terça-feira, 9 de abril de 2024

As Ilusões do Governo Lula e o novo Ciclo de Lutas Sociais no Brasil

Professores arremessam cadeiras na burocracia sindical que buscava sabotar a greve em Ceará.

Observação: publicamos conjuntamente esse texto com os camaradas da Amanajé Anarquista, Coletivo de Ação Revolucionária Anarquista (CARA), Crítica Desapiedada, Edições Tormenta e Insubordinados Zine a partir de posicionamentos em comum com um prognóstico das lutas em curso.

Abril, 2024.

Com a vitória eleitoral do governo Lula, as esperanças da “esquerda” se renovaram. Muitos acreditaram que isso seria o suficiente para “reconstruir” o Brasil e que, portanto, Lula trabalharia ativamente para ampliar a qualidade de vida dos trabalhadores e proporcionar desenvolvimento econômico e social. Pouco mais de um ano após o início de seu governo, as ilusões começaram a dissipar com a chegada de um cenário de greves por todo o país.

Ilustraremos este cenário destacando ao longo da discussão o exemplo da decisão grevista em Fortaleza, Ceará. No dia 04 de abril, o sindicato APEOC (Associação dos Professores de Estabelecimentos Oficiais do Estado do Ceará) atendendo às reivindicações dos professores da rede estadual, organizou uma assembleia que debateria pautas da categoria (salários, reajustes de carreira, etc.) que não vêm sendo atendidas nos últimos anos. A luta dos trabalhadores da educação em Fortaleza é parte de um movimento maior, nacional, que se espalha por outros âmbitos, como pode ser visto na greve iniciada nos Institutos Federais, dia 03 de abril, na possibilidade de uma greve nas Universidades Federais agendada para o próximo dia 15 [1], e até mesmo na luta contra a regulamentação pelo governo federal imposta aos trabalhadores de aplicativo na categoria de motoristas de carro, que começa a reverberar para a categoria de motociclistas.

Há ainda outras greves e paralisações que estão em curso e merecem atenção. Os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estão desde outubro do ano passado com as atividades de campo paralisadas. Suas reivindicações são semelhantes a outras categorias em greve [2]: aumento salarial e reestruturação de carreira. Como uma das ações de paralisação, os servidores do Ibama suspenderam as análises de novas licenças ambientais, o que tem impactado nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo. Essa paralisação surgiu de uma ruptura dos servidores com a mesa de negociação que veio enrolando os servidores por todo o ano de 2023.

O que se observa no caso do Estado do Ceará e de outros Estados brasileiros é a execução de políticas vinculadas ao capital. A burocracia governamental, no âmbito municipal e estadual, seja de “esquerda” (progressistas) ou de “direita” (conservadores), segue a diretriz imposta pelo governo neoliberal de Lula, o atual representante dos interesses da burguesia (nacional e internacional). Prosseguindo com as diretrizes pautadas pelo governo anterior, Lula, ao lado de seus ministros e demais cúpulas burocráticas do estado, implementa estratégias visando favorecer a classe capitalista e suas frações (o capital bancário, industrial, educacional, etc.). Em consequência, os setores já fragilizados, tais como a educação e a saúde, enfrentam uma maior deterioração, inviabilizando sua permanência em determinadas áreas do território brasileiro.

Assim, o governo Lula representa a continuidade das políticas do governo Bolsonaro, embora adote uma postura ligeiramente mais moderada e conciliatória. A estratégia de ataque aos direitos e condições de vida da classe trabalhadora, bem como a diversos outros grupos sociais e setores descontentes da sociedade, prossegue com voracidade. Estes ataques impactam também a educação, traçando um futuro sombrio no capitalismo neoliberal subordinado. Entre as políticas neoliberais adotadas por Lula, destaca-se a política de austeridade fiscal (vista no “arcabouço fiscal”). A famigerada “responsabilidade fiscal” representa uma política de austeridade que significa contenção de gastos, restringindo principalmente os gastos primários, como em saúde, educação, previdência etc., e direcionando grande parte do orçamento estatal para o pagamento da dívida pública.

