quarta-feira, 6 de maio de 2020

Estudos sobre a Revolta no Equador em 2019

Difundimos aqui nossa tradução de um estudo sobre a Revolta no Equador de 2019 publicado na revista La Oveja Negra, na edição de número 66 (novembro de 2019).



Revolta no Equador


Em 1º de outubro de 2019, o Presidente do Equador, Lenín Moreno, anunciou em escala nacional um pacote de medidas de austeridade econômica em acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que evidentemente, como já sabemos nessas regiões, afetaria as condições de vida e sobrevivência da maioria da população naquele país. Aos empresários reduzem impostos e perdoam milhões de dívidas, enquanto que para as pessoas exploradas há flexibilidade e instabilidade no emprego, demissões, subemprego e maior custo de vida.

Um pequeno texto amplamente divulgado resumiu em quatro pontos como o pacote afetaria o proletariado no Equador:

“1. Eliminação dos subsídios da gasolina e diesel extras: isso significa um aumento em todos os produtos e serviços básicos de consumo em geral. O custo de vida aumenta.

2. Redução de salários: o funcionário público que tiver um contrato ocasional renovado será 20% menor que o salário atual. Cerca de 40% dos trabalhadores têm esse tipo de contrato.

3. Funcionários públicos: doarão compulsoriamente um dia de seu salário por mês ao Estado e terão apenas 15 dias de férias, incluindo fins de semana.

4. Modalidades contratuais: a flexibilidade e a instabilidade do trabalho serão priorizadas, beneficiando assim o empregador” (Rede de Imprensa Popular do Equador).

No dia seguinte, a Frente Unitária de Trabalhadores (FUT), a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) e a Frente Popular (FP) anunciaram uma greve e uma série de mobilizações imediatas. A Federação Nacional das Cooperativas Públicas de Transporte de Passageiros (FENACOTIP) anunciou a paralisação dos trabalhos em 3 de outubro.

Já no início das manifestações que rejeitaram essas medidas de austeridade, podemos ler em um panfleto a necessidade de sair para protestar, mas também a necessidade de ir além se você “realmente deseja parar de apenas sobreviver”:

“As últimas medidas econômicas do governo equatoriano são medidas de austeridade em tempos de crise capitalista, que foram aplicadas e estão sendo aplicadas pelos governos de direita ou ‘neoliberais’ e pelos governos de esquerda ou ‘socialistas do século XXI’ em todo o mundo, porque é isso que a própria lógica do modo de produção capitalista os determina a fazer, em qual se baseia a (ou vive às custas da) exploração da classe trabalhadora. De fato, em tempos de crise, o capital sempre aplica a mesma política econômica contra nossa classe em todos os lugares: ajuste de cinturões ou maior empobrecimento e aumento da exploração.

No caso específico do último ‘pacote’ de Moreno, o primeiro é alcançado pelo aumento do custo de vida devido ao aumento do preço da gasolina (uma vez que se sabe aqui que ‘se a gasolina aumenta, tudo sobe’); e a segunda, com todas as reformas trabalhistas flexibilizadoras e precarizadoras impostas (redução de salários, das aposentadorias, das férias, do pessoal, contratos flexíveis, teletrabalho etc.).

Portanto, o problema não é apenas o governo de ‘pacote’ ou ‘neoliberal’ de Moreno ou do FMI. O problema fundamental é como o Capital nos ataca direta e esmagadoramente como classe trabalhadora em tempos de crise e como podemos responder. A luta é o caminho, sem dúvida. Mas também é necessário analisar de forma autocrítica e estratégica a luta de nossa classe.

(…) Por enquanto, saia para protestar com os slogans ‘abaixo ao pacote’, ‘abaixo à Moreno’ e ‘abaixo ao FMI’, ‘construa afinidade nas ruas’ e faça tudo isso coletivamente, mais ou menos organizado, mais ou menos autônomo, mais ou menos combativo … é necessário e está bem; mas é necessário ir além (como foi dito hoje à noite em uma assembléia que se convocou por aqui): ‘abaixo ao governo’, ‘abaixo os empresários e os banqueiros’, ‘todos vão embora, nem um único permanece’, ‘Abaixo o capital, abaixo o estado, abaixo os governos e todos os seus lacaios’.

Reverter o ‘pacotaço’ e derrubar Moreno (como Bucaram, Mahuad e Gutiérrez foram derrubados nos anos anteriores) seriam verdadeiras ‘vitórias’ para o possível e novo ‘movimento’ de protestos sociais neste país. Mas, sendo objetivo, aqui e agora não há condições reais e forças sociais, o nível real da luta de classes por isso, embora comece por uma razão. Pode ser que esse governo de empresários e banqueiros se livre dele, mas a luta da classe proletária nas ruas tentará evitá-lo e não será em vão. A luta é o caminho e bem ali, você aprende, principalmente com golpes e derrotas, a fim de transformá-los em seu oponente em batalhas futuras”. (Anônimo. Breve análise do “pacote” e dos próximos protestos neste país a partir de críticas radicais. Quito, 2 de outubro).

