, alcançaremos um grande sucesso e uma garantia certa de que dentro de um ano o socialismo terá sido estabelecido permanente mente e tornar-nos-emos invencíveis no nosso país”. “Falando em termos econômicos, o capitalismo de Estado é imensamente superior ao atual sistema econômico… o poder soviético não tem nada a temer dele, porque o Estado soviético é um estado onde o poder dos operários e dos pobres está assegurado” (porque um “Partido Operário” detém o poder). O “conjunto das condições necessárias para o socialismo” são “uma técnica capitalista em grande escala baseada nas últimas descobertas científicas… inconcebível sem uma organização estatal planeada que submete milhões de pessoas à mais estrita observância duma única forma de produção e distribuição” e um “poder estatal proletário”. É importante notar que o poder da classe operária na produção não é mencionado como uma das “condições necessárias para o socialismo”. Lenine continua acentuando que em 1918 as “duas metades incomunicáveis do socialismo existiam lado a lado como dois futuros frangos no mesmo ovo do imperialismo”. Em 1918, a Alemanha e a Rússia personificavam respectivamente “as condições econômicas, produtivas e sociais do socialismo por um lado, e as condições políticas por outro”. A tarefa dos bolcheviques era “estudar o capitalismo de estado alemão não se poupando a nenhuns esforços para o copiam”. Não se devia “recear adotar métodos ditatoriais para apressar a sua cópia”. Na altura, o texto de Lenine continha no original a interessante frase: [53] “A nossa tarefa é apressar isto, ainda mais depressa do que Pedro estimulou a adoção da mentalidade Ocidental pela Rússia bárbara, não se intimidando de usar métodos bárbaros para combater a barbárie”. Este talvez tenha sido o único elogio feito a um czar por Lenine nos seus escritos. Citando 3 anos mais tarde esta passagem, Lenine omitiu a referência a Pedro, o Grande [54].

“Um único caminho e um só”, continuou Lenine “conduz o capitalismo pequeno-burguês dominante na Rússia de 1918 a um capitalismo em grande escala e ao socialismo, através de um único e um só estádio intermédio chamado ‘cálculo nacional e controlo da produção e distribuição”. Em Abril de 1918, lutar contra o capitalismo de Estado era para Lenine o mesmo que lutar contra “moinhos de vento” [55]. A afirmação de que a República Soviética estava ameaçada pela “evolução em direção ao capitalismo de Estado… só provoca uma risada homérica”. Se um comerciante lhe disser (a ele Lenine) que houve uma melhoria num ramal qualquer dos caminhos de ferro, “tal elogio parece-me mil vezes mais precioso do que vinte resoluções comunistas” [56]. Quando lemos passagens como as anteriores, é difícil compreender como alguns camaradas podem afirmar-se “leninistas” e afirmar, simultaneamente, que a sociedade russa é uma forma de capitalismo de Estado deplorável. Alguns, contudo, dizem precisamente isso.

É claro como água, pelo que se disse anteriormente (e por outras passagens escritas na altura), que a natureza “proletária” do regime, para quase todos os chefes bolcheviques, dependia da natureza proletária do Partido que tomou o poder de Estado. Nenhum deles considerou a natureza proletária do regime russo como dependente, primeira e crucialmente, do exercício do poder operário no momento da produção (isto é, da gestão operária da produção). Devia-lhes ter sido evidente, como marxistas, que se a classe operária não detivesse o poder econômico, o seu poder “político” seria na melhor das hipóteses instável e que em breve forçosamente degeneraria. Os chefes bolcheviques viam a organização capitalista da produção como qualquer coisa socialmente neutra, em si. Podia ser usada indiferentemente para maus fins (quando a burguesia a usava para a acumulação privada) ou bons fins (quando o “Estado operário” a usava “para o bem de todos”). Lenine disse isto expressamente. “O socialismo”, disse ele, “não é outra coisa senão o monopólio do Estado capitalista organizado de maneira a beneficiar todo o povo” [57]. Aos olhos de Lenine o que estava errado nos métodos de produção capitalista era o facto de eles terem servido a burguesia no passado. Iriam ser usados agora pelo Estado Operário e devido a isso tornar-se-iam “numa das condições do socialismo”. Tudo depende de quem detém o poder estatal [58]. A afirmação de que a Rússia era um estado operário por causa da nacionalização dos meios de produção só foi avançada por Trotski… em 1936! Tentava assim reconciliar a opinião de que “a União Soviética tem de ser defendida” com a opinião de que “o Partido bolchevique já não é um partido operário”.

– Quarta parte: de maio a dezembro de 1918


24 DE MAIO A 4 DE JUNHO

Realiza-se o Primeiro Congresso Pan-Russo dos Conselhos Econômicos Regionais em Moscou. Este “Parlamento econômico” reuniu mais de 100 delegados votantes (e 150 delegados não votantes) vindos do Vesenka, dos seus “glavki” e centros, dos Sovnarkhozy regionais e locais, e dos sindicatos. O Congresso foi presidido por Rykov, um homem de “passado impecável e opiniões indefinidas” [59]. Lênin abriu os trabalhos com uma súplica à “disciplina no trabalho” e uma longa explicação da necessidade de se empregarem “spetsy” (especialistas) multo bem pagos.

Osinsky manteve-se irredutível no que se referia à democratização da indústria. Atacou o “trabalho à peça” e o “taylorismo”. Foi apoiado por Smirnov e por alguns delegados provinciais. A “oposição” instou o reconhecimento e a execução da nacionalização de fato da indústria, nacionalização essa que estava a ser realizada pelos Comitês de Fábrica, e pediram o estabelecimento de uma autoridade econômica nacional superior baseada nos e representando os órgãos do controle operário [60]. Exigiram “uma administração operária… não somente do topo mas também da base”, considerando-a como o fundamento econômico indispensável ao novo regime. Lomov pediu uma extensão maciça do controle operário e avisou que a centralização burocrática… estava a estrangular as forças do país. As massas estão a ser afastadas do trabalho vivo, criador em todos os ramos da nossa economia. Lembrou ao Congresso que a frase de Lênin “aprender dos capitalistas” tinha sido forjada nos anos de 1890 pelo quase-marxista (e agora burguês) Struve [61].

Deu-se então um daqueles episódios que esclarecem toda uma discussão e resumem as diversas opiniões. Um subcomitê do Congresso aprovou uma resolução pela qual dois terços dos representantes nos gabinetes de administração das empresas industriais deviam ser eleitos pelos operários [62]. Lênin ficou furioso com essa “estúpida decisão”. Sob sua chefia, uma Sessão Plenária do Congresso “corrigiu” a resolução e decretou que um terço no máximo do pessoal administrativo das empresas industriais seria eleito. Os comitês de administração seriam integrados na complexa estrutura hierárquica previamente esboçada, a qual conferia direito de veto ao Conselho Econômico Superior (Vesenka) criado em Dezembro de 1917 [63].

O Congresso endossou formalmente uma resolução do Conselho Central dos Sindicatos defendendo o princípio de “uma cota definida e fixa de produtividade em troca de um salário garantido”. Aceitou a instituição do trabalho à peça e os prêmios. “Mais do que o estabelecimento de uma política estava em formação uma corrente de opinião” [64].

25 DE MAIO

Reencontros entre as forças do governo e as tropas da legião Checa nos Urais. Levantamentos anti-bolcheviques na Sibéria e na Rússia do Sudeste. Começo da Guerra Civil em larga escala e começo da intervenção Aliada. [Os que pretendem responsabilizar a Guerra Civil pela prática bolchevique anti-proletária podem fazê-lo a partir de agora].

28 DE JUNHO

Depois de uma sessão que se prolongou pela noite fora, o Conselho dos Comissários do Povo promulga o Decreto sobre a Nacionalização Geral afetando todas as empresas industriais com um capital superior a um milhão de rublos. A finalidade do decreto era “a luta decisiva contra a desorganização na produção e no abastecimento”.

Os setores afetados, cujos ativos eram agora declarados “propriedade da República Federal Socialista Soviética Russa”, eram as indústrias mineiras, metalúrgicas, têxtil, elétrica, da madeira, do tabaco, da resina, do vidro e da olaria, do couro e do cimento, todos os moinhos a vapor, os serviços públicos e locais e os caminhos de ferro particulares, conjuntamente com algumas outras indústrias menos importantes”.

A tarefa de “organizar a administração das empresas nacionalizadas” foi confiada ao Vesenka e às suas seções “como um assunto urgente”. Mas até o Vesenka publicar as instruções respeitantes às empresas individuais abrangidas pelo decreto “tais empresas deviam ser consideradas como arrendadas gratuitamente aos seus donos primitivos, os quais continuariam a financiá-las e a receber lucros delas” [65].

A transferência das empresas individuais para o Estado foi realizada facilmente. A atribuição das funções administrativas aos indivíduos nomeados foi mais morosa, mas também esse processo foi completado em poucos meses. Ambos os passos foram acelerados devido à ameaça da invasão estrangeira. A mudança nas relações de propriedade foi profunda. Neste sentido houve de fato uma profunda revolução. “Como a Revolução desencadeou a Guerra Civil também a Guerra Civil intensificou a Revolução” [66]. Mas, no que se refere a qualquer mudança fundamental respeitante às relações de produção, a Revolução já tinha dado o que tinha a dar. No período do “comunismo de guerra” (que começa nesta altura) veremos a classe operária perder o pouco poder que gozou na produção durante as últimas semanas de 1917 e nas primeiras semanas de 1918.

4 A 10 DE JULHO

Quinto Congresso Pan-Russo dos Sovietes

Durante a primeira metade do ano de 1918 a questão da “nacionalização” foi objeto de azedas controvérsias entre os comunistas de “esquerda” e os leninistas. Lênin opôs-se à nacionalização total dos meios de produção imediatamente a seguir a Outubro. Isto não foi motivado pelo desejo de negociar um acordo politico com a burguesia mas por ter subestimado a maturidade tecnológica e administrativa do proletariado, uma maturidade que teria sido testada imediatamente se todas as grandes indústrias tivessem sido nacionalizadas. O resultado foi uma situação extremamente complexa na qual algumas indústrias tinham sido nacionalizadas “a partir do topo” (isto é, por decreto do Governo Central), outras “a partir da base” (isto é, pelos operários que tomaram as empresas abandonadas pelos seus donos) enquanto noutros sítios os donos primitivos ainda geriam as suas fábricas, embora com liberdade de ação e autoridade restritas devido à implantação dos Comitês de Fábrica.

Kritzman, um dos melhores teóricos dos comunistas de “esquerda”, criticou este estado de coisas desde o início. Referiu-se ao decreto de 14 de Novembro de 1917 sobre o “Controle Operário” como “meias-medidas e portanto necessariamente irrealizável”.

“Como palavra de ordem o controle operário implicava o aumento do ainda insuficiente poder do proletariado. Era a expressão implícita da fraqueza, a ser ultrapassada, do movimento da classe operária. Os empresários não se predisporiam a fazer o seu negócio com o único objetivo de ensinar os operários a fazê-lo. Reciprocamente os operários só sentiam ódio aos capitalistas e não viam motivos para continuarem a ser explorados voluntariamente” [67].

Osinsky, outro comunista de “esquerda”, acentuou outro aspecto. “O destino da palavra de ordem do controle operário”, escreveu ele, “é interessantíssimo. Nascida do desejo de desmascarar o adversário, falhou quando foi preciso convertê-la num sistema. Onde, apesar de tudo, este se fortificou, o seu conteúdo alterou-se completamente em relação ao que nós originalmente prevíramos. Tomou a forma duma ditadura descentralizada, da subordinação dos capitalistas individuais às várias organizações da classe operária que atuavam independentemente umas das outras…

O Controle Operário tinha originariamente como objetivo sujeitar os possuidores dos meios de produção… Mas esta coexistência em breve se tornou intolerável. A situação de poder duplo entre os administradores e os operários levou, em breve, ao colapso da empresa. Ou transformou-se rapidamente em poder total dos operários sem a mínima autorização do poder central” [68].

Muitos comunistas de “esquerda”, que escreveram nesta altura, acentuaram que se as nacionalizações dos meios de produção tivessem sido feitas mais cedo ter-se-iam evitado muitas dessas ambiguidades. A expropriação total dos capitalistas teria permitido passar imediatamente do “controle operário” à “gestão operária” através de alguns organismos centrais medianeiros que regulassem a totalidade da economia socializada. É interessante notar que Lozovsky, embora na altura se opusesse ferozmente às ideias dos comunistas de “esquerda” (por que considerava que a revolução tinha sido somente uma revolução “democrática-burguesa”) escreveria mais tarde: “Em breve se provaria que, na era da revolução social, uma monarquia constitucional em cada empresa (isto é, o antigo patrão mas com poderes limitados – Maurice Brinton) é impossível e que o antigo dono, por mais complexa que seja a estrutura da empresa moderna, é uma peça supérflua” [69].

Mais tarde, deu-se uma cisão entre os comunistas de “esquerda”. Radek chegou a um acordo com os leninistas. Estava pronto a aceitar “a gestão de um só indivíduo”, em princípio (uma tarefa nada dura para quem não seja proletário), porque ela era agora aplicada no contexto dos decretos da nacionalização extensiva de Junho de 1918.

Na opinião de Radek, esses decretos ajudariam a assegurar “a base proletária do regime”. Bukharin também quebrou com Osinsky e juntou-se ao grupo. Osinsky e os seus adeptos, contudo, formaram uma nova tendência da oposição: os “centralistas democráticos” (assim chamados pela sua oposição ao “centralismo burocrático” dos dirigentes do Partido). Continuaram a propagandear a gestão operária da produção. As suas ideias, e as do grupo original dos comunistas de “esquerda”, viriam a desempenhar um papel importante no desenvolvimento da Oposição Operária dois anos mais tarde.

Com a Guerra Civil e o Comunismo de Guerra os debates em questão, por momentos, tornaram-se indefinidos. Havia pouca produção para que alguém a controlasse. “Contudo, as discussões de 1918 apenas foram adiadas. Não podiam ser esquecidas graças às críticas dos comunistas de ‘esquerda’. Logo que as tréguas militares o permitissem, a oposição esquerdista estava pronta a levantar outra vez a questão fundamental da natureza do regime soviético” [70].

AGOSTO

Auge da ofensiva dos Brancos no Volga.

A Guerra Civil acelerou imensamente o processo da centralização econômica. Como o conhecimento que temos da anterior prática bolchevique nos faz prever, veio a verificar-se que esta centralização era uma forma de centralização extremamente burocrática. Toda a economia russa foi “reorganizada” numa base semi-militar. A Guerra Civil conduziu à transformação de toda a grande indústria numa organização logística do Exército Vermelho. Isso fez da política industrial um assunto de estratégia militar.

Esclareçamos aqui que pomos em dúvida o mérito intrínseco da descentralização, que defendem alguns anarquistas. A Comuna de Paris, um Congresso dos Sovietes (ou um Comitê de “shop stewards” ou um Comitê de greve, modernamente) são altamente centralizados ainda que bastante democráticos. O feudalismo, por outro lado, era descentralizado e altamente burocratizado. A chave da questão está em saber se a organização “centralizada” é controlada pela base (pelos delegados eleitos e revogáveis) ou se está separada daqueles em nome dos quais alega agir.

Neste período verificou-se uma considerável queda na produção devida a uma complexa série de fatores que outros autores descreveram já minuciosamente [71]. As “perturbações” eram frequentemente atribuídas pelos porta-vozes do Partido à influência das ideias heréticas “anarco-sindicalistas”. Certamente foram cometidos erros. Mas, agora, atribuíram-se as dificuldades do crescimento do novo movimento aos defeitos inerentes a qualquer tentativa dos operários para dominarem a produção. “O Controle Operário na indústria realizado pelos Comitês de Fábrica e de Oficina”, escreveu um informador governamental, “mostrou o que se pode esperar se os planos dos anarquistas se realizarem” [72]. Eram, nesta altura, sistematicamente suprimidas todas as tentativas de controle feitas pela base. Os partidários proletários dos Comitês de Fábrica tentaram resistir, mas a sua resistência foi facilmente destruída [73]. O azedume e desespero desenvolveram-se entre várias camadas do proletariado (e de, modo algum, camadas “atrasadas”). Devem-se também ter em conta esses fatores, coisa que raramente se faz, ao discutir a queda de produção e o frequente recurso a “atividades antissociais” tão características dos anos do “comunismo de guerra”.

25 DE AGOSTO A 1 DE SETEMBRO

A Primeira Conferência Pan-Russa dos Anarco-Sindicalistas reúne-se em Moscou. A resolução sobre a indústria “acusou o governo de trair a classe operária com a supressão do controle operário em favor de desvios capitalistas tais como a administração de um só indivíduo, a disciplina no trabalho e o emprego de engenheiros e técnicos ‘burgueses’. Substituindo os Comitês de Fábrica”, “filhos diletos da grande revolução operária, pelos sindicatos, essas ‘organizações mortais’, e substituindo a democracia industrial por decretos e fitas vermelhas, os chefes bolcheviques criavam um monstruoso ‘capitalismo de Estado’, um Behemoth burocrático ao qual chamavam burlescamente socialismo” [74].

A “Volny Goloss Truda” (A Voz Livre do Trabalhador) sucedia a Goloss Truda (fechado em Maio de 1918). O novo jornal foi encerrado depois de ter publicado o seu quarto número (16 de Setembro de 1918). Este continha um interessante artigo do “M. Sergven” (Maximov?) intitulado “Os Caminhos da Revolução”. “O artigo afastou-se notavelmente da habitual condenação dos bolcheviques como traidores da Classe Operária. Lênin e os seus companheiros não eram necessariamente cínicos de sangue frio que, com esperteza maquiavélica, tinham esboçado antecipadamente a nova estrutura de classe para satisfazer a sua cobiça de poder. Muito possivelmente eram motivados por uma genuína preocupação pelo sofrimento humano… Mas a divisão da sociedade em administradores e operários era uma consequência inexorável da centralização da autoridade. Não podia ser de outro modo… uma vez separadas as funções de administração e de trabalho (a primeira ao cuidado de uma minoria de ‘peritos’ e a última destinada às rudes massas) todas as possibilidades de dignidade ou igualdade foram destruídas” [75]. No mesmo número, Maximov desancou os “Manilovs” [76] do campo anarquista como “visionários românticos que sonhavam com utopias pastorais esquecidos das complexas forças em jogo no mundo moderno”. Era altura de deixar de sonhar com a Idade do Ouro. Era altura de “organizar e agir”. Por estas opiniões de princípio, mas também realistas, Maximov e os anarco-sindicalistas foram ferozmente atacados como “Judas anarco-burocráticos pelas outras tendências do movimento anarquista” [77].

AGOSTO DE 1918

Um decreto governamental fixa a composição do Vesenka em 30 membros nomeados pelo Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos, 20 nomeados pelo Conselho Regional da Economia Nacional (Sovnarkhozy) e 10 nomeados pela Central Executiva PanRussa dos Sovietes (V. Ts. I. K.). Os assuntos correntes do Vesenka eram resolvidos por um Presidium de 9 outros membros, dos quais o presidente e o seu adjunto eram nomeados pelo Conselho dos Comissários do Povo (Sovnarkom) e os outros pelo V. Ts. I. K. Oficialmente, o Presidium devia pôr em prática as decisões das reuniões mensais dos 69 membros do Vesenka, mas em breve começou a absorver cada vez maior parte do trabalho. Depois de Outubro de 1918 as sessões plenárias do Vesenka nunca mais se realizaram. Tornou-se num departamento do Estado [78].

Por outras palavras, no período de um ano após a tomada do poder pelos bolcheviques, as relações de produção (algo alteradas no auge da luta de massas) reverteram ao clássico esquema autoritário de todas as sociedades de classes. Os operários como operários foram desapossados de qualquer autoridade de decisão significativa nos assuntos que mais lhes diziam respeito.

28 DE SETEMBRO

O chefe sindicalista bolchevique Tomsky declara no Primeiro Congresso dos Trabalhadores Comunistas dos Caminhos de Ferro que “a primeira tarefa dos Comunistas era criar sindicatos bem estruturados nas suas próprias indústrias; a segunda, apoderar-se dessas organizações por um trabalho tenaz; a terceira, estar à cabeça dessas organizações; a quarta, expulsar qualquer grupo não proletário e a quinta colocar o sindicato debaixo da nossa influência comunista” [79].

