quinta-feira, 14 de maio de 2020

A Grande Revolução (1789-1793). Piotr Kropotkin [1909]

Contracapa da edição utilizada pelo blog



Comentário introdutório:


O blog Communismo Libertário passará a publicar trechos da obra de Kropotkin sobre a, assim chamada, “Grande Revolução Francesa”. Nosso objetivo é fazer conhecer esse estudo e utilizar suas contribuições no que diz respeito à reconstrução histórica das linhas gerais que fundamentam o programa revolucionário de nossa classe, pois as chamadas “revoluções burguesas” não eclodiram sem que fossem perpassadas pelos antagonismos de classe já constitutivos do capitalismo. Portanto, quando se estuda as insurreições proletárias de 1830-1848, percebe-se que o povo em luta declarava que buscavam resolver a “questão social” que não havia sido resolvida pela Revolução Francesa, que lutaria pela “igualdade de fato” e não simplesmente pela igualdade jurídica do regime burguês, ou seja, pelo que se chamava de “igualdade de condições materiais”.

Vejamos, por exemplo, o que um dos antecessores do programa comunista de nossa classe já declarava durante o período da “Grande Revolução”. O filósofo François Boissel, em Le Cathéchisme du genre humaine (originalmente publicado em 1789), advertia que (p. 6, tradução grifos e acréscimos nossos): “o experimento de todos os séculos conhecidos nos ensina que as religiões, os casamentos e as propriedades não serviam [para a união] e ainda hoje servem apenas para a divisão, a degradação, o infortúnio e a destruição dos homens uns pelos outros”. Boissel defendia a abolição do matrimônio (pois considerava que esta instituição servia, sobretudo, para tornar as mulheres servas – e ele defendia a igualdade do “gênero humano”, sem distinção entre “homens” e “mulheres”), defendia a abolição da propriedade (para instituir a “comunidade de bens”) e a supressão de todas as religiões (uma vez que estas tornavam os seres humanos dominados pela superstição).

Outro exemplo. Um dos representantes da reação, Jacques-Pierre Brissot, taxava de “anarquistas” alguns grupos como os Enragés, pois cometiam, segundo Brissot, os seguintes “crimes”: 1) Dividiam a nação em duas classes, a que possui e a que carece de tudo; 2) Excitaram uma contra a outra; 3) Exigiam pão, pão antes de tudo para os que trabalham (KROPOTKIN, 1935, p. 364). Um discurso que não difere muito do que os reacionários de hoje em dia falam sobre os socialistas: que fomos nós que “inventamos a luta de classes”, que tal fato não seria uma condição inerente da própria sociedade. Mas nós, obviamente, não inventamos as classes sociais e o antagonismo que existe entre os dominantes e os dominados, entre os exploradores e os explorados. O que fazemos é participar ativamente nesse antagonismo, como elementos da própria classe proletária que somos, para levá-lo até o seu paroxismo e, portanto, desencadear o movimento revolucionário que vai abolir as classes sociais e todas as relações de opressão, exploração e dominação que reina entre nós.

Sinopse do livro de Kropotkin e estrutura do texto:


La grande révolution (em português: A grande revolução) é uma obra escrita e publicada em 1909 por Pierre Kropotkin – geógrafo, escritor e ativista político russo do final do século XIX e início do XX (um dos principais teóricos do anarco-comunismo). Neste livro, Kropotkin narra de maneira crítica a história da Revolução Francesa, ocorrida entre os anos de 1789 e 1793, concentrando-se no drama do povo camponês e sua luta, primeiramente, contra o absolutismo do Ancien Régime e, em seguida, em defesa da tomada de seu próprio destino através dos comitês revolucionários. Para o autor, a história apresenta lacunas por conta dos milhares de fatos e movimentos paralelos que compõem a Revolução, algo que por si só explicaria o grande trabalho a ser ainda realizado. Com vistas a tapar algumas dessas lacunas, o autor debruça-se, então, sobre os levantes dos camponeses em 1789, sobre suas lutas pela abolição dos direitos feudais. Partindo de uma ordem cronológica aparentemente clássica dos eventos, mas valorizando não apenas os eventos em si como também a visão singular do autor – obra tratará do período considerado “heroico” da Revolução, que se estendeu de maio a outubro de 1789; da luta surda entre a realeza decadente e o novo poder constitucional até junho de 1792; dos esforços empreendidos pelos Girondinos para parar a Revolução até junho de 1793; passando, então, para a Revolução Popular e concluindo com o fim do chamado “regime do terror”: a morte de Robespierre, o triunfo da reação sobre Revolução, segundo o autor.

Entre colchetes se encontram os números referentes às páginas da edição do livro de Kropotkin que utilizamos aqui.

A referência da obra da qual extraímos o texto abaixo é esta: KROPOTKIN, Piotr. A Grande Revolução (1789-1793). Rio de Janeiro: Athena, 1935. O link anexado no título dessa referência leva até a obra completa, disponibilizada num site onde a encontramos.