Na quinta-feira, 3 de outubro, várias organizações sociais em todo o país convocam para organizar uma greve nacional. O CONAIE, juntamente com os setores do sindicalismo tradicional, apoiam a greve para expressar sua oposição ao pacote de medidas do governo. Este anúncio levou ao início de uma série de mobilizações em diferentes partes do país e assembleias permanentes em vários territórios. A intensificação da Greve em Quito é apoiada por uma massiva mobilização indígena na capital. A revogação imediata do “pacotaço” é exigida, ou seja, do Decreto 883, emitido pelo Governo. Cabe assinalar, no entanto, que de 3 a 7 de outubro, aqueles que sustentaram os protestos e motins nas ruas não foram os povos indígenas, mas as massas proletárias heterogêneas da cidade. Além disso, desde 3 de outubro o governo decretou um estado de emergência e reprimiu brutalmente os manifestantes.

Desde a manhã de 4 de outubro, houve uma presença militar e policial em vários setores do país, tanto para enfrentar os protestos contínuos quanto para garantir o transporte. As transportadoras anunciaram o fim da greve para iniciar o diálogo com o governo. E apesar dessa tentativa de fura greve da máfia dirigente dos transportadores, a greve continuou, incluindo a participação de algumas bases dos mesmos transportadores. Enquanto que, em Guayaquil, saques também foram registrados em algumas lojas.

No dia 5, a CONAIE decretou um “estado de exceção” em todos os territórios indígenas, anunciando a retenção de policiais para serem submetidos à justiça indígena (banho de água gelada, urtiga e chicote). Tais retenções já estavam ocorrendo em lugares como Alausí, onde 47 soldados permaneceram detidos até a chegada da governadora. Ao mesmo tempo, se anuncia uma grande mobilização desde Quito.

No dia 6, na Puente de la Unidad Nacional (Guayaquil), um cerco militar e policial é criado. Em Azuay, a primeira morte é registrada. Em Quito, se recebem doações na sede da CONAIE. À noite, tanques militares entram no centro histórico da capital. O ministro da Defesa Oswaldo Jarrín e a ministra do governo María Paula Romo falam em rede nacional à noite, onde dizem que não são tanques, mas “blindados”, que “não há territórios indígenas”, mas apenas o do Estado nacional, eles ameaçam com “não desafiem as forças armadas”, desqualificam os protestos “violentos” e as “notícias falsas” e justificam o terrorismo de Estado e as mentiras da imprensa.

No dia 7, mais de 20.000 “indígenas chegaram a Quito e foram recebidos com aplausos pela população da cidade. As tentativas de conter o avanço foram inúteis: tanques incendiados, delegacias destruídas e policiais fugindo (…), ao mesmo tempo em que milhares de manifestantes chegaram a pé ou em todos os tipos de veículos à capital equatoriana. Enquanto isso, o presidente Lenín Moreno teve que fugir da capital e mudar a Casa do Governo para a cidade de Guayaquil. Imagens foram divulgadas nas mídias sociais dos prédios do governo evacuados quando o movimento indígena cercou o palácio do governo” (ANRed. Equador: mobilização histórica em Quito faz o governo fugir para Guayaquil). A Assembléia Nacional e a Rádio Pública também foram tomadas.

Fala-se então em insurreição. Mesmo também de “duplo poder”, da “Comuna de Quito”, devido às ocupações, com centros de coleta, panelas comuns, montagens permanentes e barricadas. Com um epicentro no parque “El Arbolito” e a Àgora da Casa da Cultura Equatoriana (CCE) – a poucas quadras da Assembléia Nacional e da Controladoria Geral do Estado – essas ocupações foram mantidas até o último dia da greve.

9 de outubro é o 7º dia da paralisação nacional e uma grande greve geral é convocada. Há fortes confrontos nas ruas e brutal repressão policial a tal ponto que, à noite, a polícia lança bombas de gás lacrimogêneo nos “centros de paz” onde se encontravam mulheres e crianças.

Até então, as massas proletárias, das quais os indígenas são parte fundamental, lançaram-se nas ruas e rodovias do país, com atos de solidariedade e rebelião que a grande mídia tenta cercar, encobrir e falsificar. A Assembléia Nacional (digamos, o Congresso) é temporariamente ocupada, delegacias e outros prédios públicos são ocupados e queimados. Militares e policiais são capturados e seus veículos são incendiados, a luta se espalha em várias cidades com vasos comuns no calor das barricadas, os poços de petróleo continuam ocupados [1] e os governos estão ocupados em algumas províncias da Amazônia e da Serra. Panelaços, barricadas e marchas também são realizados em muitas partes do país. As massas proletárias no campo defendem seus territórios e expulsam os militares, depois descem às cidades para se tornar parte da insurreição. A luta não apenas destruiu o mutismo sórdido da rotina capitalista, mas também quebrou o isolamento e permitiu o encontro rebelde de pessoas que, até uma semana atrás, nunca ousariam se falar ou se aproximar. Assembleias auto-organizadas e redes de solidariedade proliferam.