OUTUBRO

Um decreto governamental reitera a lei que estipula que ninguém além do Vesenka “na sua qualidade de órgão central regularizador e organizador de toda a produção da República” tem o direito de sequestrar empresas industriais [80]. A necessidade de publicar esse decreto sugere que os sovietes locais, ou mesmo até os Sovnarkhozy tocais, estavam a fazer precisamente isso.

6 A 9 DE NOVEMBRO

Sexto Congresso Pan-Russo dos Sovietes.

25 DE NOVEMBRO A 1 DE DEZEMBRO

Realiza-se em Moscou a Segunda Conferência Pan-Russa dos Anarco-Sindicalistas.

DEZEMBRO

Um novo decreto suprime os Sovnarkhozy regionais e reconhece os Sovnarkhozy provinciais como “órgãos executivos do Vesenka”. Os Sovnarkhozy locais deviam transformar-se em “seções econômicas” dos comitês executivos dos sovietes locais correspondentes. Os “glavki” deviam ter órgãos subordinados próprios nas estruturas provinciais. “Isto representava claramente um passo adiante na centralização do controle de todos os ramos da indústria de todo o pafs pelo seu glavki ou centro em Moscou, sob a autoridade superior do Vesenka” [81].

DEZEMBRO

Segundo Congresso Pan-Russo dos Conselhos Econômicos Regionais.

Molotov analisou a composição dos 20 “glavki” e “centros” mais importantes. De 400 pessoas, 10% eram representantes dos empresários ou antigos empresários, 9% eram técnicos, 28% eram funcionários de vários departamentos (incluindo o Vesenka)… e os restantes 43% eram operários ou representantes das organizações operárias, incluindo os sindicatos. A gestão da produção estava, predominantemente, nas mãos de pessoas que “não tinham nenhuma relação com os elementos proletários da indústria”. Os “glavki” têm de ser considerados como “órgãos que de modo algum correspondem à ditadura do proletariado”. Aqueles que dirigiam a política eram “representantes dos empresários, técnicos e especialistas” [82]. “Era indiscutível que os burocratas soviéticos destes primeiros anos eram, em regra, antigos membros da intelligentsia burguesa ou da classe dirigente, e trouxeram com eles muitas das tradições da antiga burocracia russa” [83].

– Quinta parte: 1919


16-25 DE JANEIRO

Segundo Congresso Pan-Russo dos Sindicatos

Em 1918 os sindicatos desempenharam um importante papel na administração industrial. A sua importância aumentou bastante quando o governo, com medo que os donos das empresas particulares não trabalhassem para as necessidades do Exército Vermelho, acelerou o programa de nacionalização, “mais como um assunto militar do que como uma política econômica” [1]. Aumentaram rapidamente aquilo que Lenine chamava “as funções de Estado” dos sindicatos. Os membros do Partido na chefia dos sindicatos (tais como Tomsky, Presidente do Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos) gozavam de considerável poder.

Contudo, as relações entre os dirigentes dos sindicatos e a base estavam muito longe de ser democráticas. “Na prática, quanto mais os sindicatos assumiam as funções administrativas da burocracia empresarial convencional mais burocráticos se tornavam” [2]. Um delegado ao Congresso, Chirkin, sublinhou, por exemplo, que “embora na maioria das regiões houvesse instituições representativas do movimento sindical, estas instituições não eram nem eleitas nem ratificadas; onde se realizaram eleições e onde foram eleitos indivíduos que não eram os apropriados para satisfazer as necessidades do Conselho Central ou dos poderes locais, aquelas foram pura e simplesmente anuladas e os indivíduos eleitos substituídos por outros mais dóceis para com a administração” [3].

Outro delegado, Perkin, pronunciou-se contra os novos regulamentos que obrigavam os representantes enviados pelas organizações operárias ao Comissariado do Trabalho a serem ratificados pelo Comissariado. “Se numa reunião sindical nós elegemos um comissário, isto é, se à classe operária num dado momento é permitido manifestar a sua vontade, poderíamos pensar que este indivíduo seria autorizado a representar os nossos interesses no Comissariado, que seria o nosso comissário. Mas não. Apesar de termos expresso a nossa vontade, a vontade da classe operária, é ainda necessário que o comissário que nós elegemos seja confirmado pelas autoridades… O proletariado é autorizado apenas a deixar-se ridicularizar. É-lhe permitido eleger representantes, mas o poder de Estado, com o seu direito de ratificar ou não as eleições, age como entende com os nossos representantes” [4].

Os sindicatos (e na realidade todos os outros organismos) estavam progressivamente a cair sob a alçada do Estado, já inteiramente nas mãos do Partido e dos elementos por ele nomeados. Mas, ainda que já tivesse havido uma clara mudança do poder para as mãos da burocracia emergente, a organização da classe operária e a sua consciência eram ainda suficientemente fortes para conseguir do Partido e dos chefes sindicais algumas concessões, pelo menos verbais. Os Comités de Fábrica autônomos já tinham sido nessa altura completamente esmagados, mas os operários ainda lutavam com ações defensivas nos próprios sindicatos. Procuravam preservar parte do seu antigo poder.

O Segundo Congresso dos Sindicatos “sancionou as disposições segundo as quais os sindicatos se tornavam agentes recrutados do exército, dos serviços logísticos, órgãos punitivos, etc.” [5]. Tomsky, por exemplo, acentuou “que no momento em que os sindicatos fixassem os salários e as condições de trabalho, as greves deixariam de ser toleradas. Era necessário pôr os pontos nos II”. Lenine falou da “inevitável estatização dos sindicatos”. (A pílula foi embrulhada num discurso acerca da educação dos operários pelos sindicatos na arte da administração, e do eventual “desaparecimento do Estado”). Lozovsky, que tinha abandonado o Partido, falou como internacionalista independente contra a política bolchevique relativamente aos sindicatos.

Foi aprovada uma resolução pedindo que “fossem oficialmente reconhecidas as prerrogativas administrativas dos sindicatos”. Essa resolução aludia à “estatização” (ogosudarstylenie) dos sindicatos “como uma função sua alargada e que se fundia com a máquina governamental da administração e controle industrial” [6]. O Comissário do Trabalho, V. V. Shmidt, aceitava que “os próprios órgãos do Comissariado do Trabalho deviam ser constituídos a partir do aparelho sindical” [7]. (Nessa altura havia nos sindicatos 3.500.000 membros. Eram 2.500.000 na altura do Primeiro Congresso dos Sindicatos, em Janeiro de 1918, e 1.500.000 na Conferência de Julho de 1917) [8].

O Segundo Congresso elegeu finalmente um Executivo com autoridade suprema no período entre os Congressos. Os decretos deste Executivo foram declarados “obrigatórios para todos os sindicatos da sua jurisdição e para cada membro desses sindicatos”. “A violação dos decretos e a insubordinação contra eles por parte dos sindicatos individuais levaria à sua expulsão da família dos sindicatos proletários” [9]. Claro que isto poria o sindicato fora do único campo de ação legal dentro do qual o regime bolchevique permitia a existência dos sindicatos.

2-7 DE MARÇO

Primeiro Congresso do Comintem (Terceira Internacional).

18-23 DE MARÇO

Oitavo Congresso do Partido.

As regiões da Ucrânia e do Volga tinham sido reocupadas pelo Exército Vermelho. Seguiu-se um período de relativa estabilidade. Mais tarde, ainda em 1919, os avanços de Denikin e de Yudenich ameaçaram Moscovo e Petrogrado respectivamente.

Uma vaga de críticas esquerdistas contra as tendências ultra-centralistas inundou o Oitavo Congresso.

Um novo programa do Partido foi discutido e aceite.

O ponto 5 da “Secção Econômica” estipulava que “o aparelho organizativo da indústria socializada deve basear-se em primeiro lugar nos sindicatos… Os sindicatos que, com as leis da República Soviética e com a prática quotidiana, participam já nas tarefas locais e centrais da administração industrial, devem proceder, de facto, à concentração nas suas próprias mãos (meu sublinhado) de toda a administração, de toda a economia, como uma única unidade econômica… A participação dos sindicatos na administração econômica e a canalização das grandes massas para este trabalho constitui também o método orientador da luta contra a burocratização do aparelho econômico” [10].

Este famoso parágrafo levantaria acaloradas controvérsias nos anos seguintes. Os “conservadores” do Partido acharam que ele ia longe de mais. Ryazanov preveniu o Congresso de que “não evitaremos a burocratização até que todos os sindicatos usufruam de todos os direitos na administração da produção” [11]. Por outro lado, todos os bolcheviques que tinham votado pela incorporação dos Comités de Fábrica na estrutura sindical (e que viram tarde de mais o seu erro) agarraram-se a essa cláusula como ao último bastião, procurando defendê-la contra todas as usurpações da burocracia do Partido. Deutscher [12] descreve o famoso “Ponto 5” como um “descuido sindicalista cometido pela chefia do Partido bolchevique num agradecimento sincero aos sindicatos pelo seu trabalho durante a Guerra Civil”. Ele descreve como Lenine e os outros chefes bolcheviques “se veriam, em breve, obrigados a dar grande número de explicações para invalidar essa promissória resolução com que o Partido tão solenemente e tão autoritariamente tinha presenteado os sindicatos”. A interpretação é discutível. Lenine não tinha o hábito de ter “descuidos” (sindicalistas ou outros) ou de ser influenciado por considerações como a “gratidão”. É mais provável que as relações de força no Congresso, ele próprio um pálido reflexo das atitudes da classe operária fora do Partido, tivessem compelido a chefia bolchevique a fazer uma retirada verbal. De qualquer maneira, a cláusula foi torneada por outras que em parte a invalidavam.

O programa proclamava que “o método socialista de produção só podia ser assegurado com base na disciplina e camaradagem operária”. Assegurava aos sindicatos “o papel primordial na criação dessa nova disciplina socialista”. “O ponto 8” incitava os sindicatos a convencer os operários da necessidade de trabalhar e de aprender com os técnicos burgueses; e de ultrapassarem a sua desconfiança “ultra-radical” em relação aos últimos… Os operários não podiam construir o socialismo sem um período de aprendizagem com a intelligentsia burguesa… O pagamento de altos salários e de prêmios aos especialistas burgueses foi portanto sancionado. Era o preço que o novo Estado proletário tinha de pagar aos técnicos e cientistas burgueses pelos serviços que não podia dispensar” [13].

Não podemos envolver-nos aqui numa discussão ampla acerca do papel dos “especialistas” após a revolução. O problema não é exclusivamente russo, embora das condições específicas do desenvolvimento russo resultasse um divórcio particularmente marcado entre técnicos e operários industriais. Certamente que os Conselhos Operários necessitarão de conhecimentos especializados de natureza técnica; o que já não é tão evidente é que aqueles que possuem atualmente esses conhecimentos tenham todos que encontrar-se no terreno da burguesia; e, além disso, não se vê por que razão esse saber, em si mesmo, daria a quem quer que seja o direito de impor decisões ou de gozar de benefícios materiais.

Estes problemas foram exaustivamente discutidos em algumas publicações; mas quase sempre em termos ou de um tosco oportunismo ou de “princípios básicos” imutáveis. As suas implicações teóricas só recentemente foram exploradas. Para Limon [14], a administração é em parte uma questão técnica. Mas as circunstâncias históricas nas quais a classe operária será compelida a empreendê-la fará com que aquela se lhes depare como uma tarefa eminentemente política e social. Ao nível quotidiano, no plano imediato e no plano humano os operários, na altura da revolução socialista, quase que inevitavelmente verão os técnicos e os especialistas não como seres humanos (que sucede terem também conhecimentos tecnológicos) mas exclusivamente como agentes da exploração do homem pelo homem.

O mundo capitalista é um mundo feiticista onde as relações entre as pessoas tendem a dissimular-se por detrás das relações entre as coisas. Mas no preciso momento em que as massas se revoltam contra esse estado de coisas, elas furam essa cortina de fumo. Descortinam para além do tabu das “coisas” e lançam-se num corpo a corpo contra as pessoas que até aí tinham “respeitado” em nome do santo feitiço conhecido como propriedade privada. Desde esse momento, o especialista, o administrador ou o capitalista, qualquer que seja a sua relação pessoal ou técnica para com a empresa, aparece aos operários como a encarnação da exploração, como o inimigo, como aquele que devem fazer desaparecer das suas vidas. Pedir aos operários, nessa altura, para tomarem uma atitude mais “ponderada”, para reconhecerem nos velhos patrões os novos “diretores técnicos”, os “especialistas indispensáveis”, é o mesmo que pedir aos operários, no preciso momento em que se estão a consciencializar do seu papel histórico e do seu poder social, no preciso momento em que finalmente confiam em si próprios afirmando a sua autonomia, que confessem a sua incompetência, a sua fraqueza, a sua insuficiência, e isto no assunto em que eles são mais sensíveis, aquele que acompanha diariamente as suas vidas desde a infância: o campo da produção.

A burocratização do próprio Partido provocou amargos comentários no Congresso. Osinsky declarou: “É necessário integrar no Comité Central operários numa escala alargada; é necessário introduzir no Comité Central uma quantidade suficiente de operários para o proletarizar” [15]. [Lenine chegaria à mesma conclusão… em 1923, pouco antes da célebre “promoção” dita “de Lenine”!]. Osinsky propôs que o Comité Central fosse alargado de 15 para 21 membros. Contudo era extremamente ingênuo esperar que essa introdução de proletários nos altos escalões da máquina administrativa pudesse, de certa maneira, compensar o facto da classe operária ter, por essa altura, perdido quase completamente o poder que tivera, por pouco tempo, no momento da produção.

O declínio dos Sovietes também foi discutido no Congresso. Os Sovietes deixaram de desempenhar um papel ativo na produção; e nos outros assuntos tinham um papel muito pequeno. Cada vez mais, as decisões eram tomadas pelos membros do Partido que se encontravam no “aparelho Soviético”. Os Sovietes tornaram-se meros órgãos de ratificação (simples distribuidores de carimbos oficiais). As teses de Sapronov e de Osinsky (segundo as quais o Partido não devia procurar “impor a sua vontade aos Sovietes”) foram completamente rejeitadas.

Os chefes do Partido fizeram pequenas concessões em todas essas questões. Mas o processo de apertar o controle, tanto no Partido como em toda a economia, continuou com ritmo inflexível. O Oitavo Congresso estabeleceu a Politburo, o Orgburo, e o Secretariado, que tecnicamente eram apenas subcomitês do Comité Central, mas que em breve assumiriam um tremendo poder. A concentração da autoridade decisória deu um passo em frente. “A disciplina do Partido” foi reforçada. O Congresso promulgou uma lei segundo a qual cada decisão devia ser, acima de tudo, cumprida. Só depois de ser cumprida é que era permitido apelar para os correspondentes órgãos do Partido [a]. “… Tudo o que respeita à deslocação dos camaradas que fazem trabalho de Partido está nas mãos do Comité Central. As suas decisões são obrigatórias para todos” [16]. A era das nomeações políticas, como processo de silenciar as críticas embaraçosas, tinha começado em força.

ABRIL

Auge da ofensiva de Kolchak nos Urais.

JUNHO

Sai o decreto que introduz “livretes de trabalho” para os operários de Moscovo e de Petrogrado.

OUTUBRO

Auge da ofensiva de Denikin no sul da Rússia. Yudenich dirige-se a Petrogrado.

2-4 DE DEZEMBRO

Oitava Conferência do Partido

A Oitava Conferência do Partido planeou um estatuto que definia rigidamente os direitos e deveres das células do Partido (fraktsya ou fracções) e elaborou um esquema feito de tal modo que deu ao Partido um papel de chefia em todas as organizações. “Um sindicalista comunista devia ser em primeiro lugar comunista e só depois sindicalista, e pelo seu comportamento disciplinado facultaria ao Partido a direção dos sindicatos” [17]. Com a degenerescência do Partido essa “chefia” viria a ter um papel cada vez mais pernicioso.

5-9 DE DEZEMBRO

Sétimo Congresso Pan-Russo dos Sovietes. (Houve dois desses Congressos em 1917 e quatro em 1918). Aprova-se uma resolução que favorece a administração colectiva da indústria [18]. No Congresso, Sapronov atacou os impopulares “glavki”, argumentando que eles representavam uma tentativa de substituir “a organização dos Sovietes pela organização em departamentos, o sistema democrático pelo sistema burocrático”. Outro interveniente declarou que se se perguntasse ao povo “o que se deveria destruir após a destruição de Denikin e de Kolchak, 90% diriam: os glavki e os centros” [19].

16 DE DEZEMBRO

Trotsky apresenta ao Comité Central do Partido as suas “Teses sobre a transição da guerra para a paz” (focando principalmente a questão da “militarização do trabalho”), pensando que a discussão não sairia do âmbito do Comité [20]. As decisões mais importantes, que afetavam as condições materiais da vida de milhões de trabalhadores russos, tinham de ser discutidas e decididas primeiramente à porta fechada, pelos chefes do Partido. No dia seguinte, a Pravda, sob a responsabilidade de Bukharin, publicou as teses de Trotsky “por engano” (na realidade como parte de uma campanha para desacreditar Trotsky). Para os mais perspicazes, o episódio foi altamente sintomático das tensões existentes na altura no interior do Partido.

Nessa altura, Lenine apoiou entusiasticamente as propostas de Trotsky. (Mais tarde toda uma mitologia foi construída pelos trotskistas e outros segundo o qual “Trotsky talvez se tivesse enganado na militarização do trabalho” mas que Lenine sempre se opôs a isso. Isso é mentira, pois Lenine só se opôs a Trotsky nessa questão doze meses mais tarde, no fim de 1920, como mostraremos adiante).

As propostas de Trotsky desencadearam “uma avalanche de protestos” [21]. Foi vaiado nas Conferências dos membros do Partido, de administradores e de sindicalistas.

Nesta altura talvez venha a propósito um comentário acerca da atitude dos revolucionários para com “as medidas drásticas” necessárias à salvação da Revolução. Através da história, as massas estiveram sempre preparadas para fazer enormes sacrifícios quando sentiam que estava em jogo qualquer coisa de fundamental. O verdadeiro problema não é, contudo, discutir se esta ou aquela medida foi ou não “demasiado drástica”. O problema é o de saber de quem proveio a decisão. Foi tomada por instituições controladas pele base ou foi tomada por algum organismo auto-nomeado e que se auto-perpetua divorciado das massas? Os membros do Partido opostos ás medidas propostas nessa altura viram-se numa contradição insolúvel. Denunciaram a política dos chefes do Partido sem realmente entenderem até que ponto as suas concepções organizativas tinham contribuído para o que estava a acontecer à Revolução. Só alguns membros da Oposição Operária de 1921 (até certo ponto) e o Grupo de Operários de Myasnikov de 1922 (em maior grau) começaram a aperceber-se da nova realidade.

27 DE DEZEMBRO

Com a aprovação de Lenine, o governo instituiu a Comissão da Obrigatoriedade do Trabalho, com Trotsky (ainda Comissário da Guerra) como seu presidente.

– Sexta parte: 1920


JANEIRO

Colapso dos Brancos na Sibéria. Bloqueio levantado pela Grã-Bretanha, França e Itália.

É publicado um decreto pelo Sovnarkom estabelecendo os regulamentos gerais da prestação universal de trabalho “para abastecer a indústria, a agricultura, os transportes e outros ramos da economia nacional com a força de trabalho na base de um plano econômico geral”. Qualquer pessoa podia ser recrutada para uma única tarefa ou periodicamente para várias formas de trabalho (agricultura, construção, abertura de estradas, alimentação, abastecimento petrolífero, limpeza de neve nas estradas e “medidas de reparação dos estragos aquando de calamidades públicas”).

Num espantoso à parte o documento afirmava que havia mesmo motivos para lamentar “a destruição do velho aparelho policial que tinha sabido registar os cidadãos não somente nas cidades mas também no campo” [1].

12 DE JANEIRO

Reunião do Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos.

Nas reuniões da fracção bolchevique, Lenine, e Trotsky pediram ambos com insistência a aceitação da militarização do trabalho. Somente 2 dos 60 ou mais dirigentes sindicais bolcheviques os apoiaram. “Até então, nunca Trotsky ou Lenine tinham defrontado tão forte oposição” [2].

10 A 21 DE JANEIRO

Terceiro Congresso dos Conselhos Econômicos.

Num discurso ao Congresso, Lenine declara: “O princípio colegial (gestão coletiva)… representa algo de rudimentar, válido num primeiro estágio quando é necessário construir desde o princípio… A transição para o trabalho prático está ligada à autoridade individual. Este é o sistema que melhor do que qualquer outro assegura a utilização ótima dos recursos humanos” [3].

