sexta-feira, 4 de junho de 2021

Joseph Déjacque – A questão americana: o conflito incontornável. O apelo ao povo (1861)

Print de uma versão digitalizada do jornal onde se encontra a versão original do texto dessa publicação. Disponível em: link.

Nota biográfica: Joseph Déjacque (1821-1864) foi um operário, escritor e jornalista libertário nascido na França, que participou da redação do L'Humanitaire de 1841 e atuou nos movimentos revolucionários de Paris, em 1848. Déjacque é considerado o primeiro a usar a palavra “libertário”, em uma carta dirigida a Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), datada de 1857, criticando esse último por conservar a dinâmica mercantil em vez de levar até as últimas consequências a afirmação da anarquia (que seria o comunismo) e também por suas concepções patriarcais. Ele passou a empregar o termo, logo depois, no título de seu jornal. Publicou de forma autônoma o periódico Le Libertaire, Journal du Mouvement Social, entre 1858 e 1861, período em que viveu em Nova Orleans, Estados Unidos.

Resumo: Joseph Déjacque conclama nesse texto, escrito e publicado em 1861 quando vivia nos EUA, os trabalhadores americanos, brancos e negros, a levantarem-se contra a reação conservadora que havia tomado o republicanismo estadunidense, propondo que lutassem contra a escravidão direta (negra) e indireta (branca, assalariada), defendendo a legislação direta universal (que ele chama de anarquia) e o socialismo como meio para evitar a tirania e o retorno da monarquia que ele associava com a ação política e concepções religiosas dos proprietários (e cuja comparação fazia com o golpe de Louis Bonaparte na França).

Esse texto foi traduzido do francês por Martha Gambini e publicado em:

  • DÉJACQUE, Joseph. a questão americana: o conflito incontornável. o apelo ao povo, verve. revista semestral autogestionária do Nu-Sol., v. 0, n. 25, 2014.

Reproduzimos integralmente a versão da revista, conjuntamente com as notas que eles editaram.

***


A questão americana: o conflito incontornável. O apelo ao povo [1]


I


Teríamos até o presente momento examinado a questão em seu todo? Teria ela sido considerada numa visão abrangente, e profundamente esmiuçada? Não que eu saiba. Então, tentemos fazer com que algumas luzes penetrem nessas trevas.

II


Por volta do fim do século XVIII, os colonos rebeldes fizeram uma Constituição que, é verdade, libertava as colônias inglesas do vampirismo da metrópole, e nisso eles estavam certos. Mas políticos tradicionalistas quiseram imobilizar o espírito dos tempos, o movimento revolucionário ou regenerador, e declararam sua obra circunstancial, algo imutável e eterno, e nisso estavam errados.

As Constituições políticas ou sociais, como as Constituições humanas ou individuais, são sujeitas a revisões, a transformações. A alimentação cotidiana produz, tanto nos povos quanto nos homens, novos elementos que modificam, a cada instante do dia ou do século, seu temperamento, desenvolvendo ou atrofiando alguns de seus órgãos. Portanto, qualquer constituição, física ou moral, ou social, ou individualmente humana, só pode ser essencialmente móvel. Apenas no caso de homens ou povos mumificados, a constituição pode permanecer de alguma forma estacionária.

Ora, não sou eu apenas que o afirma, são os fatos que falam, é a lei da natureza que assim ordena e nos ensina: abaixo a Constituição escrita da antiga e solene União americana! Ela mente para a constituição moral do povo. Viva o movimento abolicionista! O movimento constitutivo do moderno Progresso! Embora não seja a letra da Constituição legal, ele não deixa de ser, e da forma mais certa, o espírito verdadeiro e vivificante da constituição moral do povo.

III


Já há muito tempo existe antagonismo entre o Sul e o Norte, ou seja, entre os homens que desejam perpetuar e ampliar a escravidão dos africanos, e aqueles que querem restringi-la, aniquilá-la, e seus intrépidos companheiros deram testemunho disso diante do mundo e do alto dos patíbulos. Foi de um patíbulo, onde os fazendeiros de então pregaram-na em cruz, que há dezoito séculos se revelou uma nova filosofia, hoje envelhecida… E foi também de um patíbulo, o patíbulo de Charlestown [2], que foi revelado recentemente, afirmando-se claramente, o irreprimível conflito. Sem dúvida, nem Brown nem Jesus produziram o movimento que os fez agir: eles foram tanto a aurora quanto o eco da grande voz pública, um resumo harmônico de todas as notas da escala humana ressoando clandestinamente contra o escravismo: e foi isso que fez com que ambos subissem para o suplício como para uma apoteose, sabendo intuitivamente que, no caminho do Progresso, é só em aparência que se sucumbe para, na realidade, se renascer na marcha triunfal de seus seguidores e vingadores. Por mais que a coroa de espinhos ou o capuz tentem silenciar a Ideia na fronte majestosa reputada criminosa, a Ideia, pela boca de seus mártires, como através de um trompete universal, proclama o Julgamento, de início mental, mas logo oficial, da Multidão, o advento da nova ordem social que se inicia, o toque fúnebre da velha ordem que finda.

