sexta-feira, 24 de julho de 2020

Notas sobre o anarquismo

Imagem que encontramos no Google imagens.


Resumo: algumas notas sobre como compreender adequadamente a existência histórica e social da doutrina anarquista.


1. A luta de classes e o anarquismo


O anarquismo é uma doutrina social historicamente determinada pelas condições gerais da luta de classes no seio do modo de produção capitalista. Os próprios militantes tinham consciência disto. Vamos citar alguns exemplos.

Inicialmente, a crítica anarquista se volta contra toda a dominação humana. É verdade que a crítica da dominação humana no geral é um fato tão antigo quanto a existência da própria dominação, mas o anarquismo é um fato da sociedade capitalista e não uma realidade trans-histórica.

  • Exemplo: a “primeira publicação comunista libertária” da história, segundo Max Nettlau, foi o jornal “L'Humanitaire, Organe de la Science Sociale”, publicado em Paris no ano de 1841. Segundo seus redatores, o objetivo deles era realizar a necessidade de desenvolver um “plano de uma organização social onde toda dominação do homem pelo homem seja inteiramente abolida: nós daremos esse plano neste jornal” (L'Humanitaire, Nº 1, julho de 1841).

Depois das lutas de 1848, o antagonismo de classes central da sociedade capitalista (a luta entre proletariado e burguesia) se torna evidente, de modo que um dos principais autores do L'Humanitaire, o operário Joseph Déjacque, escrevera que:

Ernest Coeurderoy e Octave Vauthier (…) profetizam a regeneração da sociedade pela invasão dos cossacos das estepes. Para formular esse julgamento, eles se baseiam na analogia que eles veem entre a nossa sociedade em decadência e a decadência do império romano. (…) Mas não. As condições não são as mesmas. (…)  É dos campos arados, é do fundo das fábricas, é levando, nessas enchentes de homens e de mulheres, a foice e a tocha, o martelo e o fuzil;  é vestido com a roupa do camponês e com a blusa do operário; (…) é sob o nome genérico de proletariado (…) que, sublevando em ondas enormes que, estimuladas por seu crescimento insurrecional, irromperão com a torrente devastadora. (…) A Civilização oligárquica deve ceder o terreno para a Anarquia Social. Estando a Europa conquistada e livremente organizada, a América, por sua vez, terá que se socializar. (…) Negros e brancos, crioulos e pele-vermelhas então fraternizarão e formarão uma única e mesma raça. Os negricidas e os proletaricidas, os anfíbios do liberalismo e os carnívoros do privilégio vão recuar como crocodilos e ursos diante do progresso da liberdade social (Le libertaire, Journal du Mouvement Social, N° 16, agosto de 1859).

Portanto, fica nítido que o processo histórico vai influenciar na consciência e na consistência do comunismo libertário na luta de classes, uma vez que o anarquismo será uma doutrina social que o proletariado utilizará na luta por sua auto-emancipação.

No entanto, a primeira organização formalmente orientada segundo os princípios da doutrina libertária só apareceu em outubro de 1866. Trata-se da Aliança da Democracia Socialista (ADS), uma organização internacional secreta fundada por Mikhail Bakunin em Genebra, que adotava um programa socialista e revolucionário de tendência libertária. Nos Estatutos Secretos da Aliança, vemos a adoção deliberada do conceito de anarquia: “Não tememos, pois invocamos a anarquia, convencidos que desta anarquia, ou seja, a manifestação completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a justiça, a nova ordem, e a força mesma da Revolução contra a Reação”.

Vale destacar que a perseguição política que sofreram os comunistas libertários (que levou ao exílio de Déjacque da França) retardou os posicionamentos libertários por um tempo. Isso explica o predomínio, em um primeiro momento, de proudhonianos na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), que não podem ser confundidos com anarquistas.

O “coletivismo” só apareceria com a radicalização dos posicionamentos assumidos nos Congressos da AIT,

No Congresso de Basileia (1869), os proudhonianos/mutualistas são finalmente ostracizados. Neste caso, passa a predominar o que ficou conhecido como a ala “coletivista” na AIT. No entanto, o “coletivismo” era uma noção heterogênea e em construção, uma vez que agregava, sem muita coesão, a grande média dos internacionais (ou seja: era apenas um agregado, uma maioria).