A despeito desta exortação, a oposição aos pontos de vista de Lenine e Trotsky foi ganhando gradualmente terreno. O Congresso adotou uma resolução a favor da gestão coletiva da produção.

FEVEREIRO

Conferências regionais do Partido em Moscovo e Kharkov pronunciaram-se contra a “gestão de um só indivíduo”. O mesmo fez a facção bolchevique do Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos nas suas reuniões de Janeiro e Março [4]. Tomsky, dirigente sindicalista muito conhecido e membro do CCPRS, apresentou as suas “Teses” (“Sobre as Tarefas dos Sindicatos”) que foram aceites apesar da sua crítica implícita aos pontos de vista de Lenine e Trotsky. As teses de Tomsky anunciavam que “o princípio fundamental que rege o trabalho dos vários corpos executivos e administrativos deve continuar a ser a gestão coletiva. Tal princípio deve ser aplicado desde o Presidium do Vesenka até à gerência das fábricas. Só a gestão coletiva pode garantir por intermédio dos sindicatos a participação da imensa massa trabalhadora dos que não são membros do Partido”. Contudo, a gestão coletiva ainda era vista como um expediente e não um princípio básico. “Os sindicatos”, dizia Tomsky, “são as organizações mais competentes e interessadas na restauração da produção nacional e no seu correto funcionamento” [5].

A aprovação das teses de Tomsky por uma substancial maioria marca o cume da oposição, dentro do Partido, aos pontos de vista de Lenine. No entanto, era pouco provável que as resoluções solucionassem as divergências. Ambos os lados perceberam isso. Uma ameaça mais séria à liderança do Partido proveio dos esforços de alguns dissidentes do Partido na indústria para estabelecerem um centro independente do controle das organizações do Partido nos sindicatos. Criaram-se atritos entre o Partido e as autoridades sindicais a propósito da designação de membros do Partido para trabalho sindical. A fracção do Partido no Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos, dominada por “esquerdistas”, reivindicou a autoridade direta sobre os membros do Partido nos vários sindicatos industriais. Pouco antes do Novo Congresso a fracção do Partido no CCPR aprovou uma resolução que confirmaria esta reivindicação, fazendo com que todas as fracções do Partido nos sindicatos ficassem diretamente subordinadas à fracção do Partido no CCPRS em vez de o estarem às organizações geográficas do Partido. Isto criaria literalmente um Partido dentro do Partido, um corpo semi-autônomo englobando uma porção substancial dos membros do Partido… A simples existência de tal sub-partido interior seria contrária aos princípios centralistas, para não falar da possibilidade do seu domínio pelos adversários esquerdistas da liderança de Lenine… Era inevitável que a reivindicação sindical de autonomia dentro do Partido fosse rejeitada e quando tal resolução foi apresentada ao Orgburo foi precisamente isso que sucedeu” [6].

Todo o episódio teve repercussões interessantes. Confrontados com o conflito entre democracia e centralismo, os “centralistas democráticos” provaram que neste campo, como em tantos outros, as considerações centralistas eram dominantes. Propuseram uma resolução aprovada pela organização moscovita do Partido, com vista a que “a obediência ao Partido tivesse em todos os casos precedência sobre a obediência ao sindicato” [7]. Por outro lado, a Repartição do Sul do CCPR aprovou uma resolução sobre a autonomia dos sindicalistas do Partido semelhante à proposta pelo CCPR, e fê-la aprovar na Quarta Conferência Ucraniana do Partido.

MARÇO

O Segundo Congresso Pan-Russo dos Trabalhadores da Indústria Alimentar (sob a influência sindicalista) reuniu-se em Moscovo.

Censura o regime bolchevique por ter instaurado um “domínio ilimitado e incontrolável sobre o proletariado e o campesinato, um medonho centralismo levado ao absurdo… destruindo no país tudo o que é vivo, espontâneo e livre”. “A chamada ditadura do proletariado é, na verdade, uma ditadura sobre o proletariado exercida pelo Partido e até mesmo por alguns indivíduos” [8].

29 DE MARÇO A 4 DE ABRIL

Nono Congresso do Partido.

A Guerra Civil está quase ganha. O povo anseia por saborear, enfim, os frutos da sua revolução. Mas o Congresso decretou a continuação e extensão de alguns métodos do comunismo de guerra ao período de paz (recrutamento da força de trabalho, prestação obrigatória de trabalho, racionamento severo dos bens de consumo, pagamento dos salários em espécie, requisição da produção agrícola dos camponeses, em vez dos impostos). Os pontos mais controversos eram “a militarização do trabalho” e a “gestão de um só indivíduo” na indústria. Podem considerar-se as propostas apresentadas ao Congresso como representativas das opiniões de Lenine e de Trotsky relativas ao período da reconstrução industrial.

As opiniões de Trotsky sobre a questão da direção do trabalho eram fortemente influenciadas pela sua experiência como Comissário da Guerra. Tinham-se usado, em larga escala, na silvicultura e outros trabalhos, batalhões que aguardavam a desmobilização. Segundo Deutscher “mediava apenas um passo entre o emprego das forças armadas como batalhões de trabalho e a organização do trabalho civil em unidades militares” [9]. “Não se pode deixar a classe trabalhadora a vagabundar através da Rússia”, anunciou Trotsky no Congresso. “Devem ser colocados aqui e ali, ordenados, comandados, exatamente como soldados”. “O trabalho obrigatório atingirá o seu zénite durante a transição do capitalismo para o socialismo”. “Os desertores do trabalho devem ser reunidos em batalhões punitivos ou postos em campos de concentração”. Advogava ainda “prêmios incentivos para os trabalhadores eficientes”, “emulação socialista” e falava da “necessidade de adotar a essência progressiva do Taylorismo” [10].

Quanto à gestão industrial, as principais preocupações de Lenine e de Trotsky eram as da “eficiência econômica”. Tal como a burguesia (antes e depois deles), identificavam “eficiência” com gestão individual. Compreenderam no entanto que os operários dificilmente engoliriam esta pastilha. Teriam que proceder cuidadosamente.

A “gestão de um só indivíduo”, proclamava delicadamente a moção oficial, “não infringe ou limita em qualquer grau os direitos da classe trabalhadora ou os direitos’ dos sindicatos, porque a classe pode exercer o seu domínio de uma forma ou de outra, conforme as conveniências técnicas. É a classe dominante como um todo (novamente identificada com o Partido – Maurice Brinton) que, em todos os casos, nomeia as pessoas para os cargos de gestão e administração” [11]. Os seus cuidados eram justificados. Os trabalhadores não se tinham esquecido de que o Primeiro Congresso dos Sindicatos (Janeiro de 1919) tinha aprovado uma resolução que proclamava que “é tarefa do controle operário pôr termo à autocracia no terreno económico, tal como o tinha feito no campo político” [12]. Foram delineados em breve vários modelos de gestão industrial [13]. Ao esboçarem-nos, é pouco provável que quer Lenine quer Trotsky se tivessem embaraçado com quaisquer considerações doutrinárias, como as de Kritzman, o teórico do comunismo de “esquerda”, que tinha definido a gestão coletiva como “a marca distintiva e específica do proletariado… distinguindo-o de todas as outras classes sociais… o mais democrático princípio de organização” [14]. Na medida em que tinha uma opinião de princípio sobre o assunto, Trotsky apressou-se a declarar que a gestão colectiva era “uma ideia menchevique”. No Nono Congresso, Lenine e Trotsky foram veementemente atacados pelos Centralistas Democráticos (Osinsky, Sapronov, Preobrazhensky). Smirnov, manifestamente à frente do seu tempo, perguntou por que razão sendo a gestão de um só indivíduo uma ideia tão boa, a não praticavam no Sovnarkom (Conselho dos Comissários do Povo). Lutovinov, o chefe dos metalúrgicos, que desempenharia um papel importante no desenvolvimento da Oposição Operária no fim desse ano, acrescentou que “a cabeça responsável por cada ramo da indústria só podia ser o sindicato da produção. E da indústria como um todo só pode ser o Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos; não pode ser doutra maneira” [15]. Chlyapnikov pediu explicitamente uma “separação de poderes” entre o Partido, sovietes e sindicatos [16]. Falando pelos Centralistas Democráticos, Osinsky apoiou a ideia de Chlyapnikov. Observou que se assistia a um “choque de várias culturas” (a cultura “soviético-militar”, a cultura “soviético-civil” e o “movimento sindical que criou a sua própria esfera de cultura”). Era portanto incorreto aplicar a todas as culturas alguns métodos particulares (como a militarização) que eram corretos apenas para uma delas [17]. Eis um caso flagrante de como se pode cair na armadilha armada por si mesmo.

No que se refere à “gestão de um só indivíduo”, os Centralistas Democráticos também tinham uma posição que não ia ao âmago da questão. Uma resolução que tinham votado na anterior Conferência Provincial de Moscovo do Partido minimizava o assunto. “A questão do sistema colegial (gestão coletiva) e autoridade individual não é uma questão de princípio, mas sim prática. Deve ser decidida em cada caso particular conforme as circunstâncias” [18]. Embora reconhecendo corretamente que a gestão coletiva não tinha por si só virtudes implícitas, não foram capazes de reconhecer que o problema real era o da relação entre a gestão (coletiva ou individual) e os que eram geridos. O problema real era de quem retiravam a sua autoridade “o gerente” ou “os gerentes”.

Lenine estava decidido a não fazer quaisquer concessões no que se referia à autonomia dos sindicatos: “o Partido Comunista Russo não pode concordar, em caso algum, que apenas a direção política pertença ao Partido, enquanto a direção econômica pertenceria aos sindicatos” [19]. Krestinsky denunciou as ideias de Lutovinov como um “anarco-sindicalismo de contrabando” [20]. Por instigação de Lenine, o Congresso pediu aos sindicatos que “explicassem às grandes massas trabalhadoras que a reconstrução industrial só pode ser levada a cabo reduzindo ao mínimo a administração coletiva e introduzindo a gestão individual em unidades diretamente envolvidas na produção” [21].

A gestão individual seria aplicada a todas as instituições desde os Trusts Estatais até às fábricas individuais”. O princípio eletivo deve ser, agora, substituído pelo princípio seletivo” [22]. A gestão coletiva era “utópica”, “impraticável” e “prejudicial” [23]. O Congresso apelou também para uma luta “contra os preconceitos ignorantes de elementos demagógicos… que pensam que a classe trabalhadora pode resolver os seus problemas sem recorrer a especialistas burgueses nos postos de maior responsabilidade”. “Não pode haver lugar nas fileiras do Partido do socialismo científico para tais elementos demagógicos que jogam com esse tipo de preconceito das camadas retrógradas dos trabalhadores” [24].

O Nono Congresso decidiu explicitamente que “nenhum grupo de sindicatos poderia intervir diretamente na gestão industrial” e que “os Comités de Fábrica devem devotar-se a problemas de disciplina do trabalho, de propaganda e de educação dos trabalhadores” [25].

Para evitar qualquer reincidência de tendências “independentes” entre os dirigentes dos sindicatos, os conhecidos “proletários” Bukharin e Radek foram deslocados para o Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos como representantes da chefia do Partido com a missão de vigiar a atuação do CCPR [26].

Tudo isso, evidentemente, estava em flagrante contradição com o espírito das decisões tomadas um ano antes, no Oitavo Congresso do Partido, e em particular com o famoso Ponto 5 da Secção Económica do Programa do Partido de 1919. Isso ilustra, bastante bem, quanto a classe trabalhadora se tornou vulnerável, uma vez forçada a abandonar o seu poder real, o poder que detinha na produção, em troca de um substituto duvidoso: o poder político representado pelo poder do “seu” Partido. A política advogada por Lenine devia ser rigorosamente seguida. No fim de 1920, das 2051 empresas importantes e de que se dispunham dados, 1783 já estavam sob “gestão de um só indivíduo” [27].

No Nono Congresso do Partido também se efetuaram mudanças relativas ao regime interno do Partido. O Congresso tinha aberto com uma tempestade de protestos relativos a este assunto. Os Comités Locais do Partido (em princípio, democráticos na forma) tornaram-se subservientes para com os “departamentos políticos” locais, burocraticamente constituídos. “Com a instituição de tais corpos, toda a atividade política na oficina, indústria, organização ou localidade sob a sua jurisdição, ficou sob rígido controle de cima… Esta inovação… copiada do exército… foi concebida para transmitir propaganda à base e não para levar as opiniões da base ao topo” [28]. Faziam-se frequentes concessões verbais, entre repetidos apelos à unidade. Tanto no Congresso como mais tarde, ainda esse ano, “os dissidentes cometeram o erro de concentrarem os seus esforços em tentativas de reorganização das instituições políticas de cúpula, para remodelar as formas de controle político ou para introduzir sangue novo entre os dirigentes, deixando, entretanto, as verdadeiras fontes do poder quase intactas… A organização, como ingenuamente acreditavam, era a arma mais eficaz contra a burocracia” [29].

Finalmente, o Nono Congresso deu ao Orgburo (constituído um ano antes e composto por 5 membros do Comité Central) o direito de transferir e nomear membros do Partido sem consultar o Politburo. Como já tinha acontecido, e viria a acontecer várias vezes, as mudanças retrógradas na política industrial andavam a par-e-passo com as mudanças retrógradas na estrutura interna do Partido.

ABRIL

Trotsky foi colocado à cabeça do Comissariado dos Transportes mantendo porém o seu posto na Defesa. “O Politburo prometeu apoiá-lo em qualquer ação por ele empreendida, por mais severa que fosse” [30].

Aqueles que acalentam o mito de uma pretensa oposição leninista aos métodos de Trotsky nesta altura, tomem nota.

6 A 15 DE ABRIL

Terceiro Congresso Pan-Russo dos Sindicatos.

Trotsky declarou que “a militarização do trabalho… é o método básico indispensável à organização da força de trabalho (…) Será verdade que o trabalho obrigatório é sempre improdutivo?… Esse é o preconceito liberal mais vil e miserável: a escravatura também foi produtiva”… “o trabalho… obrigatório para todo o país, compulsivo para todos os trabalhadores, é a base do socialismo”. “Quanto à remuneração… não deve ser considerada sob o ponto de vista de assegurar a existência pessoal do trabalhador individual” mas deve “medir o grau de consciência e eficiência no trabalho de cada trabalhador” [31]. Trotsky acentuou que a coerção, regimentação e militarização do trabalho não eram simples medidas de emergência. O Estado dos trabalhadores tinha o direito, numa situação normal, de coagir qualquer cidadão a fazer qualquer trabalho e em qualquer altura [32]. A filosofia do trabalho do Trotsky foi uma previsão, no verdadeiro sentido da palavra, da política do trabalho praticada por Staline nos anos trinta.

Neste Congresso, Lenine gabou-se publicamente de ter apoiado a gestão de um só indivíduo desde o início. Declarou que em 1918 tinha “assinalado a necessidade de reconhecer a autoridade ditatorial de um indivíduo com o fim de realizar a ideia soviética” [33] e que nessa altura “não havia disputas à volta desse assunto (da gestão de um só indivíduo)”. Esta última afirmação é declaradamente falsa, mesmo se nos restringirmos aos membros do Partido. Para o provar temos os números do Kommunist.

JUNHO A JULHO

Tinha havido muito pouca mudança, se é que houve alguma, na dura realidade da vida da classe operária russa, até meados de 1920. Os anos de guerra, guerra civil e guerras de intervenção, conjugados com a devastação, sabotagem, seca, fome e o nível inicial muito baixo das forças produtivas, tornaram as melhorias materiais difíceis. Mas agora o próprio horizonte se turvava. Na Rússia “Soviética” de 1920 os trabalhadores industriais estavam “de novo sujeitos à autoridade dos gerentes, à disciplina no trabalho, aos incentivos monetários, à gestão “científica”, a todas as formas habituais de organização industrial capitalista com os mesmos gerentes burgueses, só que agora as empresas eram propriedade do Estado” [34].

Um professor “branco” que chegou a Omsk no Outono de 1919 vindo de Moscovo relata que “à cabeça de muitos dos centros e glavki estavam antigos patrões, oficiais responsáveis e homens de negócio. Quem, desprevenidamente, visitasse os centros e estivesse familiarizado com o antigo mundo comercial e industrial, surpreender-se-ia por ver os antigos proprietários de importantes fábricas de curtumes nos Glavkozh, grandes empresários na Central das organizações têxteis, etc” [35].

Nestas circunstâncias, não é de surpreender que a unidade fictícia conseguida no Nono Congresso não durasse senão uns meses. Ao longo do Verão e do Outono, as diferenças de opinião em assuntos como a burocracia no seio do Partido, as relações dos sindicatos com o Estado e mesmo a natureza de classe do próprio Estado, radicalizaram-se. Apareceram grupos de Oposição a quase todos os níveis. No fim deste ano (depois da conclusão da guerra Russo-Polaca) o descontentamento reprimido veio ao de cima. A autoridade de Lenine foi posta em causa em grau nunca atingido desde o movimento dos comunistas de “esquerda” dos princípios de 1918.

JULHO

Publicação do clássico de Trotsky “Terrorismo e Comunismo” (imediatamente antes do Segundo Congresso da Internacional Comunista). Essa obra apresenta o ponto de vista de Trotsky acerca da organização “socialista” do trabalho na sua forma mais acabada, mais lúcida e menos ambígua. “A organização do trabalho é na sua essência a organização da nova sociedade: todas as formas históricas de sociedade são fundamentalmente formas de organização do trabalho” [36]. “A criação da sociedade socialista significa a organização dos trabalhadores em bases novas, a sua adaptação a essas bases e a reeducação do seu trabalho, sempre com o fim de aumentar a produtividade do trabalho” [37]. O “Salário tanto em dinheiro como em espécie deve estar intimamente ligado à produtividade do trabalho individual. Sob o capitalismo, o sistema de trabalho à peça e por empreitada, a aplicação do sistema de Taylor, etc., têm como objetivo aumentar a exploração dos trabalhadores extorquindo-lhes mais-valia. Sob a produção socialista, o trabalho à peça, os prêmios, etc., têm como fim o aumento de volume do produto social… os trabalhadores que mais fizerem pelo interesse geral têm o direito de receber maior quantidade do produto social que os preguiçosos, descuidados e desorganizadores” [38]. “O próprio princípio do trabalho obrigatório é para os comunistas uma questão indiscutível… a única solução para as dificuldades econômicas, correta sob o ponto de vista dos princípios e da prática, é tratar a população de todo o país como o reservatório da necessária força de trabalho, um reservatório quase inesgotável, e introduzir uma ordem severa no trabalho, no seu registo, mobilização e utilização” [39]. “A introdução da prestação de trabalho obrigatório é inimaginável sem a aplicação, em maior ou menor grau, dos métodos da militarização do trabalho” [40]. “Os sindicatos devem disciplinar os trabalhadores e ensiná-los a colocar os interesses da produção acima das suas necessidades e reivindicações”. “O jovem Estado dos Trabalhadores necessita de sindicatos, não para lutar por melhores condições de trabalho, essa é a tarefa do conjunto das organizações sociais e estatais, mas para organizar a classe operária com o fim de produzir” [41]. “Seria um erro crasso confundir a questão da supremacia do proletariado com a questão dos conselhos de operários na chefia das fábricas. A ditadura do proletariado é expressa pela abolição da propriedade privada dos meios de produção, pela supremacia sobre todo o mecanismo soviético da vontade coletiva dos trabalhadores (um eufemismo para Partido – Maurice Brinton) e de forma alguma pela administração de empresas econômicas individuais” [42]. “Considero que se a guerra civil não tivesse eliminado os mais fortes, mais independentes, mais ativos dos nossos órgãos econômicos, teríamos trilhado o caminho da gestão de um só indivíduo na esfera da administração econômica muito mais cedo e de uma maneira muito menos penosa” [43].

AGOSTO

Devido à guerra civil (e a outros fatores raramente mencionados, tais como a atitude dos ferroviários para com o “novo” regime), os caminhos de ferro russos tinham praticamente deixado de funcionar. Concederam-se a Trotsky, Comissário dos Transportes, vastos poderes de emergência para experimentar as suas teorias sobre “militarização do trabalho”. Começou por colocar os maquinistas e pessoal das reparações sob a lei marcial. Quando o sindicato dos ferroviários protestou, ele demitiu pura e simplesmente os seus dirigentes e, com o apoio completo e total e a aprovação da chefia do Partido, “nomeou outros, dispostos a sujeitarem-se. Repetiu o processo noutros sindicatos de trabalhadores dos transportes” [44].