Tanto os crucificadores da Judeia quando os estranguladores da Virgínia perseguiram um homem acreditando que, ao destruí-lo, também estivessem destruindo o sopro que nele vibrava; mas, quebrado o instrumento, ele logo revibra, clamor prolífico, através de milhões de bocas, cornetas incessantemente renascentes da imperecível Multidão. E não é a Multidão o amplo, o fecundo peito do qual o inovador crucificado ou enforcado seriam apenas a palavra fugitiva? O seio colossal do qual jorra todo pensamento eloquente e sonoro? E quanto à impertinente e louca pretensão de comprimir o movimento de seus pulmões, de impedir sua voz de se fazer ouvir, a frase que ela articula de se perfazer? Podem tentar à vontade!… Todos os patíbulos do mundo, todas as fogueiras, todas as forcas de todas as épocas, pesariam menos em sua mão gigantesca do que um punhado de fósforos na de vocês, montes de Liliputianos.

IV


A República americana, tão revestida de instituições monárquicas, mas baseada no protestantismo em religião, e no liberalismo em política, ou seja, no princípio de negação do absolutismo autoritário, pertence fatalmente ao estado de progresso filosófico e social, ou correria risco de suicídio. Nada mais natural que ela seja o pesadelo dos partidários da eterna e absoluta Autoridade, das quais os célebres filhos de Loyola são os táticos universais, os generais em comando, os Reverendos Pais e Tutores. Assim, não é de hoje que essa corja católica e inquisitorial trabalha pela perda desse simulacro da República. Os Jesuítas sabem que a escravidão é a lepra viva que deve destruí-lo, caso o Norte não a arranque de seus flancos empregando o ferro e a chama, o pensamento e a ação libertários. Desse modo, eles se estabeleceram de longa data em todos os cantos e recantos da União. No Sul, como em 1792 na Vendeia [3], como antes das Jornadas de Junho por toda a França, eles atiçam o fogo da guerra civil, e impulsionam os estados agrícolas à Secessão, os exploradores à Reação.

Espojando-se no arsenal da intriga e da calúnia, eles enchem seus odres de duas caras e os esvaziam aos poucos, nos ouvidos daqueles que funcionam como para-raios durante a tempestade; eles armam esses novos chouans [4], com a fúria hidrofóbica do proletarismo ameaçado no cérebro canino desses novos pastores guarda-burgueses e degoladores de humanos. No Norte, eles choramingam hipocritamente, como carpideiras de cerimônias fúnebres, sobre o prematuro fim da União. Assim como do outro lado do Atlântico – após o movimento de Fevereiro até o Golpe de Estado de Dezembro [5] – eles suscitam aqui uma crise financeira fictícia dando a todos seus afiliados a ordem de paralisar os negócios, de apertar os cintos, de trancar com ferrolhos triplos seus cofres, para atemorizar todos os barões e baronetes do Capital, de perturbar o comércio e a produção, de suspender provisoriamente todo trabalho, induzindo assim, com o auxílio de insinuações pérfidas, os produtores e comerciantes do Norte, manada sempre numerosa de ignorantes, a acreditar que a atual crise artificial, criada artificiosamente pelos democratas-escravagistas para aterrorizar a população dos Estados-Livres, e que é obra da oligarquia sulina, inteiramente sua obra e nada mais que sua obra, seria ao contrário, obra dos republicanos-abolicionistas.

Aliás, esse espantalho é mais imaginário do que realmente terrível. Como o cano da pistola com que um bandido raquítico ameaçaria num canto de bosque algum robusto viajante (pistola vazia de pólvora e de balas e que só possuiria um tiro). Se o robusto viajante desconfiar do embuste, bastaria que ele estendesse o braço na direção do pequeno vagabundo para que este fugisse a todo vapor. Da mesma forma a crise fugiria se o gigante do Norte, em vez de se deixar intimidar, ousasse olhá-la no fundo dos olhos e lhe dissesse: “Pigmeu suma de meu caminho!”.

V


Americanos, atenção: abram os olhos e os ouvidos. É a Companhia de Jesus, essa temível organização tenebrosa, cujo princípio é transformar qualquer indivíduo ou nação em cadáver, um corpo maquinal do qual ela se reserva ser a força motriz; foi ela, não duvidem, que incubou e fez eclodir o acontecimento da Secessão e o governa em proveito próprio. São suas mãos que detêm os fios que movimentam os fantoches democrata-escravagistas, os cavalheirescos chicoteadores de negros, os reacionários tanto do Sul quanto do Norte, os renegados do partido republicano-abolicionista, os ponderadores políticos, os governantes em expectativa, assim como, entre outros, Lamartine-Seward [6], esse ministro-sirene do futuro gabinete, destinado a adormecer ou extraviar a opinião popular que se manifestou triunfante na última eleição presidencial. A Companhia de Jesus, através do instrumento do confessionário, onde vêm se ajoelhar milhares de criados irlandeses, sabe tudo o que acontece em suas casas burguesas, e através das relações dessas mulheres e das operárias da mesma nação com seus amantes ou maridos, também o que está acontecendo na mansarda e na oficina do proletário. A metade dos seus empregados de escritório ou loja é formada de irlandeses, animais católicos, e que se prestam como espiões da Companhia de Jesus. Bom número de franceses de todas as classes se alista nas seções dessa sociedade de malfeitoria secreta. Os padres jesuítas levaram quase três quartos de século para tramar sua rede e com ela já cobriram a União. Agora, como autoritários caçadores de pássaros, imaginem o que eles não farão brilhar a seus olhos, pobres americanos, para aprisioná-los como andorinhas? Vocês esvoaçam ao redor do perigo e nem parecem desconfiar disso.