Compartilhamos trechos de um panfleto daquele dia feito “de onde as batatas queimam”, assinado por “Un@s proletari@s cabread@s de la región ecuatoriana por la revolución comunista anárquica mundial” [Alguns/Algumas proletários/proletárias irritados/irritadas da região equatoriana pela revolução comunista anárquica mundial]:

“Fizemos fugir o presidente fantoche dos empresários e banqueiros ladrões do Palácio Carondelet e tomamos a Assembléia Nacional, por meio de ações diretas maciças e redes de solidariedade de classe, apesar do terrorismo de seu Estado (estado de exceção, repressão policial e militar brutal, centenas de detidos, dezenas de feridos, vários mortos, toque de recolher).

Não sabemos quando ou como a situação atual terminará. Mas sabemos que a luta social continua e deve continuar, tendo claras e firmes as seguintes demandas mínimas e inegociáveis:

  • Revogar todo o pacote econômico, não apenas o aumento das passagens.
  • Revogar o estado de exceção e o toque de recolher.
  • Derrubar todos os “poderes” do governo Moreno, seus chefes e capangas.
  • Não negociar ou ceder ao Estado dos ricos e poderosos que nos matam de fome e a tiros. Não permitir que a burguesia e os políticos oportunistas da direita ou da esquerda roubem o poder que conquistamos nas ruas nos dias de hoje. Não exigir novas eleições e um novo governo. Chega do mesmo roteiro político de merda. Autogoverno das massas.
  • Manter as Assembleias em todos os lugares para auto-organizar a mobilização, solidariedade, suprimentos, saúde e autodefesa das massas.
  • Exigir o retorno de todo o dinheiro roubado por empresários, banqueiros e políticos, a fim de melhorar as condições de vida da classe trabalhadora do campo e da cidade.
  • Expulsar a Mineração e o FMI.
  • Libertar os colegas detidos.
  • Quebrar a barreira da mídia e denunciar o terrorismo econômico e policial do Estado.
  • Solicitar a solidariedade de classe internacional concreta em todo o mundo.



Proletári@s na luta deste país:

Ganhando ou perdendo, despertamos da letargia histórica, respondemos a ataques de todos os tipos da classe dominante, fizemos coisas que não foram feitas há muitos anos e estamos aprendendo na prática várias lições importantes durante esses dias de intensa luta de classes .

Ganhando ou perdendo, continuemos acendendo a chama da luta proletária para construir e sustentar, a médio e longo prazo, uma força social autônoma, com capacidade e clareza necessárias e suficientes para tomar o poder, não do Estado burguês, que deve ser destruído pela raiz, mas sobre nossas vidas. (…) ¡Vamos hacia la Vida! [Vamos para a vida!]”.

Devido à brutal repressão do dia 9, o dia 10 começa com este cenário de guerra: “7 mortos, dos quais 1 recém-nascido; 95 gravemente feridos, mais de 500 com ferimentos leves; 83 desapareceram, dos quais 47 menores de idade; mais de 800 detidos, dos quais a maioria em delegacias policiais e militares; 57 jornalistas atacados pela polícia; 13 jornalistas presos; 9 meios de comunicação intervertidos; 26 políticos presos; Além disso, é relatada a prisão arbitrária de 14 cidadãos venezuelanos que não participaram das marchas” (Coordenadoria de Contra-Informação do Equador). Por esse motivo, este é um dia de luto, mas também de protestos, de policiais retidos, assembleias, marchas e resistência. Com efeito, no dia 10 na Àgora da CCE em Quito, os indígenas detiveram 8 policiais, solicitando que a pessoa mais velha contatasse o comandante da polícia para interromper a repressão e revogar o Decreto 883. No mesmo lugar foram realizadas cerimônias fúnebres para os manifestantes falecidos. Haviam 31 jornalistas que, segundo o CONAIE, “não estão sequestrados, estão com o povo para garantir o direito à informação”, enquanto a Àgora foi fechada como medida de segurança.

O 11º dia “no Equador foi o nono dia da greve e os equatorianos já haviam enlouquecido. Esse dia começou com a nova tarifa de transporte público [de 25 ctvs. para 35 ctvs. dólares]. Além disso, com a declaração de emergência no setor de flores do país. (…) O presidente da Expoflores, Alejandro Martínez, disse que ‘se as atividades não forem retomadas, serão perdidas cerca de 20 mil toneladas de flores, que chegam a ser mais de 250 milhões de dólares’. A mobilização dos povos indígenas continuou. (…) A produção de petróleo já havia perdido mais de 50% de sua produção. Havia mais de mil detidos, segundo dados da Ouvidoria. Um protesto pacífico estava ocorrendo nos arredores da Assembléia Nacional. Centenas de mulheres indígenas gritaram: ‘Somos mulheres, não somos criminosas’. Nesse dia, vários grupos feministas na capital também se juntaram ao protesto indígena. Mas a polícia (depois de levantar uma bandeira branca para ganhar tempo e obter mais munição) reprimiu manifestantes pacíficos e jogou gás lacrimogêneo. ‘Fomos enganadas’, disse uma mulher Shuar, que contou o que aconteceu na Assembléia. Nas redes sociais, a Polícia denunciou os ataques contra seus membros e explicou que esse tipo de comportamento ‘tinha uma preparação para o combate’. Naquele dia 11 de outubro, em Quito, várias explosões foram ouvidas à noite. O ministro Romo disse que a explosão mais forte ouvida foi produzida por um tanque de gasolina. A área de El Arbolito já era uma área de combate” (La Barra Espaciadora. A crise de outubro, dia a dia).