A luta de classes se acentua e, em meio à guerra franco-prussiana, eclode a Comuna de Paris (1871), onde o proletariado vai sentir o vigor de seu programa de emancipação social, no sentido de compreender a necessidade histórica de seus objetivos (que não seriam mais vistos como sonhos irrealizáveis, pois a Comuna demonstrou na prática a necessidade humana do socialismo como o movimento de superação do capitalismo).

Um dos communards que sobreviveu à derrota sangrenta do movimento revolucionário, Benoît Malon, escreveu alguns artigos (publicados no La République Républicaine, um jornal radical de Lyon, em janeiro de 1872) dedicados à história da Internacional. Num desses artigos, ele descreve o “coletivismo” citando (embora não diga explicitamente a quem se refere) um “delegado no Congresso de Basileia” (MALON, 2014, p. 84):

Antes que o homem seja formado, dizemos: A cada um segundo suas necessidades. Quando ele está formado, dizemos: A cada um segundo suas obras. Eis o coletivismo [Referência: MALON, Benoît. A Internacional: sua história e seus princípios. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Imaginário, 2014].

Portanto, a Comuna impulsionou o processo de recuperação dos posicionamentos libertários originais (já expostos no L'Humanitaire, citado acima). Esse processo vai culminar com a generalização do programa anarco-comunista como expressão mais avançada da doutrina social libertária, precisamente no ano de 1880 (e ao longo da década que se inicia com esse ano). O documento que marca a reconstituição do comunismo libertário é o comunicado “Anarchie et communisme”, lido por Carlo Cafiero em 1880 no congresso da federação jurassiana da AIT em Chaux-de-Fonds, Suíça. O texto foi publicado pela primeira vez no mesmo ano, em Genebra, no jornal anarquista Le Révolté (editado por Élisée Reclus, que também havia sido um communard). A homologia entre o “Anarquia e Comunismo” e o “Sobre a troca” (1858) de Joseph Déjacque é deveras evidente.

A perspectiva classista, no sentido de assumir deliberadamente uma posição no antagonismo de classes, já havia sido construída no seio da AIT (cujo lema era: “a libertação da classe trabalhadora deve ser obra da própria classe trabalhadora”). Desde então será comum ao anarquismo a ideia de luta de classes. Por exemplo: no livro A caminho da sociedade nova, escrito e publicado originalmente em 1900 pelo anarco-comunista holandês Christianus Gerardus Cornelissen, a “questão social” aparece dessa forma (p. 8, 1907, grifos originais):

A vida dos povos não é mais que uma lucta continua para se manterem economicamente, da mesma forma que a vida do indivíduo é, antes de tudo, uma lucta para a sua existência material (…). A sua vida intellectual e moral; festas nacionaes, religião, relações de amizade ou de hostilidade com os outros povos, – tudo isto deve ser tomado á conta de interesses materiaes. São esses mesmos interesses, que teem engendrado e prolongado, até o presente, os antagonismos entre os povos e perpetuado a divisão de classes entre cada uma das sociedades modernas (…). Enfim, a exploração do homem pelo homem, veio a ser designada sob o nome de salariato, em nossos dias, em que as massas trabalhadoras se acham reduzidas á condição de classe não possuidora, ou de proletariado (CORNELISSEN, Christiano. A caminho da sociedade nova. Lisboa: Guimarães, 1907).

Em suma, os propositores da doutrina anarquista possuem autoconsciência de sua condição de existência, pois esta doutrina social é justamente o modo pela qual se expressa o interesse de classe do proletariado em abolir o salariato como relação de produção baseada na exploração humana.

2. A doutrina social anarquista


Como bem dissera Errico Malatesta, nós, anarquistas, não queremos “libertar o povo”, pois consideramos impossível que a emancipação humana seja obra de uma dádiva divina que é dada de uns para os outros.

Os anarquistas querem que o proletariado se auto-emancipe, a partir de suas próprias forças (cf. Malatesta, in: L’Agitazione, Ancona, Nº 15, junho de 1897). A isso pode-se objetar o seguinte: qual seria o papel do anarquismo então? Ao que respondemos: trata-se de uma doutrina social (teoria e prática) revolucionária que nós construímos no seio do movimento social proletário, justamente porque, em primeiro lugar, a anarquia proveio das próprias lutas proletárias. Por exemplo: foi o «operário» Joseph Déjacque que inventou o termo libertário, num panfleto em forma de carta criticando o patriarcalismo de Proudhon (veja-se: link).