Quem muito viu pode ter muito compreendido. Então, ouçam! Pois, eu lhes digo, se vocês não enxergarem segundo a lógica libertária, essa será a história de amanhã. Mas, em primeiro lugar, vamos relembrar num curto histórico os fatos que provocaram a situação: a exposição do passado é uma baliza para o que deverá se seguir.

VI


Os filhos da Grã-Bretanha, essa terra do livre exame, os emigrados do outro século para o solo da América, não podendo suportar por mais tempo o jugo vexatório da autoridade metropolitana, dilaceraram pela palavra e a espada o velho pacto ao qual os tinham amarrado os pais legais da mãe-pátria: eles proclamaram a independência e a união das colônias insurgidas. A República do pavilhão constelado de estrelas foi inaugurada por esses descendentes de regicidas, sobre os trapos da Constituição real lacerada e lançada aos quatro ventos. Foi desde então que a raça das Missões Jesuíticas encaminhou-se para esse jovem rebento de liberdade para aí tomar posição, e na época da maturidade da árvore, devorar seus frutos como um verme roedor. A escravidão dos negros existia na Constituição real: vergonhosamente, a Constituição republicana a manteve, para não melindrar os preconceitos sórdidos de muitos patrícios, proprietários de hilotas [7], e formar com todos os Estados um feixe capaz de resistir à invasão, caso a coroa da Inglaterra persistisse em querer recuperar suas possessões perdidas. A hora do abolicionismo universal só ressoava fracamente no relógio das consciências. A Revolução francesa ainda não tinha agitado seu archote de igualdade sobre o Mundo!

Entretanto, a nação americana se desenvolvia. Novas estrelas se acrescentavam constitucionalmente ao núcleo das primeiras: seu pavilhão vitorioso passeava pelos mares suas mercadorias, suas matérias-primas, arrecadando tributos das outras nações; aos produtos do solo vinham se juntar os produtos da indústria; seus trabalhadores brancos prosperavam. Ela parecia possuir, também no plano moral, o vapor que aplicara ao plano físico. Parecia se encaminhar para a grandeza, como uma locomotiva avança para seu destino numa estrada de ferro. E salvo algumas agitações sulinas logo reprimidas, salvo também algumas bancarrotas periódicas atingindo o antigo continente, bancarrotas conhecidas sob o nome de crises, por meio das quais se estabelecia a intervalos cada vez mais próximos o equilíbrio entre seu menos de produção e seu mais de consumo; salvo principalmente seu vício capital, o pecado da escravidão, ela podia iludir, e ser considerada na má sociedade dos Estados atuais como modelo para os Estados. Mas eis que repentinamente a mão da decadência agarrou-a pelos cabelos na via férrea de sua grandeza, emperrando suas rodas!

A constituição legal e inamovível foi a causa da prematura decadência da República americana; foi isso que entravou seu livre desenvolvimento, confinando-a aos lençóis petrificados de seu berço. Um povo, da mesma forma que um homem, não pode consumir mais do que ele produz, sem logo expor-se à punição pública, à falta cotidiana do necessário. E devo dizer, o Povo dos Estados Unidos produz menos do que consome, como atestam as estatísticas de importação e exportação. Por que isso acontece? É o que iremos ver. Novos emigrados, como os emigrados de antes de 1776, deixam todos os dias o solo ingrato da velha Europa, que se tornou estéril devido às instituições autoritárias, e vêm pedir à República do Novo Mundo o emprego de suas faculdades produtivas e consumistas. A constituição republicana dos Estados Unidos de hoje, como a constituição real das colônias de antigamente – longe de acolher com ardores amorosos esses trabalhadores cujos braços são poderosos instrumentos de prosperidade coletiva – trata-os como madrasta; entrega-os indefesos à avidez dos exploradores, abandona-os à mercê das talhas e corveias do senhor. Ela só sabe abrigar maternalmente a imunda feudalidade, capitalistas, vendedores parasitas, políticos e bíblicos, negociantes de leis divinas e humanas, devoradores desavergonhados de contribuintes. Assim, tanto deste lado do Oceano quanto em sua outra margem, o proletariado aumenta diariamente em número e miséria: vai se amontoando sobre a cena pública; de forma que, mal tendo sido abolida a escravidão direta e seccional, a dos negros, irá surgir repentinamente a questão dos escravos brancos, o abolicionismo da escravidão indireta e universal.