Apesar do toque de recolher e da repressão, as barricadas cada vez mais organizadas e resistentes de El Arbolito duraram a noite toda até as cinco da manhã.

Em 12 de outubro, aniversário da colonização do continente americano, durante os protestos, ocorreram incidentes na sede do canal Teleamazonas, no jornal El Comercio e na Controladoria Geral. Piquetes, panelaços e marchas também foram feitos em quase todo Quito, especialmente em bairros populares no sul, centro e norte da cidade, o que foi um fato novo durante esses dias. Devido a isso, o governo decretou o toque de recolher em Quito a partir das 15:00 e circulavam rumores de que a Polícia dispersaria violentamente a Àgora da CCE (terror psicológico do estado), enquanto no resto do país (onde também houveram protestos), o toque de recolher foi mantido como antes, ou seja, das 20:00 às 05:00. Anteriormente, indicou-se que se revisaria o decreto que eliminou os subsídios, após o anúncio de que o CONAIE aceitaria o diálogo direto, que também incluía o FUT e o FP. Evidentemente, a conciliação já estava sendo preparada sob o argumento de “evitar mais derramamento de sangue”.

No dia 13, a cidade de Quito acordou sob o toque de recolher que durou até a tarde, quando o governo o suspendeu para que os líderes da CONAIE pudessem se mobilizar para o ponto de encontro. Essa reunião aconteceu durante a noite, após a qual foi obtida a revogação do decreto 883 (que tinha sido a centelha que incendiou o pavio), que finalmente ficaria nulo e sem efeito na terça-feira, 15 de outubro. Uma vitória parcial com um gosto amargo, porque as reformas trabalhistas e o “acordo” com o FMI não foram revogados, os ministros assassinos e o presidente não renunciaram e isso às custas de todos os camaradas mortos, feridos e presos. Naquela mesma noite, os líderes indígenas depuseram as medidas de fato, pediram paz nas ruas e habilitação das estradas do país.

Na segunda-feira, 14 de outubro, começou o tratamento da revogação do decreto 883 (que foi a centelha que acendeu o pavio). O acordo não impediu a extensão das prisões e incursões de pessoas que alimentaram a agitação social na cidade de Quito. Além disso, poderíamos dizer que essa repressão seletiva deriva indiretamente dessas negociações. O CONAIE, em conjunto com os cidadãos, organiza uma mega “limpeza de minga” dos espaços ocupados durante os 11 dias de revolta em Quito, o que significa libertar todo o território preparado para o conflito de barricadas e qualquer registro das revoltas, para deixá-lo ao controle do Estado. De qualquer forma, como nos demais países em que se volta atrás ao desencadeador da revolta, isso não é mais suficiente, porque o problema não é um único aumento ou um pacote de medidas, mas algo muito maior.

Solidariedade


Nestes dias de protesto, com desobediência e solidariedade, o proletariado em luta era nutrido por barricadas, reuniões e assembleias populares. Se auto-organizava para estocar pedras, bicarbonato de sódio e vinagre (para combater o efeito do gás lacrimogêneo), mas também alimentos e bebidas.



Queremos compartilhar um testemunho que nos dá uma ideia da intensidade dos laços daqueles dias:

“Na segunda-feira, um conhecido me disse que, se não conseguimos nos organizar quando o terremoto ocorreu há dois anos, poderíamos fazer isso pior agora, diante da chegada de milhares de pessoas. Ele me perguntou: quem vai pagar por isso? Como será resolvido que eles comam três vezes ao dia pelo menos algo básico? E então eu disse: as comunidades sabem como se organizar. E assim foi. Não estava me referindo apenas às comunidades indígenas, mas às comunidades de seres humanos [no geral]. E, de fato, foi possível para mim descobrir que, quase como por mágica, dezenas de células organizacionais foram formadas para solicitar doações, cozinhar, dar apoio psicológico e emocional, transportar, coletar lixo, tomar cuidado, limpar, distribuir o que é necessário, curar, comunicar-se … Enfim, para tudo o que for necessário.

Eu mesma, de ontem para hoje, faço parte de uma rede de afeto e empatia na qual talvez só nos encontremos apenas por esse período da vida, mas tem sido o suficiente compartilhar essas jornadas, para dar abraços amorosos quando nos despedimos ou enviar abraços por mensagens entre pessoas que nem sequer vimos.

E é a essas comunidades que eu estava me referindo na segunda-feira quando respondi ao meu amigo e ele ouviu cético. E acho que, se há tantas pessoas boas com tanta vontade de ajudar, tantas pessoas se ajudando, tantas pessoas colocando seus corpos nessa luta, é porque todos nós que estamos aqui sabemos que não estamos apenas ajudando, mas que estamos jogando com o futuro. Tão poderosa é a luta que os/as irmãos/irmãs [hermanxs] a apoiam no México, Argentina, Colômbia, Chile, Peru, Bolívia. E é poderoso não apenas porque é maciço e resistente, mas porque torna visível um pensamento de respeito e dignidade, um pensamento que nos acompanha há milhares de anos e, por sua vez, evidencia um sistema de morte que é aquele que deseja subjugar toda a humanidade.