O processo de reprodução ampliada do capital no Brasil, conhecido como “crescimento econômico”, tem apresentado índices de estagnação nos últimos anos, especialmente após o segundo governo Dilma. Os “cortes” e “ajustes” expressam bem o vocabulário tecnicista e ardiloso dos últimos governos neoliberais no Brasil, correspondendo às necessidades da classe capitalista e das demais instituições financeiras internacionais. A adoção de políticas de austeridade, intensificada pela aprovação do teto de gastos em 2016, exacerbou o problema fiscal de estados, municípios e da união, impactando negativamente o orçamento estatal. A educação, uma das áreas mais atingidas, vive uma ampliação da degradação das condições de vida dos trabalhadores envolvidos, como os professores, técnico-administrativos e subalternos, e, em particular, dos estudantes, o principal grupo social inserido na instituição escolar.

A situação dos trabalhadores da educação no Estado do Ceará não está fora desse contexto. Em discussão, não estão apenas salários ou planos de carreira, mas as condições nos locais de trabalho, a manutenção precária da infraestrutura dos prédios, a falta de perspectivas para a aposentadoria, entre outros aspectos. Contudo, mesmo sem entrar nesses detalhes neste momento, o que se impõe como uma fonte permanente de insatisfação é a divisão fundamental entre dirigentes e dirigidos (aspecto característico das organizações burocráticas), que promove uma representação “democrática” desmentida pela realidade. Esta é marcada por uma separação entre a direção sindical, que afirma representar os trabalhadores, e os próprios trabalhadores, que enfrentam as agruras diárias no chão da escola, completamente abandonados pelos seus supostos representantes. Assim, acumula-se uma insatisfação que, com o passar do tempo, tensiona a relação entre burocratas sindicais e trabalhadores da educação, culminando no episódio do último dia 4 de abril.

Nesse cenário de confronto de interesses, de um lado estão os burocratas, empenhados em manter o controle e a direção do movimento, impondo à “base” as suas decisões previamente estabelecidas entre quatro paredes, dentro de gabinetes e em mesas de negociação inócuas, e do outro, os trabalhadores, que almejam uma gestão coletiva e autônoma de suas decisões. Essa disputa alcançou um ponto crítico com a expulsão, pelos trabalhadores indignados, dos líderes da APEOC da assembleia. A direção do sindicato tentou efetivar um golpe na assembleia, bloqueando a votação e impedindo a iminente aprovação de uma greve da categoria, o que provocou uma reação contrária. Os trabalhadores da educação presentes na assembleia não aceitaram essa manobra típica dos burocratas sindicais, optando pelo confronto e demonstrando que a tensão entre essas duas classes desencadeou uma luta que estava adormecida, sinalizando a possibilidade de uma radicalização desse cenário.

O clima de antagonismo acirra-se com o vínculo do sindicato APEOC e de seus dirigentes com os partidos de “esquerda”: PT, PCdoB e PSOL. O ano de 2024 é ano de período eleitoral nos municípios (prefeituras). Os dirigentes sindicais da APEOC e de outros sindicatos aliados buscam sua autonomização, ambicionando cargos políticos e privilégios com a proximidade do cenário eleitoral, o que os tornam ainda mais alérgicos a qualquer movimentação da “base”. A luta dos trabalhadores da educação no estado é vista como potencialmente prejudicial ao desempenho eleitoral dos candidatos da “esquerda”, de modo que o boicote e disposição dos professores para iniciar uma greve, tendo em vista o processo eleitoral no final do ano, entra em conflito com os interesses do bloco progressista, cujo objetivo é manter a estabilidade e reprodução da sociedade burguesa.

Em outro cenário, se não fosse pelo boicote da direção sindical da APEOC, seria conveniente para seus dirigentes aprovar a votação e deflagração da greve, especialmente em um contexto que pudesse desgastar um possível governo Bolsonaro ou uma prefeitura vinculada a um partido conservador. Isso significa que os interesses da burocracia mudam a cada estação, conforme seus próprios interesses de classe, e a estabilidade dos dirigentes é constantemente posta em disputa com o objetivo de manter a sua reprodução no poder, manipulando os seus “representados” como peões em um jogo de xadrez e segundo a conveniência do momento da luta interburocrática.

Este antagonismo de interesses, evidente em Fortaleza e em âmbito nacional, realça contradições que desafiam as ilusões com o terceiro mandato do governo neoliberal de Lula. O PT se mostra um governo contrário às lutas dos trabalhadores – como era esperado –, opondo-se às lutas em curso com uma política consciente de demagogia e sabotagem. Não somente no Ceará, mas em outras regiões com governos aliados ao PT (visto em partidos como o PSOL na prefeitura de Belém e outros casos), a repressão e criminalização à luta dos trabalhadores é o modus operandi característico da “esquerda”. Isso ressalta a necessidade de uma crítica radical ao capitalismo e de suas principais instituições, como o estado, partidos e sindicatos.