Cabe aos proletários, esses emigrados de todos os países e os novos colonos da América; cabe a eles, como coube aos emigrados de há três quartos de século, libertar-se do jugo vexatório da Constituição, lacerá-la, e substituí-la por uma obra socialista, outra Declaração de Independência dos Trabalhadores-Unidos.

VII


Os jesuítas, que vigiam atentamente qualquer pulsação do Progresso para sufocá-la, sabem que o partido republicano-negro, uma vez engajado na via da emancipação, deverá logo ceder passagem para a massa de republicanos de qualquer pele, abolicionistas do Proletariado. O Progresso é como uma engrenagem de moinho: depois de abocanhar o dedo da Resistência, também irá agarrar a mão, depois o braço, depois o restante do corpo. É por isso que os Jesuítas, ainda que o Sul pereça, lutarão sem misericórdia, sob a máscara dos fazendeiros, para salvar o princípio de autoridade. Seus sectários nos Estados Livres contam-se por milhões, nas hordas de irlandeses cuja imigração, não sem cálculo, eles sempre facilitaram. Já corre o boato no Norte do recrutamento secreto, num objetivo não confessado, de dezembristas [8]. Pois as coisas se passam por aqui de forma quase idêntica às que aconteceram na França, antes do 24 de Junho [de 1793] [9] e do 2 de Dezembro [de 1851] [10]. Os jornalistas e oradores devotados à Companhia de Jesus destilam na sombra o veneno, fazendo-o jorrar cotidianamente de seu alvéolo venal. Eles travestem o sentido das palavras: qualificam com o nome de Revolução a Reação escravagista contra o movimento abolicionista, como em outro momento, em 1848, qualificavam com as palavras honestos e moderados os burgueses massacradores de Ruão e de Paris. Eles falam de “plebiscito, de apelo ao povo”, como falavam em 1793 para arrancar o traidor Capet do gládio justiceiro da Convenção [11] – certos de que o escrutínio os favoreceria hoje, como favoreceu os desígnios da Ordem em dezembro de 1851, ainda que devam empregar para pressionar os votos, os mesmos pérfidos e sangrentos meios. Finalmente, eles imploram, juram, invocam céu e terra, e insinuam caridosamente que seria preciso que o nosso bom Deus pai nos enviasse um homem providencial que concentrasse em sua pessoa todos os poderes, para salvar a União. Alquimistas políticos, do fundo de seus laboratórios de redação vão inflamando a opinião pública, preparando-a para receber a Ditadura, cadinho de onde deve sair sua pedra filosofal, ou seja, o cesarismo imperial.

Como os jesuítas, esses selvagens guardiões do absolutismo, essas horríveis vestais de batina, cuja missão é alimentar sempre e por toda a parte o fogo sagrado da arbitrariedade, não podem permitir que Lincoln sente-se na poltrona presidencial, pois moralmente isso significaria, para os escravagistas, o impulso à engrenagem abolicionista: eles vão tentar sob o nome político do Sul, e em uma hora noturna qualquer, apoderar-se antes de 04 de março do Capitólio e da Casa Branca, para aí instalar alguma combinação conveniente, um Poder dito de Salvação-Pública, talvez sob a forma de um desertor do partido republicano, homem-isca lançado para seduzir os ingênuos e fazê-los engolir o anzol: o princípio de autoridade. Uma vez dado o Golpe de Estado, uma vez armada a cilada, irá ser convocada sua sanção pelo Povo (plebiscito). E o Povo surpreendido, a plebe, por um momento perdida ou intimidada, e apesar da sua consciência que dirá não, mas na esperança de colocar fim à crise e de ver retornar o trabalho, a plebe, enfim, habituada pela Constituição a delegar sua soberania, responderá: Sim! Como a plebe da França em 1851 [12]. Entronizada a Ditadura, isso significará para a República dita do self-gouvernment a última agonia. Pouco depois, nesse leito de Procusto [13], numa operação cesariana, ela irá parir por inteiro a Monarquia.

VIII


Americanos, esse é o plano dos jesuítas. Eu o denuncio a vocês. Vocês são homens para desmanchá-lo? Temo que não. Como o povo de França, vocês admiram os espertos, os smarts; os políticos de vocês, tanto aqueles que querem defender quanto os que querem violar a Constituição, são aqui, como na França no 02 de dezembro [de 1851], personagens desconsiderados, inimigos ambos da liberdade industrial e intelectual do proletariado. A sua Constituição e suas assembleias legislativas lhes impõem vergonha e miséria, as leis sobre os escravos fugitivos e do domingo e as leis protetoras dos [privilégios] do Rico e atentatórias aos direitos dos Pobres. Gemendo sob os sofrimentos que os massacram, vocês ainda não entenderam qual é o remédio. Que pena! Como há dez anos seus irmãos do velho continente – vocês têm nove chances contra uma de cair na armadilha que espreita seus passos! É provável que não sigam o conselho que lhes dou. Nessa questão, como na questão das greves. Ainda desta vez devo ter pregado no deserto. Não faz mal, o que não está maduro, amadurecerá, a ideia semeada não está perdida para a colheita. A boa palavra, que hoje se chama Socialismo, mas que antigamente se chamava Cristianismo, não saiu triunfante do deserto? Mais de um profeta precedeu o Messias!…