Cada um saberá qual sistema o acompanha: eu sou do sistema da Vida” (Extraído de uma publicação de Facebook. 10 de outubro).

Repressão e criminalização


À repressão brutal nos dias de revolta, devemos acrescentar a subsequente criminalização e perseguição a ela. O governo realizou buscas nas instalações e casas de alguns líderes de organizações sociais, bem como ações judiciais. Até o momento, no Equador, existem 11 mortos, 1.340 feridos e 1.192 detidos da Greve, pelos quais os combates continuam e continuarão.

Depois de espalhar o absurdo de que a revolta foi provocada pela Venezuela (Maduro), FARC e Correa, o Estado equatoriano recorre à carta do “inimigo interno” que classificou como “grupos insurgentes” para justificar sua repressão e terrorismo. Desde 29 de outubro, as Forças Armadas do Equador têm uma nova missão: “será identificá-los, isolá-los e neutralizá-los para serem entregues às autoridades competentes”.

As declarações do diretor de operações do Comando Conjunto, Fabián Fuel, são feitas após o presidente da CONAIE, Jaime Vargas, falar sobre a criação de um “exército próprio” de movimentos indígenas. Por esse motivo, a Procuradoria Geral da República abriu uma investigação contra ele. No entanto, Vargas apontou que “em nenhum momento, em todas as minhas expressões, eu disse um exército armado, nunca disse um exército subversivo”. E ele explicou que o movimento decidiu criar “uma guarda comunitária indígena” para fornecer segurança em seus territórios e que seria “apegada à Constituição”, operando em cooperação entre a justiça comum e a indígena.

A imprensa colabora, como sempre fez, falando de “grupos de estudantes que estavam preparando acampamentos do tipo guerrilha”. E, juntamente com o Estado, eles falam de “células anarquistas” e, é claro, de infiltrados, assim como dias atrás eles falaram em instigação da Venezuela ou de terroristas indígenas, acrescentando combustível ao fogo da xenofobia e racismo já existentes.

Recentemente, no Chile, seu presidente desde o início também fez declarações semelhantes: “Estamos em guerra contra um inimigo poderoso”. Insinuando que por trás da revolta havia alguma mão negra, que poderia ser desfeita em acusações contra a Venezuela de Maduro ou grupos armados clandestinos (mapuche, anarquistas ou a assembléia que eles inventam). No entanto, esse inimigo poderoso que afeta diretamente seus interesses e os de sua classe é o proletariado, não este ou aquele grupo designado ou inventado para garantir a “segurança interna”, isto é, a continuação da sociedade de classes.

Carta do passado


Na brochura Revueltas en Ecuador, feita pela Biblioteca e Livraria La Caldera (Buenos Aires), eles publicaram como uma carta do passado um artigo da revista Comunismo [periódico do GCI], nº 45, do ano 2000, intitulado “Aqueles que lutam contra o capital e o Estado!” (contra o mito da invencibilidade das forças repressivas).

Este artigo descreve as revoltas de 19 anos atrás no Equador e poderia ser uma descrição atual, alterando-se alguns dos nomes próprios. Se extrairmos alguns parágrafos, não é por curiosidade casuística, mas para entender como as lutas acontecem, para aprender com os erros repetidos, para não supor que tudo está começando, em suma, para entender a historicidade dos eventos atuais:

“Em janeiro de este ano [2000] as lutas que se tinham desenvolvido durante todo o ano passado adquiriram uma força inusitada quando proletários do interior começaram a marchar em direção de Quito, radicalizando assim também o movimento preexistente na dita cidade. O governo democrata popular de Mahuad tenta travar os protestos enviando a repressão e diluindo-os pela força. Ao princípio o ataque toma por surpresa os manifestantes: há feridos, há presos e, em primeira instância, dispersão e desorientação. Mas à violência que por cima assalta o proletariado agrícola e urbano responde-se com a violência de baixo: as manifestações não só não se acabam, mas desenvolvem-se de forma mais organizada e fortificam-se, a violência de classe assume-se abertamente. Enquanto o proletariado conquista os poços de petróleo, paralisa o oleoduto trans-equatoriano cortando a distribuição do combustível e impedindo toda exportação, dezenas de milhares de manifestantes enfrentam-se aos militares, cortam os grandes eixos, controlam os acessos das aldeias e cidades e conquistam as ruas de várias cidades do país. Se antes se podia ainda pretender que a protestação estava dirigida contra a presidência e o poder executivo, com a radicalização das manifestações o questionamento do Estado é tão geral que se reconhece publicamente. Proíbem-se as manifestações, atira-se para a rua as forças de choque e o Estado de Sítio é declarado. Mas as manifestações são cada vez mais potentes, o proletariado questiona abertamente a potência estatal no seu conjunto. Vendo-se totalmente questionado e superado o presidente Mahuad designa alguns ministros como culpados, força-os a renunciar, nomeia alguns outros mais progressistas … Mas tudo isto para nada serve, a luta proletária segue com maior intensidade. Consciente do perigo, a burguesia decide sacrificar o próprio presidente e até o Exército e os Sindicatos tentam acalmar o jogo. Dizem que ‘a luta é contra a corrupção’, o FUT – Frente Unitária de Trabalhadores – declara que é necessário castigar a corrupção e formar um governo de Salvação Nacional. […]