Obs.: iremos atualizar essa publicação para incluir mais trechos, na medida de nossas capacidades.

[5] Prefácio:


Quanto mais se estuda a Revolução Francesa tanto mais se verifica como está ainda incompleta história dessa grande epopeia e quantas lacunas e pontos obscuros contém.

É que a Grande Revolução, abalando, perturbando e principiando a reconstruir tudo no decurso de alguns anos, foi um mundo em ação. E se, estudando os primeiros historiadores dessa época, mormente Michelet, se admira o incrível esforço que alguns homens empregaram com êxito, no sentido de discernir as mil séries de fatos e movimentos paralelos de que se compõe a Revolução, verifica-se ao mesmo tempo a enormidade de trabalho que resta a fazer.

As investigações operadas, durante estes trinta últimos anos, pela escola histórica de que são representantes o senhor Aulard e a Sociedade da Revolução Francesa, têm, certamente, fornecido materiais preciosos que jorram ondas de luz nos atos da Revolução, na sua história política e na luta dos partidos que entre si disputavam o poder. No entanto, o estudo dos aspectos econômicos da Revolução e das suas lutas ainda está por ser feito e, como muito bem disse o senhor Aulard, uma vida inteira não chegaria para desempenhar semelhante tarefa, sem a qual, preciso é reconhecê-lo, a história política permanece incompleta e, por vezes, incompreensível. Uma perfeita série de novos problemas, vastos e complicados, se oferece ao historiador quando ele aborda este aspecto da tormenta revolucionária.

[6] Para tentar esclarecer alguns desses problemas, é que empreendi, desde 1886, estudos separados sobre as origens populares da Revolução, sobre as revoltas dos camponeses em 1789, sobre as lutas pró e contra a abolição dos direitos feudais, sobre as verdadeiras causas do movimento de 31 de maio, etc. Infelizmente, para tais estudos, tive que me limitar às coleções impressas – sem dúvida riquíssima – do Museu Britânico, e não pufe entregar-me a pesquisas nos Arquivos nacionais de França.

Como, porém, não poderia o leitor orientar-se em estudos deste gênero se não tivesse uma exposição sumária de todo o desenvolvimento da Revolução, fui levado a fazer uma narração mais ou menos seguida dos sucessos. Não quis repetir o lado dramático de grandiosos episódios tantas vezes narrados, e apliquei-me especialmente a utilizar as investigações modernas, a fim de ressaltar a ligação íntima e as causas dos diversos acontecimentos cujo todo forma a grande epopeia que coroa o século XVIII.

O método que consiste em estudar a Revolução separando diversas partes da sua obra, apresenta certos inconvenientes: provoca, necessariamente, repetições. No entanto, preferi incorrer nessa censura, esperando gravar melhor no espírito do leitor poderosas correntes de pensamento e de ação que se entrechocavam durante a Revolução Francesa, –  correntes que se relacionam tão intimamente com a essência da natureza humana, que reaparecerão fatalmente nos sucessos históricos do futuro.

Quem conhece a história da Revolução sabe como é difícil evitar os erros de fatos nos pormenores das lutas apaixonadas cujo desenvolvimento se pretende narrar. Ficarei, pois, extremamente reconhecido àqueles que me indiquem os erros que devo ter cometido. E principalmente por testemunhar o mais intenso reconhecimento aos meus amigos James Guillaume e Ernest Nys, que tiveram a extrema bondade de ler o manuscrito e as provas e de me auxiliar nesse trabalho com os seus vastos conhecimentos e espírito crítico.

Piotr Kropotkin, 15 de março de 1909.

[7] 1. As Duas Grandes Correntes da Revolução


Duas grandes correntes prepararam e fizeram a Revolução. Uma, a corrente de ideias – a onda de ideias novas sobre a reorganização política dos Estados – vinha da burguesia. A outra, a da ação, vinha das massas populares – dos camponeses e dos proletários nas cidades, que queriam obter melhorias imediatas tangíveis para as suas condições econômicas. E quando essas duas correntes se encontraram num objetivo inicialmente comum, quando, durante certo tempo, se auxiliaram por uma forma recíproca, a Revolução desencadeou-se.

De há muito que os filósofos do século XVIII tinham minado as bases das sociedades cultas da época, nas quais o poder político e uma imensa parte das riquezas pertenciam à aristocracia e ao clero, enquanto a massa do povo continuava a ser a besta de carga dos poderosos. Proclamando a soberania da razão, pregando a confiança na natureza humana e declarando que esta, corrompida pelas instituições que, no decurso da história, impuseram ao homem a servidão, recuperaria, entretanto, integralmente, a sua liberdade, os filósofos abriram à humanidade novos horizontes.