Nesse processo de intensificação da luta, os trabalhadores da educação, no Ceará e em outras localidades, juntamente com trabalhadores de diversos setores, podem vir a perceber que os sindicatos (e toda a classe burocrática, que figura como principal aliada da burguesia) funcionam como aparatos do estado destinados a pacificar os trabalhadores, fazendo com que estes aceitem a sua própria exploração sem contestar as decisões tomadas por seus “representantes oficiais”. Esta função de “representação”, naturalizada no cotidiano, cria a ideia de que as decisões dos trabalhadores cabem somente a uma direção burocraticamente eleita. Como vimos, o exemplo da assembleia no Ceará demonstrou que essa forma de “representação” é uma das formas mais eficazes da burguesia para manter as ilusões democráticas, e por isso, deve ser combatida.

Em outro contexto histórico, os professores da rede municipal de Goiânia e Aparecida de Goiânia, entre os anos de 2008 a 2010, levaram adiante uma greve à revelia da direção sindical (SINTEGO) e da prefeitura e secretaria de educação. Houve a demonstração da força da auto-organização desses trabalhadores que, por meio do movimento grevista, instituíram comandos de greve capazes de conquistar vitórias reais. Os Comandos de Greve possibilitaram colocar em pauta: a) a tomada de decisão independente do movimento grevista, sem depender das assembleias e chamados para paralisações feitos pela direção sindical; b) a ampliação do movimento grevista, integrando a participação de pais e alunos em reuniões periódicas nas escolas para debater questões pertinentes à educação e à greve; c) o fortalecimento dos comandos de greve, por meio da convocação e fortalecimento das reuniões; d) a criação de espaços permanentes de debate e organização nas escolas, nos bairros, etc.

Esse processo de auto-organização da luta, ilustrado pela criação do Comando de Greve em Goiás, levou os trabalhadores da educação a questionar suas condições de salário e de carreira, as normas burocráticas que os oprimiam cotidianamente na escola, as condições precárias de trabalho e todas as relações opressoras presentes no ambiente escolar. A luta autônoma pressupõe a ação direta dos trabalhadores de uma determinada categoria profissional ou classe social, atuando por conta própria e por meio de organizações que eles mesmos criam, controlam, sustentam e mantêm, seja financeiramente, politicamente ou de outras formas.

Maurício Tragtenberg defendia que a luta autônoma no âmbito educacional deveria criar canais reais de participação para professores, estudantes e funcionários, devolvendo a gestão da educação aos diretamente envolvidos no processo educacional, ao invés de delegá-la a uma burocracia (escolar, sindical, etc.) externa. Da mesma maneira que o capitalismo reproduz a competição e antagonismo entre as classes sociais, a luta de classes oferece a possibilidade de superar esses antagonismos, desenvolvendo formas de solidariedade entre os trabalhadores, como é possível no caso dos trabalhadores da educação e, em um plano maior, na união e luta pela autogestão de toda a sociedade com a entrada em cena da classe proletária.

Enquanto a burocracia sindical coloca-se como inimiga dos trabalhadores da educação no Ceará, acusando-os de arruaceiros, vândalos e até fascistas, e conta com o apoio de seus semelhantes, aos trabalhadores resta a luta através da auto-organização e enfrentamento direto a esses inimigos, sem se deixarem intimidar com as suas ameaças. O caso no Ceará é emblemático e sinaliza para um possível ressurgimento do ciclo de lutas autônomas durante o governo do PT. Esperam-se novos confrontos que devem reacender a crítica radical e oposição ao verdadeiro significado da democracia: um regime político que assegura a dominação da burguesia e seus aliados. A democracia e a ditadura são duas faces de uma mesma moeda, onde o discurso ilusório do governo atual serve apenas para camuflar seus verdadeiros interesses, que consiste em ser um grande obstáculo para o avanço da autoemancipação dos trabalhadores.