Profetas da Nova Ciência, não cansemos de professá-la. Ela já teve seu Jordão, o Sena! Onde foi batizada em Junho de 1848 [14]!… Se, por infelicidade, eu tiver que presenciar ainda o sucesso deste outro golpe de Estados dos jesuítas, que os democrata-escravagistas levem a melhor e violem a União; pois bem, eu vou me consolar imaginando que os jesuítas, que são seus diretores ocultos, no final das contas e depois de todas as suas vitórias, só conseguiram propagar o incêndio que eles queriam apagar, a ideia revolucionária que queriam sufocar. Bombeiros enfeitiçados, quando pensavam estar lançando água, era óleo que jogavam no fogo!… Tomo como testemunha aquilo que acontece neste tempo do outro lado do Atlântico, nessa Europa sujeitada onde eles reinam e que se encontra às vésperas de uma transformação social universal.

IX


Mas para voltar à questão americana. Não há nada simples no mundo, tudo é composto; e os complôs dos jesuítas são como qualquer outra coisa. Os jesuítas não são gente de ter apenas uma corda em seu arco, uma única flecha em sua aljava. Caso a corda do golpe de Estado arrebente, se eles não conseguirem fazer com que os conjurados escravistas tomem a capital federal, e se fracassarem em seu projeto de apelo ao Povo, eles irão lançar mão da Secessão, e usarão sem escrúpulos essa corda. Uma vez inteiramente operada a divisão entre o Sul e o Norte, seria necessário que eles fossem muito inábeis para não conseguir organizar enquanto monarquia os 14 Estados sulistas, e garantir para essa monarquia a aliança da França imperial e de todas as outras nações católicas sobre as quais exercem controle: até mesmo a aliança comercial da Inglaterra. Ali, nesse regaço do escravagismo, em meio a seus caros filhos, os fazendeiros, seus esforços seriam infalivelmente coroados de sucesso, a menos que a insurreição servil entrasse em jogo, e que armada com a tocha e o gládio, ela também redigisse, com traços de sangue e chama, sua Declaração de Independência, a liberdade das colônias africanas, a decadência do Poder dos fazendeiros.…

X


Expus a situação. Mostrei os perigos. Vejamos quais são os meios de conjurá-los.

XI


O proletário branco é o irmão natural do escravo negro, deve-lhe seu apoio, e ele seguramente o daria se não estivesse aprisionado pela Constituição. Não há dúvida que se tomássemos cada americano em separado e perguntássemos sua opinião sobre a escravidão, a grande maioria responderia com sua condenação; e isso não somente no Norte, mas também no Sul. Apenas a violência e a astúcia governamentais impedem que tanto o Norte quanto o Sul a manifestem. No Norte, pelos editos dos governantes oriundos da intriga e da corrupção, e que relegam à condição de párias os homens de cor livres, visando alimentar, na plebe branca, preconceitos absurdos, tornando-a moralmente escrava, para governá-la mais facilmente e para a perpetuidade; de maneira que, nos próprios Estados livres, o proletário branco não ousa tratar como igual seu irmão, o proletário negro, com medo de atrair a reprovação dos gentlemen, a acusação de seus patrões e senhores de todo tipo; de forma absolutamente igual àquele que, liberado de toda superstição em Deus, não deixa de ir ao templo, para um casamento, batismo ou enterro, temendo ser notado pelos detentores do capital, de todos os tiranos políticos e religiosos, e de ser, como ateu, privado de seu ganha-pão.

No Sul, é ainda pior. Lá, para ousar manifestar uma opinião abolicionista, é preciso enfrentar a prisão, o cadafalso, o punhal, o revólver, o espancamento, suplícios bárbaros e cruéis, a lei de Lynch [15] infligida por bandos de loffers a soldo dos fazendeiros e de sua criadagem política, os corpos legislativos e executivos do Estado. Existem no Norte homens que falam da inferioridade dos negros. Supondo-se que eles próprios não sejam inferiores aos negros (e eu seria bem tentado a pensar isso constatando seu lastimável raciocínio), que eles se deem ao trabalho de visitar certos bairros de Nova Iorque; que aí contemplem um pouco essas horríveis faces irlandesas, esses homens, essas mulheres, essas crianças que nada têm de humano e que, no entanto, desfrutam do título de cidadãos livres – opróbrios da República – escravos da Fé, e que o pastor da Igreja romana conduz com golpes de hissope nas sendas do cretinismo!… E vamos ver se depois disso, eles ainda vão ousar apregoar a superioridade dos brancos sobre os negros. Eu os desafio a encontrar algo tão ignóbil e feroz quanto os traços dessas bestas brancas, desses seres, nascidos para fazer homens e degenerados em animais católicos! Oh, Religião! É nisso, entretanto, que transformas a criatura, humana! Que bela imagem de teu Deus!!! Se os negros dos Estados Livres não são mais desenvolvidos do que são, a culpa é da interdição que faz pesar sobre eles a legislação branca, e da Religião, que lhes ensina a submissão frente aos dominadores, em vez da revolta.