Proclamando a igualdade de todos os homens, sem distinção de origem, e pedindo a obediência de todo o [8] cidadão – rei ou camponês – à lei, considerada a expressão da vontade da nação, visto que era feita pelos representantes do povo; pedindo, enfim, a liberdade dos contratos entre homens livres e a abolição das servidões feudais; formulando todas essas reclamações ligadas entre si pelo espírito sistemático e o método que caracterizam o pensamento do povo francês – os filósofos prepararam, pelo menos espiritualmente, a queda do antigo regime.

Isto, porém, por si só, não era bastante para fazer explodir a Revolução. Era ainda preciso passar da teoria à ação, do ideal concebido à sua realização em fatos; o estudo que, sobretudo, importa hoje à história é o das circunstâncias que permitiram à nação francesa, num dado momento, fazer o esforço preciso: começar a realização do ideal.

Por outro lado, muito tempo antes de 1789, já a França entrara num período de insurreição. O advento de Luiz XVI ao trono, em 1774, foi o prelúdio de uma série de motins da fome, que duraram até 1783. Seguiu-se um período de relativa calma; mas, desde 1786 e, principalmente, desde 1788, as insurreições dos camponeses recomeçaram com energia nova. A fome fora o motivo principal da primeira série de tumultos. Se a falta de pão continuava sendo uma das causas das sublevações, agora era, sobretudo, o desejo de não pagar os censos feudais que impelia os camponeses à revolta. Até 1789, o número desses motins foi aumentando e em 1789, enfim, generalizaram-se por todo o leste, o nordeste e o sudoeste da França.

Assim se decompunha o organismo social. Um levante popular, todavia, não é ainda uma revolução, mesmo quando assume proporções tão terríveis como as da sublevação dos camponeses russos em 1773, sob a bandeira de Pugatchov. Uma revolução é infinitamente mais do que unia série de insurreições nos campos e nas cidades. É mais que uma simples luta de partidos, por muito sangrenta que esta seja, mais que um combate nas ruas, e muito mais que uma simples mudança de governo, como a França realizou em 1830 e 1848. Uma revolução é o derrubamento rápido, em poucos anos, de instituições que levaram séculos a enraizar-se e que pareciam tão estáveis, tão imutáveis, [9] que os mais ardentes reformadores mal ousavam atacá-las nos seus escritos. É a queda, o despedaçamento, num reduzido número de anos, de tudo quanto constituía, até então, a essência da vida social, religiosa, política e econômica de uma nação, o derrubamento das ideias e das noções correntes sobre as complicadíssimas relações entre todas as unidades do rebanho humano. É finalmente, o desabrochar de novas concepções igualitárias quanto ao comércio entre cidadãos – concepções que breve se tornam realidades e começam, daí por diante, a irradiar-se pelas nações vizinhas, convulsionando o mundo e dando ao século seguinte a sua senha, os seus problemas, a sua ciência, as linhas gerais do desenvolvimento econômico, politico e moral.

Para adquirir tal importância, para um movimento assumir as proporções de uma revolução, como sucedeu em 1648-1688 na Inglaterra e em 1789-1793 em França, não basta produzir-se um movimento de ideias nas classes instruídas, seja qual for a sua profundeza, e não basta produzirem-se tumultos no seio do povo, por maiores que sejam o seu número e a sua extensão. É preciso que a ação revolucionária procedente do povo coincida com o movimento da ideia revolucionária dimanando das classes instruídas. É preciso a união de ambas.

Eis porque a Revolução Francesa, assim como a revolução inglesa do século precedente, se produziu no momento em que a burguesia, depois de se instruir largamente na filosofia do seu tempo, chegou à consciência dos seus direitos, concebeu um novo plano de organização política e, forte no seu saber, pertinaz na sua tarefa, sentiu-se capaz de se apoderar do governo, arrancando-o a uma aristocracia palaciana que impelia o reino à completa ruína, pela sua incompetência, pela tua leviandade, pela sua dissipação. Por si sós, porém, a burguesia e as classes instruídas nada teriam feito se, em consequência de múltiplas circunstâncias, a massa dos camponeses não se tivesse agitado também, e, por uma série contínua de insurreições que duraram quatro anos, não facultasse aos descontentes das classes médias a possibilidade de combater o rei e a Corte, derrocar as velhas instituições e mudar completamente o regime político do reino.

[10] Mas, a história desse duplo movimento ainda está por ser escrita.

A história da Grande Revolução Francesa foi feita e refeita muitas vezes, sob o ponto de vista de outros tantos partidos diferentes; mas, até hoje, os historiadores dedicaram-se, principalmente, a narrar a história política, a história das conquistas da burguesia sobre o partido da Corte e sobre os defensores das instituições da velha monarquia. Conhecemos perfeitamente o alvorecer da ideia que precedeu a Revolução; conhecemos os princípios que dominaram a Revolução, os quais se traduziram na sua obra legislativa; extasiamo-nos diante das grandes ideias que ela lançou no mundo e que o século XIX, mais tarde, procurou realizar nos países civilizados. Em suma, a história parlamentar da Revolução, as suas guerras, a sua política e a sua diplomacia foram estudadas e discutidas com todos os pormenores; mas a história popular da Revolução continua ignorada. O papel do povo dos campos e das cidades, nesse movimento, jamais foi narrado nem estudado em conjunto.