Pois bem, isso significa que a minoria anarquista «inerente» ao movimento social proletário deveria dirigir a maioria em prol de seus objetivos de classe? Sim, isso mesmo, apesar de alguns de nós ter certa relutância em admitir esse fato.

A formação de lideranças é uma tendência que emerge necessariamente nos movimentos sociais. No entanto, nossa doutrina social é explícita no que diz respeito a essa «direção revolucionária»: esta não se funda, de forma alguma, numa distinção abstrata entre vanguarda e massas, justamente porque a liderança é apenas um meio de canalizar a energia criativa das massas. Os anarquistas estão convictos da força autônoma de sua própria classe social, portanto contribuem para fazê-la convergir aos objetivos históricos que são do próprio proletariado.

Até mesmo as ideias que desenvolvemos na parte teórica de nossa doutrina são o produto coletivo das massas que precisam ser sintetizadas pelos elementos mais conscientes da necessidade do povo, conforme descreve Déjacque:

As ideias não têm essência autocrática e divina, como tentaram nos inculcar em nossa infância, mas uma essência democrática e humana. Elas não caem do céu, elas crescem do chão. Elas não descem de um para todos, sobem de todos para um, para poucos, para cada um. A seiva desce do caule até a raiz? Não; é a seiva, pelo contrário, que sobe da raiz para o caule. O pensador que emite uma nova ideia, que exala um perfume da testa, apenas emite essa ideia, exala esse perfume, apenas porque ele a desenhou da multidão no estado de elaboração, da comida dispersa e clandestina: ao florescer à luz do dia, apenas resume, como a planta em flor, os sucos destilados pelo caule. Ninguém pode afirmar ser o proprietário ou mesmo o produtor exclusivo de uma ideia (Les Idées, in: Le Libertaire, Journal du mouvement social, Nº 18, 26 out 1859).

Em outras palavras: a posição de “líder anarquista” é adquirida somente quando os responsáveis por essa função sejam: 1) imanentes à classe e 2) intransigentes quanto ao projeto emancipatório da própria classe ao qual pertencem. Ou seja: lutam para realizar o programa comunista e não para ocuparem permanentemente a posição de “líderes” – que tende a dissolver quanto mais o objetivo comunista se concretiza.

Os meios pelos quais os anarquistas buscam atingir os objetivos do programa que eles constituem no movimento proletário derivam da aprovação moral que os mesmos conquistam ao inspirar a doutrina libertária no espírito do proletariado. Como dissera Kropotkin:

Este direito de usar a força da humanidade não a nega àqueles que a conquistaram; embora esse direito seja exercido nas barricadas ou ao redor de uma esquina. Mas para que tal ato produza uma profunda impressão nos espíritos, é necessário conquistar esse direito. Caso contrário, o ato – útil ou não – seria considerado um simples ato brutal (Piotr Kropotkin, A Moral Anarquista, originalmente publicada em Paris, na revista “La Révolte”, em 1891).

Na Plataforma, seus redatores utilizaram o conceito de “iniciadora” (zastrelchtchik) para se referir à função diretiva da União Geral dos Anarquistas (partido anarquista). Mas não vamos desenvolver aqui as ideias organizacionais do anarquismo, pois isso exigiria um balanço histórico mais aprofundado.

Consequentemente, não somos educacionistas, isto é, não consideramos necessário que haja uma “educação do povo” para prepará-lo para sua emancipação. Daí a resposta sarcástica de Bakunin aos socialistas burgueses: “Gosto muito destes bons socialistas burgueses que sempre dizem: ‘Primeiro vamos instruir o povo, e depois emancipá-lo’. E nós, ao contrário, dizemos: Primeiro emancipá-lo e ele se instruirá por si mesmo” (L'Egalité, Nº 31, 21 ago 1869, disponível em: link).