Há no Sul homens que falam da necessidade dos escravos negros para se cultivar o algodão; esses são os proprietários das plantações algodoeiras. O proletário branco, eles dizem, não poderia fazer esse trabalho; o sol o mataria. Tocante e meiga filantropia desse crocodilo! E que combina realmente muito bem com esses anfitriões das margens dos pântanos! Como então acontece que, no Sul, onde supostamente tanto se teme expor os brancos à cultura do algodão, sejam precisamente esses mesmos brancos que realizem os trabalhos mais assassinos e, além disso, os realizem excluindo os negros? Digam, por favor, quem é que desbrava as terras virgens!? Quem abre as estradas? Quem escava os canais? Quem, nas barragens infectas e escaldantes dos rios, carrega e descarrega os barcos a vapor? Quem? Digam! Não são os brancos? Esses brancos não estão, sim ou não, nessas ocasiões, à mercê dos raios fulminantes do sol? Estariam eles protegidos dos miasmas pestilentos quando remexem com a pá ou a enxada a terra fétida do canal que escavam ou da estrada de ferro que aterram? Respondam, escravagistas, seus covardes impostores! Por acaso vocês se arriscariam a colocar os negros de suas plantações nesses trabalhos? Não! Pois vocês, comerciantes de carne humana, sabem que a febre os dizimaria, e por isso preferem sacrificar a vida dos proletários brancos do que as dos escravos negros, já que estes são sua propriedade, um rebanho com valor, e os outros não custam nada. Como Napoleão I, esse açougueiro de campo de batalha que, na sangrenta arena em que os cadáveres eram contados, lamentava o número de cavalos mortos e permanecia impassível diante das pilhas de cavaleiros assassinados, vocês dizem: os proletários podem ser substituídos! A fome, esse recrutador forçado, vai nos enviar outros!

A escravidão direta dos negros, essa abominável monstruosidade moderna, é um anacronismo em um século onde vibra a questão de emancipação dos escravos brancos, a libertação do proletariado. Na verdade, hoje não é mais pelos argumentos da palavra que deveríamos responder a esses energúmenos de outra época, a esses refugos e fantasmas do baixo Império Romano, mas sim pela espada e o canhão. Os beneficiários e apoiadores de tal sistema estão fora da lei humana. Não há o que discutir com essas existências de canibais, civilizados sulinos que parecem esculpidos com o limo dos crocodilos… Só nos resta suprimi-los! Qualquer compromisso com o escravagismo é um crime. Necessário é o brilho da Justiça!

XII


Falou-se de Plebiscito, de apelo ao Povo. Pois bem, isso que acabei de propor, minha solução, também é o apelo ao Povo: não um apelo ao povo efêmero, mas permanente; não um simples plebiscito por um sim ou um não num compromisso redigido arbitrariamente pelos mandarins revestidos das insígnias da autoridade: mas o Povo (e não mais desta vez a plebe, como indica claramente a palavra plebiscito) na posse imediata e constante de sua inalienável, sua imprescritível soberania: ou seja, o próprio povo votando universal e diretamente todas as leis sob inspiração de minha an-árquica iniciativa.

Com o que estão atualmente ocupadas as assembleias legislativas representativas? Com seus interesses particulares e não com os do povo. Com o que poderiam se ocupar as assembleias legislativas universais e diretas senão, direta e universalmente com os interesses do povo e não com os de uma casta? Então, não haveria mais na República o temor de interesses seccionais; apenas o interesse geral faria lei; o interesse soberano de cada um, o interesse individual adicionado seria sua salvaguarda dali em diante. A legislação representativa significa para o povo o alarido dos instrumentos que preludiam representa para a orquestra; a legislação universal e direta é o acordo de todos os instrumentos sob a batuta unitária do interesse comum. Uma delas, a primeira não passa de uma horrível balbúrdia; a outra, a segunda, produziria a harmonia.

Americanos, a legislação direta e universal é o único remédio para o mal que vos gangrena. Enquanto vocês votarem nos seus comícios eleitorais em homens – que na véspera os adulam e no dia seguinte irão devorá-los – em vez de votar direta e universalmente pela lei; enquanto vocês delegarem, isto é, abdicarem do poder em favor de mãos de representantes absolutamente infiéis, em vez de exercê-lo vocês mesmos e se governarem de acordo com suas próprias leis, enquanto, enfim, não se conscientizarem do primeiro de seus direitos como cidadãos, direito de soberania direta, e não o reivindicarem imperiosamente, serão enganados por intrigantes, vítimas de suas ações e gestos; eles os tratarão como súditos, vencidos… desde o mais distinguido com honrarias, o mandatário que ocupa a Casa Branca, até o mais desprezado, o mandante que ocupa os porões de Five-Points [16] – enfim, toda a maçonaria de espertalhões que os roubam e assassinam com impunidade, em nome da organização política e autoritária atual, e sob a proteção latente ou visível dos juízes e policiais, seus cúmplices em prevaricação.