Das duas correntes que fizeram a Revolução, conhece-se a do pensamento, mas a outra corrente, a ação popular, nem sequer foi delineada.

A nós, descendentes daqueles a que os contemporâneos chamavam “anarquistas”, cabe o estudo dessa corrente popular, realçando-lhe, ao menos, os traços essenciais.

[11] 2. A Ideia


Para compreender bem a ideia que inspirou a burguesia de 1789, é mister apreciá-la segundo os seus resultados – os Estados modernos.

Os Estados cultos, que hoje vemos na Europa, mal se esboçavam pelo fim do século XVIII. A centralização dos poderes, que atualmente funciona, ainda não atingira a perfeição nem a uniformidade que em nossos dias lhe notamos. Esse formidável mecanismo que, a uma ordem dimanada de certa capital, põe em movimento todos os homens de uma nação, equipados para a guerra, e os leva a lançar a devastação nos campos e o luto nas famílias; esses territórios pejados de administradores cuja personalidade é totalmente apagada pela sua servidão burocrática e que obedecem maquinalmente às ordens provenientes de uma vontade central; essa obediência passiva dos cidadãos à lei, e esse culto da lei, do Parlamento, do juiz e dos seus agentes, que hoje verificamos; esse conjunto hierárquico de funcionários disciplinados; esse enxame de escolas mantidas ou dirigidas pelo Estado, nas quais se ensinam o culto do poder e a obediência; essa indústria cujas engrenagens trucidam o trabalhador que o Estado lhe entrega à discrição; esse comércio que acumula riquezas inauditas nas mãos dos açambarcadores do solo, das minas, das vias de comunicação e das riquezas naturais, e que mantém o Estado; enfim, essa ciência que, embora liberte o pensamento, embora centuplique as forças produtivas da humanidade, quer, no entanto, submetê-las ao direito [12] do mais forte e ao Estado, nada disto existia antes da Revolução.

Muito antes, contudo, da Revolução se anunciar pelos seus rumores, já a burguesia francesa, o Terceiro Estado, entrevira o organismo político que se ia desenvolver sobre as ruínas da realeza feudal. É muitíssimo provável que a Revolução inglesa contribuísse para mostrar ao vivo o papel que a burguesia iria desempenhar no governo das sociedades. E é certo ter a revolução em América estimulado a energia dos revolucionários em França; mas, já desde o começo do século XVIII, o estudo do Estado e da constituição das sociedades cultas fundadas na eleição de representantes, se tornara – devido a Hume, Hobbes, Montesquieu, Rosseau, Voltaire, Mably, d'Argenson, etc., – um estudo favorito a que Turgot e Adam Smith acrescentaram o estudo das questões econômicas e da missão da propriedade na constituição política do Estado.

É que, muito antes da Revolução explodir, o ideal de um Estado centralizado e bem-ordenado, governado pelas classes que possuem propriedades prediais ou industriais, ou que se entregam às profissões liberais, fora previsto e exposto num grande número de livros e de panfletos, nos quais os homens de ação da Revolução bebem, mais tarde, a sua inspiração e energia racional.

Eis porque a burguesia francesa, em 1789, no momento de entrar no período revolucionário, sabia bem o que queria.

Claro que não era republicana – e, hoje mesmo, sê-lo-á? – mas já não queria poder arbitrário do rei, do governo, dos príncipes e da corte, dos privilégios dos nobres que açambarcavam os melhores lugares no governo, e que só sabiam saquear o Estado, como saqueavam suas imensas propriedades, sem as valorizar. Era republicana nos seus sentimentos e queria a simplicidade republicana nos costumes, como nas nascentes repúblicas da América, mas também queria o governo das classes possuidoras.

Sem ser ateia, era um tanto livre-pensadora, mas de forma alguma detestava o culto católico. O que detestava, principalmente, era a Igreja com sua hierarquia e os seus bispos, a fazerem causa comum com os [13] príncipes, e os seus curas tornados instrumentos dóceis nas mãos dos nobres.

A burguesia de 1789 compreendia que – como cento e quarenta anos antes para a Inglaterra – chegara para a França o momento do Terceiro Estado apanhar o poder que caía das mãos da realeza; e sabia o que queria fazer dele.

Seu ideal era dar à França uma Constituição modelada sobre a Constituição inglesa. Reduzir o rei ao papel de simples escrivão depositador – por vezes poder ponderador – mas, sobretudo, encarregado de representar, simbolicamente, a unidade nacional.

Quanto ao verdadeiro poder eleito, devia ser entregue a um parlamento onde a burguesia instruída, representando a parte ativa e pensante da nação, dominaria o resto.