PRINCÍPIOS DE SETEMBRO

Constituição do Tsektran (Órgão Administrativo Central dos Caminhos de Ferro). Criação típica de Trotsky, foi conseguida pela fusão forçada do Comissariado dos Transportes, dos sindicatos dos Caminhos de Ferro e dos órgãos do Partido (“departamentos políticos”) com eles relacionados. A totalidade dos transportes ferroviários e sistema de transportes fluviais ficaram sob a autoridade do Tsektran. Trotsky foi nomeado seu chefe. Dirigiu o Tsektran segundo moldes estritamente militares e burocráticos. “O Politburo apoiou-o incondicionalmente, tal como tinha prometido” [45]. Os Caminhos de Ferro voltaram a funcionar. Mas o que isso custou à imagem do Partido for incalculável. Aqueles que se espantam por Trotsky ter sido incapaz, alguns anos mais tarde, de obter o apoio das massas russas para a sua luta no interior do aparelho contra a burocracia “estalinista”, deveriam meditar nestes episódios.

22 A 25 DE SETEMBRO

Nona Conferência do Partido.

Zinoviev apresentou o relatório oficial em nome do Comité Central. Sapronov apresentou um relatório em nome dos “Centralistas-Democráticos” que estavam bem representados. Lutovinov falou pela recém-formada Oposição Operária. Pugnou pela instituição imediata de todas as medidas da democracia proletária, pela rejeição total do sistema de nomeações pelo topo e sua substituição pela eleição nominal, e pela depuração dos elementos carreiristas, que se alistavam aos magotes no Partido. Também pediu que o Comité Central se abstivesse de intervir constantemente e de modo excessivo na vida dos sindicatos e sovietes.

Os dirigentes tiveram que recuar. Zinoviev escusou-se a responder às principais reclamações. Aprovou-se uma resolução que acentuava a necessidade de “igualdade completa no seio do Partido” e denunciava “a dominação dos membros da base por burocratas privilegiados”. A resolução obrigara o Comité Central a utilizar o método das “recomendações” em vez das nomeações pelo topo e a abster-se de “transferências disciplinares por motivos políticos” [46].

Apesar destas concessões verbais, a chefia, por intermédio do seu porta-voz Zinoviev, conseguiu que a Conferência de Setembro aprovasse a constituição das Comissões de Controle Regional e Central. Estas tiveram um papel importante no acréscimo da burocratização do Partido, quando os indivíduos a quem inicialmente coube essa missão (Dzerzhinsky, Preobrazhensky e Muranov) foram substituídos pelos testas de ferro de Staline.

OUTUBRO

Assinatura do Tratado de Paz com a Polônia.

2 A 6 DE NOVEMBRO

Quinta Conferência Pan-Russa dos Sindicatos.

Trotsky declara que a duplicação de sindicatos e órgãos administrativos era responsável pela confusão reinante e que tinha de ser eliminada. Isso só podia ser realizado pela transformação dos sindicatos (professionalny) em uniões de produção (proizvodstvenny). Se os dirigentes sindicais se opusessem seriam “sacudidos” como o tinham sido os dirigentes do sindicato dos Caminhos de Ferro. Tinha sido pronunciada a “palavra chave” (Lenine)!

14 DE NOVEMBRO

O General Wrangel evacua a Crimeia. Fim da guerra civil.

NOVEMBRO

Conferência do Partido na Província de Moscovo.

Os grupos de oposição no seio do Partido crescem rapidamente. A recém-formada Oposição Operária, os Centralistas-Democráticos e o grupo de Ignatov (uma fracção local de Moscovo intimamente relacionada com a Oposição Operária com a qual se fundiria mais tarde) apresentaram 124 delegados a esta Conferência contra 154 favoráveis ao Comité Central [47].

8 A 9 DE NOVEMBRO

Reunião Plenária do Comité Central.

Trotsky submete ao Comité Central um “esboço preliminar” de teses intitulado “Os sindicatos e o seu papel futuro”, que seria publicado mais tarde, a 25 de Dezembro, ligeiramente alterado sob a forma de panfleto: “O papel e tarefa dos sindicatos”. “É necessário começar a reorganizar imediatamente os sindicatos, isto é, a escolher o seu pessoal dirigente” (Tese 5). Embriagado com o seu êxito, Trotsky ameaça “sacudir” de novo vários sindicatos da maneira como tinha “sacudido os sindicatos dos transportes” [48].

O que era necessário era “substituir os agitadores irresponsáveis (sic!) por sindicalistas preocupados com a produção” [49]. As teses de Trotsky foram votadas e derrotadas pela margem mínima de 8 votos contra 7. Nessa altura, Lenine “dissociou-se bruscamente de Trotsky e persuadiu o Comité Central a fazer o mesmo” [50]. Como alternativa, Lenine propôs uma resolução que foi aprovada por 10 votos contra 4. Preconizava a “reforma do Tsektran”, advogava “formas concretas de militarização do trabalho” [51] e proclamava que “o Partido devia educar e apoiar um novo tipo de sindicalista, o organizador enérgico e imaginativo da economia que abordaria os assuntos econômicos segundo o ponto de vista da expansão da produção e não da distribuição e consumo” [52]. O ponto de vista dominante era nitidamente este último. O “erro” de Trotsky foi tê-lo desenvolvido até à sua conclusão lógica. Mas o Partido necessitava de um bode expiatório. A Reunião Plenária “proibiu Trotsky de falar em público sobre as relações entre os sindicatos e o Estado” [53].

2 DE DEZEMBRO

Trotsky, num discurso à Reunião Plenária alargada do Tsektran, declarou que “um serviço oficial competente e hierarquicamente organizado tinha os seus méritos. A Rússia sofria, não de um excesso de burocracia, mas da falta de uma burocracia eficiente” [54].

“A militarização dos sindicatos e a militarização dos transportes exigia uma militarização ideológica interna” [55]. Posteriormente, Staline descreveria Trotsky como “o patriarca dos burocratas” [56]. Quando o Comité Central o repreendeu de novo, “Trotsky, irritadamente, lembrou a Lenine, aos outros membros, a frequência com que eles tinham instado junto dele, em privado… para que atuasse implacavelmente e sem considerações democráticas. Era desleal da parte deles… pretenderem, em público, estar a defender o princípio democrático contra ele (Trotsky NtfT)” [57].

7 DE DEZEMBRO

Numa Reunião Plenária do Comité Central, Bukharin apresentou uma resolução sobre a “democracia industrial”. Estes termos enfureceram Lenine. Eram “um floreado verbal”, “uma frase ardilosa”, “confusa”, “um pasquim”. “A indústria é sempre necessária. A democracia nem sempre é necessária. O termo democracia industrial dá origem a um sem número de ideias completamente falsas” [58]. “Pode dar a ideia de que se está a repudiar a ditadura e a gestão de um só indivíduo” [59]. “Sem prêmios em gêneros e tribunais disciplinares era pura e simplesmente uma balela” [60].

A oposição mais dura aos esquemas da “militarização do trabalho de Trotsky” vieram das secções do Partido mais enraizadas nos sindicatos. Alguns destes membros do Partido não só dominavam o Conselho Sindical como também “eram os beneficiários diretos da doutrina que advogava a responsabilidade sindical autônoma” [61]. Por outras palavras, já eram, parcialmente, burocratas sindicais. Em parte, foi a partir destes elementos que a Oposição Operária se desenvolveu.

Nesta altura, contudo, o aparelho político-econômico dirigente era bastante diferente daquele a cujo aparecimento assistimos em 1918. Apenas em pouco mais de 2 anos o aparelho do Partido tinha conquistado um controle político do Estado incontestado (por intermédio dos sovietes burocratizados). Também tinha conquistado um controle quase completo do aparelho econômico (por intermédio dos dirigentes sindicais e gerentes industriais nomeados). Os vários grupos tinham adquirido a competência e experiência necessárias para se tornarem numa categoria social com uma função específica: a de gerir a Rússia. A sua fusão era inevitável.

22 A 29 DE DEZEMBRO

Realizou-se em Moscovo o Oitavo Congresso Pan-Russo dos Sovietes. Ele proporcionou a oportunidade para um debate público de pontos de vista divergentes sobre a questão dos sindicatos, que se tinha desenvolvido no seio do Partido e que já não se podia restringir a ele.

Pode-se avaliar o grau da oposição que se tinha desenvolvido a politica oficial do Partido pelo discurso de Zinoviev: “Estabeleceremos contatos mais íntimos com as massas trabalhadoras. Realizaremos reuniões nos aquartelamentos, no campo e nas fábricas. As massas trabalhadoras… perceberão, então, que não estamos a brincar quando proclamamos que vai começar uma nova era, que, assim que recuperarmos o fôlego, transferiremos as nossas reuniões políticas para as fábricas… Perguntam-nos o que queremos dizer com democracia operária e campesina. Eu respondo nem mais nem menos do que queríamos dizer com essa frase em 1917. Devemos restabelecer o princípio eletivo na democracia operária e campesina… Se privamos dos direitos democráticos mais elementares os operários e camponeses, é altura de acabar com esse estado de coisas” [62].

A preocupação de Zinoviev pela democracia pouco contava, visto ser motivada pelas querelas entre facções (fazia parte da campanha para desacreditar Trotsky). Os oradores públicos da época que quisessem provocar o riso da audiência conseguiam-no facilmente escolhendo cuidadosamente afirmações de Zinoviev sobre os direitos democráticos [63].

30 DE DEZEMBRO

Realiza-se uma reunião conjunta da fracção do Partido ao Oitavo Congresso dos Sovietes, de membros do Partido no Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos e de membros do Partido numa série de organizações, no Teatro Bolshoi, Moscovo, para discutir a “questão sindical”. Todos os protagonistas principais estavam presentes para defender a sua causa. Podem resumir-se os vários pontos de vista, tal como foram expostos na reunião (ou apresentados em artigos escritos na altura ou nas semanas seguintes), desta maneira [64]:

Trotsky, e sobretudo Bukharin, modificam as suas propostas originais de modo a formarem um bloco no Congresso.

Para Lenine, os sindicatos eram “reservatórios do poder estatal”. Deviam fornecer uma base social alargada “para a ditadura do proletariado exercida pelo Partido”, base essencial tendo em vista a natureza camponesa predominante do país. Os sindicatos deviam ser a “ligação” ou “correia de transmissão” entre o Partido e a massa de trabalhadores sem partido. Os sindicatos não podiam ser autónomos. Não podiam ter um papel independente em iniciativas ou realizações políticas. Tinham que estar fortemente influenciados pelo pensamento do Partido e empreenderiam a educação política das massas segundo linhas determinadas pelo Partido. Assim transformar-se-iam em “escolas de comunismo” para os seus 7 milhões de membros [a] O Partido seria o professor. “O Partido Comunista Russo, na pessoa das suas organizações regionais e centrais, guia incondicionalmente, como o tem feito até aqui, todo o aspecto ideológico do trabalho dos sindicatos” [65].

Lenine sublinha que os sindicatos não podem ser instrumentos do Estado. A premissa de Trotsky, de que os sindicatos já não precisam de defender os operários visto o Estado ser um estado operário, é falsa. “O nosso Estado está de tal maneira organizado que a totalidade do proletariado organizado deve defender-se: nós (sic) devemos usar estas organizações operárias para defender os operários do seu próprio Estado e também para que os operários defendam o nosso Estado”.

(As palavras em negro são muitas vezes omitidas quando se cita esta famosa passagem).

Segundo Lenine não devia considerar-se a militarização como uma característica permanente da política do trabalho socialista. Tinha de se usar a persuasão tanto como a coerção. Se era normal (sic!) a nomeação de dirigentes pelo Estado (entre isto e as afirmações de 20 de Maio de 1917 medeia uma enorme distância – Maurice Brinton) seria pouco prático que os sindicatos fizessem o mesmo. Os sindicatos podiam fazer sugestões para certas tarefas econômico-administrativas e deviam cooperar no planeamento. Deviam inspecionar, por intermédio de departamentos especializados. o trabalho da administração econômica.

A fixação das remunerações devia ser transferida para o Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos. No que se refere ao salário, tinha que se combater o igualitarismo extremista da Oposição Operária. A política salarial tinha de ser elaborada com o fim de “disciplinar o trabalho e aumentar a produtividade” [66]. Os membros do Partido “já tinham tido demasiada conversa sobre princípios no (Instituto) Smolny. Agora, 3 anos depois, há decretos que regem todos os aspectos do problema da produção” [67]. “As decisões sobre a militarização do trabalho, etc., foram incontroversas e de modo algum retirarei os meus sarcasmos a propósito das referências à democracia feitas pelos que contestaram essas decisões… estenderemos a democracia às organizações operárias, mas não faremos dela um ídolo…” [68] Trotsky reafirma a sua crença em que “a. transformação dos sindicatos em uniões de produção… constitui a maior tarefa da nossa época”. “Os sindicatos deviam sistematicamente avaliar a qualidade dos seus membros segundo o ponto de vista da produção e deviam possuir uma descrição permanente, completa e precisa da produtividade de cada trabalhador”. Os corpos dirigentes dos sindicatos e da administração económica deviam ter em comum um terço ou metade dos seus membros de modo a evitar qualquer antagonismo entre eles. Deviam-se autorizar os técnicos e administradores burgueses, que se tinham tornado membros de pleno direito de um sindicato, a exercerem cargos de gerência, sem a supervisão de comissários. Depois de se ter assegurado um salário-mínimo real para todos os operários, era necessário estimular a concorrência entre os operários no “trabalho de choque” (udarnichestvo) na produção.

Os pontos de vista de Bukharin evoluíram rapidamente. As teses que agora advogava eram uma tentativa de estabelecer uma ponte entre o ponto de vista oficial do Partido e o da Oposição Operária. Tinha que haver “democracia operária na produção”. “A governamentalização dos sindicatos” tinha que ser acompanhada pela “sindicalização do Estado”. “O fim lógico e histórico” desse processo “não será a absorção dos sindicatos pelo Estado proletário, mas o desaparecimento de ambas as categorias, tanto os sindicatos como o Estado, e a criação de uma terceira: a sociedade organizada em princípios comunistas” [69]. Lenine atacou a plataforma de Bukharin considerando-a como “uma quebra completa com o comunismo e a transição para uma posição sindicalista” [70]. “Destrói a necessidade do Partido”. “Se os sindicatos, em que 9/10 dos membros são trabalhadores que não são do Partido, nomeia os gestores da indústria, para que é que serve o Partido?” [71] “Portanto”, acrescentou ameaçadoramente, “de pequenas divergências ‘passamos’ a um desvio sindicalista, o que significa uma ruptura completa com o comunismo e uma cisão inevitável no Partido” [72]. Podem encontrar-se outros ataques de Lenine a Bukharin no seu famoso artigo “Novamente os Sindicatos…”, que critica as posições de Trotsky [73].

Os pontos de vista da Oposição Operária foram explicitados, na reunião de Moscovo, por Chlyapnikov, operário metalúrgico (e mais tarde elaborados de modo mais completo por Kollontai e outros). Explícita ou implicitamente, a Oposição Operária preconizava o domínio do Estado pelos sindicatos. “A Oposição Operária referia-se, evidentemente, ao ‘Ponto 5’ do Programa de 1919 e acusava os dirigentes do Partido de terem violado as suas promessas aos sindicatos… Nos dois últimos anos, os dirigentes do Partido e dos organismos governamentais restringiram sistematicamente o alcance do trabalho sindical e reduziram quase que a zero a influência da classe operária… O Partido e as autoridades econômicas foram invadidos por burgueses e elementos não-proletários, que manifestaram hostilidade aberta para com os sindicatos… O remédio era a concentração da gestão industrial nas mãos dos sindicatos”. A transição deveria ser efetuada a partir da base. “Ao nível de fábrica, os Comités de Fábrica deveriam reconquistar a sua antiga posição dominante”. (Os bolcheviques levaram muito tempo para chegar a essa conclusão! – Maurice Brinton.) A Oposição Operária propôs maior número de representantes sindicais nos vários organismos de controle. “Não se devia nomear uma única pessoa para qualquer cargo administrativo ou económico sem o consentimento dos sindicatos… Os dirigentes nomeados pelos sindicatos são responsáveis pela sua conduta perante os sindicatos, que também deviam ter o direito de revogá-los em qualquer altura. O programa culmina com a exigência da convocação de um ‘Congresso Pan-Russo dos Produtores’ para eleger a gerência nacional. De modo semelhante deveriam realizar-se Congressos Nacionais dos vários sindicatos para eleger a gerência dos vários ramos da economia. A gerência local e regional devia ser formada por conferências sindicais, enquanto que a gestão das fábricas individuais pertencia aos Comités de Fábrica, que deveriam formar uma parte da organização sindical”… “Deste modo” afirma Chlyapnikov, “unifica-se a vontade que é um fator essencial na organização da economia, e também a possibilidade real da influência da iniciativa das mais vastas camadas trabalhadoras na organização e desenvolvimento da nossa economia” [74].

Last but not least, propunha uma revisão radical da política salarial dentro de um espírito extremamente igualitário: a remuneração monetária devia começar a ser progressivamente substituída por remuneração em gêneros. A Oposição Operária representava indiscutivelmente – no interior do Partido – uma tentativa tardia para manter os ideais revolucionários de O Estado e a Revolução no campo da participação autônoma e democrática das massas nas funções de direção da economia.

– Sétima parte: 1921


JANEIRO

O Comitê de Petrogrado do Partido, fortemente leninista (nas mãos de Zinoviev), lança uma campanha “oficial” preparatória do Décimo Congresso. Antes do Congresso foram tomadas numerosas medidas administrativas para assegurar a derrota da Oposição. Algumas dessas medidas eram tão irregulares que o Comité do Partido de Moscovo em determinada altura votou uma resolução censurando publicamente a organização de Petrogrado “pela não observação das regras de uma discussão correta” [1].

13 de JANEIRO

O Comité de Moscovo do Partido denunciou a “tendência da organização de Petrogrado pára se transformar num centro especializado na preparação de Congressos do Partido” [2]. Os leninistas estavam a usar a organização de Petrogrado como base de pressão sobre o resto do Partido. O Comité de Moscovo insistiu junto do Comité Central para que este “assegurasse uma distribuição equitativa de material e de oradores… de tal maneira que todos os pontos de vista estivessem representados” [3]. Esta recomendação foi descaradamente violada. No Congresso, KoIlontai afirmou que a circulação da sua brochura tinha sido deliberadamente boicotada [4].

14 DE JANEIRO

Publicação da “Plataforma dos 10” (Artem, Kalinin, Kamenev, Lenin, Lozovsky, Petrovsky, Rudzutak, Stain, Tomsky e Zinoviev). Esse documento apresentou, em forma mais elaborada, as teses de Lenine ao Congresso.

16 DE JANEIRO

A Pravda publica a plataforma de Bukharin, descrita por Lenine como o “suprassumo da desintegração ideológica” [5].

21 DE JANEIRO

Num artigo da Pravda sobre a crise do Partido, Lenine escreve: “Neste momento acrescentamos à nossa plataforma o seguinte: temos de combater a confusão ideológica dos elementos nocivos da oposição que chegam ao ponto de repudiar toda a ‘militarização da economia’, de repudiar não só o ‘método da nomeação’ que tem sido o método predominante até agora, mas inclusive todas as nomeações. Em última instância, isso significa repudiar o papel dirigente do Partido em relação às massas sem-Partido. Temos de combater o desvio anarco-sindicalista que matará o Partido se este não o eliminar completamente”. Pouco depois, Lenine escreveria que “o desvio anarco-sindicalista conduz à queda da ditadura do proletariado” [6]. Por outras palavras, o poder da classe operária (“a ditadura do proletariado”) é impossível se houver militantes no Partido que pensam que a classe operária deve ter mais poder na produção (“o desvio anarco-sindicalista”) [a].

Reunião da fracção comunista durante o Segundo Congresso do Sindicato dos Mineiros. Kiselev, um mineiro, defendeu a plataforma da Oposição Operária, que obteve 62 votos – contra 137 para a plataforma leninista e 8 para a de Trotski [7].

25 DE JANEIRO

A Pravda publica as “Teses sobre os Sindicatos” da Oposição Operária. Alexandra Kollontai publica “A Oposição Operária”, que desenvolve as mesmas ideias mas a um nível mais teórico [8].