Nenhuma força repressiva é então capaz de travar o movimento insurrecional, os poucos militares que tentam fazê-lo são completamente ultrapassados e recuam covardemente perante esta avalanche humana de várias dezenas de milhares de proletários de ambos os sexos, de todas as idades e categorias (‘indígenas’ ou não – mais uma vez nesta discriminação os periodistas afirmam-se como agentes decisivos do Capital e do Estado) que buscam apoderar-se de distintos edifícios públicos: em Quito tomam o Palácio do Governo, o Parlamento, a Corte Suprema de Justiça, a Tesouraria, os Ministérios, o Banco Central, assim como outros edifícios, ao mesmo tempo que chamam a reproduzir isto em todas as cidades que já estão totalmente paralisadas pelo movimento. […]

Dia 23 de janeiro, na rua festeja-se a vitória da insurreição, apesar dos maquiavelos e dos gatopardistas misturados aos manifestantes que continuam insistindo em ‘buscar soluções ao movimento’. Os fabricantes da informação falsificam tudo e falam de ‘um golpe de estado militar apoiado por indígenas!’, ao mesmo tempo que se incita ao racismo anti-indígena. Declara-se formada uma Junta de Salvação Nacional, de fato, um triunvirato constituído por militares, líderes indígenas oficialistas e um membro em voga da corte Suprema, que com um discurso de esquerda tenta restabelecer a ordem [2]. Frente à continuidade do movimento e à incredibilidade do proletariado, opera uma verdadeira frente única de salvação nacional constituída pelos sindicatos, os partidos e tudo o que resta das forças repressivas que apelam à cessação do movimento e ao apoio à Junta. O próprio presidente da CONAIE, António Vargas, declara que ‘o povo equatoriano triunfou, que a Junta de Salvação Nacional não defraudará o país, e que a unidade com as forças armadas era uma experiência nova para a América Latina’. Mas perante a incredibilidade generalizada, essa Junta apenas dura algumas horas, o poder, de fato, permanece na rua, apesar dos esforços dos reorganizadores do Estado capitalista, dentro dos quais os jornalistas, que jogam as suas cartas mais fortes ocultando, desinformando, tergiversando aproveitando a falta de novas iniciativas e directivas do proletariado, assim como os apelos a voltar para casa, declara-se (especialmente pela boca do general Carlos Mendoza em nome dos militares) que o ‘poder’ do presidente destituído passa para as mãos do vice-presidente Gustavo Noboa, que, como aparece evidente a todos os protagonistas, imporá a mesma política econômica que o seu predecessor. O rechaço do proletariado a tais ‘soluções’ continua explícito. Na rua as consignas são de total repúdio a todas as tentativas que provêm abertamente do Estado. […]

A CONAIE, organização indigenista, que, como vimos, aparecia como interlocutor representante do movimento, pela boca do seu presidente António Vargas, apoia ‘a solução’ (o indigenismo sempre atua contra a unificação do proletariado) pactuada pelos partidos, exército e sindicatos, apesar de, para manter uma certa credibilidade, também fala da ‘traição’ de Mendoza. Todos os aparatos do Estado Burguês voltam a unificar-se e para isso assimilam-se proletários indígenas inconsequentes. O descontentamento e a desorientação na rua é geral, o sentimento de ter sido enganado de novo é absoluto, mas o golpe que significaram as declarações dos chefes vendidos foi forte e procura desarticular, ao menos temporariamente, o movimento. A imprensa dirá satisfeita (de ter cumprido o seu dever de ordem) que ‘os indígenas voltam às suas casas e às suas terras’. Depois de duas semanas de luta aberta contra o Estado, o regresso a casa tem um gosto amargo. Mas o proletariado, que sentiu de maneira concreta que podia enfrentar o estado e desgarrá-lo, já não será tão facilmente mantido em submissão. Será muito laborioso, apesar de todos os esforços feitos pelos fabricantes da opinião pública, catapultar a sua consciência da força experimentada”.

Queremos adicionar uma nota e uma atualização a esta edição presente:

Quando nos referimos ao indigenismo, não estamos nos referindo a ser indígena, mas à ideologia do indigenismo que supõe que, além das classes sociais, haveria grupos que estariam fora do referido antagonismo. É claro que existem diferenças, no entanto, vivemos em condições materiais definidas por nossa classe social, elas nos atacam igualmente e teremos que lutar juntos: proletários indígenas e proletários branco-mestiços contra burgueses indígenas e burgueses brancos-mestiços. Lutar não para “igualar” classes e raças, mas para aboli-las.

Essa ideologia, não por acaso, é reproduzida principalmente por pessoas não indígenas e é negada pelos fatos quando a paz social é rompida. Quem é indígena e quem não é nesses países onde todos os oprimidos são descendentes de povos indígenas, imigrantes pobres ou uma mistura de ambos?

Por outro lado, as propostas de um indigenismo separatista são uma possibilidade incapaz de oferecer uma resposta à exploração e à opressão geral. Os povos indígenas não têm pátria, nem o resto do proletariado. Talvez o mais interessante seja que os povos indígenas já saibam disso [3].