Ao mesmo tempo, o seu ideal era abolir todos os poderes locais ou parciais que constituíam outras tantas unidades autônomas no Estado; concentrar toda a força governamental nas mãos de um poder executivo central, estritamente vigiado pelo parlamento, – estritamente obedecido no Estado, e englobando tudo: imposto, tribunais, polícia, força militar, escolas, vigilância policial, direção geral do comércio e indústria, – tudo; proclamar, além disso, a liberdade completa das transações comerciais e, ao mesmo tempo, dar carta branca às empresas industriais para a exploração das riquezas naturais e igualmente dos trabalhadores entregues assim, sem defesa, àquele que lhes quisesse dar trabalho.

E tudo devia ser colocado sob fiscalização do Estado que favorecia o enriquecimento dos particulares e a acumulação das grandes fortunas – condições a que a burguesia desse tempo atribuía, necessariamente, grande importância, pois até a convocação dos Estados Gerais se realizara para impedir a ruína do Estado.

Sob o ponto de vista econômico, o pensamento dos homens do Terceiro Estado não era menos definido. A burguesia francesa lera e estudara Turgot e Adam Smith, criadores da economia política. Sabia que na Inglaterra já as suas teorias haviam sido aplicadas e invejava aos seus vizinhos burgueses de além-Mancha a sua poderosa organização econômica, assim como lhes [14] invejava o poder político. Sonhava com a apropriação das terras pela grande e pequena burguesia, e a exploração das riquezas do solo, até então improdutivo nas mãos dos nobres e do clero. E nisto tinha por aliados os pequenos burgueses camponeses, já numerosos nas aldeias, antes mesmo da Revolução lhes multiplicar o número. Entrevia já o rápido desenvolvimento da indústria e da produção das mercadorias em grande escala, com o auxílio da máquina, o comércio externo e a exportação dos produtos da indústria para além dos oceanos: os mercados do Oriente, as grandes empresas – e as fortunas colossais. Compreendia que, para chegar nesse ponto, era preciso, primeiro, quebrar os liames que prendiam o camponês à aldeia. Era preciso que ele tivesse a liberdade de deixar a sua cabana e fosse forçado a fazê-lo: que, levado a emigrar para as cidades em busca de trabalho, a mudar de patrão, desse ouro à indústria, em vez dos rendimentos que dantes pagava ao senhos – elevadíssimos para ele, mas, afinal, pouco lucrativos para o amo. Enfim, era preciso ordem nas finanças do Estado, impostos mais fáceis de pagar e mais produtivos.

Em suma, era necessário aquilo a que os economistas chamaram liberdade de indústria e de comércio, mas que significava, por um lado, libertar a indústria da vigilância meticulosa e prejudicial do Estado, e, por outro, obter a liberdade de explorar o trabalhador privado de liberdade. Acabavam-se as uniões de ofício, as associações operárias, as jurandas, que poderiam por qualquer freio à exploração do trabalho assalariado; acaba-se, também, a vigilância do Estado, que poderia contrariar o industrial; não mais impedimentos interiores para os patrões – e estrita proibição de “coligações” entre trabalhadores. “Deixar proceder” uns e impedir os outros de se coligarem.

Tal foi o duplo plano previsto pela burguesia. Por isso, quando se apresentou a ocasião de o realizar – forte pelo saber, pela clareza de vistas e pelo hábito dos “negócios”, a burguesia, sem hesitar sobre o conjunto nem sobre as minudências, trabalhou para fazer passar essas opiniões para a legislação. E usou de uma energia consciente e seguida, que o povo nunca teve, [15] devido a não conceber nem elaborar um ideal que pudesse opor ao dos senhores do Terceiro Estado.

Seria injusto dizer, é claro, que a burguesia de 1789 foi exclusivamente guiada por propósitos estreitamente egoístas. Si assim fosse, jamais teria alcançado êxito. É preciso sempre um pouco de ideal para vencer nas grandes transformações. Os melhores representantes do Terceiro Estado tinham, de fato, bebido nessa fonte sublime – a filosofia do século XVIII, que continha em germe todas as grandes ideias que depois surgiram. O espírito eminentemente científico dessa filosofia, o seu caráter profundamente moral, pois zombava da moral convencional, a sua confiança na inteligência, a força e a grandeza do homem livre quando vivesse rodeado de iguais, o seu ódio às instituições despóticas – tudo isso se encontra nos revolucionários da época. Onde teriam eles ido buscar força de convicção e de dedicação de que deram prova na luta? Também é preciso reconhecer que, mesmo entre aqueles que mais trabalharam para realizar o programa de enriquecimento da burguesia, havia quem acreditasse sinceramente que o enriquecimento dos particulares seria o melhor meio de enriquecer a nação em geral. Não estavam disso convencidos os melhores economistas, com Smith à frente?