Atendendo à tempestade política desencadeada pela Oposição Operária deveria haver muito mais documentos dignos de confiança sobre essa tendência. A pouca informação que existe é de fontes leninistas [9]. A virulência dos ataques contra a Oposição Operária sugere que esta tinha um apoio considerável dos operários fabris da base e que isso alarmou seriamente os chefes do Partido. Chlyapnikov (que foi o primeiro Comissário do Trabalho), Lutovinov e Medvedev, dirigentes dos operários metalúrgicos, eram os seus porta-vozes mais notáveis.

“Geograficamente parece ter-se concentrado no Sudeste da Rússia Europeia: a bacia do Donets, as regiões do Don e Kuban e em Samara, província do Volga. Na verdade, em Samara, em 1921, a organização do Partido estava sob o controle da Oposição Operária. Antes da crise do Partido da Ucrânia, em fins de 1920, os membros da oposição tinham uma maioria de simpatizantes no conjunto da república. Outros pontos de apoio localizavam-se na Província de Moscovo onde a Oposição Operária recolheu cerca de 1/4 dos votos do Partido e no sindicato dos metalúrgicos, espalhado por todo o país” [10].

Quando Tomsky abandonou os sindicalistas e se juntou ao campo leninista nos fins de 1921, “explicou” a influência da Oposição Operária pela popularidade das ideias de “democracia industrial” e anarco-sindicalistas dos metalúrgicos [11]. Lembremo-nos que estes mesmos metalúrgicos tinham sido a espinha dorsal dos Comités de Fábrica em 1917.

FEVEREIRO

Durante as discussões prévia ao Congresso, a facção leninista utilizou-se a fundo da, recém estabelecida, Comissão de Controle. Conseguiu a demissão de Preobrazhensky e Dzerzhinsky (considerados demasiado “moles” em relação à Oposição Operária e aos trotskistas, respectivamente) e a sua substituição por “apparatchiks” como Solts que começou por repreender a chefia do Partido, que estava dividida pela sua fraqueza em reprimir a “ultra-esquerda”.

Os leninistas desencadearam uma ruidosa campanha em que focavam insistentemente os temas da unidade e dos perigos internos que a Revolução tinha de enfrentar. E de novo se refugiaram no culto da personalidade de Lenine. Todas as outras tendências foram etiquetadas como “objetivamente contrarrevolucionárias”. Conseguiram apoderar-se do controle da máquina do Partido, inclusive em zonas com uma longa tradição de apoio à Oposição.

Foram tão “bem-sucedidas” algumas dessas “vitórias” que há sérias dúvidas quanto à sua autenticidade e se não terão sido conseguidas por fraude. Por exemplo. diz-se que em 19 de Janeiro uma Conferência do Partido da Frota do Báltico deu 90% dos votos aos leninistas [12]. Contudo, dentro de duas a três semanas vai desenvolver-se uma forte oposição da Frota, a qual distribuirá em profusão panfletos que proclamam: “O Departamento Político da Frota do Báltico perdeu todo o contato, não só com as massas mas também com todos os operários politicamente ativos. Tornou-se num órgão burocrático sem autoridade… Liquidou toda a iniciativa local e reduziu todo o trabalho político ao nível de correspondência entre secretarias” [13]. Fora do Partido ainda se diziam coisas mais acerbas.

2 A 17 DE MARÇO

Revolta de Kronstadt

Esse acontecimento chave, que teve um profundo efeito sobre o Congresso cuja abertura se deu uns dias mais tarde, já foi pormenorizadamente analisado noutro lugar [*] [14].

8 A 16 DE MARÇO

Décimo Congresso do Partido

Este Congresso veio a revelar-se como uma das assembleias mais dramáticas da história do bolchevismo. No entanto, os argumentos utilizados e as batalhas nele travadas eram um reflexo muito distorcido da crise infinitamente mais profunda que o país atravessava. Nos fins de Fevereiro, estalaram greves na zona de Petrogrado e Kronstadt tinha-se revoltado. Ambos os acontecimentos eram apenas a parte visível de um grande iceberg em que a parte submersa representa o descontentamento e frustração.

Desde o início até ao fim do Congresso este esteve sob o controle do Partido. Pairava uma atmosfera de quase histeria como até então nunca tinha sucedido nas reuniões bolcheviques. Nesta altura tornou-se vital para os chefes do Partido suprimir a Oposição que, quer ela o soubesse ou não, e quer o quisesse ou não, se tinha transformado no porta-voz de todas essas aspirações frustradas. Era necessário, acima de tudo, ocultar a imagem de Kronstadt como um movimento que defendia os princípios da Revolução de Outubro contra os comunistas (a ideia da “terceira revolução”), que era exatamente o que os habitantes de Kronstadt proclamavam: “Nós lutamos”, afirmavam os rebeldes, “pelo verdadeiro poder da classe trabalhadora, enquanto que o sangrento Trotski e o voraz Zinoviev e seu bando de sequazes lutam pelo poder do Partido” [15]. “Kronstadt levantou, pela primeira vez, a bandeira da Terceira Revolução, a da revolta dos trabalhadores… A autocracia caiu. A Assembleia Constituinte foi para o diabo. Agora é a comissariocracia que se desmantela…” [16].

No Congresso, Trotski atacou a Oposição Operária. “Ela propôs palavras de ordem perigosas. Transformaram em ídolo os princípios democráticos. Colocaram o direito dos trabalhadores de eleger representantes acima do Partido. Como se o Partido não tivesse o direito de exercer a sua ditadura mesmo se essa ditadura entrasse em conflito temporário com os devaneios da democracia operária!” Trotski falou do “direito revolucionário histórico de primogenitura do Partido”. “O Partido é obrigado a manter a sua ditadura… sem atender às vacilações temporárias da própria classe operária… A ditadura não se baseia, em cada instante, no princípio formal da democracia operária…”.

O ataque físico a Kronstadt, no qual participaram para cima de 200 delegados do Congresso, foi acompanhado por um assalto verbal maciço contra a Oposição Operária e tendências semelhantes. Embora alguns dos membros dirigentes da Oposição tenham lutado contra os habitantes de Kronstadt (porque ainda tinham ilusões acerca do “papel histórico do Partido” e porque ainda estavam amarrados a lealdades organizativas caducas), Lenine e os chefes do Partido perceberam perfeitamente as profundas afinidades entre os dois movimentos. “Ambos atacaram a chefia do Partido por ter violado o espírito da revolução, por ter sacrificado os ideais democrático e igualitário no altar do oportunismo e da ‘eficácia’ e por se deixarem levar por preocupações burocráticas do poder pelo poder” [17]. As suas exigências também coincidiam em parte em numerosos pontos concretos. Os habitantes de Kronstadt (entre os quais muitos membros dissidentes do Partido) proclamaram que “a República Socialista Soviética só pode tornar-se forte quando a sua administração pertencer à classe trabalhadora, representada por sindicatos renovados… Graças à politica do partido dirigente os sindicatos não tiveram nenhuma oportunidade para se tornarem organizações de classe” [18]. A linguagem era a mesma, inclusive no “feiticismo” sindical.

O Congresso abriu com um virulento discurso de Lenine apelando para a lealdade ao Partido e denunciando a Oposição Operária como uma ameaça à Revolução. A Oposição era um refugo “pequeno burguês”, “sindicalista”, “anarquista”, “originado em parte pela entrada nas fileiras do Partido de elementos que ainda não tinham adotado integralmente o ponto de vista comunista” [19]. (Na verdade, a Oposição era precisamente o contrário. Era a reação da base proletária do Partido contra a entrada em massa desses elementos). Os argumentos básicos da Oposição não foram discutidos a nenhum nível. A argumentação não injuriosa era frequentemente confusa. Por exemplo, além de ser: (a) “genuinamente contrarrevolucionária”, e (b) “objetivamente contrarrevolucionária”, a Oposição Operária era igualmente “demasiado revolucionária”. As suas reivindicações eram “demasiado avançadas” e o Governo Soviético tinha que se concentrar, ainda, em eliminar o atraso cultural das massas [20]. De acordo com Smilga, as reivindicações exageradas (da Oposição Operária) iam contra os esforços do Partido ao dar esperanças aos operários que teriam que ser contrariadas [21]. Mas, acima de tudo, as reivindicações da Oposição Operária não eram revolucionárias no bom sentido da palavra, elas eram anarco-sindicalistas. Era a maldição final. “Se sucumbirmos” disse Lenine numa conversa particular, “é extremamente importante preservar a nossa linha ideológica e dar o exemplo aos nossos continuadores. Nunca nos devemos esquecer disto, mesmo em circunstâncias desesperadas” [22].

Os dias da lua de mel de 1917 há muito que tinham passado, assim como a retórica de O Estado e a Revolução. Iam ser desenterrados os cadáveres da ruptura da I Internacional. O crime máximo da Oposição era que alguns dos seus elementos (e mais particularmente os seus elementos marginais, tais como Myasnikov e Bogdanov) faziam perguntas bastante embaraçosas. De uma maneira atabalhoada e ainda confusa, alguns punham em causa a primazia do Partido, outros a natureza de classe do Estado russo. Enquanto as críticas se referiam às “deformações ou distorções burocráticas” desta ou daquela instituição, ou mesmo do próprio Partido, este acomodava-se (de fato, já tinha bastante prática no assunto!). Mas levantar dúvidas sobre esses outros assuntos básicos é que já não podia ser tolerado. A ameaça, apesar de, na altura, estar apenas implícita nos pensamentos da Oposição, era séria. As teses de Ignatov já tinham chamado a atenção para os possíveis perigos da “entrada maciça nas fileiras do Partido de indivíduos das camadas burguesa e pequeno-burguesa” combinada com “as pesadas perdas suportadas pelo proletariado durante a Guerra Civil” [23]. Mas era inevitável que determinadas pessoas extraíssem todas as conclusões dessas teses. Pouco depois do Congresso, Bogdanov e o grupo Verdade Operária afirmavam que a revolução se tinha saldado por uma “derrota completa da classe trabalhadora”. Declaravam mais tarde que “a burocracia, juntamente com os indivíduos da NEP, tinha-se transformado numa nova burguesia, que vivia da exploração dos trabalhadores e se aproveitava da sua desorganização… Com os sindicatos nas mãos da burocracia, os trabalhadores ficaram indefesos como nunca até então tinham estado”. “O Partido Comunista…, depois de se ter tornado no Partido dirigente, o partido dos organizadores e chefes do aparelho estatal e da economia em bases capitalistas… tinha irrevogavelmente perdido o contato e identidade de interesses com o proletariado” [24]. Este tipo de raciocínio ameaçava a própria base do regime bolchevique e tinha de ser energicamente eliminado da mente dos trabalhadores.

“O marxismo ensina-nos”, diz Lenine, “que só o partido político da classe trabalhadora, isto é o Partido Comunista, tem possibilidade de unir, educar, organizar… e dirigir todas as frentes do movimento proletário e portanto de toda a massa trabalhadora. Sem isso, a ditadura do proletariado não tem significado” [25].

Claro que o “marxismo” também ensinava outras coisas. Dizia sem equívoco possível que “a emancipação da classe trabalhadora ó uma tarefa da própria classe trabalhadora” [26] e que “os comunistas não formam um Partido separado, oposto aos outros partidos da classe operária” [27]. O que Lenine pregava agora não era na verdade o “marxismo” mas o leninismo puro de “Que Fazer?” (escrito em 1902), o leninismo que afirmava que a classe operária por si só apenas podia desenvolver uma consciência sindicalista e que havia que introduzir-lhe a partir de fora a consciência política através dos “veículos da ciência”: a intelligentsia pequeno-burguesa [b]. Para os bolcheviques, o Partido representava os interesses históricos da classe operária, quer ela o percebesse ou não, e quer ela o quisesse ou não. Partindo dessas premissas, qualquer ameaça à hegemonia do Partido, quer em ação ou pensamento, era equivalente a “trair” a Revolução, a violar a História.

“Unidade” foi o tema que permeou todo o Congresso. Devido às ameaças de fora e às “ameaças” de dentro, não foi muito difícil aos dirigentes do Partido fazerem com que o Congresso aceitasse medidas draconianas. Estas vieram a restringir ainda mais os direitos dos membros do Partido. O direito de constituir facções foi abolido. “O Congresso aconselha a dissolução rápida de todos os grupos, sem exceção, que se tenham formado em volta desta ou daquela plataforma…; o não cumprimento desta decisão do Congresso levará à expulsão imediata e incondicional do Partido” [28]. Uma cláusula secreta dava ao Comité Central poderes disciplinares ilimitados, incluindo a expulsão do Partido e até do próprio Comité Central (para o efeito era necessária uma maioria de 2/3). Estas medidas, ponto de viragem na história do bolchevismo em assuntos organizativos, foram aprovadas por esmagadora maioria. Não sem certa apreensão, Karl Radek afirma: “Tinha o pressentimento de que se estava a estabelecer uma lei sem que soubéssemos seguramente contra quem podia ser aplicada. Quando o Comité Central foi escolhido, os camaradas da maioria formaram uma lista que lhes dava o controle (do Comité). Todos sabemos que isso se passou no momento em que as dissensões começaram a aparecer no Partido. Não sabíamos… as complicações que poderiam surgir. Os camaradas que propuseram essa lei julgam que ela é uma arma contra os camaradas que pensam de maneira diferente. Embora vote a favor dessa resolução, pressinto que pode inclusive ser virada contra nós”. Sublinhando a perigosa situação em que se encontravam o Partido e o Estado, Radek conclui: “que o Comité Central nos momentos de perigo tome as medidas mais severas contra os melhores camaradas, se tal considerar necessário” [29]. Esta atitude, ou por outra esta mentalidade [o Partido não pode estar errado em relação à classe; o Comité Central não pode estar errado em relação ao Partido] viria a explicar muitos acontecimentos posteriores. Veio a provar ser um autêntico nó corredio em volta do pescoço de milhares de revolucionários honestos. Encontramo-la em Trotsky ao negar publicamente em 1927 que Lenine tivesse deixado um testamento político, e nas “confissões” da Velha Guarda bolchevique durante os Julgamentos de Moscovo de 1936-1938. Era a reificação do Partido, como instituição. Representa o resumo da alienação do homem em relação à política revolucionária.

Face a essa transformação política (ou por outra, face à brusca aparição do que tinham sido até então alguns dos elementos básicos subjacentes do bolchevismo) as “discussões” reais na Conferência foram pouco significativas. Foram deliberadamente deixadas para o fim. Argumentando ainda dentro do esquema ideológico do “Partido”, Perepechko. membro da Oposição Operária, apontou a burocracia (no Partido) como a origem da clivagem entre a autoridade dos Sovietes (e o aparelho soviético no seu conjunto), e a imensa massa trabalhadora [30]. Medvedev acusou o Comité Central de “desvio que consistia na desconfiança acerca do poder criador da classe operária e em concessões à casta dos funcionários pequeno-burgueses e burgueses” [31]. Para minimizar essa tendência e preservar o espírito proletário do Partido, a Oposição Operária propôs que “todos os membros do Partido fossem obrigados a viver e trabalhar 3 meses por ano como proletários ou camponeses vulgares, realizando um trabalho físico” [32].

As teses de Ignatov exigiam que um mínimo de 2/3 de cada organismo fosse composto por operários. Há muitos anos que não se ouviam críticas tão duras contra os dirigentes. Um delegado causou um tumulto indescritível ao denunciar Lenine como “o maior dos Chinovnik” (arcebispo da burocracia czarista) [33].

Os chefes fizeram o seu jogo habitual. Uma extensa resolução sobre os sindicatos apresentada por Zinoviev foi aprovada por 336 votos – contra 50 para a posição de Trotsky, e 18 para a Oposição Operária [34]. “Zinoviev esforçou-se imenso neste documento por reivindicar uma continuidade absoluta com a doutrina sindicalista… estabelecida pelo Primeiro Congresso Sindical e afirmada no programa do Partido de 1919. Era o truque habitual de criar uma barreira de fumo de afirmações ortodoxas para encobrir a mudança de rumo” [35]. O documento, que falava muito de “democracia operária”, prosseguia sublinhando em termos inequívocos que o Partido dirigiria todo o trabalho sindical.

No penúltimo dia do Congresso, no fim duma sessão, sem qualquer discussão prévia no Partido e depois de já terem saído alguns delegados, Lenine fez as suas famosas propostas relativas à Nova Política Econômica (NEP). Propôs a substituição da requisição forçada de cereais aos camponeses, uma das medidas mais odiadas do “comunismo de guerra”, pelo “imposto em gêneros”. O controle governamental sobre o estoque de cereais terminaria e, como consequência, dar-se-ia a liberalização do comércio de cereais. A esta proposta de extrema importância apenas se seguiram quatro intervenções de dez minutos cada. O relatório oficial do Décimo Congresso ocupa trezentas e trinta páginas das quais só 20 são dedicadas à NEP! [36] As principais preocupações do Congresso eram obviamente outras!

Foi então que começou o verdadeiro endurecimento interno. Votou-se uma resolução segundo a qual “a tarefa mais imediata do Comité Central era a uniformização estrita da estrutura dos comités do Partido”. O número de membros do Comité Central passou de 19 para 25, dos quais 5 devotar-se-iam ao trabalho dentro do Partido (visitando especialmente os comités provinciais e assistindo às Conferências provinciais do Partido) [37]. O novo Comité Central efetuou imediatamente uma mudança radical na composição do Secretariado. Os trotskistas (Krestinsky, Preobrazhensky e Serebriakov), demasiado brandos no apoio à linha leninista, foram demitidos do Comité Central. Também se efetuaram mudanças radicais no Orgburo e na composição de determinadas organizações regionais do Partido [38]. Colocaram-se medíocres “disciplinados” e “seguros” a todos os níveis. “As mudanças organizativas de 1921 foram uma vitória decisiva para Lenine, para os leninistas e para a filosofia leninista da vida partidária” [39].

O Partido, tendo desejado o fim, começava agora a desejar os meios.

Epílogo

MAIO DE 1921

Congresso Pan-Russo do Sindicato dos Metalúrgicos

Este sindicato foi a espinha dorsal dos acontecimentos de 1905. Foi conquistado pelos bolcheviques logo em 1913. Esteve no centro do movimento dos Comités da Fábrica e preencheu muitos destacamentos de Guardas Vermelhos. Nesta altura estava profundamente influenciado pela Oposição Operária. O seu líder, Medvedev, era membro ativo da Oposição. Era preciso acabar com a sua liderança no sindicato.

No Congresso dos Metalúrgicos, o Comité Central do Partido deu à fracção do Partido no sindicato uma lista dos candidatos recomendados para chefia do sindicato (sic!). Os delegados dos metalúrgicos, assim como a fracção do Partido no sindicato, recusaram essa lista por 120 votos contra 40. Fizeram-se todos os esforços possíveis para os dominar. A Oposição tinha de ser esmagada. O Comité Central do Partido não tomou em conta a votação e nomeou um Comité de Metalúrgicos da sua lavra [40]. Adeus “delegados eleitos e revogáveis”! Eleitos pela base do sindicato e revogados pelos chefes do Partido!

17 A 25 DE MAIO

Quarto Congresso Pan-Russo dos Sindicatos

Este Congresso devia discutir o papel dos sindicatos no novo sector privado sancionado pela NEP. Tomsky, como presidente do Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos, foi encarregado pelo Comité Central do Partido da preparação das “teses” apropriadas, e de as fazer aprovar primeiro pela fracção do Partido e mais tarde por todo o Congresso. Tudo correu bem, até que o Congresso aprovou por 1.500 votos contra 30 uma moção de aspecto inofensivo, proposta por Riazanov em nome da fracção do Partido, e que viria a provocar um enorme escândalo. A secção chave da resolução afirmava: “o pessoal dirigente do movimento sindical deve ser escolhido sob a orientação geral do Partido, mas o Partido deve fazer um esforço especial para permitir que os métodos normais de democracia proletária vigorem, em particular nos sindicatos, onde a escolha dos dirigentes deve ser deixada aos próprios sindicalistas” [41].

O Comité Central ficou furioso. Atirou-se ao Congresso como um leão: retiraram imediatamente a Tomsky, que nem sequer tinha apoiado a proposta, mais ou menos impessoal, o lugar de representante do Comité Central no Congresso. Esse lugar foi ocupado por sindicalistas famosos como Lenine, Staline e Bukharin cuja tarefa era a de dominar a fracção rebelde. Proibiram Ryazanov de voltar alguma vez a participar em trabalho sindical.