Enquanto escrevemos este boletim, Jaime Froilan Vargas, líder indígena Schuar e atual presidente da CONAIE, com o fogo da barricada extinto, fantasia sobre a presidência equatoriana. Ele até antecipou como serão as coisas quando ele governar o país: “não nos reunimos para defender nossas ideologias políticas partidárias, mas para trabalhar, pensar, discutir e debater um processo importante: um novo modelo econômico para o nosso país”. A conciliação contra o proletariado em luta leva esse líder, em 31 de outubro, a propor um “novo modelo econômico” para o Equador ao governo assassino de Moreno, nada mais e nada menos do que na Conferência Episcopal, onde delegados do Governo e a ONU se reúnem. “Esta proposta de novo modelo econômico e social, é do povo, pertence ao povo, e ao desenvolvimento do país”, evidenciando a natureza reformista e oportunista do indigenismo.

Breve balanço


Compartilhamos abaixo extratos de Breve balanço e perspectiva das jornadas de luta proletária em outubro de 2019, no calor dos últimos eventos e debates a esse respeito. Assinado por  “Un@s proletari@s cabread@s de la región ecuatoriana por la revolución comunista anárquica mundial” [Alguns/Algumas proletários/proletárias irritados/irritadas da região equatoriana pela revolução comunista anárquica mundial] (Quito, 17 de outubro de 2019):

“Se fez o que se poderia ser feito, o que as forças realmente existentes permitiram fazer, nem mais nem menos; concretamente, obrigar a abolição parcial das mais recentes medidas de austeridade capitalista ou do ‘pacote’ imposto pelo governo Moreno (decreto executivo 883), desde as ruas conquistadas pela luta dia após dia e noite após noite. Mas, como Marx disse, um passo adiante do movimento real vale mais de uma dúzia de programas.

Essa vitória parcial de 13 de outubro (com certo sabor de derrota por nossos mortos e pela permanência do atual governo de ladrões e assassinos e suas desastrosas reformas trabalhistas) foi o resultado de todas as ações diretas das massas realizadas desde 3 de outubro: se tomaram instituições governamentais, poços de petróleo, estradas foram paralisadas, houveram marchas e panelaços, piquetes e barricadas, alguns comércios foram saqueados, regimentos policiais e tanques de guerra foram queimados, policiais e militares foram capturados e retidos, o presidente fugiu para Guayaquil, a Comuna foi estabelecida em Quito como epicentro da Greve nacional … Com essas ações, em 11 dias eles fizeram o que não fizeram em 11 anos. 11 dias de colapso parcial, temporário e precário, mas real, da normalidade capitalista, especialmente dentro dos próprios protestos: colapso do trabalho assalariado e movimento de mercadorias (por uma razão que foi a greve), de propriedade privada e dinheiro, substituindo-os por solidariedade e gratuidade (nos centros de coleta e refeições comunitárias); ao qual era acompanhado o tempo todo pela discussão e tomada de decisões coletivas nas assembleias, e pela corajosa autodefesa das barricadas contra a repressão brutal dos cães de guarda uniformizados dos ricos e poderosos. (…)

Os mortos e feridos em combate pelo terrorismo de Estado também não são pouca coisa. Eles não foram ‘mortes acidentais’, foram crimes de Estado. Nem perdão nem esquecimento! Por esse motivo, negá-los ou torná-los menos é uma falta de respeito e até uma demonstração de cinismo em relação a eles, seus entes queridos e seus colegas. Uma atitude péssima e censurável, não apenas de alguns direitistas, mas também de alguns esquerdistas locais. Pelo contrário, o mínimo que deve ser feito nesses momentos de ‘pós-guerra’ das classes (porque o que aconteceu aqui foi uma guerra de classes que ainda não terminou) é: mostrar solidariedade aos camaradas detidos e às famílias dos camaradas caídos; denunciar ativamente e se opor ao terrorismo assassino do Estado/governo, que atualmente está realizando uma repressão seletiva como vingança contra membros de organizações sociais que participaram da greve, motivo pelo qual é nosso dever cuidar de nós mesmos; estar alerta e evitar novas medidas de composição e austeridade ‘direcionadas’ (novo decreto executivo); estar atento também ao início das privatizações para se opor a elas e às mobilizações anunciadas para o final deste mês contra as reformas trabalhistas de flexibilização/precarização ainda em vigor; e manter a mobilização e organização social que ocorreram espontaneamente para ‘acumulá-la’, radicalizá-la e generalizá-la a médio e longo prazo, com uma perspectiva autônoma e revolucionária. Nesse sentido, isso está apenas começando. A luta continua. Até o fim. Porque não se trata de sobreviver menos mal, mas de viver de verdade. E não se trata de mudar o mestre, mas de deixar de tê-lo.

(…) da resistência e dignidade que somente a luta concede, dizemos: pelos nossos mortos e nossas vidas, nem um minuto de silêncio, uma vida de combate! A solidariedade é a nossa melhor arma e os fará tremer de novo!”.