Mas, por muito elevadas que fossem as ideias abstratas de liberdade, igualdade, progresso livre, em que se inspiravam os homens sinceros da burguesia de 1798-1793, é pelo seu programa prático, pela aplicação da teoria, que devemos apreciá-los. Por que fatos se traduziria a ideia abstrata na vida real? Isso é que revelaria o seu verdadeiro valor.

Pois bem! Se é justo reconhecer que a burguesia de 1789 se inspirava em ideias de liberdade, igualdade (perante a lei) e de libertação política e religiosa – essas ideias, desde que se avolumavam, traduziam-se positivamente pelo duplo programa que acabamos de esboçar: liberdade de utilizar as riquezas de toda espécie para o enriquecimento pessoal, assim como a de [16] explorar o trabalho humano, sem nenhuma garantia para as vítimas da exploração e organização do poder político, entregues à burguesia de forma a assegurar-lhe a liberdade dessa exploração. E breve veremos as lutas terríveis que se travaram em 1793 quando uma parte dos revolucionários quis ultrapassar esse programa.

[17] 3. A Ação


E o povo? Qual era sua ideia?

Também o povo sofrerá, até certo ponto, a influência da filosofia do século. Por mil vias indiretas, os grandes princípios de liberdade e libertação tinham-se infiltrado até nas aldeias e nos arrabaldes das grandes cidades. Desaparecia o respeito pela realeza e pela aristocracia. Ideias igualitárias penetravam nos meios mais obscuros. Clarões de revolta atravessavam os espíritos. A esperança de uma próxima transformação fazia, por vezes, bater mais forte os corações dos mais humildes. — “Não sei o que vai suceder, mas alguma coisa deve suceder, e dentro de pouco tempo”, dizia, em 1787, uma anciã a Artur Young, que percorria a França nas antevésperas da Revolução. E “alguma coisa” devia trazer um alívio às misérias do povo.

Discutiu-se, ultimamente, si o movimento que precedeu a Revolução e a própria Revolução conteria um elemento de socialismo. A palavra “socialismo” não existia ainda, certamente, pois data de meados do século XIX. A concepção do Estado capitalista a que a fração social-democrata do grande partido socialista procura reduzir hoje o socialismo, não dominava, de certo, ao ponto em que domina atualmente, pois os fundadores do “coletivismo” social-democrata, Vidal e Pecqueur, só escreveram de 1840 e 1849. Não podemos, contudo, ler hoje as obras dos escritores precursores da Revolução, sem nos sentirmos impressionados pela forma como esses escritos estavam imbuídos das [18] ideias que constituem propriamente a essência do socialismo moderno. 

Duas ideias fundamentais – da igualdade de todos os cidadãos nos seus direitos a terra, e aquela que presentemente conhecemos pelo nome de comunismo, encontravam dedicados partidários entre os enciclopedistas, assim como entre os mais populares escritores da época, como Mably, d'Argenson e outros de menor importância. É muito natural que, estando ainda a grande indústria na sua infância, e sendo a terra o capital por excelência, o instrumento da exploração do trabalho, e não a fábrica, que mal começava a constituir-se – é muito natural que fosse para a posse em commum do solo que se voltasse especialmente o pensamentos dos filósofos e, mais tarde, o pensamento dos revolucionários do século XVIII. De fato, desde 1768 (Dúvidas sobre a Ordem Natural e Essencial das Sociedades), não pedia Mably – que, muito mais do que Rousseau, inspirou os homens da Revolução, – a igualdade para todos no direito ao solo e à posse comunista do solo? e a ideia dominante dos escritores precursores da Revolução, assim como da ala esquerda dos revolucionários durante a própria tormenta, não era o direito da nação a todas as terras e propriedades urbanas, assim como a todas as riquezas naturais – florestas, rios, quedas d'água, etc.?

Infelizmente, essas inspirações comunistas não assumiram forma clara, concreta, nos pensadores que queriam a felicidade do povo. Enquanto, na burguesia instruída, as ideias de libertação se traduziam por um programa completo de organização política e econômica, ao povo só se apresentavam sob a firma de vagas aspirações as ideias de libertação e de reorganização econômicas. Muitas vezes, eram até simples negações. Aqueles que falavam ao povo não tentavam definir a forma concreta sob a qual esses objetivos ou essas negações se poderiam manifestar. Dir-se-ia mesmo que evitavam defini-las. Conscientemente ou não, pareciam dizer consigo: “Para que falar ao povo da forma por que se organizará mais tarde? Isso amortecer-lhe-ia a energia revolucionária. Basta-lhe a força de ataque para marcar para o assalto das velhas instituições. Depois, veremos como nos havemos de arranjar”.

[19] Quantos socialistas e comunistas procedem ainda da mesma maneira! Impacientes por apressarem o dia da revolta, acusam de utópicas todas as tentativas de lançar alguma luz sobre o que a Revolução deverá procurar introduzir. 