Amanajé Anarquista
Coletivo de Ação Revolucionária Anarquista (CARA)
Communismo Libertário
Crítica Desapiedada
Edições Tormenta
Insubordinados Zine


Notas:


[1] – Nas Instituições de Ensino Federais (IFEs), os técnicos-administrativos em educação (TAEs) saíram na dianteira, impulsionando a construção de um movimento grevista em prol de reivindicações semelhantes, sobretudo a recomposição salarial com cálculo anual do reajuste e a reestruturação da carreira. Isto segue um itinerário que é comum no sindicalismo na área da educação “pública”: os membros das diretorias das seções locais convocam a greve em suas assembleias nacionais, incorporando na pauta os problemas reais e motivadores da greve, como falta de investimentos, cortes, etc., e junto com a pauta motivadora, reivindica-se outra de caráter corporativista, como reajuste salarial e plano de carreira. Em seguida, coloca-se a greve para aprovação e a extensa pauta é debatida na assembleia nacional da categoria, sendo este momento sucedido pela adesão das universidades e institutos federais, como visto recentemente nas assembleias do Andes e da Fasubra. Na assembleia organizada pela Fasubra, os técnicos-administrativos deliberaram uma greve nacional com início no dia 11 de março. Por sua vez, o 42º Congresso do ANDES-SN, sindicato que “representa” os docentes, deliberou por unanimidade a construção de uma greve unificada do funcionalismo federal para o primeiro semestre deste ano (Circular nº 067/2024 do sindicato) com demandas semelhantes às dos técnicos (com indicativo de início da greve para o dia 15 de abril).

[2] – Tanto os docentes, quanto os TAEs e também os servidores relacionados às questões ambientais, receberam propostas de reajuste semelhante: 9% parcelado entre 2025 e 2026, com reajuste de 0% em 2024.


[3] – Dentro de como foi aprovado, o arcabouço estabelece que os gastos devem ocorrer atrelados com a arrecadação, isto é, certo percentual de recursos pode ser utilizado a partir de determinadas metas de receitas atingidas. No caso da área da educação, a equipe econômica do governo já deixou claro que quer estabelecer novas regras para o piso da educação, o que, por sua vez, revela a intenção de cortar investimentos nessa área visando adequá-la ao arcabouço fiscal. Além dessa adequação que irá restringir tais investimentos, existe o agravante da proposta de déficit zero que objetiva zerar o déficit fiscal em 2024. Na prática, isso significa reduzir mais ainda os gastos primários, ou seja, uma margem ainda mais restrita para investir não só em educação, mas em qualquer área social. A adequação do piso educacional e a meta de déficit zero, aliados com possíveis frustrações na arrecadação, como uma desaceleração na economia, torna a situação catastrófica para os trabalhadores e setores descontentes da sociedade, e ótima para a burguesia e seus aliados.

[4] – A estratégia de certos intelectuais reformistas, alinhados com o PT, de desencorajar movimentos grevistas sob a premissa de que tais ações poderiam, inadvertidamente, fortalecer a extrema direita, exemplifica um esforço para simplificar e desviar as questões centrais da luta de classes para uma disputa entre partidos políticos. Essa posição política tem o efeito de deslegitimar e suprimir o surgimento e o desenvolvimento de quaisquer lutas radicais – sejam elas espontâneas, autônomas ou revolucionárias - sob o governo atual.


[6] – O comando de greve, também conhecido como comitê de greve ou comando de luta, é uma entidade distinta da direção sindical, representando uma forma organizativa da “base”. Sua relação com a direção do sindicato pode variar, sendo colaborativa, contrária, ou independente, conforme a dinâmica da luta de classes. A formação de um comando de greve é um meio pelo qual os trabalhadores, anteriormente dispersos e isolados pelo cotidiano alienante de seus locais de trabalho, unem-se através de um interesse em comum. No núcleo desta ação está a luta de classes. A burocracia sindical encontra-se em oposição aos interesses dos trabalhadores que pretende representar, impondo-lhes sua direção, controlando suas ações e, frequentemente, agindo contra os interesses da “base”. Por outro lado, o comando de greve, que pode ser formado por indivíduos de diversas classes sociais, como proletários, subalternos e intelectuais, emerge como uma força política alternativa. Em diversos contextos, essa força se posiciona contra ou até mesmo supera a direção sindical, alterando a correlação de forças em uma luta concreta. O surgimento de comandos de greve autônomos demonstra a força da auto-organização e da capacidade dos trabalhadores de se mobilizarem em torno de suas próprias demandas e interesses, independentemente das limitações e interesses da burocracia sindical.

domingo, 14 de janeiro de 2024

Contra a criminalização da revolta e o aumento do custo de vida, insurreição proletária já!