Também é neste mesmo sentido que compreendemos a questão da ciência em nossa doutrina. O estudo científico, ainda segundo Bakunin, pode oferecer as orientações gerais do processo histórico para o qual tendemos, mas não é o movimento social em si. “Numa palavra, a ciência é a bússola da vida; mas não é a vida. (...) A ciência não cria nada, constata e reconhece, somente, as criações da vida” (veja-se: A vida e a ciência no pensamento de Mikhail Bakunin). Portanto, a criação de nossa história concerne a nossas próprias ações combinadas coletivamente (para levar até às últimas consequências uma tendência geral existente em ato).

Neste caso, não vamos esperar a aprovação de nossas ações por um comitê científico da mesma sociedade que pretendemos destruir. Não vamos esperar, por exemplo, que a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) reconheça nosso movimento social como válido. Nenhuma instituição de saber da própria vida social burguesa é capaz de participar de sua própria aniquilação. Por isso que essa destruição vem do exterior da academia, do proletariado associado a partir de um programa revolucionário que lhe é próprio. E também é por isso que seremos taxados de anti-científicos, mesmo por aqueles que são, supostamente, críticos do cientificismo.

Dirão, com efeito, que somos “ideológicos”. Ao que respondemos com firmeza: a ideologia é o sistema de ideias que justifica e perpetua a dominação social atualmente existente. Uma vez que somos os algozes desse sistema social, também somos os carrascos da ideologia.

Mas vejamos melhor, na próxima seção, como distinguir entre ideologia e teoria revolucionária para, em seguida, definir o anarquismo como uma doutrina social imanente ao movimento social proletário.

3. Diferenças entre ideologia e teoria revolucionária


A ideologia é um sistema de ideias e valores que são congruentes com uma determinada dinâmica social. Uma ideologia pode almejar conservar, restaurar ou construir um conjunto de relações sociais, mas, em qualquer um desses casos, a natureza desse sistema de ideias e valores se reduz à sua perspectiva deontológica, isto é, deriva de um “dever ser” segundo uma vontade particular. Portanto, tende a moldar um movimento social congruente com essas ideias (que é o contrário de moldar uma deontologia a partir de um movimento social já existente em ato).

Por outro lado, a teoria revolucionária é um conjunto de ideias que se desenvolvem a partir de um determinado movimento social que já existe objetivamente no processo histórico. Essas ideias buscam sintetizar os objetivos específicos de acordo com os interesses das forças sociais (por exemplo: classes sociais) que compõem esse movimento. Portanto, a deontologia da teoria revolucionária é consequência do interesse material das próprias forças sociais que compõem o movimento revolucionário existente em ato. O programa revolucionário não é outra coisa senão a autoconsciência de uma transformação histórica da qual seus participantes são os sujeitos ativos (conduzem uma dinâmica já existente até suas últimas consequências).

A ideologia tende a se auto-conservar como um domínio formalmente separado da dinâmica social, onde os ideólogos colocam sua deontologia em oposição ao movimento real da história. Neste caso, tende a conformar a realidade aos seus próprios valores, considerando o processo histórico como contingência diante da existência, mais ou menos estável, de seus princípios (daí o caráter conservantista das ideologias).

A teoria revolucionária tende a se atualizar como uma força intelectual congruente com a atividade social dos grupos sociais que compõem um determinado movimento histórico, portanto: tende a coincidir com a auto-transformação da realidade (da qual seus membros são sujeitos ativos, causa eficiente). Neste caso, a realidade é tanto mais compreendida quanto mais seus participantes se tornam responsáveis por seu próprio devir.

Neste sentido, a ideologia tende a se tornar cúmplice de certos aspectos do sistema social vigente para se auto-confirmar enquanto tal, enquanto que a teoria revolucionária é condicionada a ser, necessariamente, uma necrologia do sistema social que visa revolucionar.

4. O anarquismo como doutrina social


O uso do termo “ideologia” é exógeno aos anarquistas da aurora do movimento libertário. Aqueles que se dizem anarquistas devem abdicar de seu uso para caracterizar o anarquismo.

O que colocar no lugar de “ideologia”? Errico Malatesta, Edgard Leuenroth, José Oiticica e Neno Vasco costumavam afirmar algo bem mais adequado: o anarquismo é uma doutrina social. Numa síntese sucinta de Nestor Makhno, em uma carta para Malatesta, ele afirma: “o anarquismo é uma doutrina social revolucionária que deve inspirar os explorados e oprimidos” (Uma segunda carta a Malatesta).