Constituiu-se uma comissão especial chefiada por Staline para “investigar o comportamento de Tomsky”. Concluída a investigação, decidiu-se repreendê-lo severamente pela sua “negligência criminosa” (a de permitir que o Congresso exprimisse os seus próprios desejos). Tomsky foi demitido de todas as suas funções no Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos.

Quanto à fracção do Partido, “convenceram-na” a voltar atrás na sua decisão do dia anterior. Relativamente às outras centenas de delegados não há documentação sobre a sua reação. Mas que importa? Tinha-se proclamado em 1917 que “todos os cozinheiros deviam aprender a governar o Estado”. Em 1921 o Estado era suficientemente poderoso para mandar em todos os cozinheiros!

– Conclusão e bibliografia complementar


Conclusão

Os acontecimentos descritos neste livro mostram que, no campo da “política do trabalho”, há uma relação clara e incontroversa entre o que sucedeu sob Lenine e Trotski e a prática posterior de Staline. Sabemos que muitos elementos da esquerda revolucionária dificilmente engolirão esta afirmação. Estamos convencidos, no entanto, que qualquer leitura honesta dos factos conduzirá necessariamente a essa conclusão. Quanto mais pesquisamos este período, mais difícil se torna definir, ou sequer ver, o “abismo” que se diz separar o que sucedeu no tempo de Lenine do que sucedeu mais tarde. O conhecimento real dos factos também torna impossível aceitar, como o fez Deutscher, o curso dos acontecimentos como “historicamente inevitável” e “objetivamente determinado”. A ideologia e prática bolcheviques foram elas mesmas fatores importantes, e algumas vezes decisivos, em todos os estágios críticos deste período crítico. Agora que se conhece maior número de factos deveria ser impossível continuar alguém a automistificar-se. Quem, tendo lido estas páginas, tiver ficado “confuso”, é porque o quer ficar, ou porque (como futuro beneficiário duma sociedade semelhante à sociedade russa) é do seu interesse ficá-lo. O facto de tanta gente, que passou toda a sua vida no movimento socialista, saber tão pouco sobre este período não tem nada de surpreendente. Na torrente do entusiasmo inicial pela “vitoriosa revolução socialista” de 1917 era quase inevitável que só o ponto de vista dos vencedores encontrasse audiência. Durante muitos anos, a única alternativa que se apresentava eram os lamentos hipócritas da social-democracia ou o rosnar da contrarrevolução declarada. A voz da oposição revolucionária libertária ao bolchevismo foi eficazmente sufocada.

Vae victis” disse Irennus, o Gaulês, em 309 a.C., quando atirou a sua pesada espada para a balança que pesava o resgate necessário para levantar o cerco de Roma. “Morte aos vencidos” tem sido de facto o veredicto imediato da história através dos tempos. Eis por que se sabe tão pouco acerca dos revolucionários que não esperaram por 1923 para proclamar a sua oposição, mas que viram logo em 1918 em que direção a sociedade russa caminhava, muitas vezes à custa da própria vida. Eles, e a sua memória, viriam a ser apagados na grande onda burocrática da década seguinte, eufemisticamente descrita como “construção do socialismo”.

Só recentemente, quando os frutos da revolução “vitoriosa” começaram a ser colhidos (na Hungria, Checoslováquia, etc.) é que surgiram as dúvidas e se fizeram, finalmente, perguntas objetivas. Só agora é que se começou a trabalhar a sério na verdadeira natureza da decomposição (a atitude bolchevique para com as relações de produção) e a prestar de novo atenção aos avisos proféticos dos “vencidos”. Falta ainda restituir ao movimento revolucionário, a quem pertence de direito, uma quantidade enorme de material extremamente valioso sobre esses anos de formação.

Cinquenta anos depois da Revolução russa, percebemos melhor alguns dos problemas tão violentamente discutidos entre 1917 e 1921. Os revolucionários libertários de 1917 foram tão longe quanto podiam. Mas hoje em dia dispomos de experiências muito mais ricas. Os acontecimentos da Hungria em 1956 e da França em 1968 (e, podemos acrescentar, da Polônia em 1970 – Nota da Tradução) lançaram luz sobre os problemas das modernas sociedades burocráticas capitalistas e mostraram a natureza da oposição revolucionária a que dão origem, quer no contexto ocidental quer no contexto oriental. O que era irrelevante e contingente foi varrido. Cada vez mais se considera o domínio do homem sobre o que o rodeia e das instituições que cria para resolver as tarefas com que se defronta como as questões chave da nossa época. Manterá o homem o controle das suas criações ou será dominado por elas? Nestas questões estão incluídas questões ainda mais fundamentais: a da própria “falsa consciência” do homem, a sua desmistificação em relação à “complexidade” da gestão, o restabelecimento da sua auto-confiança, a da sua capacidade de assegurar o controle sobre uma autoridade delegada, da sua reapropriação de tudo o que o capitalismo lhe tirou. Está também implícita nestas questões a de como libertar a imensa capacidade criativa que todos nós temos e de como usá-la para fins por nós escolhidos.

Na luta por estes objetivos o bolchevismo será eventualmente encarado como uma aberração monstruosa, a última roupagem envergada pela ideologia burguesa que começava a ser atacada nas suas próprias raízes. A ênfase dada pelos bolcheviques à incapacidade das massas para atingirem a consciência socialista através da sua própria experiência da vida sob o capitalismo, a sua preocupação com um “partido de vanguarda” hierarquicamente estruturado e com a “centralização para lutar contra o poder estatal centralizado da burguesia”, a sua proclamação dos “direitos históricos” dos que aceitaram uma determinada visão da sociedade (e do seu futuro) e portanto o direito de impor essa visão aos outros, apontando-lhes uma arma se necessário, tudo isto será reconhecido pelo que de facto é: a última tentativa da sociedade burguesa para restabelecer a sua divisão estrita entre dirigentes e dirigidos, e para manter relações sociais autoritárias em todos os aspectos da vida humana.

Para que a revolução do futuro seja significativa terá de ser profundamente libertária. Terá que basear-se numa assimilação real da experiência russa. Recusará a substituição de um tipo de dirigentes por outro, de uma camada de exploradores por outra, de uns padres por outros, de um autoritarismo por outro, ou de uma ortodoxia asfixiante por outra. Deverá eliminar radicalmente todas as falsas soluções que não passam de novas manifestações da alienação contínua do homem. Uma autêntica compreensão do bolchevismo será um ingrediente necessário em qualquer revolução que pretenda transcender todas as formas de alienação e auto-mistificação. A medida que a sociedade antiga se desmorona, quer a burguesia quer a burocracia terão que ser enterradas sob as suas ruínas. Haverá que compreender quais as suas verdadeiras raízes. Nessa tarefa gigantesca, a futura revolução extrairá a sua força e inspiração da experiência real de milhões de pessoas, do Leste e do Oeste. Este pequeno livro pretende contribuir, ainda que minimamente, para essa tarefa.

Bibliografia Complementar

Além da documentação abundante citada no estudo do grupo Solidarity, mencionam-se a seguir alguns textos publicados ou reeditados após 1970, data da edição inglesa de The Bolcheviks and Workers’ Control.

ANWEILER (Oskar), Les Soviets en Russie, 1905-1921 (Die Rätebewegung in Russland 1905-1921). Tradução francesa de Serge Bricianer, prefácio de Pierre Broué, Paris, Gallimard, 1972, 355 p. (Edição original 1958).

Na sua introdução, Anweiler define com muita precisão o que pretendeu fazer, com estas palavras: “A constituição da Rússia atual, a União das Repúblicas socialistas soviéticas, tem por base formal o sistema dos conselhos (ou sovietes), é por isso que se liga vulgarmente a noção de ‘soviete’ à de bolchevismo; seja ou não exata do ponto de vista político, essa assimilação é, seja como for, indefensável do ponto de vista histórico. Basta com efeito estudar o período de formação do Estado bolchevique para perceber que os conselhos tiveram uma origem autônoma, e que só em determinada etapa do seu desenvolvimento se fundiram num sistema novo, o sistema bolchevique dos conselhos, ligado à teoria leninista do Estado e da Revolução, tanto como à prática do Estado e do Partido Bolcheviques. A presente obra tem por objeto reconstituir a história dos conselhos russos, desde o seu nascimento à sua incorporação ao Estado bolchevique…”.

Ora, na perspectiva marxista da auto-emancipação do proletariado, quem não vê a importância decisiva desse facto histórico: a independência original dos conselhos em relação ao partido de Lenine?

Socialisme ou Barbarie (reedições de artigos):

Reconhece-se hoje de comum acordo a importância da função subterrânea desempenhada pelo grupo Socialisme ou Barbarie durante 17 anos, de 1949 a 1965. Ora, os 40 números dessa revista são hoje impossíveis de encontrar e as colecções das raras bibliotecas públicas que os conservaram são muitas vezes incompletas. Devemos portanto aplaudir as recentes reedições dos artigos de Lefort e de Castoriadis:

LEFORT (Claude), Élements d’une critique de la bureaucratie, Paris, Genève, 1971, 369 p. Merecem reler-se, particularmente, os textos da primeira parte, intitulada: “O partido revolucionário como órgão burocrático” e o Posfácio. A revista Autogestion (12, av. du Maine, Paris 15ème) publicou sobre o livro de Lefort uma análise de Lourau (n.º 16-17, pp. 217-219).

CASTORIADIS (Comelius), La société bureaucratique I, Les rapports de production en Russie, II, La révolution contre la bureaucratie, Paris, 10/18, 2 vol., 1973.

Trata-se dos dois primeiros tomos de uma série [*] (foram anunciados doze volumes) que reunirá os artigos publicados na revista Socialisme ou Barbarie sob os pseudónimos de Pierre Chaulieu e de Paul Cardan. Esta reimpressão é acompanhada de inéditos e de textos complementares (advertências, posfácios, rectificações diversas) dos dois primeiros tomos. O primeiro volume distingue-se particularmente por uma longa introdução na qual Castoriadis descreve o seu itinerário intelectual em ligação com a evolução política deste último quarto de século. Entre os textos reeditados, o mais célebre tem por título: “As relações de produção na Rússia”, que desenvolve uma critica radical de esquerda do regime soviético, estabelecida de um ponto de vista marxista.

ROCKER (Rudolf), Les soviets trahis par les bolchéviks (La faillité du communisme d’État), Paris, Spartacus, 1973, 108 p., 12 F. [Tradução de Die Bankrotte des russischen Staatskommunismus (Berlim, 1921), do anarco-sindicalista alemão R. Rocker. Lembremos que os Cahiers Spartacus tinham já publicado um texto de Arthur Lehring (do qual se conhece em França o contributo para a publicação dos Archives Bakounine) escrito em 1929 e publicado em 1929-31 em Ière Internationale: Anarchisme et marxisme dans la révolution russe. Paris, 1971, 112 p., 7 F].

SCHWARZ (Salomon), Lénine et le mouvement syndical, Paris, Spartecus, 1972, 85 p., 6 F. [Pelo autor de Les Ouvriers en Union-Soviátique (Paris, Rivière, 11956). Este estudo do dirigente menchevique foi publicado pela primeira vez em França em 1935. “No decorrer da presente obra, o autor esforçou-se por mostrar, segundo as fontes, a evolução da doutrina sindical de Lénine e as modificações que teve que sofrer sob influência das experiências feitas. O exame crítico desta evolução só em segundo plano podia contar, e apenas lhe concedemos um lugar restrito. Importava-nos sobretudo dar ao leitor uma documentação autêntica tão completa quanto possível para facilitar o seu próprio exame da doutrina sindical de Lenine” (p. 10)].

Die Russische Arbeitopposition. Die Gewerkschaften in der Revolution. Herausgegeben und eigeleitet von G. Mergner, Hambourg, Rowohlt, 1972. [Conjunto de documentos sobre a “questão sindical” na Rússia. Encontramos aí um texto de Varga de 1921, “Socialismo e capitalismo na Rússia soviética”; o estudo de G. Maximoff sobre “o movimento sindicalista revolucionário na Rússia” (1926); um artigo do socialista-revolucionário de esquerda Kamkov (B.) sobre as relações entre a cidade e o campo publicado em 1920 na revista Die Aktion de Pfemfert; outro de Lozovski sobre “o desenvolvimento dos Comités de fábrica na Rússia” (1929); o discurso de Trotsqui no IX Congresso do P.C.R. (1920) sobre a “militarização do trabalho”, e três textos da “discussão sindical” do X Congresso de 1921: “As tarefas dos sindicatos” (Teses da Oposição Operária), “A Oposição Operária” de Koüontai, e a resolução “leninista” sobre “A função e as tarefas dos sindicatos”. Como em todas as outras antologias desta colecção, os textos são abundantemente anotados. Lembremos que, na mesma colecção., G. Hillman tinha já pubücado uma antologia em 2 volumes sobre o movimento dos Conselhos: Die Rätebewegung, vol. I (1971), vol. 2 (1972). Se o primeiro era exclusivamente consagrado aos conselhos da revolução alemã, o segundo continha vários textos sobre a revolução russa: alguns bem conhecidos, como os de A. Berkman (sobre Kronstadt), de P. Archinoff (sobre Makhno) e de I. Steinberg (sobre o terror), mas outro igualmente de A. Souchy. sobre “o movimento socialista na Ucrânia” (1920), que o é muito menos].

AVRICH (Paul), ed., The Anarchists in the Russian Revolution, London, Thames and Hudson, 1973, 179 p. L 1.35 [54 documentos traduzidos do russo, agrupados em 9 capítulos, com uma introdução geral e uma curta apresentação para cada capítulo: 1) a revolução de Fevereiro (em particular um texto de Voline in Goloss Trouda (New York) de 23 de Março de 1917; 2) aspectos do anarquismo (praticamente todas as correntes estão representadas. incluindo as correntes “individualistas”); 3) o controle operário (v. concretamente a “Declaração da Associação de propaganda anarquista de Petrograd” de Junho de 1917 publicada em Goloss Trouda de 11 de Agosto de 1917, e “Acerca dos sindicatos e dos Comités de fábrica” de G. P. Maximoff em Goloss Trouda); 4) a revolução social; 5) a insurreição de Outubro; 6) a guerra civil (v. em particular um texto de 1920 no qual os “anarquistas-soviéticos” Chatov e Roshchin defendem a sua posição); 7) Makhno; 8) os anarquistas presos (Maximoff, Kropotkine – a “mensagem aos trabalhadores de Ocidente” e cartas a Lenine – etc.); 9) Kronstadt (Berkman, Goldman, panfletos anarquistas). Excelente complcmento aos últimos capítulos de The Russian Anarchists. do mesmo autor].

SKIRDA (Alexandre). Kronstadt, 1921. Prolétariat contra bolchévisme. Paris, Éditions de la Tête de Feuilles, 1972, 271 p., 32 F. [Um ponto de vista libertário, apresentado por A. Skirda. Tradução de “Kronstadt dans la révolution russe” de Efim Yartchouk (1921) e “Les causes de l’insurrection de Kronstadt” (1926) do presidente do Comité Revolucionário Provisório de Kronstadt durante a insurreição, Stéphan Pétritchenko. Excelente bibliografia. Devia-se já a A. Skirda outro conjunto de documentos, L’insurrection de Kronstadt la Rouge (brochura editada pelo Mouvement Communiste Libertaire – M.C.L., B.P. 20-37 – Tours Rives-du-Cher), que reproduz concretamente artigos de Anton Ciliga e de Victor Serge sobre Kronstadt publicados em 1938 em La Révolution prolátarienne, bem como textos publicados na revista anarco-comunista Diélo Trouda (1925-31). Acrescentemos que os textos do n.° 18-19 de Autogestion sobre os anarquistas russos acabam de ser reeditados numa brochura dos Cahiers Spartacus (Les Anarchistes russes et les Soviets. 1973, 7.50 F).

SKIRDA (Alexandre). Les anarchistes dans la révolution russe. Paris, 1973, 186 p„ [Textos de A. Skirda (“L’octobre libertaire”). de Anatole Gorélik (“Les anarchistes dans la révolution russe”, 1922); várias “Resoluções” anarco-sindicalistas (no primeiro congresso pan-russo dos sindicatos, na primeira e na segunda conferência anarco-sindicalistas de 1918, no segundo congresso pan-russo dos trabalhadores da alimentação cm Março de 1920); um artigo de A. Berkman, outro de Emma Goldman, e um longo texto de Victor Serge (1920), em que ele explica as razões da sua evolução do anarquismo para o bolchevismo].

KORSCH (Karl); MATTICK (Paul); PANNEKOEK (Anton); RUHLE (Otto); WAGNER (Helmut), La contre-révolution bureaucratique, Paris, U.G.E., col. 10/18, 1973, 307 p. 9F. [Textos extraídos das revistas International Council Correspondence e Living Marxism publicados de 1934 a 1941 por “Comunistas de conselhos” europeus emigrados nos Estados Unidos. Indispensável para compreender as posições de uma corrente que é ainda muito mal conhecida em França, apesar de algumas traduções recentes. Notícias bio-bibliográficas].

Em português:

KOLLONTAI, Alexandra. A Oposição Operária. Colecção O Saco de Lacraus, AFRONTAMENTO, Porto.

METT, Ida. Cronstadt, último soviet livre. Colecção O Saco de Lacraus, AFRONTAMENTO, Porto. 

BARROT, Jean. Notas para uma análise da Revolução Russa. Lisboa.

Notas


– Introdução:

[1] – R. V. Daniels, The conscience of the revolution [A consciência da revolução], Harvard University Press, 1960, p. 81.

[2] – A Socialist Labour League é o equivalente inglês da tendência trotskista na França chamada “lambertista”; o I.M.G. corresponde à tendência que representa a Liga Comunista; International Socialism é um grupo de extrema-esquerda cujos fundadores se separaram do trotskismo ao definirem a U.R.S.S. como uma sociedade capitalista de Estado [Nota da edição portuguesa].

[3] – Nem em todas as tendências trotskistas se encontra essa duplicidade: algumas existem que são francamente reacionárias. Por exemplo, K. Coates e A. Topham escrevem: “parece-nos que se deve folar de ‘controle operário’ quando os sindicatos (sic!) limitam pelas suas lutas o poder da direção num âmbito capitalista, e da ‘autogestão operária’ quando se trata de uma tentativa da gestão democrática de uma economia socializada”. (Industrial Democracy in Great Britain, Macgibbon and Kee, 1968, p. 363). Trotski, por seu lado, falava com muita clareza. Se bem que não atribuísse a função do controle operário aos sindicatos, distinguia claramente entre “controle” e “gestão”. “Assim, para nós, a palavra de ordem de controle está ligada ao período de dualidade de poder na produção que corresponde à possagem do regime burguês para o regime proletário (…) Na língua universal, chama-se controle ao trabalho de vigilância e de verificação por uma instituição do trabalho de outra instituição. O controle pode ser muito ativo, autoritário e geral. Mas é sempre controle. A própria ideia dessa palavra de ordem nasceu do regime transitório nas empresas nas quais o capitalista e o seu administrador já não podem dar um passo sem consentimento dos operários; mas onde, por outro lado, os operários (…) ainda não adquiriram a técnica de direção e ainda não criaram órgãos necessários para isso” (L. Trotski, “E agora?” [1932], in Écrits, t. III, pp. 214-15, Paris 1959).

[4] – Pode encontrar-se um exemplo desse gênero de análise ultra-simplificada do destino da revolução russa no livro de Voline, La Révolution inconnue [A Revolução desconhecida ], Paris, 1947, reed. P. Belfond. Paris, 1970) . “O partido bolchevique, uma vez no poder, transformou-se em senhor absoluto. A corrupção atingiu-o rapidamente. Organizou-se a si mesmo como casta privilegiada. E mais tarde, esmagou e submeteu a classe operária para a explorar sob novas formas, e de acordo com os seus interesses particulares”.

[5] – Partido Socialista da Grã-Bretanha. Trata-se de fato, apesar desse nome, de uma pequena organização derivada de uma das primeiras organizações socialistas inglesas do fim do séc. XIX, que tem pouco de comum com as grandes organizações social-democratas do continente [Nota da edição portuguesa].