É preciso dizer, também, que à ignorância dos escritores – quasi todos cidadãos e estudantes – cabe a maior culpa. Por isso, em toda aquela multidão de homens instruídos e habituados aos “negócios do Estado”, que foi a assembleia, etc., – só dois ou três membros legistas conheciam os direitos feudais, e sabe-se que na Assembleia havia pouquíssimos representantes dos camponeses que, por experiência pessoal, estivessem ao par das necessidades da aldeia. 

Por essas razões diversas é que a ideia popular se exprimia principalmente por meras negações. — “Queimem-se os registros onde estão consignados os censos feudais! Abaixo os dízimos! Abaixo o Beto! À fôrca os aristocratas!” Mas, para quem a terra livre? Para quem a herança dos aristocratas guilhotinados? Para quem o poder do Estado, que caía das mãos do Veto para se tornar nas da burguesia uma força tão formidável como sob o antigo regime?

Esta falta de clareza nas concepções do povo, quanto ao que podia esperar da Revolução, ficou impressa em todo o movimento. Enquanto a burguesia caminhava com passo firme e decidido para a constituição do seu líder político num Estado que procurava amoldar as intenções, o que poderia fazer do poder conquistado, afim de o tornar vantajoso a lei Agrária e de nivelamento das fortunas começaram a definir-se, encontraram obstáculos em todos os preconceitos sobre a propriedade, dos quais estavam imbuídos mesmo aqueles que tinham esposado sinceramente a causa do povo. 

Igual conflito se produziu nas concepções sobre a organização política do Estado. Vê-se isso, sobretudo, na luta que se trava entre os prejuízos governamentais dos democratas da época e as ideias que desabrocharam no seio das massas, a respeito da descentralização [20] política, do papel preponderante que o povo queria dar as suas municipalidades, as suas secções nas grandes cidades, e assembléias de aldeia. Daí toda essa série de conflitos sangrentos que surgiram na Convenção. E daí, também, a incerteza dos resultados da Revolução para a grande massa do povo, a não ser no que respeita as terras retomadas aos senhores laicos e religiosos e livres dos direitos feudais. 

Si as ideias do povo, porém, eram confusas sob o ponto-de-vista positivo, eram pelo contrário muito nítidas, a certos respeitos, nas suas negações. 

Em primeiro lugar, o ódio do pobre contra toda essa aristocracia indolente, ociosa, perversa, que o domina, quando a negra miséria reinava nos campos e nas escuras ruelas das grandes cidades; depois, o ódio ao clero que, pelas suas simpatias, mais pertencia à aristocracia do que ao povo que o mantinha; o ódio contra as instituições do antigo regime, as quais tornavam a pobreza ainda mais dolorosas visto que se recusavam a reconhecer ao pobre os direitos humanos; o ódio pelo regime feudal e pelos seus censos, que punham o cultivador num estado de servidão para com o proprietário, isto quando a servidão pessoal já não existia; e, enfim, o desespero do camponês quando, nesses anos de escassez, via a terra ficar inculta nas mãos dos senhores, ou a servir de lugar de divertimento para os nobres, enquanto a fome invadia as aldeias – esse ódio, que há tanto tempo crecia e chegará a maturação, à medida que o egoísmo dos ricos se afirmava cada vez mais no decorrer do século XVIII, e essa necessidade da terra, esse grito do camponês, esfaimado e revoltado contra o senhor que o impedia de a cultivar, atiçaram o espírito de revolta desde 1788. E foram esse mesmo ódio e essa mesma necessidade – juntamente com a esperança de êxito – que ampararam, durante os anos de 1789-1793, as contínuas revoltas dos camponeses – revoltas que a burguesia permitiram derrubar o antigo regime e organizar o seu poder sob outro regime, o do governo representativo. 

Sem essas insurreições, sem essa completa desorganização dos poderes na província, produzida pelos incessantes tumultos, sem essa disposição do povo de [21] Paris e de outras cidades a armar-se e marchar contra as fortalezas da realeza todas as vezes que os revolucionários apelavam para o povo – sem isso, o esforço da burguesia de-certo não alcançaria êxito. Mas, é também a essa força sempre viva da Revolução – ao povo pronto a pegar em armas – que os historiadores da Revolução ainda não prestaram a justiça que a história da civilização lhe deve.

[23] 4. O Povo Antes da Revolução


Séria inútil determo-nos aqui para descrever minuciosamente a existência dos camponeses nos campos e das classes pobres nas cidades, antes de 1789. Todos os historiadores da grande Revolução tem consagrado páginas eloqüentissimas ao assunto. O povo gemia sob o fardo dos impostos cobrados pelo Estado, dos censos pagos ao senhor, dos dizimos percebidos pelo clero e dos rudes trabalhos impostos pelos três. Populações inteiras estavam reduzidas a mendicidade e percorriam as estradas em número de cinco, dez, vinte mil homens, mulheres e crianças em cada província; cento e onze mil mendigos se verificavam, oficialmente, em 1777. Nas aldeias, a penúria passara a estado crônico; chegava a curtos intervalos e dizimava províncias inteiras. Então, os aldeões fugiam em massa das suas províncias, na esperança, cedo desiludida, de encontrar melhores condições noutra parte. Ao mesmo tempo, nas cidades, a multidão dos pobres crecia de ano para ano. Faltava constantemente o pão; e, como a municipalidade se encontravam incapazes de abastecer os mercados, os tumultos da fome, sempre seguidos de matanças, eram comuns na vida do reino. 