A União encontra-se em grave perigo. Tanto a desagregação dos Estados, como a dos indivíduos, é um fato consumado, que se agrava a cada dia. Há caos por toda parte, na imprensa, no congresso, no poder executivo, nos partidos, seja no partido republicano, seja no partido democrata. Grandes males pedem grandes remédios. Que a doente pereça, caso não possa suportar o remédio que pode curá-la! Pereça a União, se ela não puder suportar a libertação dos negros, a igualdade entre os homens!

O último paládio da escravidão, a Constituição de 1787, foi rasgada cegamente pelo Sul. O governo federal não tem nada para obrigar os Estados seccionistas à obediência. Não me queixo; pelo contrário, só constato. De fato, como em direito, a Constituição do outro século não existe mais. O pacto que unia a vida à morte, a geração presente à passada, não mais existe, está rompido. A bastilha liberticida caiu. Escravos, respirem!… Agora, o dever de cada um dos membros que formavam a União é organizar-se numa nova sociedade em melhores bases, em bases de progresso social, conclamando todo o mundo, sem distinção de sexo nem de raça, ao governo da Coisa Pública.

Aí está a salvação. Não é um homem, mesmo que ele se chamasse Washington, que pode salvar a República, nem cem, nem mil, nem cem mil: é todo o povo. A ditadura de Washington, ditadura bastante especial e exclusivamente militar, foi mais nominal que real: foi por estarem unidos em um mesmo e anárquico sentimento de independência que os colonos dos Estados triunfaram sobre os ingleses. Fora do povo universal e diretamente soberano, não há salvação! Que o povo em sua universalidade faça diretamente o que ele quiser, e o que quer que isso seja, será bom, desde que, tendo-o finalmente recuperado, ele guarde para sempre seu cetro, o voto soberano. Se um dia ele votar uma lei má, caso se ferir, não importa! A legislação direta e universal é como a lança da mitologia, que curava com seu ferro os ferimentos que seu ferro causara: o voto do dia seguinte cura o voto da véspera.

Americanos, vocês desejam ser os operários de seu destino, os regeneradores da União, os promotores de uma nova Declaração de Independência? A partir de agora, que não mais exista Constituição imutável! Que não mais haja correntes que entravem o desenvolvimento das capacidades populares! Mas sim a constatação, a cada dia, pelo voto universal e direto, do movimento perpétuo e progressivo que constitui o corpo social, a individualidade nacional.

Alerta! Americanos! Alerta! Os Jesuítas, os escravagistas, estão às suas portas! Os jesuítas, os absolutistas, batem às suas muralhas! De pé! Contra os inimigos noturnos! Avante! Contra os autoritários!!!!

Povo, salve a República!!

XIII


Neste solo que não me viu nascer e no qual a ira contra a Autoridade me fez buscar um refúgio; vivendo em teu meio, povo americano, que eu gostaria que fosse menos religioso e mais socialista; eu, homem livre do globo, e me considerando em qualquer lugar como em minha pátria, tentei nas páginas precedentes esclarecê-lo sobre os perigos que o ameaçam; tentei iniciá-lo um pouco nas ideias de liberação que vicejam na Europa. Fiz o que ditou minha consciência, o que me impôs o dever. Homens de meu continente lhe trouxeram, outrora, o apoio de suas espadas; voluntário da Revolução universal também coloco minha arma, minha pluma, a serviço de sua causa. Que hoje ela possa pesar tanto quanto o gládio pesou então, no prato de seu livre destino. Possam os homens que falam sua língua traduzir meu pensamento, eco dos pensamentos da multidão natal.

E agora, irmãos de América, se vocês forem realmente os filhos de seus pais, se forem revolucionários na sua época como eles foram na deles, estou aqui engajando com vocês minha vida, meus braços, que são meus únicos bens, e minha honra, pela manutenção do Progresso e a salvação comum, a conquista da liberdade!

Notas:


[1] – Artigo publicado na edição número 27 de Le Libertaire, lançado em 04 de fevereiro de 1861. O texto é uma conclamação aos trabalhadores estadunidenses, negros e brancos, à luta pela legislação direta (anarquia) e contra o imobilismo conservador do sistema político e econômico estadunidense às vésperas, e já no contexto do início da guerra entre os Estados do norte e do sul dos EUA. A chamada Guerra de Secessão começou pouco depois, no dia 15 de abril, quando tropas do sul atacaram o forte Sumter, em Charleston, na Carolina do Sul. A guerra civil terminou em junho de 1865, após a morte de aproximadamente oitocentas mil pessoas, com a vitória do norte. Déjacque retornou à França no final da vida, mas desapareceu sem deixar vestígio (N.E.).