Um mês após a greve nacional …


Este é um resumo das Notas críticas sobre a situação atual no Equador, um mês após a Greve Nacional, de ambos os lados da luta de classes, assinada pelos “Un@s proletari@s cabread@s de la región ecuatoriana por la revolución comunista anárquica mundial” [Alguns/Algumas proletários/proletárias irritados/irritadas da região equatoriana pela revolução comunista anárquica mundial] (Quito, 8 de novembro de 2019) [4]. Do lado do governo ou do Estado Burguês:

Está a repressão seletiva, jurídica e policial e da mídia, contra líderes indígenas, sindicatos e estudantes, incluindo membros de brigadas médicas que participaram da greve, como vingança e “punição exemplar”. Também se fala em “19 grupos violentos” e “células anarquistas” (inexistentes), que eles estão rastreando e vão erradicar, dizem eles.

Economicamente falando, as reformas trabalhistas foram ratificadas: cortes ou demissões de pessoal; redução de salários, de férias e de aposentadorias; modificação da semana de 40 horas; contratos flexíveis, etc. E o orçamento do estado para a Universidade pública será reduzido. O governo acaba de propor uma “lei de crescimento econômico” que consiste principalmente na eliminação de impostos e tarifas para beneficiar direta e exclusivamente a burguesia importadora, exportadora, agroindustrial e de construção. Tentando compensar isso, eliminando e reduzindo outros impostos menores sobre certos insumos.

O processo de privatização de empresas públicas continua avançando silenciosamente e a mídia oficial (uma das quais, Teleamazonas, pertence a um dos maiores bancos do país, o Banco Pichincha) continua desinformando e mentindo todos os dias.

Do lado dos movimentos sociais ou do proletariado em luta:

Se está lutando pelos 1.192 detidos (incluindo menores), pelos 1.340 feridos e pelos 11 mortos na Greve.

Resta criticar o movimento indígena e o movimento sindical que oscilam entre o diálogo com o governo e o anúncio de novas medidas ou mobilizações. A crítica radical é que não se trata de mudar o modelo econômico (e muito menos por meios eleitorais, como certamente acontecerá em 2021), mas de mudar o sistema social na sua totalidade e na sua raiz, porque o problema subjacente não é o  “neoliberalismo” ou o FMI, mas o capitalismo.

Existem diferenças, tensões, conflitos e transbordamentos entre bases e líderes, no CONAIE e em outras organizações, antes, durante e depois da Greve. Este não é um fato menor. Ao contrário. O transbordamento da liderança pelas bases é fundamental para a radicalização da luta social.

Existem novas organizações e processos, como assembleias de bases auto-convocadas em Quito (por exemplo, a Assembléia Anticapitalista de Quito da qual atualmente participamos), Cuenca, Loja, Cotopaxi, Chimborazo, que por sua vez propõem formar, fortalecer e articular as assembleias territoriais em todos os lugares (bairros populares, universidades públicas, comunidades indígenas, locais de trabalho, etc.).

Como conclusão: a Greve terminou, mas a luta social continua e deve continuar até as últimas consequências. A chave para isso é agitar e fortalecer a auto-organização, mobilização e radicalização das bases proletárias da cidade e do campo, as bases indígenas e mestiças, fora e contra as instituições estatais, sindicatos, partidos, representações, negociações e eleições. Dizer que a luta continua e deve continuar até as últimas consequências significa que a luta é para tomar e mudar tudo, pela revolução social total e internacional e não pelas reformas nacionalistas estatistas, populistas e “pluri”.

Falando mais especificamente, isso se aplica a todas as lutas atuais e futuras por demandas específicas de vários setores explorados, porque estas não se imploram aos ricos e poderosos que nos matam de fome, depressão e tiros, mas são arrancadas de suas mãos, tornam-se generalizadas, se unem e radicalizam-se até se tornarem uma revolução social.

Enquanto explorados e oprimidos deste país, não nos jogamos nas ruas ou arriscamos nossas peles na greve nacional e depois nos contentamos com as mesmas migalhas de sempre. Estamos fartos de todo esse sistema de merda que sofremos diariamente. Nós não somos ninguém e queremos tudo. Estamos voltando à vida e não negociaremos com o sangue de nossos mortos. A luta continua e deve continuar até as últimas consequências, isto é, até que a revolução social seja realizada e não uma reforma econômica e política.

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Notas:


[1] – O Equador parou de produzir 63.250 barris de petróleo por dia devido à ocupação dos poços. Pelo menos três campos de petróleo suspenderam suas operações quando várias instalações foram ocupadas por “pessoas fora da operação”, conforme divulgado na segunda-feira, 7 de setembro, pelo Ministério da Energia.

[2] – Especificamente, a Junta Nacional Militar de Salvação Cívica era composta por Lucio Gutiérrez (que em breve seria substituído por Mendoza), líder de um grupo de oficiais do exército, Antonio Vargas, presidente da CONAIE, e Carlos Solórzano Constatini, ex-presidente da Suprema Corte da Justiça.

[3] – Veja os artigos Los mapuche no son chilenos ni argentinos, nosotros tampoco y ¿Pueblos originarios? em La Oveja Negra, nº 50 e 21, respectivamente.

[4] – Para ler este panfleto completo e os anteriores da revolta em Quito, visite: http://proletariosrevolucionarios.blogspot.com/.

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