Manifestantes seguram faixa com frase “R$ 5 não” durante protesto no centro de São Paulo. Fonte: Ponte Jornalismo.

No primeiro de janeiro de 2024, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) realizou o aumento das tarifas de Metrô, trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e trens metropolitanos privatizados. A passagem subiu de R$ 4,40 para R$ 5,00! Esses 60 centavos não são apenas um aumento pontual na tarifa, mas sim uma parte do aumento generalizado do custo de vida do proletariado nos quadros da crise capitalista [1].

Junto com o agravamento da exploração capitalista se intensifica a revolta proletária que também gera como reação um aumento da repressão. Nesse sentido, o Movimento Passe Livre (MPL), convocou uma manifestação no dia 10 de janeiro em frente ao Theatro Municipal, no Centro da capital paulista. No dia do protesto, a Polícia Militar de São Paulo deteve aleatoriamente 25 pessoas e acusaram 15 de associação criminosa, corrupção de menores e tentativa violenta de abolição do Estado democrático de Direito, com base na Lei 14.197/21 que substituiu a LSN (Lei 7.170/1983). Vale mencionar que essa última havia sido usada contra manifestantes em 2013. Além disso, a força policial impediu a queima simbólica de uma catraca de ônibus, característica das manifestações do MPL.

A lei usada para criminalizar a revolta proletária é a mesma que a socialdemocracia usou contra os bolsonaristas em ocasião do levante reacionário do dia 08 de janeiro de 2023. Ainda em novembro de 2022 alertávamos acerca da escalada da repressão em qualquer dos lados da polarização burguesa (ver: “A continuidade da polarização burguesa”). Um ano depois dos atos bolsonaristas, a socialdemocracia convocou e realizou manifestações “em prol da democracia” por todo o Brasil no 08 de janeiro de 2024, demonstrando sua capacidade de assimilar as massas proletárias para impedir e desorganizar qualquer tentativa de luta que afetasse a estabilidade do governo Lulalckmin. Portanto, além do fortalecimento da repressão, a socialdemocracia também visa a blindagem do governo via aparelhamento e controle ideológico das massas proletárias. É através desse método que o governo federal e os governos estaduais continuaram os ataques que vinham realizando de 2016 até 2022.

Assim, conforme ressaltado no jornal Amigo do Povo (com alterações nossas), os saldos do governo Lulalckmin em 2023 foram os seguintes:

  • A não revogação das reformas trabalhista, previdenciária e da política de preços da Petrobras, além de encaminhar novas reformas como a tributária e administrativa.
  • A criação de um novo Teto de Gastos (denominado de “arcabouço fiscal”).
  • A ampliação das privatizações, incluindo as áreas de Educação, Saúde, Presídios, etc. além de cortes milionários em Saúde e Educação.
  • O Novo PAC voltado para expandir a acumulação de capital da grande burguesia nacional e internacional.
  • O apoio do Brasil em mais uma ocupação militar imperialista no Haiti.
  • A submissão diplomática perante o massacre israelense contra os palestinos.
  • O apoio do governo ao “PL do Veneno” e à liberação de agrotóxicos.
  • A continuidade dos desmatamentos, da violência no campo e das chacinas nas favelas, com o aprofundamento da política de apoio aos militares e latifundiários.
  • A postura dúbia e oportunista em relação ao Marco Temporal e ao Novo Ensino Médio.

Vale ressaltar que essas conquistas da burguesia só foram adquiridas através do aparelhamento socialdemocrata. Neste caso, as direções burocráticas desviaram qualquer descontentamento para as “mesas de negociação” e demais “aberturas de diálogo” que o governo Lulalckimin criou apenas para ludibriar os trabalhadores (uma vez que nenhuma das “mesas de negociação” resultaram em nada de significativo para as categorias envolvidas, apenas um constrangimento de iniciativas de luta).

De todo modo, alguns trabalhadores começaram o ano em revolta contra as manobras do governo, de modo que muitos servidores das instituições de fiscalização ambiental paralisaram atividades e bloquearam o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) [2].

Portanto, é precisamente por esperarem um aumento da revolta proletária diante do necessário agravamento da crise e da piora nas condições de vida que a socialdemocracia está alinhada com os setores mais reacionários da burguesia, numa frente ampla da classe dominante para fortalecer a repressão [3].