Por outro lado, essa requintada aristocracia do século XVIII dispendia, num luxo desenfreado, absurdo, fortunas colossais – centenas de milhares e milhões de francos de rendimento por ano. Perante a vida que levavam, um Taine pode hoje extasiar-se, porque só a conhece de longe, a cem anos de distância, pelos livros; mas, [24] na realidade, sob os exteriores ensaiados pelo mestre-sala e por detrás de uma cega dissipação, a mais cruel sensualidade, a ausência de utilidade, de todo pensamento, e até dos mais simples sentimentos humanos. 

O tédio costumava bater a porta desses ricos, que contra eles usavam, em vão, é claro, de todos os meios, os mais fúteis, os mais infantis. Bem se viu, aliás, o que valia essa aristocracia quando a Revolução explodiu: os aristocratas, importando-se pouco de defender o “seu” rei e a “sua” rainha, se apressaram a emigrar e a chamar em seu socorro a inversão estrangeira, afim de os proteger contra o povo revoltado. A sua coragem e “nobreza” de caráter podem ser apreciadas nas colônias de emigrados que se formavam em Coblentz, em Bruxelas e Mitau…

Esses extremos de luxo e de miséria, tão freqüentes no século XVIII, foram admiràvelmente descritos por todos os historiadores da Grande Revolução. É preciso, porém, acrecentar um ponto, cuja importância ressalta principalmente quando se estudam as condições atuais dos camponeses na Rússia, antes da grande Revolução russa. 

A miséria da grande massa dos camponeses franceses era, de-certo, medonha. Fora-se agravando sem cessar, desde o reinado de Luiz XIV, a medida que as despesas do Estado aumentavam e que o luxo dos senhores refinava, tomando esse carater de extravagância de que nos falam tão bem certas memórias da época. O que, sobretudo, é que uma grande parte da nobreza, na realidade arruinada, mas ocultando a sua pobreza sob aparência de luxo, se encarniçava em arrancar aos camponeses o máximo possível de rendimentos, exigindo deles até os menores pagamentos e censos em gêneros outrora estabelecidos pelo costume, e tratando-se, por intermédio de intendentes, com todo o rigor de simples usurarios. O empobrecimento da nobreza tornava nobres, mas suas relações com os ex-servos, burgueses ávidos de dinheiro, incapazes de encontrar outras fontes de rendimento que não fosse a exploração dos antigos privilégios, restos da época feudal. 

Eis porque se encontram, num certo número de documentos, vestígios incontestáveis de uma [25] recrudecência das exações dos senhores durante os quinze anos de reinado de Luiz XVI, que precederam 1789.

Mas, si os historiadores da grande Revolução têm razão de desenhar quadros muito sombrios da condição dos camponeses, seria falso concluir que os outros historiadores (como Tocqueville, por exemplo) que falam de melhoramento das condições nos campos, nos mesmos anos precedentes à Revolução, não estejam com a verdade. O fato é que um duplo fenômeno se realizava, então, nas aldeias: o empobrecimento em massa dos camponeses e o melhoramento da sorte de alguns deles. Vê-se isso, hoje, muito bem, na Rússia, após a abolição da servidão. 

A massa dos camponeses empobrecida. De ano para ano, a sua existência se tornava mais incerta; a menor seca produzia a carestia e a fome. Uma nova classe, porém, de camponeses um tanto remediados e ambiciosos, se constituía ao mesmo tempo – principalmente onde a decomposição das fortunas nobiliarias se efetuará mais rápidamente. Surgia a burguesia da aldeia, o camponês emburguesado, e foi ele que, aos primeiros albores da Revolução, primeiro falou contra os direitos feudais e pediu a sua abolição. Foi ele que, durante os quatro ou cinco anos que durou a Revolução, exigiu tenazmente a abolição dos direitos feudais sem indenização – isto é, a confiscação dos bens e a divisão dos bens confiscados.

Foi ele, enfim, que mais se encarniçou em 1793 contra os “azues”, os ex-nobres – os ex-senhores.

Nesse momento, as proximidades da Revolução, é com ele, esse camponês tornado notável na sua aldeia, que a esperança entra nos corações e o espírito de revolta amadurece.

São evidentes os vestígios desse despertar, porque, de 1786 em diante, as revoltas se tornavam cada vez mais freqüentes. É preciso dizer que, si o desespero da miséria impelia o povo ao motim, era a esperança de obter alguma melhoria que o levava a revolução.

Como todas as revoluções, a de 1789 foi movida pela esperança de chegar a certos resultados importantes. 

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