Para Emma Goldman, o anarquismo seria uma “filosofia social”. Isso não deixa de estar correto, mas trata-se apenas das conclusões teóricas da doutrina, sua filosofia prática.

Kropotkin teria escrito sobre “as bases científicas da anarquia” em 1887, sugerindo uma espécie de “anarquismo científico”, mas seria equivocado reduzir o anarquismo ao seu aspecto científico. Vejamos o que ele dizia:

Quanto ao método seguido pelo pensador anarquista, ele difere em grande parte do seguido pelos utópicos. O pensador anarquista não recorre a concepções metafísicas (como os “direitos naturais”, os “deveres do Estado” e assim por diante) para estabelecer quais são, em sua opinião, as melhores condições para realizar a maior felicidade da humanidade. (…) Ele estuda a sociedade e tenta descobrir suas tendências, passadas e presentes, suas necessidades crescentes, intelectuais e econômicas; e, em seu ideal, ele apenas aponta em que direção a evolução segue. (…) O ideal do anarquista é, portanto, um mero resumo do que ele considera ser a próxima fase da evolução. Não é mais uma questão de fé; é um assunto para discussão científica (KROPOTKIN, 1887, pp. 238-239).

Não obstante, o mesmo Kropotkin é autor de um ensaio sobre “moralidade anarquista” (1891), onde ele busca fundamentar uma ética libertária com base no naturalismo, mas sem anular, com isso, o caráter prescritivos dos enunciados morais (que ele toma por “conselhos” acerca do que tornaria a vida humana mais intensa e próspera).

De todo o modo, uma doutrina social já pressupõem uma determinada moralidade, uma filosofia, dentre outras coisas no seu programa. Como dissera André Girard:

A doutrina preconizada pela Anarquia é o anarquismo. Esta doutrina não é, de nenhum modo, uma concepção de sonhadores. É, pelo contrario, a conclusão social da filosofia e de toda a ciência moderna que tem por objetivo o estudo do homem e da sociedade. As bases do anarquismo são ao mesmo tempo filosóficas, morais, políticas e econômicas (in: LEUENROTH, Edgard. Anarquismo, roteiro da libertação social. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1963, página 31).

Por fim, vale destacar que também é necessário pensar a parte que envolve prática histórica, o movimento social considerado objetivamente (as diversas formas de intervenção dos anarquistas na luta de classes). Consideramos que mesmo nesse caso se conserva a utilidade da caracterização do anarquismo como uma «doutrina social», pois se trata de um método revolucionário que emerge e se desenvolve dentro do movimento social proletário.

O movimento social realmente existente é o antagonismo prático da classe dominada contra a classe dominante, a tendência histórica imanente da classe proletária se constituir enquanto tal, isto é, se formar como classe revolucionária. O anarquismo é uma «doutrina social» no sentido de que é o meio pelo qual a classe proletária forma seu partido revolucionário e conduz seu programa de emancipação.

Analogamente, o liberalismo havia sido a «doutrina social» que a burguesia usou para assumir o poder político (formar seu próprio Estado).

Como sintetizou Carlo Cafiero no já citado “Anarchie et communisme”:

Hoje, a anarquia é ataque, a guerra contra toda autoridade, contra todo poder, contra todo Estado. Na sociedade futura, a anarquia será a defesa, a prevenção contra o restabelecimento de toda autoridade, de todo poder, de todo Estado: a plena e inteira liberdade do indivíduo que, livremente e levado unicamente por suas necessidades, por seus gostos e simpatias, se une a outros indivíduos no grupo ou na associação; será o livre desenvolvimento da associação que se federa com outras na comuna ou no bairro; o livre desenvolvimento das comunas que se federam na região – e assim por diante: as regiões no país; os países na humanidade.

O comunismo, a questão que especialmente estamos tratando hoje, é o segundo aspecto de nosso ideal revolucionário.

O comunismo atualmente ainda é ataque; é a destruição da autoridade, mas é a tomada de posse, em nome de toda humanidade, de toda riqueza existente no mundo. Na sociedade futura, o comunismo será o gozo de toda riqueza existente por todos os homens e segundo o princípio: de cada um segundo suas faculdades, para cada um segundo suas necessidades, quer dizer: de cada um e para cada um de acordo com sua vontade.

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