Nesse sentido, a detenção e as acusações contra os jovens da manifestação do dia 10 são um passo em direção à criminalização da ação direta dos explorados! Esta situação é de extrema urgência e deve ser respondida à altura! Precisamos organizar um amplo movimento contra a criminalização de nossa revolta e impedir o agravamento da repressão! É necessário lutar implacavelmente pelo fim de todas as investigações contra os detidos e impor a revogação imediata das leis 13.260/16 e 14.197/21.

Para que isso seja possível, precisamos construir um movimento amplo o suficiente em nossa classe, portanto devemos conectar essa luta com a situação geral da decomposição capitalista. Para tanto, defendemos: a formação de um Comitê de Trabalhadores e Usuários do Transporte Coletivo com o objetivo de realizar a expropriação e gestão direta de todo o sistema de transportes (sem a interferência do capital privado ou estatal); a imediata aprovação do passe livre para estudantes e desempregados (e a gradual implantação do passe livre total); um reajuste real do salário mínimo contrariamente à tendência inflacionista (que seria R$ 6.500,00, segundo o DIEESE); a expropriação deve realizar de imediato a ampliação dos empregos com estabilidade total garantida; revogação das reformas (trabalhista e previdenciária) aprovadas nos governos anteriores.

Isso só será possível se nossa classe se organizar autonomamente, a partir dos nossos próprios métodos históricos de luta: a ação direta, com manifestações massivas de rua, bloqueios de rodovias, piquetes e demais ações grevistas subversivas. Só assim conseguiremos força suficiente para vencer a repressão e impor nosso programa. Portanto, além aumentar nossa força nas manifestações contra o aumento das tarifas, devemos derrotar as direções burocráticas das centrais sindicais e dos sindicatos, das entidades estudantis e das associações de bairro, nos mobilizando para a construção de uma revolta em todo o país para impedir o contínuo ataque do capital às nossas condições de vida!

Notas:


[1] – Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) apresentou, na primeira quadrissemana de janeiro de 2024, uma alta de 0,40%, o que implica num acúmulo de alta de 3,15% nos últimos 12 meses. Esse fenômeno é intrínseco à situação de crise do capitalismo que vem se agravando desde os anos 70, quando o capitalismo entra na sua fase de “desvalorização do valor” (Kurz, 2005). Acontece que a inflação é um fenômeno de conflito distributivo, uma vez que resulta da luta entre a classe capitalista e a classe operária pela partilha do valor criado. A inflação é um método da classe capitalista de impedir uma queda significativa da taxa de lucro através da compressão dos salários reais, uma vez que “um aumento geral dos preços, acompanhado por um crescimento mais lento dos salários, conduz ao aumento dos lucros” (Mattick, 1978, p. 37), portanto os capitalistas transferem para a esfera da circulação os custos adquiridos na esfera da produção.

[2] – Os servidores do Ibama estão paralisados desde o dia 3 de janeiro. Suas reivindicações são: aumento salarial e restruturação de carreira, incluindo indenização de fronteira e da gratificação para operações de risco. Como uma das ações de paralisação, os servidores do Ibama suspenderam as análises de novas licenças ambientais. As demandas dos servidores já estavam sendo discutidas na mesa de negociação com o governo durante todo o ano de 2023, mas não obtiveram nenhuma resposta do governo. Provavelmente veremos novos avanços nas lutas como essa, uma vez que as demais mesas reproduzem o mesmo método. Nosso papel é contribuir com as rupturas, coordenar os esforços e construir a direção autônoma do proletariado, conforme as reivindicações de nossa classe.

[3] – Tal como viemos enfatizando em nossos materiais, como a seção 1 (Entre a revolta e a “contra-insurgência”) do texto As vicissitudes da luta de classes brasileira na pandemia capitalista e em nossa Introdução aos Materiais acerca do Ciclo de Revoltas 2018-2021, escrita em conjunto com a editora Amanajé.

Referências:


KURZ, Robert. A DESVALORIZAÇÃO DO VALOR. Disponível em: link. Acesso em: 14 jan. 2024.

MATTICK, Paul. Economics, Politics, and The Age of Inflation. International Journal of Politics, v. 8, n. 3, p. i–143, 1978. Disponível em: link. Acesso em: 14 jan. 2024.