[6] – Para uma discussão mais completa desse conceito – e de todas as suas implicações, ver: “As relações de produção na Rússia” de P.Chalieu [C. Castoriadis] no nº 2 da revista Socialisme ou Barbarie (Maio-Junho de 1949) [republicado em C. Castoriadis, La Société Bureaucratique, I , Les rapports de production en Russie, Paris, U.E.G., “10/18”, 1973, p. 205-281]. Se bem que a ideia possa surpreender muitos “marxistas”, ela tinha sido já expressa por Engels: Numa carta a Schmidt de 27 de Outubro de 1890, escrevia ele: “Num Estado moderno, é preciso não apenas que o direito corresponda à situação econômica geral e seja sua expressão, mas ainda que ele possua a sua coerência interna e não traga em si mesma a sua condenação devido às suas contradições internas. E o preço dessa criação é que a fidelidade do reflexo das relações econômicas se desvanece cada vez mais (…). O reflexo das relações econômicas sob forma de princípios jurídicos tem necessariamente também por resultado colocar as coisas de cabeça para baixo (…)”. (Marx- Engels, Lettres sur «Le Capital», Editions Sociales, p. 369-370).

[7] – Que essa análise é possível é o que parece mostrar-nos uma curta mas excelente brochura de J. Barrot, “Notas para uma análise da revolução Russa”, tradução portuguesa de José Pais, Lisboa, 1972.

[8] – Que surgem de modo explícito na teoria (Que fazer? e Um passo em frente dois passos atrás, de Lênin), e na prática do bolchevismo, de 1901 a 1917.

[9] – L. Trotski, Staline, Grasset, Paris, 1948, pp. 82-88. Trata-se do Terceiro Congresso do Partido (25 de Abril – 10 de Maio de 1905). [Ver a esse respeito, a análise de Claude Lefort “A contradição de Trotsky e o problema revolucionário”, Les temps Modernes, 39. Dez. 1948 – Jan. 1949, republicado em Éléments d’une critique de la bureaucratie, Genebra, Droz, 1971, pp. 11-29].

[10] – L. Trotski, ibid., p. 95.

[11] – P. Broué, Le parti bolchevique, Editions de Minuit, Paris, 1963, p. 35.

[12] – A mesma atitude encontrar-se-ia no próprio interior do Partido. Como aconteceu a Trotski escrever, desta vez aprovando: “os estatutos deviam exprimir a ‘desconfiança organizada da direção’, uma desconfiança que se manifestava por um controle vigilante da cúpula sobre o partido” (I. Deutscher, Le Prophéte Armé, [1954], tr. fr. Julliard, Paris 1962, p. 115.

[13] – Não, não dizemos que o derrube militar do governo provisório era possível em Julho. Observamos apenas que o Partido estava longe de compreender o que queriam realmente as massas.

[14] – Lênin, Sochineniya, IV, 441.

[15] – [ver novamente C. Lefort, ibid.].

– Primeira parte:

[a] – Anna Mikhailovna Pankratova aderiu ao Partido bolchevique em 1919. Era na altura estudante na Universidade de Odessa. Escreveu uma série de livros sobre a história do movimento operário russo e mais tarde tornou-se professora da Universidade de Moscou e da Academia das Ciências Sociais. Foi eleita em 1952 para o Comitê Central do Partido e tornou-se, no ano seguinte, a editora-chefe do jornal do Partido Voprosii Istorii (Questões de história). Morreu em 1957.

O seu panfleto sobre os Comitês de Fábrica, publicado antes da era das distorções históricas sistemáticas, contem material interessante. A sua perspicácia e visão são, contudo, seriamente limitadas devido à aceitação de duas premissas bolcheviques fundamentais: (1) “que o papel dos Comitês de Fábrica terminava ou com o refluxo da maré revolucionária ou com a vitória da revolução” e (2) que “as reivindicações e aspirações profundas da classe operária, quando emergem, são formuladas, providas com conteúdo ideológico e solidificadas organizativamente por intermédio do Partido… A luta pelo controle operário realizou-se sob chefia do partido, que permitiu (sic!) que o proletariado se apossasse do poder político e econômico”.

[b] – Não “denunciamos” aqui o fato dos sindicatos serem influenciados pelos partidos políticos. Nem advogamos algo tão simplista como “manter a política fora dos sindicatos”. Limitamo-nos a descrever a situação real da Rússia em 1917, com a finalidade de avaliar a sua importância no desenvolvimento subsequente da revolução Russa.

[1] – Fabzavkomy: abreviação de fabrichno-zavodnye komitety.

[2] – A. M. Pankratova, Fabzavkomy Rossii v borbe za sotsialisticheskuyu fabriku (os Comitês de Fábrica Russos na luta pela fábrica socialista). Moscou, 1923, p. 9. Partes deste importante documento foram publicados no número de Dezembro de 1967 (nº 34) da revista francesa Autogestion (os números de página referem-se à versão francesa).

[3] – Ibid., pp. 12-13.

[4] – Ibid., p. 12.

[5] – V. I. Lenin, “Tasks of the Proletariat in Our Revolution”, Selected Works, VI, p. 62.

[6] – V. I. Lenin, “Political Parties and Tasks of the Proletariat”, ibid., pp. 85-6.

[7] – V. I. Lenin, “Materials on Revision of Party Programme”, ibid., pp. 116-117.

[8] – V. I. Lenin, “Ruin is Threatening”, ibid., p. 142.

[9] – I. Kreizel, Iz istorii profdvizheniya g. Kharkova v 1917 godu (Sobre a história do movimento sindical em Kharkov em 1917) (Kharkov, 1921). Referido por Pankratova, op. cit., p. 15.

[10] – Pankratova, op. cit., p. 19.

[11] – Ibid., p. 19.

[12] – Pervaya rabochaya konferentsiya fabrichno-zavodskikh komitetov (Primeira Conferência Operária dos Comitês de Fábrica), Petrogrado, 1917.

[13] – V. I. Lenin, Sochineniya, XX, p. 459.

[14] – S. O. Zagorsky, State Control of Industry in Russia during the War (O Controle estatal da Indústria na Rússia durante a Guerra), New Haven, 1928, pp. 174-5.

[15] – Daniels, op. cit., 1960, p. 83.

[16] – Tretya vserossiiskaya konferentsiya professionalnykh soyuzov: Rezolyutsii prinyatiya na zasedaniakh konfer-entsii 20-28 lyunya / 3-11 lyulya 1917 g (Terceira Conferência Pan-Russa dos Sindicatos: Resoluções adotadas nas sessões da Conferência de 20-28 de Junho a 3-11 de Julho de 1917), Petrogrado, não datada, p. 18.

[17] – Ibid., para 6.

[18] – Ibid., p. 323.

[19] – I. Deutscher, Soviet Trade Unions (Os sindicatos soviéticos), Londres: Royal Institute of International Affairs, 1950, pp. 1-2.

[20] – Ibid., p. 13.

[21] – Ver as estatísticas sobre as greves políticas em V. L. Meller e A. M. Pankratova, Rabocheye dvizheniye v 1917 godu (O movimento operário em 1917), pp. 16, 20. Ver também M. C. Fleer, Rabocheye dvizheniye v godu voiny (O movimento operário nos anos da Guerra), Moscou, 1925, pp. 4-7.

[22] – Shestoi s’yezd RSDRP(b): Protokoly (O Sexto Congresso do POSDR (b): Protocolo 1917), Moscou: IMEL, 1934, p. 134.

[23] – Oktyabrskaya revolutsiya i fabzavkomy: materiali po istorii fabrchno-zavidskikh komitetov (A Revolução de Outubro e os Comitês de Fábrica), Moscou, 3 vols., 1927-1929. Vol. I, pp. 229, 259. Estes volumes (daqui para diante rederidos como Okt. Rev. i Fabzavkomy) são a fonte mais útil sobre os Comitês de Fábrica.

[24] – Ibid., p. 190.

[25] – Ibid., p. 171.

[26] – Descritos com grande pormenor em Okt Rev. i fabzavkomy.

[27] – Pankratova, op. cit., p. 25.

[28] – Ibid., p. 25.

[29] – Ibid., p. 29. Em flagrante contradição com a afirmação de que os trabalhadores “só são capazes de atingir uma consciência sindical”.

[30] – Ibid., p. 36.

[31] – Novy Put (Novo Rumo), 15 de Outubro de 1917,nºs. 1-2. Novy Put era o órgão do Soviete Central dos Comitês de Fábrica.

[32] – F. I. Kaplan, Bolshevik Ideology (A ideologia bolchevique), Londres: Peter Owen, 1969, p. 83.

[33] – Okt. Rev. i Fabzavkomy, II, p. 23.

[34] – V. I. Lenin, “The Aims of the Revolution”, Selected Works, VI, pp. 245-6.

[35] – V. P. Milyutin, Istoriya ekonomicheskogo razvitiya SSSR, 1917-1927 (História do desenvolvimento econômico da URSS), Moscou e Leningrado, 1927, p. 45.

[36] – Lenin, Selected Works, VI, pp. 265-7.

[37] – G. P. Maximov, Syndicalists in the Russian Revolution (Os sindicalistas na Revolução Russa) (panfleto nº 11 de “Direct Action”), p. 6.

[38] – Pankratova, op. cit., p. 5.

[39] – E. H. Carr, The Bolshevik Revolution (A revolução bolchevique) Penguin Edition, II, p. 80.

[40] – Deutscher, Soviet Trade Unions, op. cit., pp. 15-16.

[41] – Maximov, op. cit., pp. 11-12.

[42] – Okt. Rev. i Fabzavkomy, II, p. 114.

[43] – Ibid., II, p. 188.

[44] – Ibid., II, p. 190.

[45] – Ibid., II, p. 180.

[46] – Ibid., II, p. 191.

[47] – G. K. Ordzhonikidze, Izbrannye statii i rechi 1911-1937 (Artigos e discursos selecionados), Moscou, 1939, p. 124.

[48] – Pankratova, op. cit., pp. 48-9.

– Segunda parte:

[c] – É desonesto, da parte dos que têm obrigação de estar melhor informados (ver artigo de T. Cliff em Labour Worker de Novembro de 1967) propagandear esses decretos sobre o controle operário apresentando-os como algo que nunca foram, nem nunca se pretendeu que fossem.

[d] – Ao contrário de muitos dos anarquistas atuais. a maior porte dos anarquistas da época percebiam a diferença. Voline (ob. cit. p. 77) diz: “os anarquistas rejeitaram a palavra ordem vaga e nebulosa de ‘controle da produção’. Advogavam a expropriação, progressiva mas imediata, da indústria privada pelas organizações de produção coletiva”.

[e] – Não se trata de contrapor, como o fazem vários anarquistas, “o movimento das massas” à “ditadura estatal”, mas de compreender a forma específica das novas relações de autoridade que se estabeleceram nesse momento da história.

[f] – Tanto o “Manual” como o “Contra-Manual” mereceriam ser traduzidos para inglês. Pode-se ter uma ideia do seu conteúdo lendo o interessante artigo de D. L. Limon no número de Dezembro da “Autogestion”, embora em determinadas alturas o artigo degenere em sofisticadas desculpas apologéticas do Leninismo.

[49] – Ibid., p. 50.

[50] – Ibid., p. 51.

[51] – V. I. Lenin, Obras Escolhidas, vol. VI. pp. 410-411.

[52] – Sobraniye Uzakonanii 1917-1918 (Colecção de Estatutos) nº 3, art. 30.

[53] – E. H. Carr, ob. cit., II, p. 77, nota no fim da página.

[54] – A. Lozovsky, Rabochii Kontrol (Controle Operírio), Socialist Publishing House, Petrogrado, 1918, p. 10.

[55] – E. H. Carr. ob. cit., p. 73.

[56] – Protokoly zesedenii VTslK 2 sozyve (1918). p. 60.

[57] – Ver apêndices ao vol. XXII dos Sochineniye de Lenin. Ver também o artigo de D. L. Limon sobre “Lenine et le Controle Ouvrier” (Lenine e o Controle Operário) no número de Dezembro de 1967 da revista Autogestion.

[58] – Sbornik dekretov i postanovlenii no narodnomu khozyaistvu (25 oktyabrya 1917 g— 25 okiyabrya 1918 g.), Moscovo 1918, pp. 171-172.

[59] – V. I. Lenin, Obras Escolhidas, vol. VI. pp. 27-28 (pág. ed. inglesa).

[60] – E. H. Carr, ob. cit., p. 75.

[61] – I. Deutscher, ob. cit., p. 17.

[62] – I. I. Stepanov-Skvortsov. Ot rabochego kontrolya k rabochemu upravleniyu (Do controle operário à gestão operária), Moscovo 1918.

[63] – A. Pankratova, ob. cit., p. 54.

[64] – Ibid., p. 54.

[65] – N. Filippov, Ob organizatsii proizvodstva (Sobre a organização da produção), Vestnik metallista (O Arauto dos Metalúrgicos), Janeiro 1918, pp. 40, 43.

[66] – P. Avrich, The Russian Anarchists, (Os Anarquistas Russos), Princeton. 1967, p. 162.

[67] – Voline, Nineteen-Seventeen, (Mil novecentos e dezassete), Freedom Press, 1954, pp. 139-145. Vale bem a pena ler a secção “experiências pessoais” de Voline.

[68] – Ver D. L. Limon, ob. cit., p. 74.

[69] – E. H. Carr, ob. cit., II, p. 75. nota no fim da página.

[70] – Sobraniya Uzakonenii 1917-1918, nº 4, art. 58.

[71] – Ibid., nº 5, art. 83.

[72] – Natsionalizatsiya promyshlennosti v SSSR: sbornik dokumentov i materialov, 1917-1920 gg (A nacionalização da indústria na URSS: colectânea de documentos e material inédito). Moscovo, 1954, p. 499.

[73] – E. H. Carr, ob. cit., p. 80.

[74] – V. I. Lenin, Sochineniya, XXII. p. 215.

[75] – E. H. Carr, ob. cit., II, p. 80.

[76] – A. Pankratova, ob. cit., p. 59.

[77] – V. I. Lenin, Obras Escolhidas, vol. VII, pp. 92-93 (pág. ed. inglesa).

[78] – Ibid., p. 47.

[79] – Discurso de 4 de Novembro do 1917 ao Soviete dos Operários e Soldados de Petrogrado.

[80] – E. H. Carr, ob. cit., II, pp. 82-83.

– Terceira parte:

[1] – P. Avrich, ob. cit., p. 156. (Contém outras referencies de carácter secundário).

[2] – Pervy vserossiiski s’yezd professionalnykh soyuzov, 7-14 yanvarya 1918 g (Primeiro Congresso Pan-Russo dos Sindicatos, 7-14 de Janeiro de 1918), Moscovo 1918, p. 193. (Referido daqui em diante como Primeiro Congresso Sindical).

[3] – Ibid., p. 212.

[4] – Ibid., p. 48.

[a] – D. B. Ryazanov, investigador marxista, conhecido sobretudo como historiógrafo da Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional), tornou-se mais tarde fundador do Instituto Marx-Engels em Moscovo e publicou uma biografia de Marx e Engels.

[5] – Ibid., p. 235.

[b] – Grégori Pétrovich Maximov, nascido em 1893. Agrônomo diplomado em Petrogrado em 1915, aderiu ao movimento revolucionário quando era ainda estudante. Em 1918 aderiu ao Exército Vermelho. Quando os bolcheviques utilizaram o exército em tarefas de polícia e para desarmar os trabalhadores, recusou obedecer às ordens e foi condenado é morte. A solidariedade do Sindicato dos metalúrgicos salvou-lhe a vida. Dirigiu os jornais anarco-sindicalistas Goloss Trouda (A voz do Trabalho) e Novy Goloss Trouda (A Nova voz do Trabalho). Preso a 8 de Março de 1921 durante a insurreição de Cronstadt. Libertado mais tarde no mesmo ano após uma greve da fome mas apenas graças A intervenção de delegados europeus que assistiam ao congresso da Internacional Sindical Vermelha. Exilado dirigiu em Berlim Rabotchi Put (A voz do Trabalho), jornal que agrupava sindicalistas revolucionários russos no estrangeiro. Mais tarde veio para Paris e finalmente instalou-se em Chicago. Morreu em 1950. Autor de numerosos trabalhos sobre o anarquismo e o terror bolchevique como The guillotine at work, 1940.

[6] – P. Avrich, ob. cit., p. 168.

[c] – Observemos aliás que uma marxista tão importante como Rosa Luxemburg não hesitou em declarar no Congresso de fundação do Partido Comunista Alemão (Janeiro de 1919) que os sindicatos estavam destinados a desaparecer e a ser substituídos por Conselhos de deputados operários e soldados e por Comités de Fábrica (Bericht über die Verhandlung Gründungparteitages der KPD (1919), pp. 16 e 80).

[7] – Primeiro Congresso Sindical, p. 85.

[8] – Ibid., p. 239.

[9] – Ibid., p. 215.

[10] – Ibid., p. 85.

[11] – Ibid., p. 85.

[12] – Ibid., p. 221.

[d] – Vladimir Shatov, nascido na Rússia, emigrou para o Canadá e para os EUA. Em 1914, reproduziu clandestinamente 100.000 exemplares da célebre brochura de Margaret Sanger, Family Limitation, sobre o controle dos nascimentos. Trabalhou como mecânico, estivador e tipógrafo. Membro dos IWW [International Works of World, organização sindicalista revolucionária americana]. Colaborou ulteriormente em Goloss Trouda, órgão hebdomadário anarco-sindicallsta da União dos operários russos dos Estados Unidos e do Canadá. Em Julho de 1917 regressou a Petrogrado e “implantou” Goloss Trouda na capital russa. Mais tarde, tornou-se membro do Comité militar revolucionário de Petrogrado e oficial da 10.° Exército Vermelho. Em 1919, desempenhou um papel importante na defesa de Petrogrado contra Youdenich. Em 1920, tornou-se ministro dos transportes da República soviética do Extremo-Oriente. Desapareceu durante as “purgas” de 1936-38.

[13] – P. Avrich, ob. cit., pp. 168-169.

[14] – G. P. Maximov, ob. cit., pp. 12-13.

[15] – Citado por A. S. Shyapnikov, Die Russischen Gewerkshaften (Os Sindicatos Russos). Leipzig, 1920. (Em Alemão).

[16] – Primeiro Congresso Sindical, p. 374.

[17] – Ibid., pp. 369-370.

[18] – Ibid., p. 369.

[19] – Ibid.. p. 192.

[20] – Ibid., p. 230.

[21] – Ibid.. p. 195.

[22] – Ibid., p. 269.

[23] – Ibid., Resoluções Adotadas, p. 370.

[24] – F. Kaplan, ob. cit., p. 128.

[25] – Ibid., p. 181.

[26] – Primeiro Congresso Sindical, p. II.

[27] – Ibid., p. 80.

[28] – Ibid., p. 364.

[29] – Ibid., prefácio.

[30] – Ibid., p. 27.

[31] – Ibid., p. 367.

[32] – Vsesoyuzny s’yezd professionalnykh soyuzov tekstilshchikov i fabrichnykn komitetov, Moscovo 1918. p. 8.

[33] – Ibid., p. 5.

[34] – Ibid., p. 30.

[35] – Sbornik dekretov i postanovlenii po nerodnomu, khozyaaittvu (1918), pp. 311-315.

[36] – E. H. Carr, ob. cit., II. pp. 86-87.

[37] – Ibid., II. p. 95.

[38] – Ibid.. II, p. 91.

[39] – V. I. Lenin, Obras Escolhidas, vol. VII, Notas Explicativas, p. 505 (ed. Inglesa).

[40] – Ibid.

[41] – L. Trotski, “Trabalho, Disciplina, Ordem”, Sochinenya, XVII, pp. 171-172.

[42] – N. V. Krylenko, Autobiografia in Dicionáirio Enciclopédico, XLI-I, Apêndice, p. 246.

[43] – Narodnoye Khozyastvo, N.° 2. 1918, p. 38.

[44] – K. Radek, “Posle pyetimesyatsev” (Depois de cinco meses), Kommunist, N.° I, Abril de 1918. pp. 3-4.

[45] – Kommunist, N.° I, “Tesisy o tekussehem momente” (Teses sobre a Situação Actual), p. 8.

[46] – Osinsky. “O stroitelstve sotsialisma” (Sobre a Construção do Socialismo). Kommunist, N.º 2, Abril de 1918, p. 5. Era óbvio para alguns, jã em 1918, em que sentido ia a política económica leninista. Os que hoje se reclamam do “leninismo” e ao mesmo tempo denunciam o “capitalismo de Estado” em relação ã Rússia, tomem nota!

[47] – V. I. Lenine. “Infantilismo de esquerda e mentalidade pequeno-burguesa”. Obras Escolhidas, vol. VII, p. 374 (ed. inglesa).