[2] – Déjacque refere-se a execução do abolicionista branco americano John Brown, morto por enforcamento em 1859 após ter liderado uma revolta de negros na Virginia contra a escravidão (N.T.).

[3] – O autor faz menção à guerra civil que aconteceu entre 1791 e 1796 na Vendeia, ou Vendée em francês, na costa da região do Loire entre contrarrevolucionários e as tropas da Primeira República Francesa (N. E.).

[4] – Déjacque se refere ao conflito conhecido como Chouannerie, rebelião de caráter monarquista contra a Revolução Francesa, iniciada por volta de 1792 e que foi coligada ao levante monarquista da Vendeia (N.E.).

[5] – Déjacque elabora várias comparações à situação dos EUA com a da França revolucionária do final do século XVIII, a de 1848 e a do período do Golpe de Estado de Luís Napoleão, em 1851. O autor não se alonga na explicação desses fatos históricos, provavelmente por supô-los conhecidos aos seus leitores. Por isso, tais analogias serão detalhadas, em nota, ao longo do texto (N.E.).

[6] – Déjacque refere-se a William Seward (1801-1872), governador de Nova Iorque, senador e secretário de Estado no governo de Abraham Lincoln que foi um dos mais destacados opositores à escravidão no Partido Republicado. É provável que Déjacque compare Seward a Alphonse de Lamartine (1790-1869), poeta e diplomata francês que participou da experiência republicana de 1848 e foi opositor ao golpe de Luís Napoleão (N.E.).

[7] – O autor usa a expressão “hilota” como sinônimo para “escravo”, pois assim eram nomeados os escravos entre os espartanos na Grécia Antiga (aproximadamente do século IX a.C. ao I a.C.), ainda que em Esparta essas pessoas fossem propriedade da pólis e não de indivíduos (N.E.).

[8] – Expressão derivada de “setembristas” (“septembriseus”), nome dado aos participantes dos massacres dos prisioneiros políticos em setembro de 1792 (N.T.).

[9] – O autor faz menção ao período de radicalização política e social dentro do processo revolucionário francês que se iniciou com o golpe sans-culotte contra os grupos da burguesia girondina e a promulgação de uma nova constituição em 24 de junho de 1793 que procurou aprofundar a declaração de direitos de 1789. Nos meses que se seguiram, o grupo reunido nos Comitês de Salvação da Pública, liderados por Maximilien Robespierre (1758-94) e Louis-Antoine de Saint-Just assumiram relevo até controlarem o Estado iniciando o período conhecido como “Terror” a partir de outubro desse mesmo ano até meados de 1794, com a execução de ambos na guilhotina (N.E.).

[10] – O autor faz referência ao golpe de Estado de Luis Napoleão Bonaparte, ocorrido no dia 02 de dezembro de 1851, que levou à dissolução da Segunda República Francesa e posterior estabelecimento do Segundo Império (N.E.).

[11] – Referência do autor a Loius Capet, ou Luís XVI, rei francês condenado à guilhotina pela Convenção em 1793 (N.E.).

[12] – O autor faz menção ao fato de que o golpe de Estado de Luis Napoleão, com a dissolução da Assembleia Nacional e posterior autonomeação como imperador, com mandato de dez anos, tenha sido aprovado em referendo popular (N.E.).

[13] – O autor se refere ao personagem presente numa das lendas de Teseu, na Grécia Antiga. Procusto capturava pessoas e as fazia deitar em um leito de ferro. Como dispunha de duas camas de tamanhos distintos, nunca os cativos estavam adaptados ao leito: ou eram altos demais ou baixos demais. Então, Procusto os amputava ou esticava a fim de que coubessem na cama. Teseu capturou Procusto, aplicando-lhe o mesmo castigo: prendeu-o à cama e, sendo maior do que o estrado, amputou-lhe a cabeça e os pés (N.E.).

[14] – O autor faz referência aos levantes socialistas em Paris, em junho de 1848, contra o retrocesso no processo revolucionário e a guinada conservadora nos rumos da Assembleia Nacional. Os sublevados parisienses, reunindo proudhonianos, blanquistas entre outras vertentes do emergente socialismo foram massacrados por forças militares autorizadas pela Assembleia Nacional em quatro dias de ferozes combates nas ruas de Paris (N.E.).

[15] – Déjacque refere-se à “Lei de Lynch”, método de espancamento e execução sumários conduzido pelo capitão William Lynch durante a guerra de independência dos EUA, no século XVIII, e que se disseminou pelo país no século XIX praticado por grupos racistas voltados contra índios, negros e imigrantes que – muitas vezes oficialmente protegidos por lei – eram assassinados sem passar pelos procedimentos burocráticos e jurídicos do Estado. Do sobrenome de Lynch derivou o substantivo linchamento e o verbo linchar (N.E.).

[16] – Bairro de Nova Iorque ocupado por imigrantes na segunda metade do século XIX, na sua maioria irlandeses, célebre pelas condições de miséria e violência em que viviam seus habitantes (N.T.).