[48] – V. Sorin, “Partiya i oppozitsiya” (O Partido e a Oposição), I. Fraktsiya levykh kommunistov (A fracção dos comunistas de esquerda), Moscovo 1925, pp. 21-22.

[49] – R. V. Daniels, ob cit., p. 87.

[50] – Antes da Revolução, Lenine denunciou o Taylorismo como “a escravização do homem pela máquina”. (Sochineniya, vol. XVII, pp. 247-248).

[51] – V. I. Lenin, Obras Escolhidas, vol. VII, pp. 332-333, 340-342 (ed. inglesa).

[52] – Kommunist, N.° 4.

[53] – V. I. Lenin, Sochineniya, vol. XXII. pp. 516-517.

[54] – Ibid., vol. XXVI. p. 326.

[55] – V. I. Lenin, Obras Escolhidas, vol. VII, pp. 360-366 (ed. inglesa).

[56] – E. H. Carr, ob. cit., II. p. 100.

[57] – V. I. Lenin, “A catástrofe ameaçadora e como lutar contra ela”.

[58] – Para uma análise mais detalhada desta concepção de meios e fins, e ao que isso conduz, ver Paul Cardan em “From Bolshevism to Bureaucracy” (Do Bolchevismo à Burocracia). Solidarity, Panfleto n.° 24.

– Quarta parte:

[59] – E. H. Carr, ob. cit., II. pp. 101, nota no fim da página.

[60] – Osinsky, em Trudy pervogo vserossiiskogo s’yezda sovetov narodnogo khozyaistva (Atas do Primeiro Congresso Pan-Russo dos Conselhos Econômicos). Moscou. 1918, pp. 61-64.

[61] – Ibid., p. 75.

[62] – Ibid., p. 65.

[63] – Polozheniye ob upravlenii natsionalizirovannymi predpriyatiyami (Regulamentos para a Administração das Empresas Nacionalizadas), ibid., pp. 477-478.

[64] – E. H. Carr. ob. cit., II. pp. 119-120.

[65] – Ibid.. II. p. 105.

[66] – R. V. Daniels, ob. cit., p. 92.

[67] – I. Larine e L. Kritzman, Wirtschaftsleben und Wirtschaftlicher Aufbau in Soviet Russland, 1917-1920, Hamburgo. 1921, p. Ii3. (Em Alemão).

[68] – N. Osinsky, “O stroitelstve sotsialisma” (A construção do socialismo), Moscou, 1918, p. 35 e seguintes.

[69] – A. Lozovsky. “Os Sindicatos na Rússia Soviética”, (Conselho Central Pan-Russo dos Sindicatos). Moscou, 1920, p. 654.

[70] – R. V. Daniels, ob. cit., p. 91.

[71] – Ver por exemplo I. Deutscher, The Prophet Unarmed (O Profeta Desarmado), O.U.P.. 1959, pp. 1-14.

[72] – I. I. Stepamov-Skortsov, op. cit., p. 24.

[73] – M. Dobb, Soviet Economic Development since 1917 (O Desenvolvimento Econômico Soviético desde 1917), New York, 1948, pp. 89-90.

[74] – P. Avrich, ob. cit., p. 191.

[75] – Ibid., pp. 192-193.

[76] – Manilov é um proprietário sonhador da obra de Gogol Almas Mortas.

[77] – P. Avrich, ob. cit., pp. 196-197.

[78] – E. H. Carr, ob. cit., II. pp. 180-181.

[79] – Vserossiiskaya konferentsiya zheleznodorozhnikov kommunistov (Primeira Conferência Pan-Russa dos Ferroviêrios Comunistas), Moscou, 1919, p. 72.

[80] – Sbornik dekretov i postanovlenii narodnomu khozyaistvu (1920), II, p. 83.

[81] – E. H. Carr, ob. cit., II. p. 183.

[82] – Trudy vtrorogo vserossiiskogo syezda sovetov narodnogo khosyaistva (n. d.). (Segundo Congresso Pan-Russo dos Conselhos Econômicos Regionais), p. 213.

[83] – E. H. Carr, ob. cit.. II. p. 190.

– Quinta parte:

[1] – I. Deutscher, ob. cit., p. 25.
 
[2] – Waldemar Koch, Die Bolshevischen Gewerkschaften. Jena 1932, pp. 81-82.

[3] – Vtoroi vserossiiski s’yezl professionalnykh soyuzov: stenograficheski otchet (Segundo Congresso Pan-Russo dos Sindicatos: relato estenográfico), Moscovo, Central Trade Union Press (Editora Central dos Sindicatos), 1919, I. p. 34. (Daqui em diante referido como Segundo Congresso Sindical).

[4] – Ibid., p. 103.

[5] – I. Deutscher, ob. cit.. p. 26.

[6] – Segundo Congresso Sindical, I. p. 97.

[7] – Ibid.. p. 99.

[8] – Zinoviev, Desyaty s’yeid RKP (b); Protokoly (Décimo Congresso do PCR (b): Protocolo). Moscovo. IMEL. 1933. p. 188. (Referido daqui em diante como Décimo Congresso do Partido).

[9] – Segundo Congresso Sindical, I. p. 127

[10] – Vosmoi s’yied RKP (b): Protokoly (Oitavo Congresso do PCR (b): Protocolo). Moscovo IMEt. 1933. Resoluções. I. p. 422. (Referido daqui em diante como Oitavo Congresso do Partido).

[11] – Ibid.. p. 72.

[12] – I. Deutscher, ob. cit.. p. 29.

[13] – Ibid., p. 31.

[14] – D. L. Limon, ob. cit., p. 79.

[15] – Osinsky, Oitavo Congresso do Partido, pp. 30, 168.

[a] – Quase cinquenta anos depois, encontra-se um eco patético nas “Perspectives for I.S.” (Perspectivas de I.S.), apresentadas em Setembro de 1968 pelo Comité Político do Internacional Socialism (Socialismo Internacional). O ponto 4 diz: “As secções devem aceitar as directivas do Centro, a não ser que discordem profundamente delas. Nesse caso deverão tentar submeter-se a eles, pedindo ao mesmo tempo um debate público sobre o assunto”.

[16] – Oitavo Congresso do Partido, Resoluções, I. p. 444.

[17] – I. Deutscher, ob. cit., p. 33.

[18] – Preobrazhensky, Devyat s’eid RKP (b): Protokoly (Nono Congresso do PCR (b): Protocolo). Moscovo, IMEL, 1934, p. 72. (Referido daqui em diante como Nono Congresso do Partido).

[19] – E. H. Carr, ob. cit., p. 184.

[20] – I. Deutscher. “The Prophet Armed” (O Profeta Armado), p. 487.

[21] – Ibid., p. 492.

– Sexta Parte:

[1] – Sobraniye Uzakonenii, 1920, N.° 8, Art. 49. E também Treti vserossiiski lyeid professionalnykh soyuzov (Terceiro Congresso Pan-Russo dos Sindicatos), 1920. I, Reuniões Plenárias, pp. 50-51. (Referido daqui em diante como Terceiro Congresso Sindicai).

[2] – Ibid., p. 493.

[3] – V. I. Lenin, Discurso no Terceiro Congresso dos Conselhos Econômicos, Sochineniya, XXV, p. 17.

[4] – E. H. Carr. ob. cit., II. p. 193.

[5] – Tomsky, Nono Congresso do Partido “Zadachi prosoyuzov” (As Tarefas dos Sindicatos). Apêndice 13. p. 534.

[6] – R. V. Daniels, ob. cit., p. 126.

[7] – Nono Congresso do Partido, Teses do Comité Provincial de Moscovo do PCR, Apêndice 15 p. 542.

[8] – Vmesto programmy: rezolyusisii I i II vserossiskikh konferentsii anarkho-sindikalistov (Berlim, 1922). p. 28.

[9] – I. Deuhcher, Soviet Trade Unions, (Sindicatos Soviéticos), p. 36.

[10] – L. Trostky, Sochineniya, vol. XV. p. 126.

[11] – Nono Congresso do Partido, p. 128.

[12] – Primeiro Congresso Sindical, pp. 269-272.

[13] – I. Deutscher, ob. cit., p. 35.

[14] – L. Kritzman Geroicheski period russkoi revolyutsii (O Período Heroico da Revolução Russa). Moscovo e Leninegrado, 1926. p. 83. 15.

[15] – Nono Congresso do Partido, pp. 254-255.

[16] – Ibid., p. 564, m. 32.

[17] – Ibid., pp. 123-124.

[18] – Ibid., p. 571, M. 75.

[19] – Ibid., “As organizações do PCR (b) sobre a questão da agenda do Congresso do Partido”. Apêndice 2. p. 474.

[20] – Pravda, 12 de Março de 1920.

[21] – Nono Congresso do Partido. Povoprosu o professionalnykh soyuzokh i ikh organisatsii (Sobre e questão dos sindicatos e sua organização). Resoluções, I, p. 493.

[22] – Ibid., “Os Sindicatos e as suas Tarefas” (teses de Lenine, Apêndice 12, p. 532).

[23] – Ibid., pp. 26, 28.

[24] – Ibid.

[25] – No Undécimo Congresso, em 1922, Lenine afirma: “É absolutamente indispensável que toda a autoridade nas fábricas se concentre nas mãos dos gerentes… Nestas condições qualquer intervenção direta dos sindicatos na gestão das empresas será considerada como decididamente prejudicial e não será permitida”, (Resoluções, I, pp. 607, 610-612).

[26] – V. I. Lenine, Nono Congresso do Partido, p. 96.

[27] – L. Kritsman, ob. cit., p. 83.

[28] – R. V. Daniels, ob. cit., p. 114.

[29] – Ibid., pp. 115, 117.

[30] – I. Deutscher, The Prophet Armed, p. 498.

[31] – Treti vserossiiski s’yezd professionalnykh soyuzov: stenograficheski otchet (Terceiro Congresso Pen-Russo dos Sindicatos: relato estenográfico), Moscovo, 1920. pp. 87-97. (Referido daqui em diante como Terceiro Congresso Sindical).

[32] – I. Doutscher, ob. cit., pp. 500-507.

[33] – Trade Unions in Soviet Russia (Os Sindicatos na Rússia Soviética) (Labour Research Department and ILP Information Committee), Novembro, 1920, British Museum (Press Mark: 0824-bb-4l).

[34] – R. V. Daniels, ob. cit., p. 107.

[35] – G. K. Gins, Sibir, Soyuzniki, Kolchak, Pequim, 1921, p. 429.

[36] – L. Trotsky. “Terrorism and Communism” (Terrorismo e Comunismo), edição de Ann Arbor, p. 133.

[37] – Ibid., p. 146.

[38] – Ibid., p. 149.

[39] – Ibid., p. 135.

[40] – Ibid., p. 137.

[41] – Ibid., p. 143.

[42] – Ibid., p. 162.

[43] – Ibid., pp. 162-163.

[44] – I. Deutscher, The Prophet Armed, pp. 501-502.

[45] – Ibid., p. 502.

[46] – Izvestiya do Comité Central. 12 de outubro de 1920.

[47] – Décimo Congresso do Partido, p. 829, nota 2.

[48] – I. Deutscher, ob. cit., pp. 502-503.

[49] – I. Deutscher. Soviet Trade Unions, p. 41.

[50] – I. Deutscher, The Prophet Armed, pp. 502-503

[51] – V. I. Lenine, Obras Escolhidas, vol. IX, p. 30 (da ed. inglesa).

[52] – G. Zinoviev, Sochineniya, Moscovo 1924-1926, VI pp. 599-600.

[53] – I. Deutscher, ob. cit., pp. 502-503. Esta sanção seria levantada pelo Comité Central na sua reunião de 24 de Dezembro, que decidiu também que toda a questão devia ser discutida publicamente.

[54] – Ibid., p. 503.

[55] – L. Trotsky, Sochinneniya, XV. pp. 422-423.

[56] – J. Stalin, Sochineniya, VI. p. 29.

[57] – I. Deutscher, ob. cit., p. 503.

[58] – V. I. Lenine, Obras Escolhidas, vol. IX, p. 12.

[59] – Ibid., p. 53.

[60] – Ibid., p. 26.

[61] – R. V. Daniels, ob. cit., p. 125.

[62] – Vosmoi vserossiisti s’yezd sovetov: stenograficheski otchet (Oitavo Congresso Pan-Russo dos Sovietes: relato estenográfico), Moscovo 1921, p. 324.

[63] – L. Schapiro, The Origin of Communist Autocracy (A Origem de Autocracia Comunista). Praeger, New York, 1965, p. 271.

[64] – Este sumário é baseado no relato detalhado de Deutscher em Soviet Trade Unions, pp. 42-52. “No decurso das discussões prévias ao Congresso surgiu um grande número de facções e grupos, cada um com o seu ponto de vista e ‘teses’ sobre os sindicatos. As diferenças entre alguns destes grupos eram tão subtis, e atendendo a que quase todos os grupos se referiam a um sem-número de princípios comuns, que por vezes o objeto do debate parecia irreal”. Finalmente só 3 moções foram apresentadas ao Congresso: a de Lenine (A Plataforma dos Dez), a moção de Trotsky-Bukharin e as propostas da Oposição. “Comparando essas moções – observa Deutscher – confunde-se mais do que se esclarece o problema que o Congresso tentava resolver, pois os autores de cada uma das moções tinham, por razões tácticas, incorporado passagens das dos adversários, encobrindo assim até alto ponto as verdadeiras divergências”.

[a] – Segundo os números dados por Zinoviev no Décimo Congresso do Partido, o número de membros dos sindicatos era, em Julho de 1917, 1.500.000, em Janeiro de 1918, 2.600.000, em 1919, 3.500.000, em 1920, 4.300.00 e em 1921, 7.000.000.

[65] – Décimo Congresso do Partido, O roli i zadachakh profsoyuzov (Sobre o papel e tarefa dos sindicatos), Resoluções. I, pp. 436-542.

[66] – I. Deutscher, Soviet Trade Unions, p. 51.

[67] – V. I. Lenine, Obras Escolhidas, vol. IX. p. 6. (ed. inglesa).

[68] – Ibid.. p. 76.

[69] – Bukharin, Décimo Congresso do Partido. O zadachakh i strukture profesoyuzov (Sobre as tarefas e estrutura dos sindicatos), Apêndice 16. p. 802.

[70] – V. I. Lenine, Obras escolhidas, vol. IX, p. 35. (ed. inglesa).

[71] – Ibid., p. 36.

[72] – V. I. Lenine, Krisis partii (A crise no partido). Pravda, 21 de Janeiro de 1921.

[73] – V. I. Lenin, “Novamente sobre os sindicatos, a situação actual e os erros dos camaradas Trotsky e Bukharin”, Obras Escolhidas, vol. IX, pp. 40-80, (ed. inglesa).

[74] – M Chlyapnikov, Décimo Congresso do Partido. Organizatsiya narodnogo khoiyaistva i zadaehi soyuzov (A organização da economia e as tarefas dos sindicatos), Discurso de 30 de Dezembro de 1920, Apêndice 2, pp. 789-793.

– Sétima parte:

[1] – L. Trotsky, Décimo Congresso do Partido, Otvet petrogradekim tovarishcham (Resposta aos camaradas de Petrogrado). pp. 826-827, nota I.

[2] – Ibid., p. 779, Apêndice 6.

[3] – Ibid.

[4] – A. Kollontai, Décimo Congresso do Partido, p. 103.

[5] – V. I. Lenin, Obras Escolhidas, vol. IX, p. 35 (ed. inglesa).

[6] – Ibid., p. 577.

[a] – Lenine levanta aqui claramente a questão “poder do Partido” ou “poder da classe”. Opta pelo primeiro sem nenhuma ambiguidade (sem deixar, é claro, de racionalizar a sua escolha através de uma amálgama forçada entre Partido e classe). Mas vai mais além. Não se limita a identificar o “poder operário” com o domínio do Partido. Identifica-o ainda com a aceitação das ideias dos dirigentes do Partido!

[7] – Ibid., p. 79.

[8] – O texto completo foi publicado na revista Socialisme ou Barbarie, n,° 35, e no Solidarity Pamphlet, nº 7. [Nota do Passa Palavra: o livro de Alexandra Kollontai com sua versão das teses da Oposição Operária foi primeiramente publicado em língua portuguesa pela editora portuense Afrontamento em 1973 e 1977, e em seguida foi publicado em 1980 pela editora Global com as notas históricas e a cronologia elaboradas pelo grupo inglês Solidarity. Depois disto, nunca mais foi reeditado em língua portuguesa, e hoje custa uma fortuna em sebos. Já as teses de Shliapnikov permanecem inéditas em língua portuguesa].

[9] – Ver por exemplo K. Shelavin, Rabochaya oppozitsya (a Oposição Operária), Moscovo 1930.

[10] – R. V. Daniels, ob. cit., p. 127.

[11] – Tomsky, Décimo Congresso do Partido, pp. 371-372.

[12] – Pravda, 27 de Janeiro de 1921.

[13] – Citado em A. S. Pukhov Kronshtadtski myatezh v 1921-9. (A Revolta de Kronstadt de 1921), Leninegrado 1931. p. 52. O panfleto de Ida Mett sobre A Comuna de Kronstadt deu uma boa ideia do “descontentamento” crescente na altura em Petrogrado.

[*] – Ver o volume Kronstadt – Último Soviet Livre, de Ida Mett, n.° 3 da coleção O Saco de Lacraus, Afrontamento. [Nota: trata-se da única edição desta obra em língua portuguesa. Nunca houve nenhuma outra reedição, republicação ou nova tradução].

[14] – Ver a seguinte documentação útil: A Comuna de Kronstadt de Ida Mett, Solidarity Pamphlet nº 27, ou Cahiers Spartacus n° 11 Série B, e Kronstadt 1921 de Victor Serge.

[15] – Isvestiya vremennogo revolyutsionnogo komiteta (Notfcias do Comité Revolucionário Provisório). 10 de Março de 1921.

[16] – Ibid., 12 de Março de 1921.

[17] – R. V. Daniels, ob. cit„ pp. 145-146.

[18] – Notícias do Comité Revolucionário Provisório. 9 de Março de 1921.

[19] – Décimo Congresso do Partido. O sindikalistskoy i anarkhistskoy uklone v nashey partii (Sobre os desvios sindicalista e anarquista no nosso partido). Resoluções I. p. 530.

[20] – Ibid., pp. 382-383.

[21] – Ibid. p. 258.

[22] – Trotsky, Carta a Amigos na URSS. 1930. (Arquivo de Trotsky T 3279).

[23] – Décimo Congresso do Partido (Teses de Ignatov).

[24] – N. Karev, O gruppe “Rabochaya Pravda” (Sobre o Grupo “A Verdada Operíria”), Bolshevik, IS de Julho de 1924, pp. 31 e seg.

[25] – Décimo Congresso do Partido, Resoluções I, p. 531.

[26] – K. Marx e F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, Obras Escolhidas, Moscovo (FLPH), 1958, vol. I, p. 28.

[27] – Ibid., p. 46.

[b] – Mas não se deveria confiar muito nesses elementos. A primeira edição russa de “Que fazer?” incluía no frontispício a celebre máxima de Lasalle: “o Partido fortifica-se depurando-se”.

[28] – Décimo Congresso do Partido, “Sobre a unidade do Partido”, Resoluções I, pp. 527-530.

[29] – Radek, ibid., p. 540.

[30] – Ibid.. p. 93.

[31] – Ibid., p. 140.

[32] – Ibid., “Resolução sobre o organização do Partido proposta pela Oposição Operária”, p. 663.

[33] – Yaroslavsky. ibid., referindo-se e afirmações de Y. K. Milonov.

[34] – Ibid., p. 828, pouco claro.

[35] – R. V. Daniels, ob. cit., p. 156.

[36] – L. Schapiro. ob. cit. p. 308.

[37] – Décimo Congresso do Partido, Resoluções, pp. 522-526.

[38] – R. V. Daniels, ob. cit., pp. 151-152.

[39] – Ibid., p. 152.

[40] – Izvestiya Ts. K., nº 32, 1921. pp. 3-*. Ver também Schapiro, ob. cit., pp. 323-324.

[41] – Ryazanov. Undécimo Congresso do Partido, pp. 277-278. Ver também Schapiro, ob. cit., pp. 324-325.

– Conclusão e bibliografia complementar

[*] – Posteriormente à organização desta bibliografia vieram já a público outros volumes da série.